A Nona sinfonia de Ludwig Van Beethoven (1770-1827) guarda silêncios. Somente quem é tocado pelos caminhos entre a literatura e a música pode interpretá-los. O silêncio guarda palavras, afetos e tem a profundeza dos sentidos. Contudo só é escutado por quem está pronto a torná-lo o melhor aliado.
A Nona sinfonia de Ludwig Van Beethoven (1770-1827) guarda silêncios. Somente quem é tocado pelos caminhos entre a literatura e a música pode interpretá-los. O silêncio guarda palavras, afetos e tem a profundeza dos sentidos. Contudo só é escutado por quem está pronto a torná-lo o melhor aliado.
Beto, meu filho, quando tinha uns oito ou nove anos, ficou encantado com a obra de Beethoven. Ele colocava o disco na vitrola, na época de vinil, e ficava escutando em silêncio. Tão envolvido ficou que estudou piano dois ou três anos e, depois, tornou-se um amante de música tendo uma coleção de CDs imensa e de muito bom gosto.
Meu professor de literatura e amigo, Márcio Paschoal, me presenteou com um vídeo feito na Plaça de San Roc, em Sabadell, província de Barcelona, onde músicos, em silêncio, foram se chegando ao centro da Plaça e começaram a dar os primeiros acordes da Nona Sinfonia. Então, uma orquestra, acompanhada de um coral, fizeram explodir a beleza literária e musical num final de tarde de serena paz.
Mas o que me traz aqui com esse tema é que a Nona Sinfonia, “Ode à Alegria”, finalizada em 1824, especialmente o quarto movimento, uma das mais conhecidas músicas do repertório ocidental e a mais arrojada composição de Beethoven, foi o fato de ter sido inspirada na poesia de um amigo, Friedrich Schiller, escrita em 1785, também intitulada “Ode à Alegria”. Quando terminou de compô-la, 30 anos depois de ter feito as primeiras tentativas de musicar o poema, Beethoven estava surdo. Ele foi um músico poeta. Em processo de evolução da surdez, utilizou-se dos sons musicais, dia a dia guardados na memória, para musicar palavras poéticas cheias de idealismo e irmandade, sentimentos partilhados por ambos. Por assim serem fortalecidos, os versos estiveram vívidos num dos mais belos processos criativos durante 10.800 dias aproximadamente.
Para Beethoven, o silêncio da surdez tinha o encantamento do enlevo. O silêncio do meu filho procurava captar o sofrimento do compositor e a vontade de entender a sua genialidade, capaz de fazer uma orquestra produzir uma música divina com os ouvidos silenciados.
A música e a poesia são irmãs de talento, imaginação e empenho. A poesia de Schiller e a música de Beethoven compõem um hino à alegria, que abraça o melhor do ser humano. Constitui-se em uma mensagem sem desigualdades e diferenças raciais, sociais e políticas. Foram compostas em épocas conflituosas, nos períodos em que a Revolução Francesa, as guerras napoleônicas e as repressões impostas pelo congresso de Viena abafavam a paz e a solidariedade.
Ode à Alegria
Friedich Schillet
Ó amigos, mudemos de tom!
Entoemos algo mais prazeroso e mais alegre!
Alegria, formosa centelha divina,
Filha do Elysium,
Ébrios de fogo, entramos em teu santuário celeste!
Tua magia volta a unir
O que o costume rigorosamente dividiu.
Todos os homens se irmanam, ali onde repousam tuas doces asas.
Quem já conseguiu o maior tesouro de ser o amigo de
um amigo, quem já conquistou uma mulher amada, rejubile-se conosco!
Sim, mesmo se alguém conquistar apenas uma alma,
uma única em todo mundo.
Mas aquele que não conseguiu isso, que fique chorando
Fora desta irmandade!
Todos os seres bebem da mesma água no seio da natureza.
Todos bons, todos maus, seguem seus caminhos de rosas.
A alegria nos deu beijos e vinhos e um amigo leal até a morte;
Deu força para a vida aos mais humildes -
E ao querubim, a contemplação diante de Deus!
Voem alegre como teus sóis
Através do esplêndido espaço celeste expressem,
Irmãos, teus caminhos, alegres como heróis para a vitória.
Abracem-se, milhões de irmãos!
Que este beijo envolva o mundo inteiro!
Irmãos, sobre o firmamento estrelado habita um Pai amoroso.
Fraquejais, milhões de criaturas?
Não pressentíeis, mundo, o seu Criador?
Busquem-no além do firmamento celeste,
acima das estrelas, onde Ele mora!
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