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A Nona Sinfonia: da literatura à música

segunda-feira, 29 de maio de 2023

A Nona sinfonia de Ludwig Van Beethoven (1770-1827) guarda silêncios. Somente quem é tocado pelos caminhos entre a literatura e a música pode interpretá-los. O silêncio guarda palavras, afetos e tem a profundeza dos sentidos. Contudo só é escutado por quem está pronto a torná-lo o melhor aliado. 

A Nona sinfonia de Ludwig Van Beethoven (1770-1827) guarda silêncios. Somente quem é tocado pelos caminhos entre a literatura e a música pode interpretá-los. O silêncio guarda palavras, afetos e tem a profundeza dos sentidos. Contudo só é escutado por quem está pronto a torná-lo o melhor aliado. 

Beto, meu filho, quando tinha uns oito ou nove anos, ficou encantado com a obra de Beethoven. Ele colocava o disco na vitrola, na época de vinil, e ficava escutando em silêncio. Tão envolvido ficou que estudou piano dois ou três anos e, depois, tornou-se um amante de música tendo uma coleção de CDs imensa e de muito bom gosto.

Meu professor de literatura e amigo, Márcio Paschoal, me presenteou com um vídeo feito na Plaça de San Roc, em Sabadell, província de Barcelona, onde músicos, em silêncio, foram se chegando ao centro da Plaça e começaram a dar os primeiros acordes da Nona Sinfonia. Então, uma orquestra, acompanhada de um coral, fizeram explodir a beleza literária e musical num final de tarde de serena paz.

Mas o que me traz aqui com esse tema é que a Nona Sinfonia, “Ode à Alegria”, finalizada em 1824, especialmente o quarto movimento, uma das mais conhecidas músicas do repertório ocidental e a mais arrojada composição de Beethoven, foi o fato de ter sido inspirada na poesia de um amigo, Friedrich Schiller, escrita em 1785, também intitulada “Ode à Alegria”. Quando terminou de compô-la, 30 anos depois de ter feito as primeiras tentativas de musicar o poema, Beethoven estava surdo. Ele foi um músico poeta. Em processo de evolução da surdez, utilizou-se dos sons musicais, dia a dia guardados na memória, para musicar palavras poéticas cheias de idealismo e irmandade, sentimentos partilhados por ambos. Por assim serem fortalecidos, os versos estiveram vívidos num dos mais belos processos criativos durante 10.800 dias aproximadamente.  

Para Beethoven, o silêncio da surdez tinha o encantamento do enlevo. O silêncio do meu filho procurava captar o sofrimento do compositor e a vontade de entender a sua genialidade, capaz de fazer uma orquestra produzir uma música divina com os ouvidos silenciados. 

A música e a poesia são irmãs de talento, imaginação e empenho. A poesia de Schiller e a música de Beethoven compõem um hino à alegria, que abraça o melhor do ser humano. Constitui-se em uma mensagem sem desigualdades e diferenças raciais, sociais e políticas. Foram compostas em épocas conflituosas, nos períodos em que a Revolução Francesa, as guerras napoleônicas e as repressões impostas pelo congresso de Viena abafavam a paz e a solidariedade.  

 

Ode à Alegria

                                        Friedich Schillet

 

Ó amigos, mudemos de tom!

Entoemos algo mais prazeroso e mais alegre!

Alegria, formosa centelha divina,

Filha do Elysium,

Ébrios de fogo, entramos em teu santuário celeste!

 

Tua magia volta a unir

O que o costume rigorosamente dividiu.

Todos os homens se irmanam, ali onde repousam tuas doces asas.

 

Quem já conseguiu o maior tesouro de ser o amigo de 

um amigo, quem já conquistou uma mulher amada, rejubile-se conosco!

 

Sim, mesmo se alguém conquistar apenas uma alma,

uma única em todo mundo.

Mas aquele que não conseguiu isso, que fique chorando 

Fora desta irmandade!

 

Todos os seres bebem da mesma água no seio da natureza.

Todos bons, todos maus, seguem seus caminhos de rosas.

 

A alegria nos deu beijos e vinhos e um amigo leal até a morte;

Deu força para a vida aos mais humildes -

E ao querubim, a contemplação diante de Deus!

 

Voem alegre como teus sóis

Através do esplêndido espaço celeste expressem,

Irmãos, teus caminhos, alegres como heróis para a vitória.

 

Abracem-se, milhões de irmãos!

Que este beijo envolva o mundo inteiro!

Irmãos, sobre o firmamento estrelado habita um Pai amoroso.

 

Fraquejais, milhões de criaturas?

Não pressentíeis, mundo, o seu Criador?

Busquem-no além do firmamento celeste,

acima das estrelas, onde Ele mora!

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Nova Friburgo, um suspiro na realidade

segunda-feira, 22 de maio de 2023

Seria um final de semana diferente. Dois dias para rever a cidade onde nascera, comemorar o aniversário de setenta anos do amigo de infância e recordar os tempos de juventude quando se perdia pelas ruas de Nova Friburgo. 

Seria um final de semana diferente. Dois dias para rever a cidade onde nascera, comemorar o aniversário de setenta anos do amigo de infância e recordar os tempos de juventude quando se perdia pelas ruas de Nova Friburgo. 

O sábado amanheceu querendo chover. Ele saiu com o guarda-chuva nas mãos e chegou na rodoviária Novo Rio com um vento fino, soprando pingos de chuva. Foi o primeiro a entrar no ônibus e sentou-se na janela numa das últimas fileiras. Em pouco tempo, os lugares já estavam ocupados, menos o do lado dele. Foi um alívio pensar que poderia esticar as pernas para o lado e dormir um pouco. Entretanto, uma moça alta entrou no corredor e foi direto para aquele lugar vago. Pelo menos uma passageira assim. Ela, com displicência, ajeitou os cabelos morenos que desciam pelos ombros e um leve perfume de alfazema tomou conta do ambiente que o fez respirar fundo, principalmente quando viu as pernas de pele lisa serem cruzadas. Fechou os olhos para não deixar que se pronunciassem. Assim que o ônibus pegou a estrada, ela colocou o fone de ouvido e mergulhou num desligamento infinito. Para não invadir a privacidade da jovem, deixou seu olhar se perder na paisagem, levando seu pensamento para as festas do Clube Xadrez, os bailes de carnaval do Country Club e desfiles das escolas de samba na Alberto Braune quando, na mesma idade que daquela jovem, experimentava a liberdade de ser homem e se movimentar pela vida. Foi o tempo das surpresas e descobertas. Entre a passageira e ele havia cinquenta anos de distância e uma vida enfrentada. Realizada. Suas palavras emotivas transbordavam o dicionário. Amar sempre lhe fora uma palavra atraente, mesmo quando ganhava sonoridade irônica. A solidariedade delineara seu pensamento durante anos, mesmo quando ele não passava de um coringa que preenchia lacunas dos amigos que precisavam cobrir os vazios da solidão. Ele, amante da vida, tendo vivido com intensidade do amanhecer ao entardecer, renovando as células ao longo dos anos e resgatando a juventude, suspirava com o olhar perdido nas matas verdes da Serra da Boa Vista, que lhe sorriam.  Estar ali era um suspiro na realidade. Enquanto o ônibus balançava nas curvas ia revendo suas amigas, companheiras de segredos e solidárias nas suas dores. Como amante, ele as acolhia com rosas vermelhas sob lençóis de linho branco. Ele as ouvia sorrindo, acalmando e amparando com esperança as lágrimas que lhes molhavam os dedos dos pés. Enquanto o ônibus subia a serra, percorria o passado numa boa viagem, que umedeceu seus olhos e fez com que os sabores das frutas cítricas tomassem conta do seu paladar que ameaçava enjoar. Durante a maturidade, fora um louva-deus que pousou sobre a vida e perdera-se nas cores das florestas que adentrara. Passou seus dias se sustentando em cordas bambas, sem ter camas elásticas para sustentar-se a cada voo que dava no ar.

Quando o ônibus estacionou na Rodoviária Sul, em Nova Friburgo, seus olhos estavam fechados e molhados. Entre pestanas, ele ainda viu a moça, apressada, saltar e desaparecer no meio de tantos outros passageiros.

***

O relógio teve que despertar três vezes para que ela não perdesse a hora. Precisava dormir! Descansar dos livros, do trabalho e das relações mal resolvidas. Acordava para um final de semana chuvoso e que definitivamente gostaria de ter junto ao avô.

Chegou com a porta do ônibus fechando e sentou-se ao lado de um senhor que se ajeitou com sorriso nos olhos. Colocou o fone de ouvido. De olhos fechados, poderia pensar melhor na vida e compreender as contradições do dia a dia. Será que consigo ter paz na cidade do Rio de Janeiro? Aqui parece que o mundo tem a bunda virada ao avesso! Cercada de embates acirrados, estava aprendendo a viver. Meus avós e eu... tínhamos uma vida tão legal em Nova Friburgo... recordava dos passeios nas montanhas, piqueniques em cachoeiras e viagens da região serrana às praias. Vovó se foi. Cresci e tive que vir para o Rio de Janeiro. Ainda não me situei. Escutando música e sentindo o balanço do ônibus, lembrou-se da voz aveludada dos avós, das tantas vezes que eles a deixavam na rodoviária e acenavam para se despedir. Daquelas mãos envelhecidas que a acolhiam por inteiro e daqueles ombros nos quais encostava a cabeça. O cheiro da mata da Serra da Boa Vista lhe deu um nó apertado na garganta. Estava cansada dos silêncios da cidade grande e da correria das ruas. Sentia vontade de voltar para casa e deitar a cabeça no travesseiro de menina. Sentiu-se suspirosa. Ainda não conseguia usar a liberdade de ser mulher e movimentar-se vida afora; estava confusa com as descobertas. Entre um lamento e outro, num rápido olhar, viu que o passageiro ao lado era um homem muito mais velho. Ah, se tivesse minha idade, seria um cara interessante... Deveria ter sido bonito... Quem sabe? Quem sabe... Estava sem palavras e tinha uma vida de baixa sonoridade. Viu-se diante de incógnitas.  A figura masculina do avô delineou seu pensamento, chegando a concluir que ela ainda não conseguia preencher seus vazios. Observou as mãos enrugadas, finas e elegantes do passageiro. Fechou os olhos e lembrou-se das mãos masculinas que conheceu. Gostava de mãos. As mãos acolhiam e impulsionavam. Fez, então, do velho passageiro alguém que a impulsionasse à vida. As cores explodiram em seu pensamento, suscitando novos sonhos. Adormecida, sentiu-se bela e com alma quieta, tinha que aprender a fazer a vida explodir em cada entardecer, para, no dia seguinte, amanhecer renovada. Suas jovens células precisavam ser reavivadas para que pudesse resgatar a juventude que se perdia a cada momento. Sou mais velha do que ele!? Suspirou fundo com o olhar perdido nas matas verdes da Serra da Boa Vista. Aquele velho homem desconhecido tinha algo que transmitia entusiasmo pela vida. Emanava calor. Juventude. O balanço do ônibus nas curvas a fez rever seus poucos sonhos de travesseiro. Sentia falta dos amigos que deixara em Friburgo. Queria alguém que escutasse suas dores urbanas, que pudesse ouvi-la sorrindo e amparasse com esperança suas lágrimas que molhavam os dedos dos pés. Ainda precisava viver anos para ser desprendida e audaciosa a fim de despertar vontades diferentes. Sua vida era uma realidade cheia de suspiros. Durante o tempo em que o ônibus subia a serra, ela tentava percorrer o futuro numa agitada viagem. Aquele estado de espírito umedeceu suas mãos e fez com que o sabor amargo tomasse conta do seu paladar, já bem enjoado. Adentrava a maturidade como um touro que se esbarrava na vida e sem coragem para atravessar florestas. Não queria passar a vida se sustentando em cordas bambas e sem ter camas elásticas para sustentá-la a cada voo que desse no ar.

Quando o ônibus estacionou na Rodoviária Sul, seus olhos estavam zonzos. Levantou-se e adentrou Nova Friburgo.

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Eis a questão...

segunda-feira, 15 de maio de 2023

Em quanto tempo aprendemos a ler e a escrever? 

Eu me refiro ao binômio leitura e escrita, duas habilidades complexas e intrinsecamente relacionadas. Quem domina a leitura consegue escrever um relatório, uma carta, um bilhete ou coisa assim. Já quem domina a escrita é capaz de abrir asas sobre o papel e criar uma infinidade de textos uma vez que foi humanizado e aperfeiçoado pela leitura. É um ser falante e dono do próprio discurso ao escrever o que pensa e o que quer, mesmo que se apresente travestido pelas palavras de outros por pura diversão. 

Em quanto tempo aprendemos a ler e a escrever? 

Eu me refiro ao binômio leitura e escrita, duas habilidades complexas e intrinsecamente relacionadas. Quem domina a leitura consegue escrever um relatório, uma carta, um bilhete ou coisa assim. Já quem domina a escrita é capaz de abrir asas sobre o papel e criar uma infinidade de textos uma vez que foi humanizado e aperfeiçoado pela leitura. É um ser falante e dono do próprio discurso ao escrever o que pensa e o que quer, mesmo que se apresente travestido pelas palavras de outros por pura diversão. 

Caso alguém responda que passou a vida inteira aprendendo tais habilidades não vou achar exagero. Claro que não! Eu me incluo discretamente na figura desse entrevistado. A cada livro que leio me vejo diante de um aprendizado de palavras e ideias posto que nenhum livro reproduz outro. Durante a leitura vou ampliando as possibilidades de captar os sentimentos do autor e os sentidos que ele dá à própria vida. Além do mais, que seja conto, romance ou crônica, até mesmo textos técnicos ou científicos, cada texto mostra as vozes da época em que foi escrito. A leitura me traz ideias que vou desvendando tal como minhas pernas fazem quando adentram um caminho novo. Ler é poder interpretar o pousar das borboletas em todas as horas e lugares. 

O leitor não nasce antes ou depois do seu tempo. É um viajante que adentra gentilmente no passado, no presente e no futuro; seu coração pulsa com o vento que emerge do fundo de cada tempo em que a obra literária está situada. Ele busca argumentos para compreender os seus mais variados sentimentos e desejos. E, assim, querendo entender-se, ele começa a escrever diários, histórias e reviravoltas. Torna-se alguém fecundo, capaz de brindar o leitor com palavras saborosas, amargas ou vespertinas. Ele aprende a fazer literatura em tachos de fé. 

Vou considerar herói aquele que se dedica ao ofício de ensinar a escrita a aspirante de qualquer idade visto que é uma tarefa repetitiva e caminha lentamente, acompanhando os incertos passos daqueles que vão e voltam. É um mestre que nasce no desbravamento, capaz de fazer com que o aprendiz supere sua insana estupidez a cada tentativa de ser escritor. É um professor amado por não ser comparável a qualquer sonhador. Não é um fazedor de escritores, mas de agentes que gostam de fazer as ideias circularem mundo afora.

E, de novo, pergunto com a mais terna sofreguidão: em quanto tempo aprendemos a ler e a escrever?

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Fomos bordadas e bordamos pessoas

segunda-feira, 08 de maio de 2023

Nada mais é literário do que a relação entre mãe e filhos, que pode ganhar diferentes contornos ao longo da vida, seja na presença ou na ausência. Outro dia, estava em um breve momento de meditação quando, repentinamente, me vi dentro da barriga da minha mãe. Eu me senti apertada e cheguei até a fazer movimentos com as mãos e com os pés como se empurrasse paredes. Contei para ela 69 anos depois de estar em seu útero. Mamãe exclamou com os olhos brilhando: “Como você pulava!” Rimos e ficamos num acolhimento sorridente. 

Nada mais é literário do que a relação entre mãe e filhos, que pode ganhar diferentes contornos ao longo da vida, seja na presença ou na ausência. Outro dia, estava em um breve momento de meditação quando, repentinamente, me vi dentro da barriga da minha mãe. Eu me senti apertada e cheguei até a fazer movimentos com as mãos e com os pés como se empurrasse paredes. Contei para ela 69 anos depois de estar em seu útero. Mamãe exclamou com os olhos brilhando: “Como você pulava!” Rimos e ficamos num acolhimento sorridente. 

Somos consequência dessa relação que começa no tempo uterino. Tantas circunstâncias nos tecem, tal qual os fios de linha que as bordadeiras usam. Fomos bordadas e bordamos pessoas.

Isabel Allende nos mostra a beleza do seu bordado durante os meses em que passou ao lado da filha, Paula, no leito de morte, ao escrever a história da sua vida como mulher, filha, esposa e mãe com a esperança de que, um dia, ela se recuperasse e lesse suas páginas. Infelizmente, Paula não resistiu à Porfiria. Apesar da sua imensa tristeza, Isabel Allende nos deixou uma obra prima.

Li o livro faz tempo. O que me emocionou foi a leveza com que narrou a sua trajetória de vida, mesclada com a dor ante a situação terminal da filha. Eu também perdi meu filho e conheço esse sentimento. É visceral. Tão transcendental quanto é abraçar minha filha e acolhê-la nos meus braços. Mesmo com 42 anos, ela ainda é a minha menina que dizia cheia de vaidade: “Sou mocinha!”. Tanto quanto sou para minha mãe.  São elos que não se partem. São eternos.

Tudo na vida está interrelacionado com a capacidade de amar que vai sendo tecida dia a dia. Porém a percepção do olhar da mãe, seja através da presença real ou das lembranças, é decisiva para o modo como tomamos decisões, agimos e construímos o destino.

Salve o abençoado Dia das Mães!

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Somos feras entre feras

terça-feira, 02 de maio de 2023

No Clube de Leitura Vivências, estamos lendo “Cartas Sem resposta”, organizado por Ninfa Parreiras. No livro, várias pessoas escrevem cartas a escritores eternamente presentes entre nós, que, no entanto, já partiram para algum lugar do universo. É uma coletânea que emana da sensibilidade de quem escreve para o autor por quem tem admiração. Poderiam ser cartas sem respostas, mas penso que não são. Quem as tem nas mãos, como eu, sente a forte presença dos escritores destinatários.

No Clube de Leitura Vivências, estamos lendo “Cartas Sem resposta”, organizado por Ninfa Parreiras. No livro, várias pessoas escrevem cartas a escritores eternamente presentes entre nós, que, no entanto, já partiram para algum lugar do universo. É uma coletânea que emana da sensibilidade de quem escreve para o autor por quem tem admiração. Poderiam ser cartas sem respostas, mas penso que não são. Quem as tem nas mãos, como eu, sente a forte presença dos escritores destinatários.

Tive, pois, na dinâmica da leitura, a incumbência de falar ao grupo sobre o poeta Augusto dos Anjos (1884-1914) e, ao longo da pesquisa, fui me deparando com sentimentos sombrios, com uma voz triste, que se tornou singular na literatura brasileira.

O poeta da tristeza e do assombro termina o poema “O Vencedor” com o verso “Que ninguém doma o coração de um poeta!”  Seus sentimentos incontroláveis o consagraram como uma expressão relevante na literatura brasileira nos tempos do pré-modernismo. A força da sua poesia mostra suas impressões sobre a vida, a desesperança e a morte; cada um dos seus versos foi escrito com vigor. Mesmo suas poesias estando reunidas em um só livro, ”EU”, faz dele um dos poetas brasileiros mais lidos.  

 

VERSOS ÍNTIMOS

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável

Enterro de tua última quimera

Somente a ingratidão – esta pantera

Foi tua companheira inseparável!

 

Acostuma-te à lama que te espera

O homem, que, nesta terra miserável,

Mora, entre feras, sente inevitável

Necessidade de também ser fera.

 

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!

O beijo, amigo, é a véspera do escarro,

A mão que te afaga é a mesma que te apedreja.

 

Se alguém causa inda pena a tua chaga,

Apedreja essa mão vil que te afaga,

Escarra nessa boca que te beija!

 

Essa sua mais famosa poesia me faz externar sensações sobre os acontecimentos que me cercam porque, com a infelicidade que cabe no meu coração, concluo que seus versos estão por toda a parte e atropelam o costume que tenho de enaltecer a beleza nas pessoas e nos fatos. É terrível acatar a perversa rudeza que nos cerca. Augusto dos Anjos, por loucura ou coragem, colocou seus dedos nas feridas que trazemos na alma. É bom vê-las e aceitá-las porque melhor podemos refletir sobre os modos como é possível agir. 

Quem não se angustia?! A melancolia nos toma quando não conseguimos reagir a situações que nos ameaçam, ferem ou limitam, às vezes sem timidez, causando-nos desencantos. É um estado desagradavelmente perturbador, tão bem colocado na poesia de Augusto dos Anjos. 

A literatura traz o reflexo das emoções do escritor. Como ele se esforça para conhecer a essência das coisas! Contudo jamais o conseguirá. De modo solitário, o autor a evidencia de forma particular em suas palavras. 

Falas de amor, e eu ouço tudo e calo

O amor na humanidade é uma mentira

(Idealismo, Augusto dos Anjos)

Ufa! Agora só me resta ir para a cozinha e preparar uma omelete recheada com mel.

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O Dia de Sofia

segunda-feira, 24 de abril de 2023

Hoje vou abraçar a literatura infantil porque terça-feira da semana passada, 18 de abril, foi o Dia Nacional do Livro Infantil. O Dia de Sofia*! É assim que gostaria de caracterizá-lo porque as histórias contadas em suas páginas dão as mãos às crianças e mostram-lhes o mundo através da fantasia. 

Hoje vou abraçar a literatura infantil porque terça-feira da semana passada, 18 de abril, foi o Dia Nacional do Livro Infantil. O Dia de Sofia*! É assim que gostaria de caracterizá-lo porque as histórias contadas em suas páginas dão as mãos às crianças e mostram-lhes o mundo através da fantasia. 

O livro é como uma abóbora que, ao ser lido por uma criança, transforma-se em carruagem para transportá-la a universos múltiplos e coloridos, repletos de ideias a serem refletidas pelo pequeno leitor, aquele que há pouco chegou ao mundo e precisa viajar em cavalos alados para compreender as coisas da vida.  Para conhecer príncipes, rainhas e bruxos. Sentir o calor do sol e o frio da chuva.  Aprender a distinguir os campos arados dos pântanos.

Ler é um modo de experimentar situações de vida e de sentir prazer. O livro faz um cidadão, os cidadãos constroem um país e os países cuidam da safira do sistema solar, o Planeta Terra. Aquele momento confortável de recostar, abrir um livro e sentir gosto de degustar uma história traz a sabedoria dos Deuses do Olimpo. Infelizmente poucos têm acesso ao livro.

Certa vez, vi um menino sentado no chão de um ônibus, com uma bola de futebol entre as pernas cruzadas e um livro aberto nas mãos. Parecia nada existir em torno dele. Seu corpo se movimentava de acordo com o movimento do veículo, cheio de passageiros. Seus olhos estavam mergulhados nas páginas do livro. Quando saltei, pensei que a criança pode fazer de tudo; sempre há tempo para a leitura nos seus dias. Nem que seja durante o breve percurso de um transporte público.

O mundo comemora em diferentes datas este dia. No Brasil, o Dia Nacional do Livro Infantil é em 18 de abril em homenagem a Monteiro Lobato; Já em 2 de abril é o Dia Internacional do Livro Infantil em reverência ao escritor Hans Christian Andersen. São celebrações que reforçam o valor do livro no processo de formação da criança, o adulto de amanhã.

A literatura infantil é fonte de conhecimento. Além do mais, sua leitura remete o leitor a pesquisar, a ler outros livros e a conversar a respeito do que leu. Na medida em que o autor e o ilustrador cultivam um olhar cuidadoso para seus leitores e para as situações que vivem. São artistas que recorrem à arte das palavras e das imagens para expressarem o que lhes toca a alma. 

O livro infantil não é livrinho que conta uma historinha, nem um feixe de páginas coladas ou costuradas. É uma obra literária que constrói personagens que narram fatos inspirados da vida, que mostram ao pequeno leitor em suas linhas e entrelinhas que ele pode ser mais e melhor. 

Quem escreve um livro cria um castelo. Quem o lê, mora nele.” (Monteiro Lobato)

A verdadeira coragem está em enfrentar o perigo quando você está com medo.” (O mágico do Oz, L. Frank Baum)

Faço um convite ao jovem leitor: me leia. Não me deixe morrer.” (Lygia Fagundes Telles)”


*O nome Sofia significa sabedoria. É representada por uma figura feminina, análoga à alma humana. Sofia é inteligente e corajosa, sensível e intuitiva. Tem personalidade contestadora, principalmente com relação às normas e regras que considera limitadoras. Tem bom relacionamento, porém é impulsiva e inquieta.

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Será que existe em nós um coelho?

segunda-feira, 17 de abril de 2023

Recentemente, quando recebi a mensagem de uma amiga que me desejava uma feliz Páscoa, comecei a conversar com meus botões sobre os coelhos. Sempre fui encantada com esses animais orelhudos e de patas compridas. 

Viajei para a literatura e fui ao encontro do apressado Coelho Branco, personagem do livro “Alice no País das Maravilhas”, que guarda vários profundos significados, como a impossibilidade de quantificar o tempo. “Quanto tempo dura o eterno?”, indagou Alice ao Coelho, que respondeu: Às vezes, apenas um segundo.” 

Recentemente, quando recebi a mensagem de uma amiga que me desejava uma feliz Páscoa, comecei a conversar com meus botões sobre os coelhos. Sempre fui encantada com esses animais orelhudos e de patas compridas. 

Viajei para a literatura e fui ao encontro do apressado Coelho Branco, personagem do livro “Alice no País das Maravilhas”, que guarda vários profundos significados, como a impossibilidade de quantificar o tempo. “Quanto tempo dura o eterno?”, indagou Alice ao Coelho, que respondeu: Às vezes, apenas um segundo.” 

No poema “Motivos”, Cecília Meirelles escreveu “Canto porque o instante existe e a minha vida está completa”, ao corroborar a sabedoria do pequeno animal, que não vê a eternidade no tempo marcado pelos relógios e calendários, mas no que vivemos. Se a vida é curta, não há problemas, podemos guardar eternidades. 

Quando escrevi “Um Cão Cheio de Ideias” criei o Chama, um coelho-do-mato que representava na história o amigo, aquele que está presente em todas as horas. “De vez em quando, me deitava debaixo das árvores. Algum tempo depois, Chama vinha devagar e se deitava ao meu lado. Aí, ficávamos curtindo nossa amizade.”

Acredito que a criação do coelho em universos ficcionais tenha nascido da sensibilidade e sutileza humanas, talvez por ser um animal indefeso a milhares de outros predadores e aos perigos existentes no mundo. Será que existe em nós um coelho?

De tanto correr e tanto se atrasar, o Coelho Branco exclama “Eu sou uma fraude!” Lewis Carroll se antecipou ao tempo e previu que a cultura de admiração aos bem-sucedidos se tornaria esmagadora, o que limitaria as eternidades guardadas nos bolsos.   

Alice seguiu o Coelho Branco e descobriu o País das Maravilhas. Mesmo confuso e atrasado, ele a levou para um fantástico lugar, onde conheceu tantas novidades. A vida é rápida, somos levados por acontecimentos, tal qual Alice que caiu num buraco. Que personagem devemos seguir para que possamos ver, através do buraco da fechadura, o que está diante de nós e não vemos.

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Parabéns, Jornal A Voz da Serra!

segunda-feira, 17 de abril de 2023

O Jornal A Voz da Serra é uma voz que não se cala há 78 anos. Comparece, diariamente, expondo a vida da cidade em suas páginas, mostrando os desafios e as conquistas do povo das montanhas friburguenses. Não deixa de comentar os fatos, colaborar com as dificuldades e enaltecer as qualidades das realizações concretizadas em cada lugar da região. 

O Jornal A Voz da Serra é uma voz que não se cala há 78 anos. Comparece, diariamente, expondo a vida da cidade em suas páginas, mostrando os desafios e as conquistas do povo das montanhas friburguenses. Não deixa de comentar os fatos, colaborar com as dificuldades e enaltecer as qualidades das realizações concretizadas em cada lugar da região. 

Sem timidez e com coragem, suas páginas levam a informação com objetividade, ética e retidão, demonstrando em cada palavra o amor ao solo sobre o qual fincou suas raízes. Mas não era para menos. Depois de vicejar como uma grama pequena, num tempo pós-guerra, quando o mundo estava sofrido por tantas tragédias, o Jornal cresceu, sobrevivendo a grandes e pequenos obstáculos.

É preciso comemorar o seu empenho em suas vitórias diárias. Seus guerreiros, os jornalistas, os colunistas, os administradores e funcionários trabalham com disposição, lutam para que sua a voz, feita de palavras escritas, circule de esquina em esquina, de bairro em bairro, de região em região.

No dia 7 de abril, quando comemoramos seu aniversário, percebemos o resultado do sonho dos seus fundadores. Tenho honra de dele participar porque também, como todos os envolvidos no fazer jornalístico, contribuo para a melhoria da qualidade de vida da cidade. 

Além do mais, é enriquecedor estar presente na vida do Jornal A Voz da Serra, uma vez que as pesquisas, os fatos investigados e apresentados em suas colunas engrandecem nossos modos de perceber a vida e interagir.

Deixo aqui registrado o meu desejo de vida longa ao nosso Jornal.

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Parabéns, Jornal A Voz da Serra!

quinta-feira, 13 de abril de 2023

O jornal A VOZ DA SERRA é uma voz que não se cala há 78 anos. Comparece, diariamente, expondo a vida da cidade em suas páginas, mostrando os desafios e as conquistas do povo das montanhas friburguenses. Não deixa de comentar os fatos, colaborar com as dificuldades e enaltecer as qualidades das realizações concretizadas em cada lugar da região.

O jornal A VOZ DA SERRA é uma voz que não se cala há 78 anos. Comparece, diariamente, expondo a vida da cidade em suas páginas, mostrando os desafios e as conquistas do povo das montanhas friburguenses. Não deixa de comentar os fatos, colaborar com as dificuldades e enaltecer as qualidades das realizações concretizadas em cada lugar da região.

Sem timidez e com coragem, suas páginas levam a informação com objetividade, ética e retidão, demonstrando em cada palavra o amor ao solo sobre o qual fincou suas raízes. Mas não era para menos. Depois de vicejar como uma grama pequena, num tempo pós-guerra, quando o mundo estava sofrido por tantas tragédias, o jornal cresceu, sobrevivendo a grandes e pequenos obstáculos.

É preciso comemorar o seu empenho em suas vitórias diárias. Seus guerreiros, os jornalistas, os colunistas, os administradores e funcionários trabalham com disposição, lutam para que sua a voz, feita de palavras escritas, circule de esquina em esquina, de bairro em bairro, de região em região.

No último dia 7, quando comemoramos seu aniversário, percebemos o resultado do sonho dos seus fundadores. Tenho a honra de participar dele porque também, como todos os envolvidos no fazer jornalístico, contribuo para a melhoria da qualidade de vida da cidade.

Além do mais, é enriquecedor estar presente na vida de A VOZ DA SERRA, uma vez que as pesquisas, os fatos investigados e apresentados em suas colunas engrandecem nossos modos de perceber a vida e interagir.

Deixo aqui registrado o meu desejo de vida longa ao nosso Jornal.

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A pior decisão

segunda-feira, 03 de abril de 2023

Noutro dia, emprestei “Meu Amigo Pintor”, de Lygia Bojunga, autora brasileira de literatura, a um estudante de Ensino Médio. Eu a reverencio pelo entendimento que possui da vida e das relações humanas, pela habilidade que tem para criar histórias verossímeis, sendo capaz de tocar o leitor de todas as idades e culturas, pela linguagem simples, sensível e objetiva que utiliza em cada um dos seus textos.

Noutro dia, emprestei “Meu Amigo Pintor”, de Lygia Bojunga, autora brasileira de literatura, a um estudante de Ensino Médio. Eu a reverencio pelo entendimento que possui da vida e das relações humanas, pela habilidade que tem para criar histórias verossímeis, sendo capaz de tocar o leitor de todas as idades e culturas, pela linguagem simples, sensível e objetiva que utiliza em cada um dos seus textos.

Já na 24º. edição e traduzido para várias línguas, “Meu Amigo Pintor” é uma obra construída com mestria e sensibilidade que aborda a afetiva amizade de um menino de onze anos por um pintor que enfrenta a depressão, situações dolorosas e decide não mais viver.

O suicídio é uma decisão particular, consciente e corajosa, através da qual uma pessoa coloca um ponto final na vida. Quem já não passou por momentos em que se questionou sobre o próprio viver e morrer?  Em alguns momentos olhei para o suicídio quando uma dor imensa tomou conta de mim e a sensação de fracasso invadiu minha visão de futuro. Confesso que foi um dos enfrentamentos mais difíceis que tive. Por sorte, foram superados pela força da vontade de não findar quando um encorajamento inaugurava o momento seguinte.  

Certa vez, escrevi o conto “Na beira, sem eira” em que, numa madrugada, falei do que não realizei por não ter conseguido ou não ter tido coragem, além de perceber o tempo levando embora meus sonhos. Foi bom tê-lo escrito como forma de reavivar alguns dos meus propósitos.  

A vida está longe de ser uma aventura perfeita, é construída em campos a serem lavrados com trabalho e sonhos, perdas e ganhos, lutas finitas e infinitas. Onde tudo pode acontecer e, também, não ser realizado.  

Algumas vezes escutei frases que me ficaram guardadas e, volta e meia, adentram o baile dos meus pensamentos: “É mais fácil morrer do que viver”. “Com a morte tudo acaba, porém, mantendo a vida, tudo do que queremos fugir continua a nos desafiar”. “A grande felicidade é estarmos aqui, inteiros e vivos.” 

Vale a pena ler o livro de Lygia Bojunga para se notar o quanto é difícil perder alguém de quem se gosta, principalmente uma criança e um jovem, por ter desistido da vida; o suicídio não é uma morte natural. A questão que surge para mim, não é somente terminar com a vida, mas a dor e a incompreensão que o fato causa em outras pessoas. E, o pior, é o exemplo funesto que a pessoa deixa para todos. 

A vida não pode ser pendurada em paredes, mesmo quando se perde uma perna ou quebra-se um braço. É para ser experimentada até o último instante e é aí, nesse enfrentamento, que a coragem vai brotando como uma rama tímida. Ao terminar de escrever “Sem eira, nem beira”, um raio de sol despontou na minha sala, e, então, esta sensação, despontou um mim com grandeza e nitidez.

Como disse minha personagem Zuleica, a mosca cor de rosa choque, em “Um cão cheio de ideias”.

“Vida, vida bela

A gente não pode estragar ela

Lá! Lá! Lá!”

 

Observação: Lygia Bojunga é ganhadora do Prêmio Hans Christian Handersen e do Prêmio Memorial Astrid Lindgren.

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