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No tempo das cartas
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
Ao assistir ao filme “Pelotão 6888”, baseado em um fato que aconteceu durante a Segunda Guerra, quando um batalhão de mulheres negras do exército norte-americano assumiu a missão de entregar as cartas dos soldados aos seus familiares que estavam acumuladas nos galpões. Essa quase impossível tarefa levou conforto e esperança aos que as recebiam. Fiquei tocada com o filme, quando pude, mais uma vez, constatar o valor das cartas. O filme me fez voltar ao tempo em que as enviava e recebia.
A internet trouxe facilidades, mas levou antigos hábitos que haviam perdurado séculos: as cartas. Aquela carta aguardada, carregada de afetos e informações, escrita à mão não existe mais. Que pena. Quanta saudade daquela maneira de recebê-la pelos correios, cheirar e abrir com cuidado para não rasgar, sentar num canto isolado para ler com tranquilidade e sem interferências. Esse costume querido ficou no tempo.
Receber e enviar cartas, além de ter sido uma felicidade, era um ritual, do qual fazia parte ir à papelaria para comprar o papel e o envelope de carta, que poderia variar, de acordo para quem fôssemos enviar; escrever, reescrever o texto e passar a limpo com letra bonita e sem rasuras; sair de casa, mesmo em dias de chuva, e enfrentar a demorada fila dos Correios; ficar imaginando o trajeto da carta e a reação para quem a enviamos. Além da expectativa de receber a resposta. As cartas faziam parte da rotina da vida, até porque as ligações interurbanas eram custosas. E o mundo virtual ainda não existia!
Havia inspiração, criatividade e emoções para escrever a alguém com quem mantínhamos uma relação afetiva. Minha mãe guardou as cartas que recebeu de papai em uma caixa, amarradas com fitas, que ainda são verdadeiras relíquias para ela. Quando eu as leio, fico emocionada não somente pelo conteúdo, mas porque ainda preservam o sentimento deles: dois namorados que estavam longe um do outro por causa de estudos e trabalho. É tão diferente ler uma mensagem via WhatsApp do que abrir um envelope de carta, passar a mão sobre as frases escritas que faziam marcas no papel. Observar a letra, registro único e individual, que preserva o afeto ao longo do tempo. Até hoje tenho gosto de ver a letra da minha avó nas cartas que ela escrevia para mim, praticamente desenhadas, principalmente no primeiro parágrafo.
Hoje utilizamos a palavra “mensagem” para nos referir à troca de ideias, afetos ou informações entre pessoas. Comumente são textos rápidos, com palavras reduzidas em abreviações ou gírias. No tempo das cartas, havia cuidados com o emprego da Língua Portuguesa; a preposição para não virava pra e nem a conjunção porque era escrita pq. Muito menos o pronome você virava vc.
Será que o tempo, ao levar as cartas, levou um pouco da beleza dos afetos?
Será que, ao simplificar as palavras e frases nas mensagens, as pessoas estão se esquecendo da beleza da nossa Língua?
O que deixamos para trás nas cartas e, hoje, não encontramos mais na internet?
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
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