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Os mágicos das histórias

segunda-feira, 25 de setembro de 2023

Poderão ser os escritores de livros infantis os Ministros das histórias? E por que não? A criança gosta de ler e entrar com desprendimento no mundo da fantasia. Entrando no universo do faz-de-conta, ela vai conhecendo e compreendendo o mundo em que vive.

Poderão ser os escritores de livros infantis os Ministros das histórias? E por que não? A criança gosta de ler e entrar com desprendimento no mundo da fantasia. Entrando no universo do faz-de-conta, ela vai conhecendo e compreendendo o mundo em que vive.

A criança ao abrir o livro e folhear suas páginas tem à sua frente um universo lúdico, quando vai conhecendo a realidade concreta na qual está inserida, mergulhando em cada história. Não se pode apresentar a vida com seriedade a quem tem pouco tempo de existência e percebe o ambiente com olhos curiosos, decodificando o dia a dia, as circunstâncias que a cercam e as pessoas com quem convive. O livro de literatura tem a magia de falar dos fatos em tom lúdico e colorido. Por que a criança não pode encontrar o que vive nos livros de modo colorido, engraçado e sutil?

A vida não poupa o infante da dor, da falta e da maldade. Nada limita a vida de tocar a criança, que é tão humana quanto o adulto, sensível quanto o velho, tão atenta quanto ao do animal na mata. Por que não mostrar as adversidades através dos contos, fábulas, poesias e histórias em quadrinhos?

O escritor, ao se vestir com a roupa de mágico, assume o lugar daquela pessoa responsável pela administração de atribuições, como buscar ideias genuínas no imaginário, escrevê-las em estilos literários, participar ou promover a edição dos textos que escreveu em livros, conversar com leitores, dentre tantas outras. O escritor tem de observar o leitor infantil em sua cultura, faixa etária, centros de interesses para ter maior sensibilidade e inteligência a fim de usar as palavras e elaborar frases. Acima de tudo, sabedoria para construir os textos com ternura e alegria. É preciso aprender a brincar de inventar histórias. A passar pelos portais “Era uma vez...”, “Naquele tempo...” “Certa vez...” para adentrar no próprio imaginário e dar-se o direito de criar enredos com os mais incríveis personagens, como a fábula de João e Maria, recontada pelos irmãos Grimm, ou a busca pelo Mágico de OZ, de Frank Baum. Ou ainda nas aventuras e desventuras de um Livro Maluco e uma Caneta sem Tinta (meu livro em parceira com Márcio Paschoal), no intuito de superar o medo de ser criativo e buscar novas histórias.

Nós, adultos, guardamos a criança que um dia fomos e nossa pessoa é consequência de tudo o que vivemos na infância e do modo como experimentamos as circunstâncias. Inclusive ela é viva em nossos pensamentos e sentimentos. Sempre bom lembrar que é na infância que aprendemos a rir e a chorar.

O escritor, o inventor de histórias, precisa tornar vívida a sua criança, dando cor e movimento às palavras que emprega nos textos, fazendo sapecar suas ideias, sem medo de imaginá-las.

Aliás, o grande desafio ao escritor é libertar-se dos seus grilhões limitantes e permitir-se transitar com desenvoltura em suas fantasias e torná-las verossímeis em suas criações literárias.

O escritor é um mágico sem cartola, um bruxo feito de papel, lápis e borracha.

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A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

Quando acabo de escrever... não é fim de papo!

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Hoje vou falar do que acontece comigo quando acabo de escrever. Cada vez que termino um texto, tenho uma sensação diferente, que vem sempre acompanhada de uma exclamação. Acabei! Todavia não é fim de papo, pelo contrário, é início de outro, pois já começo a pensar no próximo. Confesso que gostaria de ganhar flores, mas não tenho hábito de me presentear com buquês coloridos. É a gostosa sensação de dever cumprido e meu corpo parece se relaxar por inteiro. Flutuar. Talvez seja decorrente da satisfação de ter conseguido externar ideias que estavam guardadas, quiçá fazia tempo.

Hoje vou falar do que acontece comigo quando acabo de escrever. Cada vez que termino um texto, tenho uma sensação diferente, que vem sempre acompanhada de uma exclamação. Acabei! Todavia não é fim de papo, pelo contrário, é início de outro, pois já começo a pensar no próximo. Confesso que gostaria de ganhar flores, mas não tenho hábito de me presentear com buquês coloridos. É a gostosa sensação de dever cumprido e meu corpo parece se relaxar por inteiro. Flutuar. Talvez seja decorrente da satisfação de ter conseguido externar ideias que estavam guardadas, quiçá fazia tempo. Meu inconsciente se releva nas palavras, mesmo sem querer, e chegam a me causar espanto vez em quando. Aliás, escrever é uma eficiente terapia; todos meus nós e tropeços saem visíveis nas frases ou escondidos nas entrelinhas. Às vezes, sinto que alguma coisa a mais está presente, principalmente quando abro os canais de percepção extrassensorial que geralmente acontece quando penso, pesquiso e escrevo. Coisas que vêm do universo, do além, não sei de onde, que me fazem ter a impressão de que não estou só. São, ao mesmo tempo, acolhedoras e assustadoras.

Volta e meia, quando coloco o ponto final, me pergunto se sou um canal através do qual entidades se comunicam com meus leitores, posto que a escrita tem o poder de fazer com que cada texto seja uma fonte de ideias. É uma força que me faz deslizar sobre a tela do computador, já que nunca escrevo usando lápis e papel. É algo que me faz ir além da inércia que vem no ar que respiro e entra no sangue que corre nas minhas veias. É como uma vontade de fazer parte. Ao escrever percebo novos sentidos que oferecem um tom suave à minha vida e não me deixam desafinar.

Quando a literatura me enlaçou, eu me descobri aprendendo a fazer arte com palavras. Ufa, que delicado, longo e complexo caminho! Mas, aí, talvez para superar a preguiça essencial, provavelmente uma força maior e desconhecida venha me sustentar. Amparar para melhor dizer. Escrevendo, deixo de ser etérea.

Mas também é uma alegria dar um ponto final pela sensação de que meus propósitos foram cumpridos. Além do quê, fico feliz em saber que meu texto foi lido.

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A poesia salva!

segunda-feira, 11 de setembro de 2023

O nome de Nova Friburgo significa cidade livre, e o poeta precisa de liberdade para observar a vida e inspirar-se. Aqui, a poesia paira sobre a cidade; sempre e em algum lugar há alguém reverenciando poesia, a relíquia que retira a venda dos olhos através de palavras cuidadas.

O nome de Nova Friburgo significa cidade livre, e o poeta precisa de liberdade para observar a vida e inspirar-se. Aqui, a poesia paira sobre a cidade; sempre e em algum lugar há alguém reverenciando poesia, a relíquia que retira a venda dos olhos através de palavras cuidadas.

Ferreira Goulart, certa vez, disse que a poesia nasce do espanto. Da realidade, que se desnuda repentinamente, causando no poeta um sentimento que o toca no mais profundo de si, fazendo com que as palavras, não mais do que pedaços de emoções, cheguem tortas ao seu imaginário. Porém, tornam-se perfeitas quando as coloca num poema.

Quem, em algum momento da vida, já não tentou fazer um poema?

Quem tem a vida pela frente, que seja um dia apenas, não se espanta? 

Ah, o vivente precisa de poesia!

Então, pus-me a buscá-las.

 

Segue o teu destino...

Rega as tuas plantas;

Ama as tuas rosas.

O resto é a sombra

De árvores alheias.

                  Fernando Pessoa

 

Ah, o destino, será que somos nós quem o construímos ou são as Moiras que tecem o fio da vida? Acredito que somos nós. Dia a dia, cultivamos nossos canteiros.

Por sermos humanos e sobreviventes, precisamos esticar um pouco o olhar para reconhecê-los e encompridar os braços para fertilizá-los, num longo e sofrido aprendizado. Talvez esse seja o aprendizado mais importante que precisamos ter, que não está nos bancos escolares e universitários. Que precisa começar cedo para que se entranhe em nossas vísceras, a ponto de se tornar parte de nós, como um coração pulsante. 

Certamente, um aprendiz atrasado terá menos agilidade para identificar os canteiros alheios.

É preciso descobrir o que nos pertence e o que não faz parte de nós. Certamente é uma difícil descoberta, até porque as solicitações e influências externas são muitas. Extremas. É celular, é internet, são os apelos da moda, os mitos irresistíveis, confundindo os valores com os desvalores. Misturando o meu eu com o do outro. Com o mundo. Enfim, os versos de Fernando Pessoa chamam a atenção para isso.

Prosseguindo a pesquisa de poesias, me deparei com outra pérola. Camões.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o Mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soia.

 

Se, no século XVI, a mudança fazia parte da vida, que versos Camões escreveria se estivesse aqui e agora, entre nós? Estamos no centro das mudanças, o que é hoje, já não é amanhã. E as nossas plantas e rosas?! O quão difícil é para nós, e, principalmente para o jovem, proteger nossos canteiros do vendaval de transformações. Todos os dias surgem novidades. Vivemos no jardim das surpresas. Que nos torna repartidos. Bífidos

Ah, Camões e Pessoa são jovens. Não envelheceram. A poesia os salvou, não os deixou perdidos no tempo. No anonimato. Seus canteiros ainda são fertilizantes para os nossos. Fizeram rosas e plantas com raízes fortes. Tenho certeza de que existe uma infinidade de Camões e Pessoas neste mundo.

Estamos todos em processo de evolução; saber quem somos é uma etapa importante deste ir a diante.  Ser livre para sentir o perfume dos nossos alecrins.

Ah, a poesia pode nos acordar de um longo sono letárgico.

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Os tesouros que existem nas histórias

terça-feira, 05 de setembro de 2023

Encontramos preciosidades quando abrimos um livro de literatura, seja em prosa ou poesia, e mergulhamos em suas páginas. Aliás, toda história nos ensina algo porque o autor e o leitor são aprendizes por essência. Vou falar de uma autora brasileira que admiro, Lygia Bojunga, e da sua obra “Paisagem”, publicada em 2006, pela Casa Lygia Bojunga.

Encontramos preciosidades quando abrimos um livro de literatura, seja em prosa ou poesia, e mergulhamos em suas páginas. Aliás, toda história nos ensina algo porque o autor e o leitor são aprendizes por essência. Vou falar de uma autora brasileira que admiro, Lygia Bojunga, e da sua obra “Paisagem”, publicada em 2006, pela Casa Lygia Bojunga.

Além de uma escrita leve, nós, os leitores, vamos interpretando a história, captando suas ideias e intenções que pretendem abordar a relação entre o autor com seu leitor. O livro conta a história da autora com Lourenço, seu Leitor. Fantástico, não?

O tesouro dessa obra é a conversa entre a autora com alguém que a lê.  Por certo, o leitor conhece o autor de sua preferência e estabelece com ele um contato afetivo e, por vezes, profundo. Já o escritor repousa sua alma na história de tal forma que toca a alma do leitor. Contudo é uma interação de pessoas que se conhecem apenas através da literatura, estabelecem uma relação intensa a ponto do leitor e o autor interagirem ao longo do tempo. Inclusive, depois que o autor morre, ele continua vivo para seus leitores, fazendo-se emergir das páginas dos seus livros. Em cada história que cria, o autor coloca sua essência na escolha das palavras, na idealização dos personagens, na construção do texto, seja em que estilo literário for.

Em “Paisagem”, Lygia, inicialmente, imagina como seu Leitor poderia ser e decide conhecê-lo. Viaja, o procura e o encontra. Ao ler o livro, me lembrei da relação com meus leitores ao visitar as escolas que adotaram meus livros. Os leitores gostam de sentir a presença do autor do livro que leram para perceberem que eles existem, que são pessoas como eles: de carne e osso. Gostam de escutar a voz e conhecer a sua história de vida e, principalmente, de saber da construção do enredo e dos personagens com os quais se identificaram.

É um relacionamento mágico de modo que o autor passa a existir em função das suas histórias e, consequentemente, dos seus leitores. E o leitor recebe influências significativas na construção do seu destino.

Assim sou com relação a Saint-Exupéry. O “O Pequeno Príncipe” mora dentro de mim e influencia meu modo de ver as coisas da vida e de escrever.  

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Hoje as crianças vivem a infância com plenitude?

segunda-feira, 21 de agosto de 2023

A Academia Friburguense de Letras está realizando um Ciclo de Palestras on-line, via Zoom, “Os desafios da Literatura Infantojuvenil” e temas diversos estão sendo apresentados durante as palestras. Ontem, Anna Cláudia Ramos, escritora e Mestre em Literatura, abordou a importância do brincar e do ler durante a infância. Brincar. Sim, brincar. Passear pelo universo do “Faz de Conta” com passos criativos, em que a criança recria suas fantasias e os personagens das histórias que conhece. 

A Academia Friburguense de Letras está realizando um Ciclo de Palestras on-line, via Zoom, “Os desafios da Literatura Infantojuvenil” e temas diversos estão sendo apresentados durante as palestras. Ontem, Anna Cláudia Ramos, escritora e Mestre em Literatura, abordou a importância do brincar e do ler durante a infância. Brincar. Sim, brincar. Passear pelo universo do “Faz de Conta” com passos criativos, em que a criança recria suas fantasias e os personagens das histórias que conhece. 

Através do brincar, a criança revive sua realidade, externa seus sentimentos e escuta sua voz. Conhece-se. Sente-se. Apreende melhor o ambiente em que vive, reexperimenta a cultura familiar, comunitária e social à sua maneira. Percebe-se, de modo lúdico, como sujeito, sujeitado, como pessoa afetiva e como indivíduo com características próprias. A cada brincadeira, vai amadurecendo a percepção de si, do outro e do mundo. Quando brinca, a criança se transforma em um animal, que seja gato, papagaio, peixe ou leão. Que seja idoso, adulto e, até mesmo em outra criança. De qualquer forma é a pessoa dela inteira que está ali, construindo sua personalidade, experimentando modos de ser e de fazer diferentes, sendo ela mesma ou não.  

E, diante das telas dos tablets e celulares, que oportunidades a criança tem para se construir? Com um objeto frio nas mãos, que pode ser ligado e desligado a qualquer momento, deixa de experimentar a concretude dos fatos ao interagir com outra criança, vivenciar divergências, competir, estabelecer relações de amizade. Como fazê-lo se não tem o outro, criança como tal, para dialogar, discordar, cantar, gritar?  Gostar e desgostar?

A literatura infantil, ao fazer parte do universo infantil, enriquece a experiência lúdica. A história de Pinóquio mostra que a criança pode construir seus próprios brinquedos e a estimula para entrar no mundo fantástico do “Faz de Conta”, quando Gepeto dá vida a um boneco feito de madeira para ser usada como lenha. Outro fato que posso apontar é que a história aborda a relação afetiva entre gerações, na medida em que Gepeto, já velho, cria um boneco que o trata como um filho e preenche seus vazios. Além de tudo, a história conta as travessuras de um boneco de madeira, exaltando-o como um aprendiz da vida. Outro personagem interessante é o Grilo Falante que representa a consciência do boneco do menino, o superego, a instância responsável entre o eu e o ambiente circundante.

Além do mais, os personagens são fontes de inspiração para a criança encená-los nas brincadeiras e nos teatros que produzem. E, cá para nós, é gostoso imitar personagens e reproduzir suas falas!

A leitura de histórias possibilita o contato do leitor infantojuvenil com sua língua, amplia seu vocabulário e mostra o emprego dos fatos gramaticais, sintáticos e ortográficos. 

Para finalizar, quero fazer uma referência à Convenção dos Direitos da Criança, elaborada pela Assembleia Geral da ONU, em 1989, que promove, protege, e assegura o exercício pleno de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais para todo o indivíduo com menos de 18 anos de idade. Indiferente à raça, cor, sexo, origem, religião, classe econômica ou deficiência física.

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As histórias nos ajudam a lidar com a morte e a segurar a vida pelo rabo

segunda-feira, 14 de agosto de 2023

“Quando olhares para o céu de noite, eu estarei habitante numa delas e estarei rindo, então será como se todas as estrelas te rissem! E tu terás estrelas que sabem sorrir! Assim, tu te sentirás contente por teres me conhecido”

Saint-Exupéry em O Pequeno Príncipe

 

“Quando olhares para o céu de noite, eu estarei habitante numa delas e estarei rindo, então será como se todas as estrelas te rissem! E tu terás estrelas que sabem sorrir! Assim, tu te sentirás contente por teres me conhecido”

Saint-Exupéry em O Pequeno Príncipe

 

As pessoas têm restrições para falar da morte e dificuldades para lidar com os momentos finais daquelas com quem convivemos. Certa vez, fui visitar o pai de uma amiga que estava internado em um asilo e, tão logo cheguei, no saguão de entrada, vi fotos de internos, já bem velhos, acamados e impossibilitados de se locomoverem de modo independente. Alguns visitantes, como eu, demonstravam um triste espanto. Repentinamente passou uma enfermeira e chamou a atenção de todos para o fato de que eles tinham passado pela vida e, naquele momento em que a fotografia fora tirada, estavam findando. Cumpriram o ciclo da existência. As palavras contundentes daquela mulher me foram educativas e reforçaram o que sempre soube e neguei: a morte fará parte da minha vida.

Nascimento e morte são os exatos momentos em que sofremos as maiores transmutações. Na natureza, a cada dia, vivenciamos o amanhecer e o anoitecer. Como é belo ir ao Arpoador, no Rio de janeiro, para assistir ao pôr do sol, principalmente no verão quando as pessoas chegam a bater palmas quando o sol desaparece atrás da Pedra da Gávea. Diferentemente na vida individual, o findar é doloroso, mesmo para os familiares e amigos daqueles que viveram com plenitude.

A questão da morte vai além do fato biológico e descortina a amplitude dos sentimentos inerentes à ausência, ao desaparecer de alguém com quem temos relações de afeto. O lidar com sentimentos que cercam o quarto que fica vazio, o animal que perde o dono, a mãe que nunca mais verá o filho são desoladores. Um abraço, um consolo, um olhar que acalente é sempre sustentador. Um livro também o é.

Está em minhas mãos o livro de contos da Flávia Savary, “É de morte!” Segundo a autora, “é um livro sobre a vida” em que o leitor se depara com os “desdobramentos e ecos que a morte produz nas personagens”. Os contos narram situações em que a morte é o tema central e podem ser lidos por jovens e adultos.

Uma questão me inquieta. Ao escrever este texto uma inquietante dúvida me invade: estou diante da vida ou da morte? Questão nunca resolvida e que me é desafiadora.

Eis a questão apresentada por Shakespeare: o eterno dilema do ser ou não ser ou não ser. E, aqui, ao escrever a coluna me parece a metáfora da interminável dúvida: viver ou morrer?

Pois bem, parei de escrever e fui fritar uma omelete para o jantar. Fui à cozinha tentando decidir se pararia de ser escritora e me tornaria cozinheira. Se gostaria de continuar a viver ou morrer. Com a cabeça enrolada e a vontade de comer a omelete crescendo, acho que naturalmente me transmutei de escritora a cozinheira e decidi viver. Não matei a escritora, se bem que na cabeça estivessem fumegando grandes dúvidas existenciais. A escritora mereceria descansar. E aí surgiu a cozinheira, mestre em quebrar ovos e fazer omeletes de todos as maneiras.  Renasceu a cozinheira pela decisão de jantar e saborear uma omelete recheada com frango, acompanhada de salada e suco de laranja com limão. Se a cozinheira quisesse morrer, certamente iria fazer uma fritada de ovos mexidos, mas não uma omelete gorda, bonita de se ver e comer. Como a escritora está adormecida, a palavra omelete danou a ser repetida. Ich!

Flávia Savary tem razão. Pensar na morte é tomar a consciência de que a vida é para ser vivida.

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O livro tem o pulsar do coração

segunda-feira, 07 de agosto de 2023

O leitor, quando mergulhado numa história, deixa seus olhos deslizarem sobre o texto, sendo capaz de perceber os personagens em seus sentimentos, palavras e ações, contextualizadas em cenas, ricas em circunstâncias a serem por ele captadas e refletidas. 

Mas como é possível, a literatura atrair a criança e o jovem, competindo com um universo de situações por eles vividas? 

O leitor, quando mergulhado numa história, deixa seus olhos deslizarem sobre o texto, sendo capaz de perceber os personagens em seus sentimentos, palavras e ações, contextualizadas em cenas, ricas em circunstâncias a serem por ele captadas e refletidas. 

Mas como é possível, a literatura atrair a criança e o jovem, competindo com um universo de situações por eles vividas? 

Muitos fatores podem ser indicados, porém a linguagem é o mais relevante e complexo. Sendo o escritor, um contador de histórias por excelência e tendo uma imaginação generosa, está diante de um grande desafio: comunicar-se com a criança e o jovem. Ao entrar em contato com sua voz narrativa, vai aprendendo a usar as palavras, construir as frases, fazer a história desencadear de modo contínuo e claro, capaz de transmitir ao leitor o seu pensamento e o seu modo de dizê-lo. Jamais escreve para si; escreve para o outro. Para o grande “Outro”. Seus textos nunca ficarão guardados em gavetas ou esquecidos na última prateleira de estantes, serão degustados e absorvidos por aqueles leitores que estão chegando a um mundo a ser descoberto, a um lugar desafiador, onde terão que viver e interagir. 

O texto literário, ao promover a comunicação entre pessoas de culturas e gerações diferentes, atravessa o tempo e percorre espaços sem perder a riqueza narrativa e constrói, com maestria, as possibilidades de conversar com o leitor sobre a história que se propõe a contar e o respectivo tema que vai abordar. 

Quem será o meu leitor, o que quero dizer a ele e como fazê-lo? São perguntas que exigem respostas responsáveis uma vez que seu texto permanecerá vivo no leitor, cujas ideias transmitidas através de palavras irão pulsar como um coração naquele que lê, quiçá por toda uma vida.      

O livro é uma casa que precisa ser aconchegante à criança e ao jovem, onde eles encontrarão no universo ficcional o que vivem na realidade. É o mundo do faz de conta que apoia a criança e o jovem em suas experiências existenciais. É como o canto do rouxinol que anuncia a primavera e propaga a longas distâncias a esperança de algo melhor. Quanto mais barulho o mundo fizer, mais alto ele cantará. 

O texto infantojuvenil não é despretensioso. Cada palavra quer tocar a pessoa do leitor, enquanto sujeito sujeitado, enquanto indivíduo único. Como ser vivo que deseja uma vida digna.

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Literatura infantojuvenil invade a Academia Friburguense de Letras

segunda-feira, 31 de julho de 2023

Sim, senhor!, por ser um lugar que cultiva histórias, os ares da Literatura Infantojuvenil invadem a Academia Friburguense de Letras através do Ciclo de Palestras, “Os Desafios da Literatura Infantojuvenil”. 

Sim, senhor!, por ser um lugar que cultiva histórias, os ares da Literatura Infantojuvenil invadem a Academia Friburguense de Letras através do Ciclo de Palestras, “Os Desafios da Literatura Infantojuvenil”. 

Várias ideias permearam o planejamento da atividade, que incluiu profissionais de diferentes áreas envolvidas nos processos de fazer e na utilização do livro de literatura, a começar pela sua importância na formação do leitor, enquanto pessoa e cidadão. Através do envolvimento com o enredo e o encantamento com o mundo ficcional, a criança e o jovem vão se identificando com os personagens e relacionando os fatos por eles experimentados durante a leitura com as próprias situações existenciais. Ao virarem as páginas do livro e mergulharem nas histórias, a literatura se torna uma possibilidade de o autor conversar com o leitor sobre a vida com plenitude por meio de uma comunicação baseada no respeito e nas possíveis descobertas que o leitor possa vir a fazer. Na percepção de que a leitura não materializa apenas ideias, mas poetiza a vida em todas as suas formas. 

Como vivemos num mundo complexo e mutante, o leitor infantojuvenil pode ser até comparado à Alice no País da Maravilhas que vai conhecendo e interpretando o mundo ao seu redor, algumas vezes observado através de frestas, tal qual o buraco da fechadura. Apesar de ser interagente, o leitor, seja infantil ou juvenil, ainda não consegue discernir sobre a realidade com clareza e objetividade. A leitura lhe proporciona outros modos de ver os diversos âmbitos do ambiente familiar, social, cultural, econômico e histórico, ampliando sua visão de mundo e de ser vivente em processo de evolução.

Mas como o autor tem condições de tocar seu leitor infantil? O fazer para despertar o seu interesse a ponto de criar condições para que seu texto seja lido por inteiro? Até mesmo relido. São perguntas delicadas que requerem respostas amplas sobre a linguagem. Por isso a literatura é a arte da palavra, na medida em que tem a delicadeza de empregar a expressão capaz de motivá-lo a continuar a ler, a refletir e a verbalizar o pensamento. É a arte que vai além da técnica e do bom senso. É a arte construída pelo amor à vida.

A ilustração auxilia o leitor a ultrapassar as dificuldades e a aridez inerente a todo e qualquer texto, tornando a leitura prazerosa e oferecendo outros modos de interpretar a história. Através das imagens, cores e formas, ele tem a oportunidade de visualizar os cenários, os personagens e o desenrolar da trama. Inclusive, tem como perceber as sutilezas das mensagens nas entrelinhas do texto. 

O livro, ao acolher um texto, oferece possibilidades ao contador de histórias para reproduzi-la verbalmente, utilizando os mais variados recursos criativos a fim de atrair a atenção do ouvinte, para trazê-lo ao universo da ficção e tratá-lo como o principal espectador do espetáculo que realiza.

A literatura é uma rica fonte de devaneio. Além de ser a base que sustenta outras artes, como o teatro e o cinema, possibilita o fantasiar. E a criança e o jovem precisam adentrar os bosques imaginários para ter condições de lidar com os desafios da própria existência, muitas vezes cruéis e difíceis de serem compreendidos.

O livro de literatura para crianças e jovens não contém uma historinha, muito menos é um monte de páginas enfeixadas. É uma obra comprometida com seu leitor, que conta uma história significativa e traz a inteligência criativa do autor em cada frase. É um objeto perturbador por excelência que tem força para transformar cada leitor de forma especial. 

Lendo, a criança e o jovem vão se curando da cegueira existencial e abrindo as asas para a liberdade de ser e de fazer.

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Nunca nos esquecemos dos nomes com sobrenomes!

segunda-feira, 24 de julho de 2023

A literatura é um bom local para guardar lembranças e torná-las vívidas. Se as palavras falam de situações fugazes, podem nos trazer o que vivemos em carruagens. O tempo passa, mas as memórias ficam. É o que vou fazer agora, vou trazer a esta coluna, através de um relato, algumas lembranças das minhas amigas de colégio, já que eram tantas que não caberiam num daqueles livros de capa dura do tamanho de almanaque. 

A literatura é um bom local para guardar lembranças e torná-las vívidas. Se as palavras falam de situações fugazes, podem nos trazer o que vivemos em carruagens. O tempo passa, mas as memórias ficam. É o que vou fazer agora, vou trazer a esta coluna, através de um relato, algumas lembranças das minhas amigas de colégio, já que eram tantas que não caberiam num daqueles livros de capa dura do tamanho de almanaque. 

Ainda escuto suas vozes nas conversas que se perdiam depois daquele portão imenso do Colégio Sacré-Coeur da Marie, na rua Tonelero, 56, Copacabana, Rio de Janeiro. As recordações rodeiam a terrível professora das aulas de História, passeiam pelas saias plissadas que tentávamos encurtar, enrolando o cós. Enfim, detalham os acontecimentos que marcaram os nove anos em que nos sentávamos nas cadeiras das salas dos cursos Primário, Admissão e Ginasial. As relações colegiais eram preenchidas e desenhadas pelos modos de ser de cada uma e nunca foram por nós esquecidas. Apesar das diferenças individuais, íamos descobrindo afinidades e interesses em comum, como os jogos de vôlei, as brincadeiras durante os recreios, as festas, principalmente quando começamos a usar sapato com dois dedos de salto alto. Até hoje, cinquenta anos depois, ainda estamos unidas e trocamos mensagens diariamente. Que bonito! 

Éramos 120 alunas, agrupadas em 4 turmas e seguíamos ano a ano a escolaridade. Aprendemos línguas, matemática e geografia, dentre outras disciplinas que compunham uma grade de ensino variada. E, acima de tudo, aprendemos a ser pessoas dignas. Sob rígida disciplina e alvo dos olhares das freiras, por vezes severos, conseguíamos ser bagunceiras. E, hoje, constatamos, em nossos encontros, que éramos felizes, apesar das agruras que aquele colégio religioso nos trouxe. A rigidez que vivenciamos não nos tirou pedaços, mas nos preparou para a vida. 

Algumas, infelizmente, já se foram, e sempre registramos a ausência delas de modo saudoso e respeitoso.  A maioria está seguindo a vida, e temos a alegria de compartilhar os momentos que vivemos no presente. Dos nomes com sobrenomes, nunca esquecemos! E na semana em que comemoramos a semana do amigo, as lembranças colegiais me transportaram para cada canto daquele imenso colégio, cheio de escadarias e ladeiras. Temos belos registros.

É mágico! Nós, com quase setenta anos, quando estamos juntas, temos a impressão de que o tempo não passou, que ainda somos meninas, com a vida pela frente, cheias de vontade de viver.

É uma amizade que vai nos puxando para perto umas das outras. É eterna enquanto cada uma de nós viver. Se, porventura, alguém tem uma dificuldade ou um sofrimento sabe que o grupo SCM está pronto para acolher, sugerir e ajudar. Confesso que não me sinto só. Tenho a riqueza de guardar amigas de colégio como diamantes.

Deixo, para finalizar, um dos mais belos poemas que conheço e tem a ver com o tema da coluna.

GUARDAR

Antônio Cícero

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.

Em cofre não se guarda coisa alguma.

Em cofre perde-se a coisa à vista.

Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por

admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.

Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por

ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,

isto é, estar por ela ou ser por ela.

Por isso melhor se guarda o voo de um pássaro

Do que um pássaro sem voos.

Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,

por isso se declara e declama um poema:

    Para guardá-lo:    

Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:

Guarde o que quer que guarda um poema:

Por isso o lance do poema:

Por guardar-se o que se quer guardar.

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Da voz feminina, nasce a escritora

segunda-feira, 17 de julho de 2023

Estou com o livro nas mãos “Um grande dia para as escritoras”, idealizado por Giovana Madalosso, sentindo o cheiro das folhas que deslizam com o movimento dos dedos, fazendo os olhos absorverem a vibrante cor rósea misturada com a coral. Deixando-me inebriar ao admirar as 53 fotos de escritoras em várias cidades do mundo, totalizando 2.302 mulheres. As fotos foram tiradas em diferentes lugares das cidades, como praças, escadarias, anfiteatros, museus, prédios históricos, além de tantos outros usados de cenário para o registro de um momento tão feminino e grandioso.

Estou com o livro nas mãos “Um grande dia para as escritoras”, idealizado por Giovana Madalosso, sentindo o cheiro das folhas que deslizam com o movimento dos dedos, fazendo os olhos absorverem a vibrante cor rósea misturada com a coral. Deixando-me inebriar ao admirar as 53 fotos de escritoras em várias cidades do mundo, totalizando 2.302 mulheres. As fotos foram tiradas em diferentes lugares das cidades, como praças, escadarias, anfiteatros, museus, prédios históricos, além de tantos outros usados de cenário para o registro de um momento tão feminino e grandioso. Aqui em Nova Friburgo, as escritoras foram cuidadosamente lideradas por Márcia Lobosco, nossa Produtora Cultural na área de literatura. Tirada por Osvaldo Enoc, a foto recebeu o acolhimento da Escadaria do Antigo Fórum, na Praça Presidente Getúlio Vargas, onde pisamos os degraus com determinação, tomadas pelo sentimento de orgulho.

Estou lendo os textos escritos pelos organizadores e autoras que participaram das fotos, curtindo a maciez do papel e absorvendo o cheiro do livro. O livro tem um perfume especial que me remete à criatividade, vitória e vozes. “Um grande dia para as escritoras” traz o som da mulher: sua fala e desejos, seu nascimento, sua morte. A mulher aprende a viajar pelos dias com resiliência, abrindo suas asas a cada passo e construindo paulatinamente a vontade de ir além. De ser mulher com inteireza, de jamais ser rasgada.

Ainda estamos aprendendo a falar, a dizer nossas palavras, únicas e universais. Somos as mais puras testemunhas do fazer da vida no ventre. Temos seios que produzem alimento nutritivo. Somos as coletivas que se precipitam sobre o papel com caneta em punho e começam a narrar a beleza que a vida faz e desfaz. Escrevemos para sentir o gozo de ver nossa voz escrita, soletrada e sublinhada.

É um júbilo me ver na escadaria do Antigo Fórum ao lado de tantas amigas. A literatura une as pessoas. As histórias tocam nossas almas e temos a vontade de sentir, uma ao lado da outra, o trajeto das palavras, de perceber a sua força e dormir ao som de suas letras. De sonhar para desejar e realizar. Se vogais ou consoantes, se maiúsculas ou minúsculas, elas agasalham os vazios do nosso próprio olhar. É tão bom descobrir o que elas preenchem, como uma peça de um quebra-cabeça que precisa ser encaixada. No meu há peças desencaixadas, misturadas e caídas no chão. Mas tenho peças coloridas, delineadas e reluzentes, já acertadas no tabuleiro.

As fotos no livro nos contagiam, nos fazem resistir à fragilidade do suposto sexo frágil. A escrita não nos deixa calar. Pelo contrário, à cada frase exalamos os perigos da sobrevivência feminina. Penso que compor um livro é mais do que chegar a algum lugar para vislumbrar horizontes. É realizar o propósito de ver uma criança correndo sobre a linha que delineia o possível  e o desejável.  

A mulher escritora não tem idade. 

A mulher nasce escritora e morre se assim o quiser.

A escritora traz a beleza de ser mulher.

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