A literatura é um bom local para guardar lembranças e torná-las vívidas. Se as palavras falam de situações fugazes, podem nos trazer o que vivemos em carruagens. O tempo passa, mas as memórias ficam. É o que vou fazer agora, vou trazer a esta coluna, através de um relato, algumas lembranças das minhas amigas de colégio, já que eram tantas que não caberiam num daqueles livros de capa dura do tamanho de almanaque.
A literatura é um bom local para guardar lembranças e torná-las vívidas. Se as palavras falam de situações fugazes, podem nos trazer o que vivemos em carruagens. O tempo passa, mas as memórias ficam. É o que vou fazer agora, vou trazer a esta coluna, através de um relato, algumas lembranças das minhas amigas de colégio, já que eram tantas que não caberiam num daqueles livros de capa dura do tamanho de almanaque.
Ainda escuto suas vozes nas conversas que se perdiam depois daquele portão imenso do Colégio Sacré-Coeur da Marie, na rua Tonelero, 56, Copacabana, Rio de Janeiro. As recordações rodeiam a terrível professora das aulas de História, passeiam pelas saias plissadas que tentávamos encurtar, enrolando o cós. Enfim, detalham os acontecimentos que marcaram os nove anos em que nos sentávamos nas cadeiras das salas dos cursos Primário, Admissão e Ginasial. As relações colegiais eram preenchidas e desenhadas pelos modos de ser de cada uma e nunca foram por nós esquecidas. Apesar das diferenças individuais, íamos descobrindo afinidades e interesses em comum, como os jogos de vôlei, as brincadeiras durante os recreios, as festas, principalmente quando começamos a usar sapato com dois dedos de salto alto. Até hoje, cinquenta anos depois, ainda estamos unidas e trocamos mensagens diariamente. Que bonito!
Éramos 120 alunas, agrupadas em 4 turmas e seguíamos ano a ano a escolaridade. Aprendemos línguas, matemática e geografia, dentre outras disciplinas que compunham uma grade de ensino variada. E, acima de tudo, aprendemos a ser pessoas dignas. Sob rígida disciplina e alvo dos olhares das freiras, por vezes severos, conseguíamos ser bagunceiras. E, hoje, constatamos, em nossos encontros, que éramos felizes, apesar das agruras que aquele colégio religioso nos trouxe. A rigidez que vivenciamos não nos tirou pedaços, mas nos preparou para a vida.
Algumas, infelizmente, já se foram, e sempre registramos a ausência delas de modo saudoso e respeitoso. A maioria está seguindo a vida, e temos a alegria de compartilhar os momentos que vivemos no presente. Dos nomes com sobrenomes, nunca esquecemos! E na semana em que comemoramos a semana do amigo, as lembranças colegiais me transportaram para cada canto daquele imenso colégio, cheio de escadarias e ladeiras. Temos belos registros.
É mágico! Nós, com quase setenta anos, quando estamos juntas, temos a impressão de que o tempo não passou, que ainda somos meninas, com a vida pela frente, cheias de vontade de viver.
É uma amizade que vai nos puxando para perto umas das outras. É eterna enquanto cada uma de nós viver. Se, porventura, alguém tem uma dificuldade ou um sofrimento sabe que o grupo SCM está pronto para acolher, sugerir e ajudar. Confesso que não me sinto só. Tenho a riqueza de guardar amigas de colégio como diamantes.
Deixo, para finalizar, um dos mais belos poemas que conheço e tem a ver com o tema da coluna.
GUARDAR
Antônio Cícero
Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela.
Por isso melhor se guarda o voo de um pássaro
Do que um pássaro sem voos.
Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
por isso se declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.
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