Blog de terezamalcher_17966

Os heróis invisíveis

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Certa vez, numa conversa informal, falávamos de pessoas importantes que eram divulgadas nas mídias, expostas em fotos e reverenciadas. Repentinamente, perguntaram por que as pessoas do povo — aquelas que pertenciam à vida da comunidade e que passavam sem serem notadas — não mereceriam o mesmo tratamento. Não houve resposta significativa. Possivelmente todos, como eu, ficamos com a questão entalada nos pensamentos e sem uma conclusão. Volta e meia, tempos depois e até hoje, a pergunta me rodeia, beija e belisca.

Certa vez, numa conversa informal, falávamos de pessoas importantes que eram divulgadas nas mídias, expostas em fotos e reverenciadas. Repentinamente, perguntaram por que as pessoas do povo — aquelas que pertenciam à vida da comunidade e que passavam sem serem notadas — não mereceriam o mesmo tratamento. Não houve resposta significativa. Possivelmente todos, como eu, ficamos com a questão entalada nos pensamentos e sem uma conclusão. Volta e meia, tempos depois e até hoje, a pergunta me rodeia, beija e belisca. Durante o carnaval, após terminar de ler um livro, comecei a procurar uma nova leitura e resolvi buscar um de contos (faz tempo que não leio um). Aquela pergunta que guardei acendeu as luzes do título “A vida que ninguém vê”, de Eliane Brum, disponível no e-book, fazendo-o brilhar diante dos meus olhos. “Eita, será que nessas páginas vou encontrar uma resposta que me faça repousá-la num lugar de destaque nas minhas questões existenciais”.

Posto que sim! De certa forma, sempre tive uma resposta banal, daquelas achadas nos bancos das praças, que reduzia a questão ao fato de que as pessoas simples do povo, no quotidiano batido e corrido, não compunham uma notícia capaz de atrair a atenção de outros. Ora, meu amigo, cada indivíduo não faz a vida do lugar acontecer de um jeito próprio? As cidades têm identidades e são construídas diariamente pelos modos de viver dos seus cidadãos. Todos os dias o quotidiano nasce, brota como ramas no chão dos lares, das ruas ou nas paredes das padarias. Não é preciso sair procurando as pessoas do povo calçadas afora. Todos fazem emanar através dos seus corpos, trejeitos, fazeres e palavras os seus talentos, ideias e suas excentricidades. A vida é fantástica para quem tem os olhos capazes de vê-la nos mínimos detalhes.

Contudo nosso olhar é direcionado, não é livre de princípios, sentimentos, aspirações. Não tem a amplitude do descompromisso e toda a repetição de paisagem, como um açougueiro encostado na porta da loja, não passa de uma mesmice. Mas ele tem muito a nos contar desde o momento em que acordou até aquele instante sereno de intervalo do trabalho. Seus sonhos, seus medos, amores. Cada um tem suas revelações.

Em “A vida que ninguém vê”, Eliane descreve com magnífica sensibilidade os mais insignificantes detalhes da vida, minúcias facilmente despercebidas. Ela percorreu o Brasil e achou diamantes esquecidos, portadores de histórias densas, sofridas e heroicas, como a professora que percebeu o andarilho que se dizia chamar Israel e sustentou-o em sua transformação, do carregador de mala do aeroporto que construiu uma família com seu trabalho e do pedinte de rua com deficiência física. Não deixou de expor o sofrimento dos animais dos Jardins Zoológicos, tão admirados e fontes de diversão de tanta gente.

Enfim, a vida invisível transborda nesse livro e os capítulos descortinam heróis. A minha pergunta achou um camarote no meu olhar quando o guardador, aquele que sempre me acena, se aproximou de mim, tomou conta da minha atenção, do meu respeito e admiração. 

Renasci. Mais uma vez. A literatura salva!

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

“Bandeira Branca”, o lírio-da-paz do carnaval

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Eita!, estamos em pleno carnaval. Dias de festas e folias. Alegria, música e agitação dos pés à cabeça. Antes de escrever a coluna resolvi passear pelas músicas carnavalescas que brindam os blocos de ruas, os bailes nos clubes e casas que comemoram esse importante festejo popular. 

Eita!, estamos em pleno carnaval. Dias de festas e folias. Alegria, música e agitação dos pés à cabeça. Antes de escrever a coluna resolvi passear pelas músicas carnavalescas que brindam os blocos de ruas, os bailes nos clubes e casas que comemoram esse importante festejo popular. 

As músicas carnavalescas tradicionais são cantigas, compostas com poesias que tocam a vida do povo com humor e filosofia, cujos versos são narrativas que descrevem situações da vida diária. Uma cantiga que puxou minha atenção como um imã foi “Bandeira Branca”. Esta marcha-rancho, composta por Max Nunes e Laércio Alves, fez tamanho sucesso nos anos 70 que atravessou gerações e permaneceu viva na memória popular. 

Com presença marcante nos carnavais atuais, “Bandeira Branca” foi inspirada na tradição do carnaval. Primeiramente era usada para fazer marcações nas escolas de samba. Posteriormente, para mostrar aos sambistas rivais que ninguém queria briga, uma vez que, nos primórdios do samba de rua, as vias públicas eram tomadas por grupos rivais e violentos que se enfrentavam e acabavam com a festa. A música, inspirada no ideal da paz, foi grande sucesso na voz de Dalva de Oliveira, a Rainha da Voz, que, por sua vez, vivia uma relação conflituosa com o companheiro, Herivelto Martins.

Por que “Bandeira Branca” me tocou? 

Quando comecei a cantar e a dançar a música, me veio a vontade de viver num lugar de paz, num mundo de entendimentos e conversas. Que sonho dourado! O amadurecimento nos faz entender que a vida é feita de divergências e precisamos lidar com elas com inteligência, disposição e criatividade. A ponta de lança usadas em nossas atitudes pode ser substituída por olhos carregados de bom-senso, preenchidos pela sensatez através das experiências existenciais. Não há arma mais poderosa do que o conhecimento das circunstâncias que permite uma ação inteligente e lúcida.

Bandeira branca é símbolo de paz entre povos, torcidas, exércitos, dentre tantos milhares de grupos. É um estandarte regulado pela Convenção de Genebra que garante a inviolabilidade do portador. A bandeira branca, ao mesmo tempo em que expressa um pedido de rendição, contém a solicitação de uma trégua. Hoje, ninguém quer abandonar seus ideais; nem deve. Entretanto um tempo para pensar e dialogar tem preciosidades. Numa época em que se preserva a democracia e liberdade, a bandeira branca é como o lírio-da-paz que dispersa as energias negativas, suavizando os momentos em que as tendências opostas são radicais.  

O diálogo é forma mais vigorosa de se lidar com as diferenças que carregam interesses divergentes. Certa vez, ouvi que o humor é uma forma eficiente de educar. Se o carnaval é caracterizado pela brincadeira, diversão e descompromisso, a cantiga “Bandeira Branca” provavelmente vai ficar na memória dos carnavalescos e poderá ser usada no quotidiano posteriormente. 

Deixo, então, a letra da música “Bandeira Branca” para ser cantada no carnaval e cantarolada no banheiro por quem preze a paz. Salve Mahatma Gandhi!

Bandeira branca, amor

Não posso mais

Pela saudade que invade

Eu peço paz.

(...)

Saudade, mal de amor, de amor

Saudade, dor que dói demais

Vem, meu amor

Bandeira branca, eu peço paz

 

(...)

 

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

Quem não empurrou palavras goela abaixo?

segunda-feira, 05 de fevereiro de 2024

Fiz vários anos de terapia e transformei das minhas águas em um rio de constatações, além de perceber, na vida circundante, um redemoinho de emoções.  Mas, vou confessar - não em forma de segredo, mas de exclamação - que a literatura me abre os olhos também. Não há magias. As vozes dos escritores têm sabedoria, uma sabedoria que nasce na filosofia, em outros pensadores e nas esquinas. É bem interessante notar que o senso comum, exposto na conversa livre e ligeira, surge naturalmente no bota-fora nas beiras das calçadas, nas mesas de bar e cafeterias.

Fiz vários anos de terapia e transformei das minhas águas em um rio de constatações, além de perceber, na vida circundante, um redemoinho de emoções.  Mas, vou confessar - não em forma de segredo, mas de exclamação - que a literatura me abre os olhos também. Não há magias. As vozes dos escritores têm sabedoria, uma sabedoria que nasce na filosofia, em outros pensadores e nas esquinas. É bem interessante notar que o senso comum, exposto na conversa livre e ligeira, surge naturalmente no bota-fora nas beiras das calçadas, nas mesas de bar e cafeterias. É uma fala coloquial que mostra a vida como ela é, como dizia Nelson Rodrigues. Sem dó e sem piedade, através do deboche, comentários e das piadas, as falas dizem tudo o que está em Shakespeare. Nem reis e rainhas, padres e vilões escapam dos inesperados desacertos.  

Não são poucas as situações que exigem silêncio. O silêncio tem inteligência e condições de dizer mais do que palavras, e seus efeitos são eficientes. Estou lendo o romance “Depois daquele verão”, de Carley Fortune. Diante de uma situação delicada, a protagonista, Percy, deixa escapar algo constrangedor ao personagem, Sam, que, no meio da frase, tem que recolher as palavras e enfiá-las de volta para a garganta. 

Eita! Quem não experimentou isso?

Eu, milhares de vezes!

Quando é preciso segurar as palavras, a gente as engole tão rapidamente que perde o ar e fica, até, com a boca aberta.  A autora Carley descreve esse momento da protagonista, como se ela estivesse presa a uma rede e paralisada. E aí me vêm as tantas horas de divã de analista que me gritam: temos que nos perdoar e entender que não há mal em empurrar palavras pela goela e experimentar o silêncio. Mas não é fazer disso uma rotina, pelo contrário, é cuidar para que não aconteça, mas se... 

Conversando com amigas de trabalho e recordando a nossa querida Maria Lúcia, que não está mais entre nós, falamos da sua inteligência sutil, quando dizia: “é preciso pensar sete vezes antes de falar”. Ela estava certíssima. O pensamento seleciona ideias e as palavras com as quais vamos expressá-las.  Todo o cuidado é pouco.

Tenho setenta anos e ainda estou aprendendo a achar o ponto de equilíbrio entre a espontaneidade e o autocontrole. É prazeroso nos expressarmos com originalidade; é tenso controlarmos nossas manifestações. Enfim. A construção saudável da vida nos exige esse meio termo. Nem lá, nem cá. Os caminhos do meio são os melhores. Os budistas sabem disso! 

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

Nosso nome é um código de barras

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Estou acabando de ler “A boneca de Kokoschka”, do autor português, Afonso Cruz. A cada página sou coberta pelo manto das indagações filosóficas, que me traz questões sobre as quais ainda, ou muito pouco, havia refletido. Como nosso pensamento trabalha 24 horas por dia, inclusive durante o sono, faz bem ter motivos para pensar de modo diferente a fim de sair da mesmice diária que ocupa a mente com relações familiares, situações de trabalho, circunstâncias financeiras e acontecimentos diversos. É aconselhável ter novas linhas e retalhos para costurarmos nossas colchas.

Estou acabando de ler “A boneca de Kokoschka”, do autor português, Afonso Cruz. A cada página sou coberta pelo manto das indagações filosóficas, que me traz questões sobre as quais ainda, ou muito pouco, havia refletido. Como nosso pensamento trabalha 24 horas por dia, inclusive durante o sono, faz bem ter motivos para pensar de modo diferente a fim de sair da mesmice diária que ocupa a mente com relações familiares, situações de trabalho, circunstâncias financeiras e acontecimentos diversos. É aconselhável ter novas linhas e retalhos para costurarmos nossas colchas.

Quando nascemos recebemos um nome. Ganhei Tereza Cristina, um conjunto de letras que me designa, o qual levarei até o fim da minha vida. Mas, será que esse nome de nascença é o meu verdadeiro? Posso ter nascido como Tereza Cristina, mas ao morrer continuarei a sê-la? 

Afonso Cruz me coloca a pulga atrás da orelha quando questiona que o nome que consta na certidão de nascimento não é o verdadeiro. Posto que sim. As primeiras perguntas que me inquietam tão logo as cortinas se abrem são: o nome que tenho me agrada? Pode dizer quem sou?

“...mas sinto que o nome de batismo, o que nos dão à nascença, não é o nosso nome. Há um outro escondido debaixo das nossas rugas, debaixo das nossas infelicidades todas, que é o nosso código de barras, como os das compras. Um dia, quando estiver a morrer, com a morte nos olhos, saberei que nome é esse.”  

Os traços em nossos códigos de barras registram as marcas que fazemos no destino. A cada momento, um registro; a cada registro, um tom é acrescentado ao nome, que pode ir modificando o som das letras e substituindo-as, nos transformando na maneira como somos e fazemos a vida acontecer. Ao final dos dias construiremos, então, um nome com a inteireza da existência individual.

Afonso Cruz, durante a conversa entre seus personagens, chama a atenção para o nome artístico. Certamente mais íntegro do que o da certidão de nascimento porque, ao longo da vida, vamos aprendendo e aprimorando a arte de viver. Ao morrer, as letras do nosso nome irão conter incontáveis histórias, apinhadas, umas em cima das outras. São as que contamos sobre nós e as que outros nos contam, também sobre nós. Seremos, enfim, um emaranhado de contos, constatações, identidades, ideias e afetos.

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

Somos um hífen?!

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Estou lendo “A boneca de Kokoschka”, de Afonso Cruz, edição apoiada pela Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas/Portugal. O livro me atraiu pelo título, e, ao mergulhar na leitura, encontrei pérolas, que me remeteram a uma questão surpreendente, que ainda não havia pensado. 

O contexto da história é a Segunda Guerra. O início do enredo se desenvolve numa loja de pássaros, cujo protagonista, Bonifácio Vogel, é comparado, dentre tantas caracterizações feitas pelo autor, a um hífen. Essa ideia me trouxe uma pergunta inusitada: Sou um hífen?

Estou lendo “A boneca de Kokoschka”, de Afonso Cruz, edição apoiada pela Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas/Portugal. O livro me atraiu pelo título, e, ao mergulhar na leitura, encontrei pérolas, que me remeteram a uma questão surpreendente, que ainda não havia pensado. 

O contexto da história é a Segunda Guerra. O início do enredo se desenvolve numa loja de pássaros, cujo protagonista, Bonifácio Vogel, é comparado, dentre tantas caracterizações feitas pelo autor, a um hífen. Essa ideia me trouxe uma pergunta inusitada: Sou um hífen?

Se eu fizesse essa pergunta durante uma sessão de análise, meu terapeuta diria que a sessão tinha acabado. Assim, repentinamente. Sairia de lá com a cabeça embaralhada e passaria a semana buscando explicações. Por que sou hífen?

Há três dias que estou revendo as relações que estabeleço com as pessoas e com as circunstâncias de vida. De pensamento em pensamento, fui constatando que sou um hífen! 

O hífen é uma pontuação em forma de traço e tem a função de estabelecer elos: juntando palavras compostas, unindo pronomes átonos aos verbos, fazendo a separação de palavras em duas partes no final da linha. É um sinal gráfico que tem identidade!

Nesse momento sinto a necessidade de perceber-me como um elo. Sim, tal qual uma argola que se une a outras para formar uma corrente. Qual a importância que tenho no fluxo das situações em que vivo? Se eu me retirar ou for tirada, o que acontecerá? Farei falta ou serei indispensável?

Cada uma desses temas tomaria o tempo de algumas sessões de psicanálise. Ou muitas. Ou quase todas.

Mas há outra questão que a percebo como a mestra de todas: fazendo parte de tantos colares, como preservo a minha identidade? Aí, constato que ainda estou longe de ser uma pessoa definida, sábia e criativa, sendo capaz de observar, perceber e entender, nos mínimos detalhes, primeiramente, a minha essência e, depois, as pessoas e circunstâncias sem ideias preconcebidas. Ah, que desafio a palavra hífen me trouxe! Ufa!

Vou ligar para meu analista e marcar umas sessões.

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

A violência contra a mulher

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Pela primeira vez vou abordar um tema delicado e triste, a violência sofrida pela mulher. Eu me senti motivada a escrevê-lo durante a leitura do livro “Dororidade”, de Vilma Piedade, com prefácio de Márcia Tiburi, que viu a palavra nascer, de modo espontâneo, numa tarde de sábado, no Instituto Cultural Rosie Marie Muraro, quando eram discutidos “os rumos no movimento de protagonização de mulheres para a política”. 

Pela primeira vez vou abordar um tema delicado e triste, a violência sofrida pela mulher. Eu me senti motivada a escrevê-lo durante a leitura do livro “Dororidade”, de Vilma Piedade, com prefácio de Márcia Tiburi, que viu a palavra nascer, de modo espontâneo, numa tarde de sábado, no Instituto Cultural Rosie Marie Muraro, quando eram discutidos “os rumos no movimento de protagonização de mulheres para a política”. 

Sim. Dororidade, a dor provocada nas mulheres pelo machismo. Mulheres de várias idades, nacionalidades e raças experimentam diversas formas de sofrimento decorrentes da crueldade física, moral e do abuso psicológico causados pelos maus tratos masculinos, especialmente contra as mulheres negras. Esse tipo de violência é milenar, mantém-se ativo, caminhando no tempo e em todos os espaços do planeta, deixando feridas e cicatrizes no corpo e na alma femininas. Inclusive, muitas morrem. São assassinadas! 

O machismo machuca, deforma e mata. É a expressão da insensatez e da brutalidade masculinas que caracterizam um modo de ser débil e perverso, que vai contra os princípios da dignidade humana. É decorrente de uma cultura que confunde a força física com a falta de empatia para com o próximo, especial e unicamente, com a mulher. Negligencia a proposição primordial do ser humano, descrita na Bíblia, por Mateus (versículo 12, capítulo 7) e que faz parte do Sermão das Montanhas: “façam aos outros o que querem que eles lhes façam”. Nenhum machista quer ser agredido!

O machismo é uma das piores fraquezas de caráter que um homem possa ter, uma vez que revela um relacionamento fundamentado no desamor, no desrespeito e na ausência de virtudes. A civilização moderna vem amadurecendo conceitos relacionados à preservação da vida e da integridade física, moral e emocional, embora ainda cultive mecanismos sociais, políticos e culturais que alimentam o poder misógino. Ainda é um problema muito sério no Brasil, especialmente na região do Nordeste, agravado pela morosidade da justiça para julgar os casos de situações conflituosas. Nosso país, infelizmente, no ano de 2023, registrou 2.000 casos aproximadamente de homicídios femininos. O que revela a existência, mais comum do que se possa imaginar, da violência contra a mulher nos lares brasileiros.

A Lei Maria da Penha nos mostra que o machismo tem sido punido. Entretanto, ainda, o grito feminino reclama por mais rigidez e ecoa nas paredes das casas, nas calçadas das ruas e nos horizontes das cidades.

Quantos séculos ainda serão precisos para a humanidade estancar de vez a violência contra a mulher.

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

O suspense

segunda-feira, 08 de janeiro de 2024

Estou lendo “O apartamento em Paris”, da escritora inglesa Lucy Foley, um romance de mistério passado em um edifício de luxo na capital francesa. Seus moradores e suas paredes guardam segredos que vão se revelando aos poucos de modo que não consigo parar de ler. 

Estou lendo “O apartamento em Paris”, da escritora inglesa Lucy Foley, um romance de mistério passado em um edifício de luxo na capital francesa. Seus moradores e suas paredes guardam segredos que vão se revelando aos poucos de modo que não consigo parar de ler. 

Um dos grandes desafios do escritor de prosa literária é prender o leitor na narrativa. Um texto carregado de circunstâncias a serem desvendadas, cuja leitura evoque perguntas e espantos é instigante e prazeroso. Mas elaborá-lo? Uauuu! Construir cenas densas, mas pouco explicadas, personagens misteriosos e enigmas é um desafio e tanto ao escritor. A literatura de suspense apresenta grandes obstáculos a serem superados, que exigem a definição pormenorizada dos mínimos detalhes que compõem cada uma das cenas. São definições que precisam ser esclarecidas e dominadas previamente pelo escritor, ou seja, antes mesmo de começar a elaborar o texto. Além do mais, os fatos devem ser mostrados pouco a pouco e cuidadosamente ao leitor, que, ao ler, vai desvendando segredos nada vulgares. Quanto mais inteligente é a trama, mais o leitor vai se sentir desafiado a desvendá-la.

Não é somente a literatura de suspense, mas todo texto deve considerar a capacidade reflexiva do leitor para compreender situações. Talvez possa afirmar que compor um texto seja engenhoso porque requer planejamento, cálculos precisos e construção minuciosa das cenas. Em “Aventureiros da Serra”, romance de minha autoria, os personagens precisaram atravessar um rio, e tive de calcular distâncias, riscos e tempo. 

O texto literário de ficção tem de ser verossímil! Um personagem de menor estatura precisa dar mais passos para percorrer a mesma distância do que outro mais alto. As cenas não podem ser lentas nem rápidas demais, a ação dos personagens deve ser realizada em momentos certos da narrativa para criar no leitor a máxima expectativa. Os acontecimentos devem ter sequência contínua de modo a preparar a narrativa para um desfecho, exigindo paciência e causando inquietude no leitor. Não é possível antecipar informações para amenizar o suspense, o que arruinaria o texto em poucas linhas.

Quase sempre a literatura de suspense envolve atos de perversidade, como em “O silêncio dos inocentes”, de Thomas Haris. Os romances policiais de Agatha Christie, como “Morte no Nilo” e “Expresso Oriente” trazem situações de morte violenta. Se não fossem as passagens trágicas não haveria uma narrativa consistente e atraente ao leitor. Quanto maior é a maldade e o sofrimento, melhor qualidade o texto pode alcançar.

As escrever “Aventureiros da Serra”, um personagem, o Edu, surgiu repentinamente na minha imaginação. Ele, vindo carregado de inveja e egoísmo, fez com que a narrativa crescesse. Suas atitudes levaram as cenas mais simples ao suspense. Ao escrevê-las, eu ia desvendando o seu caráter que criava grandes dificuldades ao grupo de amigos. Ao longo da narrativa, ele foi se transformando e fazendo com que os outros personagens amadurecessem. Foi uma experiência literária incrível. 

Estou escrevendo esta coluna porque pretendo, em 2024, começar a escrever um romance de suspense. Estou me preparando, aquecendo as turbinas, como dizia minha mestra Virgínia Cavalcanti. 

2024 me chegou cheio de ideias desafiadoras que serão tecidas por linhas. Linhas! Será um bom título? O ano promete muito suspense. Ainda bem... 

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

2024 - O rabo da lagartixa, quando cortado, nasce de novo

terça-feira, 02 de janeiro de 2024

Estava passeando calmamente entre as minhas expectativas para 2024 e me lembrei da crônica “O Rabo da Lagartixa”, escrito pela médica e budista Nazareth Solino, publicada no livro do mesmo título, em 2006. 

Vamos reviver a vida, mais uma vez, em 2024! 

Estava passeando calmamente entre as minhas expectativas para 2024 e me lembrei da crônica “O Rabo da Lagartixa”, escrito pela médica e budista Nazareth Solino, publicada no livro do mesmo título, em 2006. 

Vamos reviver a vida, mais uma vez, em 2024! 

Ora pois sim, não será um ano inédito, certamente, como os anteriores; será um tempo em que vamos prosseguir os caminhos já trilhados e alguns novos. Que nossos passos se orientem pelo ensinamento que o rabo da lagartixa nos oferece: religar e cicatrizar. Vamos prosseguir nossas trajetórias existenciais de modo mais aperfeiçoado posto que a vida tem plasticidade, tal qual esse réptil de pequenas dimensões, capaz de recompor seu rabo quando decepado. Em pouco tempo, ele está com o corpo refeito, tendo a prontidão para seguir sua vida com disposição. E, nós, os humanos, não perdemos nossos pedaços diariamente? Cada dia jamais será por nós vivenciado da mesma forma como foi no passado. Nosso quotidiano é mutante, inclusive nos momentos em que o consideramos rotineiro. Não trocamos de roupas!? Sim, temos o livre arbítrio e a oportunidade para reparar nossos sentimentos, pensamentos e as ações. Cada momento é único, e o “aconteceu” é um tempo que leva as águas dos nossos rios para os oceanos do mundo. E, aí, surge, a magia do resgate.  Somos os encantadores do nosso destino. 

Que em 2024 tenhamos gratidão ao que a vida vai nos proporcionar, mesmo nas situações mais difíceis e dolorosas, mas que nunca deixam de nos oferecer significativos aprendizados. Que aprendamos a ter gratidão!, esse nobre sentimento, um dos mais raros, como, certa vez, minha amiga Carmem, psiquiatra e psicanalista, me confabulou com tristeza. A gratidão nos permite olhar para as circunstâncias e para as pessoas com reconhecimento e coragem a fim de transformar o ambiente e, inclusive e principalmente, a nós. Tendo atenção para os aspectos positivos, sem recusar os benefícios que nos oferecem. Nossos olhos são sábios quando permitimos que o sejam. Somente assim, seremos capazes de conquistar a liberdade para vislumbrar diversos horizontes em cada paisagem. 

Ao carregar a lagartixa nos bolsos, vamos, em 2024, configurar a vida diariamente. Como será saudável aprender a surfar as pequenas e grandes ondas, submergindo e emergindo nos mares em que estamos mergulhados. 

Que tenhamos energia vital nas veias para trilharmos todos os nossos caminhos.

Até semana que vem!

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

Panelas, as relíquias de Natal

segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

Hoje, segunda-feira, dia de Natal, quero abraçar meus leitores e mostrar meu agradecimento à A Voz da Serra que, gentilmente, acolhe minhas palavras. É bom sentir a sensação de consideração por aqueles que me leem e de receber a hospitalidade deste jornal.

Vou retribuir toda essa atenção através de um conto que escrevi, faz tempo, que expressa os esforços e a alegria do escritor. 

***

Hoje, segunda-feira, dia de Natal, quero abraçar meus leitores e mostrar meu agradecimento à A Voz da Serra que, gentilmente, acolhe minhas palavras. É bom sentir a sensação de consideração por aqueles que me leem e de receber a hospitalidade deste jornal.

Vou retribuir toda essa atenção através de um conto que escrevi, faz tempo, que expressa os esforços e a alegria do escritor. 

***

A rua brilhava o Natal; à noite, as luzes cintilavam nas árvores e piscavam nas janelas. A casa, entre tantas enfeitadas, era pequena; poucos cômodos. Família grande, casa de gente limpa que usava pano de chita como porta dos armários. Casa sem tapetes para enfeitar o chão de cimento liso. A televisão na sala era o quadro que fazia a arte sumir na tela escura. A mesa, preparada para a ceia, tinha vários pratos, copos e talheres cuidadosamente arrumados. Ah, a cozinha! Na cozinha, estavam as preciosidades de Natal. As panelas. Mais reluzentes do que as luzes que piscavam na árvore, penduradas na parede sobre a pia, como relíquias dos sonhos de uma vida. Eram o orgulho, mostravam o prazer dos braços que as arearam e a coragem dos dedos que engrossaram a pele com o bombril para fazê-las iluminadas. Ali estavam estampadas na cor do alumínio as esperanças que o Natal trazia. O trabalho. A vontade de compartilhar a vida.

Feliz Natal!

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

Esses seres admiráveis, os personagens?

segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Quem são esses seres fascinantes que nascem no imaginário do escritor? Que sejam emergentes da realidade em que vivemos ou do universo da ficção. Querem saber a verdade? Não importa de onde venham, apenas é preciso que sejam bem construídos e prendam a atenção do leitor. Simples assim? Posto que não. 

Quem são esses seres fascinantes que nascem no imaginário do escritor? Que sejam emergentes da realidade em que vivemos ou do universo da ficção. Querem saber a verdade? Não importa de onde venham, apenas é preciso que sejam bem construídos e prendam a atenção do leitor. Simples assim? Posto que não. 

Os personagens criados a partir da inspiração de uma pessoa existente ou que já tenha existido, são, na literatura, seres ficcionais. Dificilmente o escritor conseguirá retratá-lo na produção literária com fidedignidade, ele será reconstruído através de palavras e cenas elaboradas no imaginário. Mesmo no cinema ou teatro, a vida da pessoa é narrada através de um roteiro ou de um texto dramatúrgico. O personagem só existe situado em uma história com os elementos e atributos criados exclusivamente na imaginação. Vamos supor que três indivíduos presenciem uma cena, cada um vai descrevê-la de uma forma, vai notar os detalhes com parcialidade e observar a partir de um ponto de vista próprio, que está enraizado em formas de pensar, afetos e experiências de vida. 

Há personagens tão extraordinários e tão bem construídos que influenciam a vida dos seus leitores, causam espantos, risos e reflexões.  São entidades que, além de habitarem nos livros, vivem na mente daqueles que os admiram. Um personagem que me deixou marcas foi Raskolnikof, de “Crime e Castigo”, escrito por Fiódor Dostoiévski, pela sua insolência e capacidade de enganar, como se fazer amigo do chefe de polícia para mudar o rumo das investigações e evitar ser descoberto como o assassino de duas pessoas. Esse personagem foi tão bem elaborado que me lembro dele com repúdio sempre que me deparo com uma situação criminosa. 

São personagens que sobrevivem ao tempo, como Jean Valjean, de “Os Miseráveis”, criado por Victor Hugo ou Emma Bovary, de “Madame Bovary”, idealizado por Gustave Flaubert; Otelo, da obra de Shakespeare. São entidades que permeiam nossas vidas, como Hellen Keller, em que ela narra a sua bela história de superação em uma autobiografia, Dom Casmurro através do qual Machado de Assis apresenta a terrível dúvida com relação à fidelidade de Capitu. E a crueldade mostrada através da inveja de Iago, personagem de Shakespeare, em “Otelo”. Os personagens marcantes apresentam motivos para reflexões relevantes, e suas histórias contribuem para a construção da identidade individual de cada um de nós. Fernão Capelo Gaivota, protagonista do livro do mesmo nome, construído por Richard Bach, sempre me foi um exemplo de vida. Em muitos momentos da minha pré-adolescência eu me identifiquei com Zezé, de “Meu Pé de Laranja Lima”, escrito por José Mauro de Vasconcelos.

E de onde vêm os personagens? Ah! Será das estrelas, dos ventos ou do cheiro de sabonete?

Sei lá...  

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.