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Somos feras entre feras

terça-feira, 02 de maio de 2023

No Clube de Leitura Vivências, estamos lendo “Cartas Sem resposta”, organizado por Ninfa Parreiras. No livro, várias pessoas escrevem cartas a escritores eternamente presentes entre nós, que, no entanto, já partiram para algum lugar do universo. É uma coletânea que emana da sensibilidade de quem escreve para o autor por quem tem admiração. Poderiam ser cartas sem respostas, mas penso que não são. Quem as tem nas mãos, como eu, sente a forte presença dos escritores destinatários.

No Clube de Leitura Vivências, estamos lendo “Cartas Sem resposta”, organizado por Ninfa Parreiras. No livro, várias pessoas escrevem cartas a escritores eternamente presentes entre nós, que, no entanto, já partiram para algum lugar do universo. É uma coletânea que emana da sensibilidade de quem escreve para o autor por quem tem admiração. Poderiam ser cartas sem respostas, mas penso que não são. Quem as tem nas mãos, como eu, sente a forte presença dos escritores destinatários.

Tive, pois, na dinâmica da leitura, a incumbência de falar ao grupo sobre o poeta Augusto dos Anjos (1884-1914) e, ao longo da pesquisa, fui me deparando com sentimentos sombrios, com uma voz triste, que se tornou singular na literatura brasileira.

O poeta da tristeza e do assombro termina o poema “O Vencedor” com o verso “Que ninguém doma o coração de um poeta!”  Seus sentimentos incontroláveis o consagraram como uma expressão relevante na literatura brasileira nos tempos do pré-modernismo. A força da sua poesia mostra suas impressões sobre a vida, a desesperança e a morte; cada um dos seus versos foi escrito com vigor. Mesmo suas poesias estando reunidas em um só livro, ”EU”, faz dele um dos poetas brasileiros mais lidos.  

 

VERSOS ÍNTIMOS

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável

Enterro de tua última quimera

Somente a ingratidão – esta pantera

Foi tua companheira inseparável!

 

Acostuma-te à lama que te espera

O homem, que, nesta terra miserável,

Mora, entre feras, sente inevitável

Necessidade de também ser fera.

 

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!

O beijo, amigo, é a véspera do escarro,

A mão que te afaga é a mesma que te apedreja.

 

Se alguém causa inda pena a tua chaga,

Apedreja essa mão vil que te afaga,

Escarra nessa boca que te beija!

 

Essa sua mais famosa poesia me faz externar sensações sobre os acontecimentos que me cercam porque, com a infelicidade que cabe no meu coração, concluo que seus versos estão por toda a parte e atropelam o costume que tenho de enaltecer a beleza nas pessoas e nos fatos. É terrível acatar a perversa rudeza que nos cerca. Augusto dos Anjos, por loucura ou coragem, colocou seus dedos nas feridas que trazemos na alma. É bom vê-las e aceitá-las porque melhor podemos refletir sobre os modos como é possível agir. 

Quem não se angustia?! A melancolia nos toma quando não conseguimos reagir a situações que nos ameaçam, ferem ou limitam, às vezes sem timidez, causando-nos desencantos. É um estado desagradavelmente perturbador, tão bem colocado na poesia de Augusto dos Anjos. 

A literatura traz o reflexo das emoções do escritor. Como ele se esforça para conhecer a essência das coisas! Contudo jamais o conseguirá. De modo solitário, o autor a evidencia de forma particular em suas palavras. 

Falas de amor, e eu ouço tudo e calo

O amor na humanidade é uma mentira

(Idealismo, Augusto dos Anjos)

Ufa! Agora só me resta ir para a cozinha e preparar uma omelete recheada com mel.

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O Dia de Sofia

segunda-feira, 24 de abril de 2023

Hoje vou abraçar a literatura infantil porque terça-feira da semana passada, 18 de abril, foi o Dia Nacional do Livro Infantil. O Dia de Sofia*! É assim que gostaria de caracterizá-lo porque as histórias contadas em suas páginas dão as mãos às crianças e mostram-lhes o mundo através da fantasia. 

Hoje vou abraçar a literatura infantil porque terça-feira da semana passada, 18 de abril, foi o Dia Nacional do Livro Infantil. O Dia de Sofia*! É assim que gostaria de caracterizá-lo porque as histórias contadas em suas páginas dão as mãos às crianças e mostram-lhes o mundo através da fantasia. 

O livro é como uma abóbora que, ao ser lido por uma criança, transforma-se em carruagem para transportá-la a universos múltiplos e coloridos, repletos de ideias a serem refletidas pelo pequeno leitor, aquele que há pouco chegou ao mundo e precisa viajar em cavalos alados para compreender as coisas da vida.  Para conhecer príncipes, rainhas e bruxos. Sentir o calor do sol e o frio da chuva.  Aprender a distinguir os campos arados dos pântanos.

Ler é um modo de experimentar situações de vida e de sentir prazer. O livro faz um cidadão, os cidadãos constroem um país e os países cuidam da safira do sistema solar, o Planeta Terra. Aquele momento confortável de recostar, abrir um livro e sentir gosto de degustar uma história traz a sabedoria dos Deuses do Olimpo. Infelizmente poucos têm acesso ao livro.

Certa vez, vi um menino sentado no chão de um ônibus, com uma bola de futebol entre as pernas cruzadas e um livro aberto nas mãos. Parecia nada existir em torno dele. Seu corpo se movimentava de acordo com o movimento do veículo, cheio de passageiros. Seus olhos estavam mergulhados nas páginas do livro. Quando saltei, pensei que a criança pode fazer de tudo; sempre há tempo para a leitura nos seus dias. Nem que seja durante o breve percurso de um transporte público.

O mundo comemora em diferentes datas este dia. No Brasil, o Dia Nacional do Livro Infantil é em 18 de abril em homenagem a Monteiro Lobato; Já em 2 de abril é o Dia Internacional do Livro Infantil em reverência ao escritor Hans Christian Andersen. São celebrações que reforçam o valor do livro no processo de formação da criança, o adulto de amanhã.

A literatura infantil é fonte de conhecimento. Além do mais, sua leitura remete o leitor a pesquisar, a ler outros livros e a conversar a respeito do que leu. Na medida em que o autor e o ilustrador cultivam um olhar cuidadoso para seus leitores e para as situações que vivem. São artistas que recorrem à arte das palavras e das imagens para expressarem o que lhes toca a alma. 

O livro infantil não é livrinho que conta uma historinha, nem um feixe de páginas coladas ou costuradas. É uma obra literária que constrói personagens que narram fatos inspirados da vida, que mostram ao pequeno leitor em suas linhas e entrelinhas que ele pode ser mais e melhor. 

Quem escreve um livro cria um castelo. Quem o lê, mora nele.” (Monteiro Lobato)

A verdadeira coragem está em enfrentar o perigo quando você está com medo.” (O mágico do Oz, L. Frank Baum)

Faço um convite ao jovem leitor: me leia. Não me deixe morrer.” (Lygia Fagundes Telles)”


*O nome Sofia significa sabedoria. É representada por uma figura feminina, análoga à alma humana. Sofia é inteligente e corajosa, sensível e intuitiva. Tem personalidade contestadora, principalmente com relação às normas e regras que considera limitadoras. Tem bom relacionamento, porém é impulsiva e inquieta.

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Será que existe em nós um coelho?

segunda-feira, 17 de abril de 2023

Recentemente, quando recebi a mensagem de uma amiga que me desejava uma feliz Páscoa, comecei a conversar com meus botões sobre os coelhos. Sempre fui encantada com esses animais orelhudos e de patas compridas. 

Viajei para a literatura e fui ao encontro do apressado Coelho Branco, personagem do livro “Alice no País das Maravilhas”, que guarda vários profundos significados, como a impossibilidade de quantificar o tempo. “Quanto tempo dura o eterno?”, indagou Alice ao Coelho, que respondeu: Às vezes, apenas um segundo.” 

Recentemente, quando recebi a mensagem de uma amiga que me desejava uma feliz Páscoa, comecei a conversar com meus botões sobre os coelhos. Sempre fui encantada com esses animais orelhudos e de patas compridas. 

Viajei para a literatura e fui ao encontro do apressado Coelho Branco, personagem do livro “Alice no País das Maravilhas”, que guarda vários profundos significados, como a impossibilidade de quantificar o tempo. “Quanto tempo dura o eterno?”, indagou Alice ao Coelho, que respondeu: Às vezes, apenas um segundo.” 

No poema “Motivos”, Cecília Meirelles escreveu “Canto porque o instante existe e a minha vida está completa”, ao corroborar a sabedoria do pequeno animal, que não vê a eternidade no tempo marcado pelos relógios e calendários, mas no que vivemos. Se a vida é curta, não há problemas, podemos guardar eternidades. 

Quando escrevi “Um Cão Cheio de Ideias” criei o Chama, um coelho-do-mato que representava na história o amigo, aquele que está presente em todas as horas. “De vez em quando, me deitava debaixo das árvores. Algum tempo depois, Chama vinha devagar e se deitava ao meu lado. Aí, ficávamos curtindo nossa amizade.”

Acredito que a criação do coelho em universos ficcionais tenha nascido da sensibilidade e sutileza humanas, talvez por ser um animal indefeso a milhares de outros predadores e aos perigos existentes no mundo. Será que existe em nós um coelho?

De tanto correr e tanto se atrasar, o Coelho Branco exclama “Eu sou uma fraude!” Lewis Carroll se antecipou ao tempo e previu que a cultura de admiração aos bem-sucedidos se tornaria esmagadora, o que limitaria as eternidades guardadas nos bolsos.   

Alice seguiu o Coelho Branco e descobriu o País das Maravilhas. Mesmo confuso e atrasado, ele a levou para um fantástico lugar, onde conheceu tantas novidades. A vida é rápida, somos levados por acontecimentos, tal qual Alice que caiu num buraco. Que personagem devemos seguir para que possamos ver, através do buraco da fechadura, o que está diante de nós e não vemos.

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Parabéns, Jornal A Voz da Serra!

segunda-feira, 17 de abril de 2023

O Jornal A Voz da Serra é uma voz que não se cala há 78 anos. Comparece, diariamente, expondo a vida da cidade em suas páginas, mostrando os desafios e as conquistas do povo das montanhas friburguenses. Não deixa de comentar os fatos, colaborar com as dificuldades e enaltecer as qualidades das realizações concretizadas em cada lugar da região. 

O Jornal A Voz da Serra é uma voz que não se cala há 78 anos. Comparece, diariamente, expondo a vida da cidade em suas páginas, mostrando os desafios e as conquistas do povo das montanhas friburguenses. Não deixa de comentar os fatos, colaborar com as dificuldades e enaltecer as qualidades das realizações concretizadas em cada lugar da região. 

Sem timidez e com coragem, suas páginas levam a informação com objetividade, ética e retidão, demonstrando em cada palavra o amor ao solo sobre o qual fincou suas raízes. Mas não era para menos. Depois de vicejar como uma grama pequena, num tempo pós-guerra, quando o mundo estava sofrido por tantas tragédias, o Jornal cresceu, sobrevivendo a grandes e pequenos obstáculos.

É preciso comemorar o seu empenho em suas vitórias diárias. Seus guerreiros, os jornalistas, os colunistas, os administradores e funcionários trabalham com disposição, lutam para que sua a voz, feita de palavras escritas, circule de esquina em esquina, de bairro em bairro, de região em região.

No dia 7 de abril, quando comemoramos seu aniversário, percebemos o resultado do sonho dos seus fundadores. Tenho honra de dele participar porque também, como todos os envolvidos no fazer jornalístico, contribuo para a melhoria da qualidade de vida da cidade. 

Além do mais, é enriquecedor estar presente na vida do Jornal A Voz da Serra, uma vez que as pesquisas, os fatos investigados e apresentados em suas colunas engrandecem nossos modos de perceber a vida e interagir.

Deixo aqui registrado o meu desejo de vida longa ao nosso Jornal.

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Parabéns, Jornal A Voz da Serra!

quinta-feira, 13 de abril de 2023

O jornal A VOZ DA SERRA é uma voz que não se cala há 78 anos. Comparece, diariamente, expondo a vida da cidade em suas páginas, mostrando os desafios e as conquistas do povo das montanhas friburguenses. Não deixa de comentar os fatos, colaborar com as dificuldades e enaltecer as qualidades das realizações concretizadas em cada lugar da região.

O jornal A VOZ DA SERRA é uma voz que não se cala há 78 anos. Comparece, diariamente, expondo a vida da cidade em suas páginas, mostrando os desafios e as conquistas do povo das montanhas friburguenses. Não deixa de comentar os fatos, colaborar com as dificuldades e enaltecer as qualidades das realizações concretizadas em cada lugar da região.

Sem timidez e com coragem, suas páginas levam a informação com objetividade, ética e retidão, demonstrando em cada palavra o amor ao solo sobre o qual fincou suas raízes. Mas não era para menos. Depois de vicejar como uma grama pequena, num tempo pós-guerra, quando o mundo estava sofrido por tantas tragédias, o jornal cresceu, sobrevivendo a grandes e pequenos obstáculos.

É preciso comemorar o seu empenho em suas vitórias diárias. Seus guerreiros, os jornalistas, os colunistas, os administradores e funcionários trabalham com disposição, lutam para que sua a voz, feita de palavras escritas, circule de esquina em esquina, de bairro em bairro, de região em região.

No último dia 7, quando comemoramos seu aniversário, percebemos o resultado do sonho dos seus fundadores. Tenho a honra de participar dele porque também, como todos os envolvidos no fazer jornalístico, contribuo para a melhoria da qualidade de vida da cidade.

Além do mais, é enriquecedor estar presente na vida de A VOZ DA SERRA, uma vez que as pesquisas, os fatos investigados e apresentados em suas colunas engrandecem nossos modos de perceber a vida e interagir.

Deixo aqui registrado o meu desejo de vida longa ao nosso Jornal.

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A pior decisão

segunda-feira, 03 de abril de 2023

Noutro dia, emprestei “Meu Amigo Pintor”, de Lygia Bojunga, autora brasileira de literatura, a um estudante de Ensino Médio. Eu a reverencio pelo entendimento que possui da vida e das relações humanas, pela habilidade que tem para criar histórias verossímeis, sendo capaz de tocar o leitor de todas as idades e culturas, pela linguagem simples, sensível e objetiva que utiliza em cada um dos seus textos.

Noutro dia, emprestei “Meu Amigo Pintor”, de Lygia Bojunga, autora brasileira de literatura, a um estudante de Ensino Médio. Eu a reverencio pelo entendimento que possui da vida e das relações humanas, pela habilidade que tem para criar histórias verossímeis, sendo capaz de tocar o leitor de todas as idades e culturas, pela linguagem simples, sensível e objetiva que utiliza em cada um dos seus textos.

Já na 24º. edição e traduzido para várias línguas, “Meu Amigo Pintor” é uma obra construída com mestria e sensibilidade que aborda a afetiva amizade de um menino de onze anos por um pintor que enfrenta a depressão, situações dolorosas e decide não mais viver.

O suicídio é uma decisão particular, consciente e corajosa, através da qual uma pessoa coloca um ponto final na vida. Quem já não passou por momentos em que se questionou sobre o próprio viver e morrer?  Em alguns momentos olhei para o suicídio quando uma dor imensa tomou conta de mim e a sensação de fracasso invadiu minha visão de futuro. Confesso que foi um dos enfrentamentos mais difíceis que tive. Por sorte, foram superados pela força da vontade de não findar quando um encorajamento inaugurava o momento seguinte.  

Certa vez, escrevi o conto “Na beira, sem eira” em que, numa madrugada, falei do que não realizei por não ter conseguido ou não ter tido coragem, além de perceber o tempo levando embora meus sonhos. Foi bom tê-lo escrito como forma de reavivar alguns dos meus propósitos.  

A vida está longe de ser uma aventura perfeita, é construída em campos a serem lavrados com trabalho e sonhos, perdas e ganhos, lutas finitas e infinitas. Onde tudo pode acontecer e, também, não ser realizado.  

Algumas vezes escutei frases que me ficaram guardadas e, volta e meia, adentram o baile dos meus pensamentos: “É mais fácil morrer do que viver”. “Com a morte tudo acaba, porém, mantendo a vida, tudo do que queremos fugir continua a nos desafiar”. “A grande felicidade é estarmos aqui, inteiros e vivos.” 

Vale a pena ler o livro de Lygia Bojunga para se notar o quanto é difícil perder alguém de quem se gosta, principalmente uma criança e um jovem, por ter desistido da vida; o suicídio não é uma morte natural. A questão que surge para mim, não é somente terminar com a vida, mas a dor e a incompreensão que o fato causa em outras pessoas. E, o pior, é o exemplo funesto que a pessoa deixa para todos. 

A vida não pode ser pendurada em paredes, mesmo quando se perde uma perna ou quebra-se um braço. É para ser experimentada até o último instante e é aí, nesse enfrentamento, que a coragem vai brotando como uma rama tímida. Ao terminar de escrever “Sem eira, nem beira”, um raio de sol despontou na minha sala, e, então, esta sensação, despontou um mim com grandeza e nitidez.

Como disse minha personagem Zuleica, a mosca cor de rosa choque, em “Um cão cheio de ideias”.

“Vida, vida bela

A gente não pode estragar ela

Lá! Lá! Lá!”

 

Observação: Lygia Bojunga é ganhadora do Prêmio Hans Christian Handersen e do Prêmio Memorial Astrid Lindgren.

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As formigas e as flores do manjericão

segunda-feira, 27 de março de 2023

Noutro dia, de manhã, com resto de sono guardado no corpo, fui jogar o lixo na lixeira, que fica ao lado do canteiro onde estão plantados pés de manjericão. Ao me abaixar vi uma fileira de formigas carregando pequeninas flores brancas caídas no chão, algumas quase do tamanho dos insetos que as transportavam incansavelmente. Como estava relaxada e com a hora sem estar contada, fiquei as observando com admiração, pensando no trabalhador braçal, na minha família composta por pessoas que dedicaram anos e anos ao trabalho; minha avó foi enfermeira de posto de saúde e minha mãe bibliotecária.

Noutro dia, de manhã, com resto de sono guardado no corpo, fui jogar o lixo na lixeira, que fica ao lado do canteiro onde estão plantados pés de manjericão. Ao me abaixar vi uma fileira de formigas carregando pequeninas flores brancas caídas no chão, algumas quase do tamanho dos insetos que as transportavam incansavelmente. Como estava relaxada e com a hora sem estar contada, fiquei as observando com admiração, pensando no trabalhador braçal, na minha família composta por pessoas que dedicaram anos e anos ao trabalho; minha avó foi enfermeira de posto de saúde e minha mãe bibliotecária. Também pensei no meu trabalho, agora voluntário, na Academia Friburguense de Letras. E lá continuavam as formigas, numa marcha infinita e em pacífico silêncio, sob o sol que começava a esquentar. Resilientes e firmes, cumpriam suas obrigações.

Incrivelmente, à noite, uma cigarra adentrou minha sala. Agitada e só, ia se debatendo pelas paredes e cúpulas de abajur, fazendo barulheira. Cada vez mais desesperada, o inseto cantava alto. Fiquei agoniada tentando salvá-la, mas ela voava e cigarreava. Fechei as luzes e abri as janelas. Não a vi sair. No dia seguinte de manhã, fiz uma busca minuciosa pela casa e não a encontrei. “Ufa, ela deve ter reencontrado a liberdade”, suspirei aliviada. 

Fui caminhando dia afora refletindo sobre a fábula de Esopo, “A cigarra e a formiga”, adaptada para o francês por La Fontaine, as formigas carregando alimento em procissão divina e a cigarra atordoada fora do seu habitat e enfrentando paredes. Cheguei à conclusão que o mundo precisa de cigarras e formigas. As formigas são trabalhadoras, organizadas e trazem grandes benefícios para a natureza. As cigarras fazem parte da cadeia alimentar e são consideradas pragas para algumas culturas. Ah, as diferenças individuais e os valores presentes em cada pessoa... quem é semelhante a alguém?

Esopo foi genial ao contar que a cigarra foi acolhida pelas formigas para diverti-las através da dança ou cantoria. Imaginem se as formigas não abrissem a porta para a cigarra entrar e cantar durante o inverno, tempo em que elas deveriam ficar reclusas?

Nem lá com as formigas, nem cá com as cigarras. Não estamos inseridos num universo multifacetado de realidades distintas? O importante é que façamos a vida acontecer com criatividade. 

E o manjericão?

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As pérolas dos introvertidos

segunda-feira, 20 de março de 2023

Os extrovertidos possuem capacidade de apresentação, podendo, inclusive, transparecer empoderamento; geralmente são bons oradores e se expressam com desenvoltura. Muitas vezes são evocados como bem-sucedidos e reconhecidos como líderes. 

E os introvertidos?

Os extrovertidos possuem capacidade de apresentação, podendo, inclusive, transparecer empoderamento; geralmente são bons oradores e se expressam com desenvoltura. Muitas vezes são evocados como bem-sucedidos e reconhecidos como líderes. 

E os introvertidos?

Estou lendo o “Poder dos quietos - como os tímidos e introvertidos podem mudar um mundo que não para de falar”, escrito por Susan Cain, 2012, GTM Editores Ltda, e sinto-me tocada pelo conteúdo. Mesmo tendo formação humanista, sendo educadora e escritora, sempre fui influenciada pela cultura ocidental, na qual estou mergulhada, que subestima as capacidades e qualidades dos introvertidos. 

Depois de abdicar da carreira de advogada e consultora, Susan engrandeceu sua quietude e tornou-se escritora e pesquisadora, especialmente nos temas relacionados à mulher, bem como ao modo de ser das pessoas introvertidas. Como uma forma de se aprofundar seus conhecimentos a respeito, ela começou a fazer uma pesquisa extensa em 2005, conversando e trocando mensagens com “centenas, talvez milhares de pessoas”, conforme relata no início da obra, lendo livros, reportagens e artigos acadêmicos, acompanhando discussões em chats e blogs.

O introvertido aprecia o estado de solitude em que experimenta a privacidade.  Será a quietude uma bravura? Ou uma característica pessoal na qual a pessoa, por uma decisão pessoal, estabelece o contato consigo, tendo a oportunidade de fortalecer o amor-próprio e a autoconfiança. Muito diferente do estado de isolamento ou reclusão causados por algum sofrimento e outros motivos independentes ou não da própria pessoa.  

A cultura ocidental cultua a personalidade extrovertida, aquela que gosta de correr riscos através de situações ousadas, que desafiam o cérebro e o corpo em vários sentidos. É uma personalidade importante e saudável a quem naturalmente a possui.

Os introvertidos e extrovertidos têm atraído a atenção de cientistas, psicólogos, filósofos e outros estudiosos nas Ciências Humanas. São dois estilos de personalidade distintos, como são o masculino e o feminino. A influência da cultura ocidental em favor dos extrovertidos corrobora para que o introvertido perca a noção de quem realmente é. O que causa, no quotidiano, uma série de transtornos emocionais. A introversão e a extroversão são modos de ser espontâneos e estão presentes em todo o reino animal.

Cientistas, como Einstein e Newton, músicos, como Chopin, escritores, como Sir. James Matthew Barrie, autor de Peter Pan, os pintores, como Van Gogh, foram pessoas introvertidas que comunicaram suas riquezas interiores e muito beneficiaram o mundo. 

Desde cedo, a criança convive com estímulos que valorizam as atividades em grupo, as estrelas da música e do cinema, o sucesso profissional, o excelente relacionamento interpessoal, a exposição pessoal. Mas quem é introvertido sofre com o preconceito contra os quietos, das formas mais sutis e veladas, inclusive. Algumas vezes são vistos como preguiçosos, lentos, chatos, esquisitos. Outras, são vulneráveis ao bullying. Podem ser até considerados problemáticos.  

A questão não é sair da concha, é saber estar nela e aproveitar suas riquezas. Para finalizar, eu me dou o direito de afirmar que aprender a ser é um dos maiores talentos que a pessoa possa ter. 

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Enquanto a mulher acontece...

segunda-feira, 13 de março de 2023

Enquanto uma mulher nasce, o orvalho umedece a noite, pombos voam, tenistas entram nas quadras, cozinheiros descascam legumes, aviões decolam, brotos despontam nos galhos das orquídeas.

Enquanto uma mulher amamenta, galinhas chocam ovos, come-se saladas nos restaurantes, alunos chegam nas escolas, pessoas saboreiam sorvetes, escritores escrevem livros, eletricistas consertam a fiação das ruas, padeiros fazem pães.

Enquanto uma mulher nasce, o orvalho umedece a noite, pombos voam, tenistas entram nas quadras, cozinheiros descascam legumes, aviões decolam, brotos despontam nos galhos das orquídeas.

Enquanto uma mulher amamenta, galinhas chocam ovos, come-se saladas nos restaurantes, alunos chegam nas escolas, pessoas saboreiam sorvetes, escritores escrevem livros, eletricistas consertam a fiação das ruas, padeiros fazem pães.

Enquanto uma mulher chora, folhas secas caem das árvores, ventos derrubam ninhos de passarinhos, cachorros latem raivosos, canto das corujas invade a madrugada, lâmpadas queimam, borboletas lutam contra os vidros.

Enquanto uma menina-mulher descobre o amor, amigos se abraçam, vagalumes iluminam as noites, feirantes vendem maçãs, casais se deitam nas camas, trabalhadores voltam para casa, telefones tocam, bebês brincam com as mãos, namorados se beijam.

Enquanto uma mulher se torna adulta, crianças correm nas praças, médicos atendem pacientes em hospitais, calçadas ficam cheias de transeuntes, trens deslizam sobre os trilhos, ladrões são presos, garças ciscam na beira dos lagos, o sol desponta nos horizontes.

Enquanto uma mulher adoece, idosos tropeçam, chaves são perdidas na rua, motoristas ficam estressados nos engarrafamentos, mentiras são ditas, sapatos apertam os pés, mendigos pedem esmolas, estrelas se escondem atrás das nuvens.

Enquanto uma mulher aprende a falar e a andar, tenores cantam óperas, baleias azuis nadam em busca de alimento, navios de carga atravessam oceanos, velhos exercitam as pernas, carros trafegam nas estradas, professores ensinam matemática, ciclistas sobem trilhas nas montanhas.

Enquanto uma mulher se sente humilhada, raios cortam horizontes, desconfianças invadem ambientes de trabalho, ninguém pede perdão, a ingratidão encontra reinado nas cidades, brigas desintegram famílias, crianças machucam os joelhos.

Enquanto uma mulher engravida, circenses montam a lona dos circos, impressoras fazem cópias de documentos, dentistas tratam de cáries, elefantes se banham nos rios, onças brincam com seus filhotes, meninos jogam futebol, manicures cuidam das unhas de seus clientes.

Enquanto uma mulher amadurece, adolescentes choram, gatos miam, macacos pulam de galho em galho, chove, primaveras chegam, esportistas colocam gelo nas contusões, pessoas andam apressadas na rua, cortinas dos palcos são abertas, músicas são ouvidas ao longe.

Enquanto uma mulher envelhece, aviões desligam os motores, cachoeiras lavam as pedras com espumas, moinhos são movidos pelas águas, ônibus partem das rodoviárias, anoitece.

Enquanto uma menina adolesce, leitores pegam livros em bibliotecas, bailarinas deslizam nos palcos, beija-flores sugam o néctar das flores, ondas estouram nas praias, minhocas fazem buracos na terra, homens entram e saem das estações de metrô.  

Enquanto uma mulher morre, despedidas tomam conta dos aeroportos, amigos dizem adeus, chega a hora dos filhos saírem de casa, malas de viagem são fechadas, bilhetes são deixados em cima das mesas, salas ficam vazias à noite, há silêncio nos quartos. 

Enquanto uma mulher pinta as unhas, meninas pulam corda, malabaristas vestem fantasias, batons vermelhos são vendidos, perfumes são presenteados, cartas são escritas. 

Enquanto uma mulher perde a esperança...

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Quais segredos guarda o advérbio também?

segunda-feira, 06 de março de 2023

Vocês devem conhecer aqueles momentos em que buscamos o que assistir na televisão quando surge algo que nos interessa. Pois bem, isso aconteceu noutro dia quando escutei alguém comentar sobre o “também”, dizendo que o advérbio tem inúmeros sentidos, não somente aqueles mais conhecidos, como dando ideia de inclusão, equivalência e comparação.

Vocês devem conhecer aqueles momentos em que buscamos o que assistir na televisão quando surge algo que nos interessa. Pois bem, isso aconteceu noutro dia quando escutei alguém comentar sobre o “também”, dizendo que o advérbio tem inúmeros sentidos, não somente aqueles mais conhecidos, como dando ideia de inclusão, equivalência e comparação.

Eu me pus a pensar a respeito até porque é uma palavra que, volta e meia, sinto dúvidas quando a emprego ao escrever. Certamente, todo o texto, mesmo os não literários, tem riqueza de significados. Basta ler com atenção e refletir sobre as circunstâncias em que foi escrito, observar os modos com que está contextualizado nas situações, sejam reais ou ficcionais, que captamos mensagens, algumas das quais instigantes ou com duplo sentido. 

Será o advérbio um anarquista? Afinal de contas é aquela palavra que muda tudo, dando um sentido ao verbo, ao adjetivo e a ele mesmo. Inclusive a uma frase. Os advérbios guardam segredos. Fui percebendo, ao longo da pesquisa e refletindo sobre como escrevo, que, muitas vezes, uso o “também” para mostrar algo secundário. É importante ter ciência do que quero dizer. 

Mesmo fazendo comparações, inclusões ou equivalências, o termo a que me refiro ao “também” está em segundo plano. Ou seja, a referência que vem a seguir está em posição secundária. E, ainda, pode guardar o sentido de intrusão. Nunca havia pensado a respeito, e aquela passada rápida por canais me foi instrutiva.

Atribuímos valores a tudo. Para nossa saúde física e mental, precisamos reconhecer o grau de importância das situações para que possamos avaliar e decidir.  Também refletir sobre as consequências das nossas opções que, a meu ver, é a etapa do “também”, a secundária.

Vou passar o dia a pensar nas coisas da minha vida que preciso colocar no plano do também. Será que vou conseguir reordenar tudo aos quase setenta anos? Será que vou, também, precisar de mais tempo? 

Ainda bem que fiz a limpeza dos pés ontem...

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