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O amor que a saudade guarda

segunda-feira, 07 de novembro de 2022

Escrevo esta coluna no dia de finados com o livro “Meu Amigo Partiu” nas mãos, de Andrea Viviana Taubman, delicadamente ilustrado por Sandra Ronca, ambas amigas que guardo com carinho no coração. Cada palavra minha retrata a saudade que sinto por aqueles que partiram, pessoas que amei e por quem fui amada. Cada palavra minha é uma rosa que lhes ofereço com o melhor do meu afeto, principalmente a meu filho amado a quem gostaria de dar uma rosa amarela, cor de sua preferência, e ao filho da Sandra Ronca. 

Escrevo esta coluna no dia de finados com o livro “Meu Amigo Partiu” nas mãos, de Andrea Viviana Taubman, delicadamente ilustrado por Sandra Ronca, ambas amigas que guardo com carinho no coração. Cada palavra minha retrata a saudade que sinto por aqueles que partiram, pessoas que amei e por quem fui amada. Cada palavra minha é uma rosa que lhes ofereço com o melhor do meu afeto, principalmente a meu filho amado a quem gostaria de dar uma rosa amarela, cor de sua preferência, e ao filho da Sandra Ronca. 

Andrea escreveu “Meu Amigo Partiu”, Centro de Estudos Vida & Consciência Editora, em homenagem ao melhor amigo de sala de aula do seu filho, vítima da tragédia em 2011, que ocorreu em Teresópolis, região serrana do Rio de Janeiro. Nós três, unidas pela literatura, fomos tocadas pela perda. Hoje é o dia do ano em que nos recolhemos para homenagear pessoas que nos deixaram e contemplar as histórias de amor que com elas tivemos.

A literatura nos abraça com belos textos que mostram que a vida termina, como “A Morte é um Dia que Vale a Pena Viver”, Editora Sextante, em que a médica Ana Cláudia Quintana Arantes, geriatra e gerontóloga, com pós-graduação em Psicologia, narra sua experiência com pacientes terminais. E “É de Morte”, editora FTD, em que Flávia Savary escreve contos juvenis para abordar a morte. 

Li esses livros querendo entender a morte e para melhor aceitar a ideia que a vida é finita, haja vista que é um dos mais difíceis entendimentos que alguém possa ter. Penso que talvez seja necessário viver anos e anos para aceitar com firmeza e desprendimento de espírito essa certeza imponderável.

Por outro lado, é bom pensarmos nas relações que estabelecemos com as pessoas que partiram, revermos como estivemos ao lado delas e como contribuíram para a construção do nosso destino. É bom recordar os fatos até para interpretar os momentos difíceis que com elas tivemos e chegar a conclusões que venham a melhorar nossos modos de viver. É bom orarmos pelos mortos porque a religiosidade nos ensina a respeitá-los e a aproveitar o legado que nos deixaram. 

Hoje é o dia de acenarmos a eles com alegria por tê-los tido em nossas vidas.  Certamente, em um tempo futuro também não estaremos mais aqui. Quando eu partir, confesso, gostaria de receber acenos calorosos dos vivos para fortalecer minha caminhada espiritual. 

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Hellen Keller

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

As colunas passadas, em que abordei a literatura construída por escritores cegos, me sensibilizaram. Não tenho privação de sentidos, mas eu me identifiquei com eles através da admiração que senti ao conhecer os processos de superação pelos quais passaram. Foram além dos limites extremos impostos pela ausência de visão e tornaram-se escritores valorizados no universo literário. Todavia não fosse a vontade implacável de ir além, teriam permanecido nas fronteiras impostas pelos limites físicos. 

As colunas passadas, em que abordei a literatura construída por escritores cegos, me sensibilizaram. Não tenho privação de sentidos, mas eu me identifiquei com eles através da admiração que senti ao conhecer os processos de superação pelos quais passaram. Foram além dos limites extremos impostos pela ausência de visão e tornaram-se escritores valorizados no universo literário. Todavia não fosse a vontade implacável de ir além, teriam permanecido nas fronteiras impostas pelos limites físicos. 

Nós, pessoas dotadas de corpos em boas condições de funcionamento, tendemos a nos acomodar diante de algumas dificuldades implacáveis com as quais nos deparamos, com pouca coragem para romper as linhas divisórias que nos cercam. A privação impulsiona de modo extraordinário o desenvolvimento e aperfeiçoamento das capacidades humanas. 

Por isso não poderia deixar de aplaudir a filósofa, escritora, conferencista Hellen Keller, exemplo da capacidade de alguém sobrepujar os piores desafios que a limitação dos sentidos possa impor. Hellen nasceu nos Estados Unidos, no estado do Alabama, em 1880. Aos dezoito meses de idade ficou cega e surda em decorrência de uma doença, na época denominada febre cerebral, provavelmente teria sido meningite ou escarlatina. Ela teve como professora Anne Sullivan, também deficiente visual, que a acompanhou ao longo de quarenta e nove anos. Sem se habituar às limitações, foi a primeira pessoa com surdez e cegueira a conquistar o bacharelado. Visitou mais de quarenta países como ativista e defensora dos portadores de deficiências, além de outras questões como o controle da natalidade e respeito aos direitos humanos. Sua história tem uma beleza especial em termos de humanidade, coragem e perseverança.

Ao longo de sua vida publicou doze livros e escreveu artigos diversos. Sua primeira obra foi escrita durante o curso de filosofia, em 1903, aos 22 anos, uma autobiografia “The History of My Life”, em que narrou sua história de vida até aos 21 anos. Em 1908 escreveu “The World I Live In” em que relatou o modo como se sentia em relação ao mundo.  

Hellen Keller recebeu títulos e diplomas honorários em vários países, como a França, Japão e Índia. Foi indicada duas vezes ao Prêmio Nobel da Paz, em 1953 e 1958. No Brasil recebeu a “Ordem do Cruzeiro do Sul”, comenda que o Presidente da República atribui a personalidades notáveis nascidas em outros países.

 Faleceu em 1968, aos 87 anos, legando-nos um exemplo de vida. Além de tudo, usou a literatura para contar sua história, expor sentimentos e ideias. 

Para finalizar, deixo algumas frases sua para reflexão.

“As melhores e as mais lindas coisas do mundo não se podem ver nem tocar. Elas devem ser sentidas com o coração.”

“O otimismo é a fé em ação.”

“A ciência poderá ter encontrado a cura para a maioria dos males, mas não achou ainda o remédio para o pior de todos: a apatia dos seres humanos.”

“A vida é ou uma aventura audaciosa ou não é nada. A segurança é geralmente uma superstição. Ela não existe na natureza.”

“Podemos fazer tudo o que quisermos se formos perseverantes.”

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Ao fechar os olhos

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Durante o relaxamento no final das sessões de Yoga, escutando os passarinhos e os ruídos do vento nas matas de Nova Friburgo, com os olhos fechados, mergulho na ausência de visão, que não me é escuro ou vazio, que não é excludente. Adentro um universo quase desconhecido. Ao mergulhar dentro de mim, invado meus pensamentos e sensações, em que o ambiente e eu ganham outra dimensão quando passo a me perceber e o que está em meu entorno através da audição e das impressões que meu corpo capta. Sinto com mais nitidez a respiração, os batimentos cardíacos, cada parte do corpo.

Durante o relaxamento no final das sessões de Yoga, escutando os passarinhos e os ruídos do vento nas matas de Nova Friburgo, com os olhos fechados, mergulho na ausência de visão, que não me é escuro ou vazio, que não é excludente. Adentro um universo quase desconhecido. Ao mergulhar dentro de mim, invado meus pensamentos e sensações, em que o ambiente e eu ganham outra dimensão quando passo a me perceber e o que está em meu entorno através da audição e das impressões que meu corpo capta. Sinto com mais nitidez a respiração, os batimentos cardíacos, cada parte do corpo. Gosto de sentir a vida pulsar. Ao cerrar meus olhos é como se desnudasse um ser distinto daquele a que estou acostumada a conhecer. O relaxamento profundo é uma oportunidade de autoconhecimento, momento único e de riqueza estonteante. Quando meus pensamentos se dispersam, imagino os cegos, especialmente os escritores, que são capazes de ver eles mesmos, o mundo e a vida com os olhos da cegueira.

Ao elaborar o texto desta coluna, vou trazer os sábios pensamentos dos escritores que tiveram deficiências visuais e que refletiram a experiência existencial.  Vou atribuir (H) a Homero; (B) a Jorge Luis Borges, (J) a James Joyce; (A) Aldous Huxley. Porém não vou escrever literalmente suas ideias, mas vou aproveitá-las para elaborar reflexões ao fechar meus olhos.

***

Suspiro, relaxo e vou entrando, lentamente, no meu mundo interior, num universo que é exclusivamente meu e somente eu posso transformá-lo (A). A cada tímido passo, vou lendo e a interpretando o aqui e o agora, o meu tempo presente (H), sem me preocupar com o passado e o futuro. De modo sereno e paciente, vou entendendo o momento em que vivo, tão complexo e desafiador.

Quero viver bem e escapar do hediondo! Então, o que posso fazer? O que tenho capacidade para fazer? (H) São questões distintas e difíceis de serem respondidas. Apenas sei que não tenho o poder dos deuses, mas quero, na simplicidade, construir uma vida, a minha. Mesmo sabendo que a felicidade não é grandiosa (A), vou aprendendo a fazer a vida acontecer através das experiências diárias. Com as incertezas que os dias me apresentam, (J) encaro os erros como verdadeiros portais de descobertas, que me orientarão nas decisões que tomarei a cada momento. 

O tempo me faz ser quem sou, constitui-me. (B) De todos os infortúnios que preenchem o agora, tenho apenas uma certeza: o rancor nunca superará paz. Como também não vale a pena depositar esperanças no futuro. Vale a pena, (C) sim, ter consciência de que posso ser o maior perigo para mim. Afinal de contas, que companheira me sou?

Não devo viver cada momento em função do próximo (J). Sou e fluo no presente, pois é nesta dimensão em que tudo acontece e se modifica (C), em que me transformo, adquiro novas qualidades e construo vontades inéditas. Porém tenho de cuidar para nunca pensar e desejar algo, mas fazer ou dizer ao contrário. (H) Não devo mergulhar no meu próprio submundo. 

Não estou só nesta experiência existencial, tenho o outro, muitos outros a minha volta, que me ajudam e suavizam os fardos que carrego e as tarefas que tenho a fazer (C). É, pois sim, na convivência e na interação que preciso saber com nitidez onde começa a terra e onde começa o mar. Todos nós somos inconstantes e diversos; ninguém é igual a outro, muito menos somos os mesmos em todos os momentos. (A) Apesar dessas características humanas, podemos ser parceiros. Contudo, (J) compartilhamos as dores, mas os prazeres... Ah, os prazeres, nem tanto; há algo aborrecedor na felicidade alheia.

Quanto mais me adentro, (A) mais descubro inconstâncias e incongruências nos pensamentos e sentimentos, que, afinal de contas, fazem parte de mim. A música e o silêncio mostram esse caos, muitas vezes inexprimível.  Diante da impostura, da instabilidade e da leviandade, apenas tenho uma certeza, nada é bem resolvido com violência (J). Por isso é bom fechar os olhos e ver. Pensar. Decidir.

Mas, amigo leitor, sabia que vez em quando, é bom a gente se perder?  Não se seja tolo nem se engane: todos os caminhos nos levam à morte. (J)

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A deficiência visual e a literatura

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

“Para a tarefa do artista, a cegueira não é totalmente negativa, já pode ser um instrumento.”

Jorge Luis Borges

Ao escrever a coluna da semana passada, fiz um breve relato histórico sobre a máquina de escrever e fiquei surpresa ao saber que sua invenção foi motivada para atender às necessidades de pessoas cegas. Resolvi dar continuidade às pesquisas e tive a oportunidade de conhecer fatos interessantes a respeito das relações entre a literatura e os escritores com deficiência visual.

“Para a tarefa do artista, a cegueira não é totalmente negativa, já pode ser um instrumento.”

Jorge Luis Borges

Ao escrever a coluna da semana passada, fiz um breve relato histórico sobre a máquina de escrever e fiquei surpresa ao saber que sua invenção foi motivada para atender às necessidades de pessoas cegas. Resolvi dar continuidade às pesquisas e tive a oportunidade de conhecer fatos interessantes a respeito das relações entre a literatura e os escritores com deficiência visual.

Não poderia deixar de ressaltar que o corpo humano tem capacidade extraordinária para adaptar-se às situações diversas e adversas, tornando-se apto a sobreviver e a interagir nos ambientes naturais e sociais. Um estudo publicado na “Plos One”, revista científica online, publicada pela Public Library of Science, que apresenta pesquisas primárias nas áreas da ciência e da medicina, divulgou um estudo que mostra as diferenças anatômicas, funcionais e estruturais entre pessoas cegas e as que não possuem deficiências visuais. Os pesquisadores do Schepens Eye Research Institute of Massachusetts Eye and Ear observaram que as diferenças estão associadas com a audição, olfato, tato e cognição de modo a capacitar o cérebro a compensar a ausência da informação visual. Sem a informação visual, as áreas motoras, auditivas e de linguagem são mais demandadas, fazendo com que o cérebro encaminhe para essas e outras áreas as informações não recebidas e amplie o aumento dos outros sentidos. O deficiente visual vê com o cérebro quase por inteiro.

Apesar de não ver, o cego tem os olhos abertos para o mundo, possivelmente mais do que aquele que possui o sentido da visão. Quem nasce cego, só sabe que o é quando alguém lhe diz.  

 A cegueira é um diamante à literatura, dado que a ausência da visão, total ou parcial, permite ao escritor estabelecer uma relação particular e profunda da vida. Ao escrever, o deficiente visual caminha pelo desconhecido com tranquilidade, sendo capaz de perceber com agudeza os detalhes e diferenças entre as circunstâncias que envolvem os fatos. A cegueira não lhe é silenciosa, tem a voz narrativa da inteligência emocional e espiritual com que percebe o mundo. O cego capta a realidade com os olhos da sensibilidade.

Vou citar alguns escritores que ficaram cegos ao longo da vida e revolucionaram a literatura. Tenho certo cuidado em citar Homero, autor de duas obras fundadoras da literatura universal, Ilíada e Odisseia, uma vez que não há comprovação da autoria dos seus poemas e pouco se sabe sobre a sua história. Conta-se que em Ítaca, ilha grega do Mar Mediterrâneo, Homero coletou dados para escrever sobre a vida de Ulisses, entretanto, nessa estadia, teve uma grave doença nos olhos que o cegou. Os poemas de Homero datam do século VIII ou IX a.C. e foram transmitidos através da tradição e recitação oral. Durante sua vida, Homero viajava de cidade em cidade, cantando seus poemas épicos nas cortes dos reis e nos acampamentos de guerreiros.

Luís de Camões, poeta português, considerado um dos maiores representantes da literatura em países de língua portuguesa, nasceu no século XIV, estudou filosofia e tornou-se poeta. Depois, soldado, perdeu um olho numa batalha no norte da África e teve que se afastar das atividades militares. Então, escreveu “Os Lusíadas”, obra de poesia épica, que ofereceu à língua portuguesa dignidade cultural e política.

Jorge Luis Borges, poeta, contista, ensaísta e crítico literário argentino é considerado como um dos melhores escritores do século XX. Ele ficou cego depois dos cinquenta anos devido a uma degeneração genética na retina. Mesmo sem a visão continuou a criar contos, vagando entre a filosofia e a fantasia, escrever poesias com lirismo e elaborar ensaios com rigor acadêmico. 

Outros autores, como Aldous Huxley e James Joyce também foram deficientes visuais e nos presentearam com a profundidade com que captaram o mundo. 

Por fim, encerro a coluna com uma frase de Clarice Lispector: “É necessário certo grau de cegueira para poder enxergar determinadas coisas.”

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E a máquina de escrever?

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Noutro dia, num bate-papo de botar a conversa no centro da roda, uma amiga da família, Bia, falou a respeito da máquina de escrever. A minha geração e as subsequentes, as que nasceram entre as décadas de cinquenta e oitenta do século passado, tiveram os ouvidos acostumados com o bater das teclas, “tic-toc-tac-tic”, um barulhinho gostoso e discreto, que tomava conta do ambiente. Como minha avó era tradutora de livros literários, passei bom tempo da minha infância escutando o teclar da máquina.

Noutro dia, num bate-papo de botar a conversa no centro da roda, uma amiga da família, Bia, falou a respeito da máquina de escrever. A minha geração e as subsequentes, as que nasceram entre as décadas de cinquenta e oitenta do século passado, tiveram os ouvidos acostumados com o bater das teclas, “tic-toc-tac-tic”, um barulhinho gostoso e discreto, que tomava conta do ambiente. Como minha avó era tradutora de livros literários, passei bom tempo da minha infância escutando o teclar da máquina. Aquele som ritmado e inebriante me parecia uma música e, acredito, que ficou no meu inconsciente como uma recordação dourada e ainda me embala quando escrevo textos, como este, no computador.

Minha mãe fez questão de me colocar num curso de datilografia nas férias porque todo mundo tinha que ter agilidade com o teclado. Fiz o curso um tanto quanto relutante porque queria estar na praia. Porém, até hoje, sou beneficiada pelo aprendizado quando dedilho as teclas do computador, sendo apta a usar todos os dedos das mãos, o que me é prazeroso e facilita o processo de escrita.

Quantos escritores, jornalistas, dramaturgos, poetas e roteiristas se utilizaram da máquina de escrever para transpor para o papel suas ideias? Ou mesmo para passar à limpo o que escreveram em rascunhos? Vale a pena informar que o primeiro texto literário escrito em uma máquina de escrever, que se tem notícia, foi o conto de Sherlock Holmes, “Um caso de identidade”, em 1891, por Sir Arthur Conan Doyle. 

Este equipamento feito de ferro, madeira, alumínio ou peças de plástico tem uma longa história e participou da construção da civilização moderna com eficiência e praticidade. Mas não foi criado com rapidez. Foi gestado a conta-gotas, ao longo de décadas, tendo sido resultado de invenções progressivas, em diversas partes do mundo, que elaboraram, aproximadamente, cinquenta protótipos. Sua utilização inicial foi para atender pessoas com deficiência visual.

É um equipamento composto de teclas que, ao serem acionadas, movimentam tipos impressores de letras, números e caracteres sobre o papel. Depois de invenções mais rudimentares, as primeiras, no início do século XIX, surgiram na Itália. Entre 1820 e 1870 diversas máquinas de impressão ou datilografia foram patenteadas na Europa e nos Estados Unidos. Inclusive, o governo brasileiro considera que o padre João Francisco de Azevedo, em 1861, tipógrafo no Recife, foi seu inventor, ao criar uma máquina de escrever em madeira jacarandá, com 16 pedais. Seu engenho recebeu a Medalha de Ouro do Imperador Dom Pedro II, na Exposição Agrícola e Industrial de Pernambuco.

Esse equipamento mecânico foi uma das mais importantes conquistas tecnológicas no início do século XIX. Nas décadas seguintes, houve uma demanda crescente pela mecanização do processo de escrita, dado que a máquina de escrever tinha potencial para registrar 130 palavras por minuto, enquanto uma pessoa, escrevendo à caneta, limitava-se a 30 palavras por minuto.

A partir de então a antiga “tic-toc-tac-tic” veio sendo aperfeiçoada, produzida em escala e tornando-se cada dia mais popular. Seus modelos foram sendo simplificados, tornando-a fácil de manusear e transportar. Além de, indiretamente ampliar as possibilidades do mercado de trabalho para a mulher, fazendo surgir a profissão de datilógrafa. 

Depois das máquinas manuais, vieram as eletrônicas. E, atualmente, os computadores as substituíram. Estão sendo, as que ainda restam, guardadas como relíquias do passado.  Faz parte da evolução tecnológica. 

As máquinas de escrever marcaram um tempo de vida, de criatividade e de mundo. Eis que uma pergunta me surge: seriam os escritores mais criativos ao bater nas suas teclas, inclusive em modelos que requeriam força nos dedos?

Tenho, porém, uma certeza: com toda a força que as máquinas exigiam dos seus datilógrafos, não se falava, na época, em tendinites!

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Conversar, escrever e ajeitar a vida

segunda-feira, 03 de outubro de 2022

Hoje vou sobrevoar este meu dia porque estou me sentindo solta das ideias mais formais. Esta descontração me permite encontrar o meu melhor espontâneo, que faz vir à pele a sensibilidade com que toco a vida. 

Aquele que pensa e escreve precisa se distanciar da seriedade e brincar com os momentos que, se percebermos, nos convidam ao flanar sobre a realidade. Constato que nosso estado de espírito tem algo de muito irreverente e grita por liberdade.

Hoje vou sobrevoar este meu dia porque estou me sentindo solta das ideias mais formais. Esta descontração me permite encontrar o meu melhor espontâneo, que faz vir à pele a sensibilidade com que toco a vida. 

Aquele que pensa e escreve precisa se distanciar da seriedade e brincar com os momentos que, se percebermos, nos convidam ao flanar sobre a realidade. Constato que nosso estado de espírito tem algo de muito irreverente e grita por liberdade.

Há quem goste de compartilhar e de escrever suas percepções em diários ou em pedaços de guardanapo. Saint-Exupéry se inspirou para escrever o “O Pequeno Príncipe” assim. A escrita é uma das trocas mais fascinantes com o mundo. É etérea. Uma exposição incrível do “eu sou”, uma forma de mostrar “sou assim e pronto”, “penso desta maneira”, e, por aí, vai-se tecendo o estar na vida. Através das palavras, a criatividade desponta, ajeita o quotidiano de modo personalizado. Coloca as coisas no lugar certo; certo para cada um. Quando deixamos a expressão autêntica se manifestar, somos da melhor forma, superamos o que querem que sejamos. Ah, somos tantos... Mas este “eu sou”, já dizia Lacan, é o mais intenso e verdadeiro. Tem gente, como eu, que custa a interpretar esta proposição fundamental. Meu amigo, a derradeira verdade tem um modo de se apresentar com leveza e brincadeira, que se mostra através das palavras soltas, escritas e faladas. 

Escrevendo, cozinhando e amando. Vivendo e ajeitando a vida. Sendo.

Contudo um turbilhão de sentimentos e vontades nos carregam sem perguntar ou não se queremos tê-los. Quem já não quis voar? Quem já não se apaixonou secretamente? Quem já não desejou procurar pelo Mágico de OZ? Isso é a força da vida pulsando nas células, convidando-nos a agir, a falar, a dizer o que existe em nossas almas, na maioria das vezes pouco serenas. Até insensatas. 

Quem escreve tem um trunfo: um portal no imaginário que lhe permite usar palavras nas linhas e nas entrelinhas para expressar-se da forma como bem quer. Dizer isso e aquilo de jeito ajeitado e desajeitado. Dizer, apenas.

A cozinha, a folha de papel e o vento recebem nossos talentos e insumos com grandiosidade. O vento bate em nossas faces, mas não nos acorrenta. O papel nos desafia, mas não nos impede de preenchê-lo. Na cozinha produzimos o alimento vital, mesmo se queimamos as panelas.

Tudo se resume no amor, que não é banal, é nobre e belo. É vivido, desejado, imaginado. Falado e escrito. Ama-se tudo. Até o prego que segura o quadro na parede. Ama-se a chuva. Ama-se.

Aquele que escreve, como faço agora, põe o nariz para fora da janela e respira novos ares. Ora pois, não é saudável remover a terra e oxigenar as raízes das plantas?

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A fila das formigas

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

O ato de começar guarda o princípio de propósitos, constitui-se em uma experiência diferente de todas que tivemos; nunca começamos exatamente de modo semelhante. Tem ineditismo. Ora pois, será que alguma vez acordamos para o mesmo dia? 

O ato de começar guarda o princípio de propósitos, constitui-se em uma experiência diferente de todas que tivemos; nunca começamos exatamente de modo semelhante. Tem ineditismo. Ora pois, será que alguma vez acordamos para o mesmo dia? 

O começo é, inevitavelmente, a primeira iniciativa e contêm a oportunidade de fazer ou refazer algo. Certa vez, escutei de um religioso que vivemos anos e anos aprendendo a amar. Li nos livros de pedagogia que, ao longo dos nossos dias, aprendemos para ser e para fazer através de inúmeras repetições. Quero dizer que o começar e o recomeçar são esforços valorosos, através dos quais damos continuidade ao realizar da vida e aprimoramos nossos modos de existir. Vão além do simples prosseguimento; são processos nobres de aprendizado. 

O começar guarda a sabedoria implícita em cada descoberta que o acontecer, posterior a esse começar, nos vai apresentar. Cada passo seguinte pode ser calculado, mas, na verdade, possui surpresas inesperadas. A beleza do existir está em adentrar esse universo desconhecido, que nos traz desafios, ganhos e perdas. Se todas as circunstâncias fossem exatamente iguais, o viver seria enfadonho e não teria sentidos. 

Diante das dificuldades impostas pelo mar bravio, os antigos navegadores tinham um lema, que foi poetado por Fernando Pessoa: “Navegar é preciso: viver não é preciso”. Lançar-se às águas é a premissa da vida!

O começar contém a lógica do modo como vamos prosseguir invariavelmente. E de como vamos terminar. Que seja apenas para começar, parar e recomeçar. O recomeço pode ter um fim em si mesmo e ser considerado como um modo de ir avante. É o grande trunfo da experiência humana. 

A primeira palavra que escrevemos numa página em branco é um dilema, posto que uma ideia mal elaborada tem força para comprometer o continuar do texto. Mas se assim acontecer, temos a prerrogativa de tentar novamente. O processo de amadurecer é brilhante, e não é saudável preencher esse especial momento de culpas, vergonhas e irritação. Escrever é viver; viver é escrever a própria história. 

É interessante perceber que o autor, ao dar o primeiro passo para elaborar um texto, já experimentou muitos inícios anteriores e diversos. O primordial, posso dizer, é o seu nascimento como pessoa sensível e predisposta a construir uma vida. Sim, engenhar e produzir cada um dos seus dias! Os seguintes, são tantos, mas devo destacar a decisão de tornar-se escritor e de colocar-se à disposição para criar um destino em que a palavra brilha em todos os horizontes. O mesmo acontece com os cozinheiros, matemáticos e malabaristas. E, assim, após tantos começos e recomeços, eis que surge uma ideia, que vai ser o início do processo criativo de escrita.

Nascer é fascinante; viver é desafiador; escrever é buscar certezas individuais; ter um texto pronto nas mãos é conquistar o final de muitos começos. 

Considero que a desistência seja o maior fracasso que um vivente possa ter. Reiniciar, certamente, é o grande aprendizado que forma homens sábios. A fila indiana de formigas dá inúmeras voltas, mas, por acaso, alguém já viu essa fila desviar do caminho e deixar de chegar ao formigueiro?

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Se o autor de um livro fosse ele próprio?

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Quando me preparei para escrever esta coluna, fui aos meus guardados e andei perambulando por minhas ideias que volta e meia registro em pedaços de papel. Escritor é assim. Não sei em que situação, assistindo a uma palestra, divagando ou saindo da cadeira do dentista, o fato é que anotei a sugestão de um livro ser um autor. Será coisa de louco? Ou da criatividade que liberta ideias e ultrapassa os limites da lógica?  Um livro mostra o pensamento do autor em suas páginas. Mas quando se transforma, ganha vida e vira o próprio escritor? Não sei.

Quando me preparei para escrever esta coluna, fui aos meus guardados e andei perambulando por minhas ideias que volta e meia registro em pedaços de papel. Escritor é assim. Não sei em que situação, assistindo a uma palestra, divagando ou saindo da cadeira do dentista, o fato é que anotei a sugestão de um livro ser um autor. Será coisa de louco? Ou da criatividade que liberta ideias e ultrapassa os limites da lógica?  Um livro mostra o pensamento do autor em suas páginas. Mas quando se transforma, ganha vida e vira o próprio escritor? Não sei. Acredito que só poderá ser criado nos meandros da fantasia. Daí a magia da literatura que permite tal façanha a um objeto feito de palavras. Assim, o livro, sendo porta-bandeira do universo literário, amigo leitor, pode tudo. Até ser o prazer de alguém quando pego de surpresa na porta de uma livraria.

Se por acaso, um livro escrevesse, possivelmente começaria a falar assim: 

— Sou a luz no breu. Afirmo, sim, com veemência tal proposição e não à toa, tenho a força da influência. Minhas páginas não são preenchidas por saberes? Sou a luz das civilizações, cada texto meu é dotado de esperanças e fé nas existências dos seres e das coisas, mesmo nos escritos que causam lágrimas e desdéns. Minha iluminação tem tonalidade furta-cor. Vou sobrevivendo no tempo e no espaço na medida em que minha essência tem bravura e não permite qualquer vento modificar a ética e os valores que sustento. Sempre estou pronto para vestir o leitor com leituras em vários estilos. Sou andarilho, percorro os cantos da Terra e posso mudar de língua com facilidade. Porém só existo quando sou tratado como estandarte da arte da palavra nas mãos de prosadores, poetas, cronistas, ensaístas, jornalistas, pesquisadores e cientistas. Por isso caminho pelos rios da história como um aprendiz, encarando o desafio do acontecer. Ora pois, sou um bruxo capaz de transportar os fatos para os encantados bosques da ficção, analisar realidades e definir utopias. Também posso imaginar o amor e desvendar o desconhecido. Com certeza, minhas possibilidades são múltiplas, mas não costumo ser impreciso. Sendo livro, por princípio, não sou infiel ao meu leitor. Meu amigo, esteja ciente de que sou fiel porque habito no dia a dia. A vida não é eternamente uma leitura a ser interpretada? Ah, sou milagroso sob olhos que me percorrem com inteligência e paciência, dado que minhas páginas são escritas com enigmas a serem desvendados pela interpretação. Nunca sou um retirante, tenho possibilidades de estar presente em qualquer situação, até mesmo fechado. Não importa se dessa maneira estiver. Haverá sempre alguém a quem meu título poderá instigar. Até aqueles que passam por mim desavisados; cantarolando ou mascando chicletes. Será que comecei a me inventar?

P.S.: Márcio Paschoal, escritor, e eu criamos a obra literária infantojuvenil “O Livro Maluco e a Caneta Sem Tinta”. Garanto que foi uma das melhores experiências literárias que tivemos. É um livro que ganhou vida em 2008 e até hoje está vivo, sendo lido e ganhando novas edições.  

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Adeus, Loni!

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Ontem minha mãe perdeu um amigo e companheiro, o Loni, seu cão, que a acompanhou ao longo de mais de dezoito anos. Foi um momento de delicadeza emocional, em que a tristeza se misturou com lembranças de um tempo de felicidade, durante o qual, de modo recíproco, eles participaram e deram alegria à vida um do outro.

Ontem minha mãe perdeu um amigo e companheiro, o Loni, seu cão, que a acompanhou ao longo de mais de dezoito anos. Foi um momento de delicadeza emocional, em que a tristeza se misturou com lembranças de um tempo de felicidade, durante o qual, de modo recíproco, eles participaram e deram alegria à vida um do outro.

Quando a Vênus partiu, minha cadela a quem dediquei amor profundo, ganhei de uma vizinha o livro, já em sua 11ª. edição, “Todos os Animais Merecem o Céu”, de Marcel Benedeti (1962-2010), editado por Mundo Maior Editora, da Fundação Espírita André Luiz.  O autor era médico veterinário, que escreveu vários livros sobre a vida espiritual dos animais, sendo esta obra ganhadora do prêmio João Castardelli, em 2003. Li com emoção o livro, principalmente as lições que me ofereceu em termos de humildade, paciência, resiliência e fidelidade. Os animais têm funções para como os humanos, da mesma forma que nós para com eles. “O que os animais adquirem como aprendizado permanecem com eles durante a eternidade, e o que foi aprendido sempre será útil, posteriormente, em vidas futuras”. (Benedetti, Marcel, in Todos os Animais Merecem um Céu) 

Não sou espírita, mas por tudo o que aprendi a respeito dos animais, o que vivi com aqueles que são e foram meus, e com que os que apenas conheci, tenho concluído que eles têm um engrandecimento transcendental. Tenho percebido isso quando chego ou volto para casa, quando me fazem sentir vontade de estar com eles, seja pelo prazer e pelo afeto, pela troca de amor. Os animais amam incondicionalmente! Ao ler “Angel Dogs: Anjos de Quatro Patas”, de Allen e Linda Anderson, editado pela Giz Editorial,  tive o conhecimento que os animais são anjos que vêm para apoiar a nossa trajetória existencial cheia de alegrias e afetos, de perdas e conquistas, de tragédias e desafios. Depois de ler a obra, constatei que todos os animais que tive vieram em épocas especiais, em que eventos de forte significação aconteceram na minha vida, como nascimentos e mortes, mudanças e amadurecimentos. Antes de meus filhos nascerem, quis ter um cachorro e tivemos o Zeus. Ele foi nosso companheiro durante quase treze anos. Quando Beto e Gabi entraram na adolescência, ele partiu. Tempos depois tive a Vênus, que acompanhou nossa família em vários momentos especiais, quando tive câncer, meu marido enfartou, minha filha foi morar fora do país e, por fim, meu filho faleceu. Depois Vênus partiu. Tivemos também a Hyra que ficou conosco o tempo suficiente para nos acompanhar nos momentos de perda e luto. Assim que nos recompusemos ela se foi. 

Depois dos conhecimentos que adquiri a respeito, constato que tenho a função de fazê-los evoluir como seres animais. Todos nós, os animais e as pessoas da minha família, nos transformamos, aprendemos a cuidar, a ter paciência e a respeitar as diferenças.

Assim foi o Loni. Acompanhou mamãe no envelhecimento dela, no divórcio, na mudança de moradia. E ela o melhorou como animal não adestrado. Ah, como era levado e tinha vontade própria imponente!

Nos momentos de partida nós os acompanhamos com amor. Acredito que o modo como nos despedimos deles, oferece-lhes tranquilidade para retornarem ao mundo do qual vieram. “Se Ele permite que passemos por situações como essas, é porque é importante para nós e para nossa existência”. (Benedetti, Marcel, in Todos os Animais Merecem um Céu) 

Enfim, amar os animais é um grande aprendizado. Um dos mais humanos que a vida pode nos oferecer. Eles nos ensinam com o olhar, com atitudes e afeto. São grandes mestres.  

 

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Passos que escrevem poemas honrados

segunda-feira, 05 de setembro de 2022

Ao participar da Feira Literária de Santa Maria Madalena 2022, o tema a respeito dos refugiados da Venezuela me sensibilizou, até porque tenho refletido sobre o processo migratório em massa, para ser mais enfática sobre o êxodo. As migrações não são um fenômeno atual, mas que fazem parte da história das civilizações desde que se tenha conhecimento, como a fuga dos Hebreus do Egito que ocorreu no século XV a.C. 

Ao participar da Feira Literária de Santa Maria Madalena 2022, o tema a respeito dos refugiados da Venezuela me sensibilizou, até porque tenho refletido sobre o processo migratório em massa, para ser mais enfática sobre o êxodo. As migrações não são um fenômeno atual, mas que fazem parte da história das civilizações desde que se tenha conhecimento, como a fuga dos Hebreus do Egito que ocorreu no século XV a.C. 

Querendo entender o que me é impossível aceitar, resolvi buscar fontes que me esclareçam as razões que fazem um povo se afastar da sua terra. Procurei na obra de Sygmunt Bauman, especialmente no livro “Estranhos à Nossa Porta”, publicado em 2016, análises que me possam elucidar as causas do trauma que as pessoas sofrem quando são obrigadas a deixar o solo onde vivem.

Pensar em refugiados me leva a constatar que o processo de dissolução de uma cultura, de ideais coletivos e de modos de produção acontecem no âmbito das relações de poder pela opressão de uns sobre os outros, em que os fatores econômicos, conflitos ideológicos, escassez de recursos, riquezas naturais entre outros são preponderantes. As pessoas, sem alternativas, fogem! Deixam para trás as conquistas que fizeram ao longo da vida e abandonam seus familiares, amigos e sonhos.

É impensável para mim ter de pegar uma mala e sair porta afora rumo ao incerto. Chegar em algum lugar e tornar-me não mais do que uma estranha, onde serei observada com olhos inseguros. Não se pode ficar insensível ao assistir ao que acontece hoje em várias partes do mundo. E a mídia, em busca de audiência, explora a tragédia humana, sendo apoiada por anunciantes. Mentes inteligentes e criativas usam o infortúnio dos refugiados para enriquecer a informação. É uma crueldade. 

O fator humano está sempre em segundo ou terceiro plano.  Crianças passam fome, mães se afogam, famílias se perdem, velhos morrem sem atendimento médico, animais são abandonados. Enfim, há desesperança e uma infinidade de tragédias caracteriza a situação de exílio. O êxodo faz do infortúnio a sua rotina e da rotina o esquecimento silencioso que atravessa o planeta.

Segundo Bauman, as nações que causam o êxodo de sua população são Estados fracassados e míopes. Quem decide pelo abandono é porque perdeu sua função na vida econômica e social, sendo os governos incapazes de oferecer condições de produção, cidadania e amparo ao seu povo. São sociedades vagotônicas, cheias de discursos ideologicamente lógicos, mas contraditórios com a realidade concreta. 

O refugiado, despatriado, serpenteia as estradas, sobe montanhas e cruza fronteiras em busca de um lugar onde possa ver, ao menos, um raio de sol. Anda humilhado, sem voz para cantar o hino do seu país. Suas palavras guardam a esperança de continuar a fazer a própria história. Seus olhos crivam horizontes com o amor pela vida. Seus passos escrevem no solo poemas honrados. Seus braços carregam filhos e parcos pertences. Suas mãos encontram as de outros irmãos. Em suas veias corre o sangue dos silenciosos heróis. São cidadãos do mundo.

 

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