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Quem não empurrou palavras goela abaixo?

segunda-feira, 05 de fevereiro de 2024

Fiz vários anos de terapia e transformei das minhas águas em um rio de constatações, além de perceber, na vida circundante, um redemoinho de emoções.  Mas, vou confessar - não em forma de segredo, mas de exclamação - que a literatura me abre os olhos também. Não há magias. As vozes dos escritores têm sabedoria, uma sabedoria que nasce na filosofia, em outros pensadores e nas esquinas. É bem interessante notar que o senso comum, exposto na conversa livre e ligeira, surge naturalmente no bota-fora nas beiras das calçadas, nas mesas de bar e cafeterias.

Fiz vários anos de terapia e transformei das minhas águas em um rio de constatações, além de perceber, na vida circundante, um redemoinho de emoções.  Mas, vou confessar - não em forma de segredo, mas de exclamação - que a literatura me abre os olhos também. Não há magias. As vozes dos escritores têm sabedoria, uma sabedoria que nasce na filosofia, em outros pensadores e nas esquinas. É bem interessante notar que o senso comum, exposto na conversa livre e ligeira, surge naturalmente no bota-fora nas beiras das calçadas, nas mesas de bar e cafeterias. É uma fala coloquial que mostra a vida como ela é, como dizia Nelson Rodrigues. Sem dó e sem piedade, através do deboche, comentários e das piadas, as falas dizem tudo o que está em Shakespeare. Nem reis e rainhas, padres e vilões escapam dos inesperados desacertos.  

Não são poucas as situações que exigem silêncio. O silêncio tem inteligência e condições de dizer mais do que palavras, e seus efeitos são eficientes. Estou lendo o romance “Depois daquele verão”, de Carley Fortune. Diante de uma situação delicada, a protagonista, Percy, deixa escapar algo constrangedor ao personagem, Sam, que, no meio da frase, tem que recolher as palavras e enfiá-las de volta para a garganta. 

Eita! Quem não experimentou isso?

Eu, milhares de vezes!

Quando é preciso segurar as palavras, a gente as engole tão rapidamente que perde o ar e fica, até, com a boca aberta.  A autora Carley descreve esse momento da protagonista, como se ela estivesse presa a uma rede e paralisada. E aí me vêm as tantas horas de divã de analista que me gritam: temos que nos perdoar e entender que não há mal em empurrar palavras pela goela e experimentar o silêncio. Mas não é fazer disso uma rotina, pelo contrário, é cuidar para que não aconteça, mas se... 

Conversando com amigas de trabalho e recordando a nossa querida Maria Lúcia, que não está mais entre nós, falamos da sua inteligência sutil, quando dizia: “é preciso pensar sete vezes antes de falar”. Ela estava certíssima. O pensamento seleciona ideias e as palavras com as quais vamos expressá-las.  Todo o cuidado é pouco.

Tenho setenta anos e ainda estou aprendendo a achar o ponto de equilíbrio entre a espontaneidade e o autocontrole. É prazeroso nos expressarmos com originalidade; é tenso controlarmos nossas manifestações. Enfim. A construção saudável da vida nos exige esse meio termo. Nem lá, nem cá. Os caminhos do meio são os melhores. Os budistas sabem disso! 

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Nosso nome é um código de barras

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Estou acabando de ler “A boneca de Kokoschka”, do autor português, Afonso Cruz. A cada página sou coberta pelo manto das indagações filosóficas, que me traz questões sobre as quais ainda, ou muito pouco, havia refletido. Como nosso pensamento trabalha 24 horas por dia, inclusive durante o sono, faz bem ter motivos para pensar de modo diferente a fim de sair da mesmice diária que ocupa a mente com relações familiares, situações de trabalho, circunstâncias financeiras e acontecimentos diversos. É aconselhável ter novas linhas e retalhos para costurarmos nossas colchas.

Estou acabando de ler “A boneca de Kokoschka”, do autor português, Afonso Cruz. A cada página sou coberta pelo manto das indagações filosóficas, que me traz questões sobre as quais ainda, ou muito pouco, havia refletido. Como nosso pensamento trabalha 24 horas por dia, inclusive durante o sono, faz bem ter motivos para pensar de modo diferente a fim de sair da mesmice diária que ocupa a mente com relações familiares, situações de trabalho, circunstâncias financeiras e acontecimentos diversos. É aconselhável ter novas linhas e retalhos para costurarmos nossas colchas.

Quando nascemos recebemos um nome. Ganhei Tereza Cristina, um conjunto de letras que me designa, o qual levarei até o fim da minha vida. Mas, será que esse nome de nascença é o meu verdadeiro? Posso ter nascido como Tereza Cristina, mas ao morrer continuarei a sê-la? 

Afonso Cruz me coloca a pulga atrás da orelha quando questiona que o nome que consta na certidão de nascimento não é o verdadeiro. Posto que sim. As primeiras perguntas que me inquietam tão logo as cortinas se abrem são: o nome que tenho me agrada? Pode dizer quem sou?

“...mas sinto que o nome de batismo, o que nos dão à nascença, não é o nosso nome. Há um outro escondido debaixo das nossas rugas, debaixo das nossas infelicidades todas, que é o nosso código de barras, como os das compras. Um dia, quando estiver a morrer, com a morte nos olhos, saberei que nome é esse.”  

Os traços em nossos códigos de barras registram as marcas que fazemos no destino. A cada momento, um registro; a cada registro, um tom é acrescentado ao nome, que pode ir modificando o som das letras e substituindo-as, nos transformando na maneira como somos e fazemos a vida acontecer. Ao final dos dias construiremos, então, um nome com a inteireza da existência individual.

Afonso Cruz, durante a conversa entre seus personagens, chama a atenção para o nome artístico. Certamente mais íntegro do que o da certidão de nascimento porque, ao longo da vida, vamos aprendendo e aprimorando a arte de viver. Ao morrer, as letras do nosso nome irão conter incontáveis histórias, apinhadas, umas em cima das outras. São as que contamos sobre nós e as que outros nos contam, também sobre nós. Seremos, enfim, um emaranhado de contos, constatações, identidades, ideias e afetos.

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Somos um hífen?!

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Estou lendo “A boneca de Kokoschka”, de Afonso Cruz, edição apoiada pela Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas/Portugal. O livro me atraiu pelo título, e, ao mergulhar na leitura, encontrei pérolas, que me remeteram a uma questão surpreendente, que ainda não havia pensado. 

O contexto da história é a Segunda Guerra. O início do enredo se desenvolve numa loja de pássaros, cujo protagonista, Bonifácio Vogel, é comparado, dentre tantas caracterizações feitas pelo autor, a um hífen. Essa ideia me trouxe uma pergunta inusitada: Sou um hífen?

Estou lendo “A boneca de Kokoschka”, de Afonso Cruz, edição apoiada pela Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas/Portugal. O livro me atraiu pelo título, e, ao mergulhar na leitura, encontrei pérolas, que me remeteram a uma questão surpreendente, que ainda não havia pensado. 

O contexto da história é a Segunda Guerra. O início do enredo se desenvolve numa loja de pássaros, cujo protagonista, Bonifácio Vogel, é comparado, dentre tantas caracterizações feitas pelo autor, a um hífen. Essa ideia me trouxe uma pergunta inusitada: Sou um hífen?

Se eu fizesse essa pergunta durante uma sessão de análise, meu terapeuta diria que a sessão tinha acabado. Assim, repentinamente. Sairia de lá com a cabeça embaralhada e passaria a semana buscando explicações. Por que sou hífen?

Há três dias que estou revendo as relações que estabeleço com as pessoas e com as circunstâncias de vida. De pensamento em pensamento, fui constatando que sou um hífen! 

O hífen é uma pontuação em forma de traço e tem a função de estabelecer elos: juntando palavras compostas, unindo pronomes átonos aos verbos, fazendo a separação de palavras em duas partes no final da linha. É um sinal gráfico que tem identidade!

Nesse momento sinto a necessidade de perceber-me como um elo. Sim, tal qual uma argola que se une a outras para formar uma corrente. Qual a importância que tenho no fluxo das situações em que vivo? Se eu me retirar ou for tirada, o que acontecerá? Farei falta ou serei indispensável?

Cada uma desses temas tomaria o tempo de algumas sessões de psicanálise. Ou muitas. Ou quase todas.

Mas há outra questão que a percebo como a mestra de todas: fazendo parte de tantos colares, como preservo a minha identidade? Aí, constato que ainda estou longe de ser uma pessoa definida, sábia e criativa, sendo capaz de observar, perceber e entender, nos mínimos detalhes, primeiramente, a minha essência e, depois, as pessoas e circunstâncias sem ideias preconcebidas. Ah, que desafio a palavra hífen me trouxe! Ufa!

Vou ligar para meu analista e marcar umas sessões.

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A violência contra a mulher

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Pela primeira vez vou abordar um tema delicado e triste, a violência sofrida pela mulher. Eu me senti motivada a escrevê-lo durante a leitura do livro “Dororidade”, de Vilma Piedade, com prefácio de Márcia Tiburi, que viu a palavra nascer, de modo espontâneo, numa tarde de sábado, no Instituto Cultural Rosie Marie Muraro, quando eram discutidos “os rumos no movimento de protagonização de mulheres para a política”. 

Pela primeira vez vou abordar um tema delicado e triste, a violência sofrida pela mulher. Eu me senti motivada a escrevê-lo durante a leitura do livro “Dororidade”, de Vilma Piedade, com prefácio de Márcia Tiburi, que viu a palavra nascer, de modo espontâneo, numa tarde de sábado, no Instituto Cultural Rosie Marie Muraro, quando eram discutidos “os rumos no movimento de protagonização de mulheres para a política”. 

Sim. Dororidade, a dor provocada nas mulheres pelo machismo. Mulheres de várias idades, nacionalidades e raças experimentam diversas formas de sofrimento decorrentes da crueldade física, moral e do abuso psicológico causados pelos maus tratos masculinos, especialmente contra as mulheres negras. Esse tipo de violência é milenar, mantém-se ativo, caminhando no tempo e em todos os espaços do planeta, deixando feridas e cicatrizes no corpo e na alma femininas. Inclusive, muitas morrem. São assassinadas! 

O machismo machuca, deforma e mata. É a expressão da insensatez e da brutalidade masculinas que caracterizam um modo de ser débil e perverso, que vai contra os princípios da dignidade humana. É decorrente de uma cultura que confunde a força física com a falta de empatia para com o próximo, especial e unicamente, com a mulher. Negligencia a proposição primordial do ser humano, descrita na Bíblia, por Mateus (versículo 12, capítulo 7) e que faz parte do Sermão das Montanhas: “façam aos outros o que querem que eles lhes façam”. Nenhum machista quer ser agredido!

O machismo é uma das piores fraquezas de caráter que um homem possa ter, uma vez que revela um relacionamento fundamentado no desamor, no desrespeito e na ausência de virtudes. A civilização moderna vem amadurecendo conceitos relacionados à preservação da vida e da integridade física, moral e emocional, embora ainda cultive mecanismos sociais, políticos e culturais que alimentam o poder misógino. Ainda é um problema muito sério no Brasil, especialmente na região do Nordeste, agravado pela morosidade da justiça para julgar os casos de situações conflituosas. Nosso país, infelizmente, no ano de 2023, registrou 2.000 casos aproximadamente de homicídios femininos. O que revela a existência, mais comum do que se possa imaginar, da violência contra a mulher nos lares brasileiros.

A Lei Maria da Penha nos mostra que o machismo tem sido punido. Entretanto, ainda, o grito feminino reclama por mais rigidez e ecoa nas paredes das casas, nas calçadas das ruas e nos horizontes das cidades.

Quantos séculos ainda serão precisos para a humanidade estancar de vez a violência contra a mulher.

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O suspense

segunda-feira, 08 de janeiro de 2024

Estou lendo “O apartamento em Paris”, da escritora inglesa Lucy Foley, um romance de mistério passado em um edifício de luxo na capital francesa. Seus moradores e suas paredes guardam segredos que vão se revelando aos poucos de modo que não consigo parar de ler. 

Estou lendo “O apartamento em Paris”, da escritora inglesa Lucy Foley, um romance de mistério passado em um edifício de luxo na capital francesa. Seus moradores e suas paredes guardam segredos que vão se revelando aos poucos de modo que não consigo parar de ler. 

Um dos grandes desafios do escritor de prosa literária é prender o leitor na narrativa. Um texto carregado de circunstâncias a serem desvendadas, cuja leitura evoque perguntas e espantos é instigante e prazeroso. Mas elaborá-lo? Uauuu! Construir cenas densas, mas pouco explicadas, personagens misteriosos e enigmas é um desafio e tanto ao escritor. A literatura de suspense apresenta grandes obstáculos a serem superados, que exigem a definição pormenorizada dos mínimos detalhes que compõem cada uma das cenas. São definições que precisam ser esclarecidas e dominadas previamente pelo escritor, ou seja, antes mesmo de começar a elaborar o texto. Além do mais, os fatos devem ser mostrados pouco a pouco e cuidadosamente ao leitor, que, ao ler, vai desvendando segredos nada vulgares. Quanto mais inteligente é a trama, mais o leitor vai se sentir desafiado a desvendá-la.

Não é somente a literatura de suspense, mas todo texto deve considerar a capacidade reflexiva do leitor para compreender situações. Talvez possa afirmar que compor um texto seja engenhoso porque requer planejamento, cálculos precisos e construção minuciosa das cenas. Em “Aventureiros da Serra”, romance de minha autoria, os personagens precisaram atravessar um rio, e tive de calcular distâncias, riscos e tempo. 

O texto literário de ficção tem de ser verossímil! Um personagem de menor estatura precisa dar mais passos para percorrer a mesma distância do que outro mais alto. As cenas não podem ser lentas nem rápidas demais, a ação dos personagens deve ser realizada em momentos certos da narrativa para criar no leitor a máxima expectativa. Os acontecimentos devem ter sequência contínua de modo a preparar a narrativa para um desfecho, exigindo paciência e causando inquietude no leitor. Não é possível antecipar informações para amenizar o suspense, o que arruinaria o texto em poucas linhas.

Quase sempre a literatura de suspense envolve atos de perversidade, como em “O silêncio dos inocentes”, de Thomas Haris. Os romances policiais de Agatha Christie, como “Morte no Nilo” e “Expresso Oriente” trazem situações de morte violenta. Se não fossem as passagens trágicas não haveria uma narrativa consistente e atraente ao leitor. Quanto maior é a maldade e o sofrimento, melhor qualidade o texto pode alcançar.

As escrever “Aventureiros da Serra”, um personagem, o Edu, surgiu repentinamente na minha imaginação. Ele, vindo carregado de inveja e egoísmo, fez com que a narrativa crescesse. Suas atitudes levaram as cenas mais simples ao suspense. Ao escrevê-las, eu ia desvendando o seu caráter que criava grandes dificuldades ao grupo de amigos. Ao longo da narrativa, ele foi se transformando e fazendo com que os outros personagens amadurecessem. Foi uma experiência literária incrível. 

Estou escrevendo esta coluna porque pretendo, em 2024, começar a escrever um romance de suspense. Estou me preparando, aquecendo as turbinas, como dizia minha mestra Virgínia Cavalcanti. 

2024 me chegou cheio de ideias desafiadoras que serão tecidas por linhas. Linhas! Será um bom título? O ano promete muito suspense. Ainda bem... 

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2024 - O rabo da lagartixa, quando cortado, nasce de novo

terça-feira, 02 de janeiro de 2024

Estava passeando calmamente entre as minhas expectativas para 2024 e me lembrei da crônica “O Rabo da Lagartixa”, escrito pela médica e budista Nazareth Solino, publicada no livro do mesmo título, em 2006. 

Vamos reviver a vida, mais uma vez, em 2024! 

Estava passeando calmamente entre as minhas expectativas para 2024 e me lembrei da crônica “O Rabo da Lagartixa”, escrito pela médica e budista Nazareth Solino, publicada no livro do mesmo título, em 2006. 

Vamos reviver a vida, mais uma vez, em 2024! 

Ora pois sim, não será um ano inédito, certamente, como os anteriores; será um tempo em que vamos prosseguir os caminhos já trilhados e alguns novos. Que nossos passos se orientem pelo ensinamento que o rabo da lagartixa nos oferece: religar e cicatrizar. Vamos prosseguir nossas trajetórias existenciais de modo mais aperfeiçoado posto que a vida tem plasticidade, tal qual esse réptil de pequenas dimensões, capaz de recompor seu rabo quando decepado. Em pouco tempo, ele está com o corpo refeito, tendo a prontidão para seguir sua vida com disposição. E, nós, os humanos, não perdemos nossos pedaços diariamente? Cada dia jamais será por nós vivenciado da mesma forma como foi no passado. Nosso quotidiano é mutante, inclusive nos momentos em que o consideramos rotineiro. Não trocamos de roupas!? Sim, temos o livre arbítrio e a oportunidade para reparar nossos sentimentos, pensamentos e as ações. Cada momento é único, e o “aconteceu” é um tempo que leva as águas dos nossos rios para os oceanos do mundo. E, aí, surge, a magia do resgate.  Somos os encantadores do nosso destino. 

Que em 2024 tenhamos gratidão ao que a vida vai nos proporcionar, mesmo nas situações mais difíceis e dolorosas, mas que nunca deixam de nos oferecer significativos aprendizados. Que aprendamos a ter gratidão!, esse nobre sentimento, um dos mais raros, como, certa vez, minha amiga Carmem, psiquiatra e psicanalista, me confabulou com tristeza. A gratidão nos permite olhar para as circunstâncias e para as pessoas com reconhecimento e coragem a fim de transformar o ambiente e, inclusive e principalmente, a nós. Tendo atenção para os aspectos positivos, sem recusar os benefícios que nos oferecem. Nossos olhos são sábios quando permitimos que o sejam. Somente assim, seremos capazes de conquistar a liberdade para vislumbrar diversos horizontes em cada paisagem. 

Ao carregar a lagartixa nos bolsos, vamos, em 2024, configurar a vida diariamente. Como será saudável aprender a surfar as pequenas e grandes ondas, submergindo e emergindo nos mares em que estamos mergulhados. 

Que tenhamos energia vital nas veias para trilharmos todos os nossos caminhos.

Até semana que vem!

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Panelas, as relíquias de Natal

segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

Hoje, segunda-feira, dia de Natal, quero abraçar meus leitores e mostrar meu agradecimento à A Voz da Serra que, gentilmente, acolhe minhas palavras. É bom sentir a sensação de consideração por aqueles que me leem e de receber a hospitalidade deste jornal.

Vou retribuir toda essa atenção através de um conto que escrevi, faz tempo, que expressa os esforços e a alegria do escritor. 

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Hoje, segunda-feira, dia de Natal, quero abraçar meus leitores e mostrar meu agradecimento à A Voz da Serra que, gentilmente, acolhe minhas palavras. É bom sentir a sensação de consideração por aqueles que me leem e de receber a hospitalidade deste jornal.

Vou retribuir toda essa atenção através de um conto que escrevi, faz tempo, que expressa os esforços e a alegria do escritor. 

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A rua brilhava o Natal; à noite, as luzes cintilavam nas árvores e piscavam nas janelas. A casa, entre tantas enfeitadas, era pequena; poucos cômodos. Família grande, casa de gente limpa que usava pano de chita como porta dos armários. Casa sem tapetes para enfeitar o chão de cimento liso. A televisão na sala era o quadro que fazia a arte sumir na tela escura. A mesa, preparada para a ceia, tinha vários pratos, copos e talheres cuidadosamente arrumados. Ah, a cozinha! Na cozinha, estavam as preciosidades de Natal. As panelas. Mais reluzentes do que as luzes que piscavam na árvore, penduradas na parede sobre a pia, como relíquias dos sonhos de uma vida. Eram o orgulho, mostravam o prazer dos braços que as arearam e a coragem dos dedos que engrossaram a pele com o bombril para fazê-las iluminadas. Ali estavam estampadas na cor do alumínio as esperanças que o Natal trazia. O trabalho. A vontade de compartilhar a vida.

Feliz Natal!

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Esses seres admiráveis, os personagens?

segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Quem são esses seres fascinantes que nascem no imaginário do escritor? Que sejam emergentes da realidade em que vivemos ou do universo da ficção. Querem saber a verdade? Não importa de onde venham, apenas é preciso que sejam bem construídos e prendam a atenção do leitor. Simples assim? Posto que não. 

Quem são esses seres fascinantes que nascem no imaginário do escritor? Que sejam emergentes da realidade em que vivemos ou do universo da ficção. Querem saber a verdade? Não importa de onde venham, apenas é preciso que sejam bem construídos e prendam a atenção do leitor. Simples assim? Posto que não. 

Os personagens criados a partir da inspiração de uma pessoa existente ou que já tenha existido, são, na literatura, seres ficcionais. Dificilmente o escritor conseguirá retratá-lo na produção literária com fidedignidade, ele será reconstruído através de palavras e cenas elaboradas no imaginário. Mesmo no cinema ou teatro, a vida da pessoa é narrada através de um roteiro ou de um texto dramatúrgico. O personagem só existe situado em uma história com os elementos e atributos criados exclusivamente na imaginação. Vamos supor que três indivíduos presenciem uma cena, cada um vai descrevê-la de uma forma, vai notar os detalhes com parcialidade e observar a partir de um ponto de vista próprio, que está enraizado em formas de pensar, afetos e experiências de vida. 

Há personagens tão extraordinários e tão bem construídos que influenciam a vida dos seus leitores, causam espantos, risos e reflexões.  São entidades que, além de habitarem nos livros, vivem na mente daqueles que os admiram. Um personagem que me deixou marcas foi Raskolnikof, de “Crime e Castigo”, escrito por Fiódor Dostoiévski, pela sua insolência e capacidade de enganar, como se fazer amigo do chefe de polícia para mudar o rumo das investigações e evitar ser descoberto como o assassino de duas pessoas. Esse personagem foi tão bem elaborado que me lembro dele com repúdio sempre que me deparo com uma situação criminosa. 

São personagens que sobrevivem ao tempo, como Jean Valjean, de “Os Miseráveis”, criado por Victor Hugo ou Emma Bovary, de “Madame Bovary”, idealizado por Gustave Flaubert; Otelo, da obra de Shakespeare. São entidades que permeiam nossas vidas, como Hellen Keller, em que ela narra a sua bela história de superação em uma autobiografia, Dom Casmurro através do qual Machado de Assis apresenta a terrível dúvida com relação à fidelidade de Capitu. E a crueldade mostrada através da inveja de Iago, personagem de Shakespeare, em “Otelo”. Os personagens marcantes apresentam motivos para reflexões relevantes, e suas histórias contribuem para a construção da identidade individual de cada um de nós. Fernão Capelo Gaivota, protagonista do livro do mesmo nome, construído por Richard Bach, sempre me foi um exemplo de vida. Em muitos momentos da minha pré-adolescência eu me identifiquei com Zezé, de “Meu Pé de Laranja Lima”, escrito por José Mauro de Vasconcelos.

E de onde vêm os personagens? Ah! Será das estrelas, dos ventos ou do cheiro de sabonete?

Sei lá...  

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O valor da educação

segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Sou educadora, de formação. O meu olhar tem este viés porque tudo o que vivemos é carregado de aprendizado. Até mesmo o conectivo “e”, que significa união; ninguém o utiliza sem ter a intenção de adicionar, posto que a adição é transformadora e reúne significados que podem ser observados e refletidos. Aliás, a observação é o ponto de partida dos processos educativos.

Sou educadora, de formação. O meu olhar tem este viés porque tudo o que vivemos é carregado de aprendizado. Até mesmo o conectivo “e”, que significa união; ninguém o utiliza sem ter a intenção de adicionar, posto que a adição é transformadora e reúne significados que podem ser observados e refletidos. Aliás, a observação é o ponto de partida dos processos educativos.

Nestes dias, por acaso, mensagens, podcasts e conversas me trouxeram a educação como tema de reflexão. Ao me debruçar sobre as teorias educacionais, a construção de uma pessoa, de um lugar e, especialmente, de um país acontece sobre as bases educacionais. O crescimento individual é ilimitado através das capacidades e possibilidades que podem ser atingidas sem limites preestabelecidos. Da mesma forma, as realizações de uma nação dependem da evolução dos seus cidadãos.

As gerações mais novas recebem dos seus antepassados um saber adquirido através da experiência milenar que é repassada de diversas formas. Hoje, os meios de comunicação são facilitadores, porém o contato interpessoal possui força de influência e absorção eficientes, decorrentes das relações afetivas e dos processos de identificação.

Também não podemos esquecer que a literatura guarda a maior fonte de saber existente no planeta. 

Os processos de aprendizagens começam no momento do nascimento quando a criança vai aprendendo, dia a dia, a interagir com o ambiente e com as pessoas com quem tem contato. Inclusive, com ela mesma ao perceber seu corpo e suas emoções. O corpo e a mente humana são versáteis, possuindo qualidades e habilidades múltiplas que podem ser estimuladas, desenvolvidas e, consequentemente, transformadas, possibilitando às pessoas realizar tarefas cada vez mais especificadas e complexas. Os processos educativos nos tornam mutantes, principalmente quando há a consciência de que podemos nos aperfeiçoar para melhorar nossos modos de viver.

A leitura é um recurso educativo valoroso, mesmo os livros de literatura ficcional para crianças e jovens. Certamente a literatura é arte e sua intenção não é pedagógica. Entretanto, ao abordar a experiência existencial nas histórias infantis, guarda pressupostos educativos relevantes. “Pinóquio”, por exemplo, escrito por Carlo Collodi, é uma obra que deveria ser lida por todos. Como também “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carol. E outras, como o “O Sítio do Pica-pau Amarelo”, de Monteiro Lobato, “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry ou “O Mundo de Sofia”, de Jostein Gaarder. Mas não é somente a prosa literária que o jovem pode ser incentivado a ler. A obra de Shakespeare tem belíssimas adaptações para o público juvenil. 

A formação do leitor é um processo educativo e encontra no prazer de ler seu objetivo principal. É iniciado na mais tenra infância com livros de ilustrações e sem texto. O gosto pela leitura é construído ao longo de anos e segue a vida infantil e juvenil. O adulto, quando leitor, tem uma visão ampla e aprofundada dos fatos, que são esclarecidos por várias ciências, como a filosofia, psicologia, sociologia, biologia, geografia, história, dentre outras. Como também pela vivência daqueles que transpõem para o papel suas reflexões através da prosa e da poesia. 

Um pensar parcial é frágil. O saber comum é inteligente e rico, sem sombra de dúvidas, mas se enriquecido pela leitura oferece maiores possibilidades ao sujeito de interagir no ambiente, de expressar-se para abordar com clareza e objetividade seus pontos de vista. De tirar conclusões e tomar decisões.

Infelizmente as oportunidades educacionais e os programas de estímulo à leitura são ainda precários no Brasil. Nem todos têm acesso ao livro e à educação. Acredito que a maioria das crianças e jovens gostaria de tê-lo! Foi triste escutar de um grupo de jovens que gostariam de ler mais, mas não podiam pela impossibilidade de adquirir os livros, mesmo nas bibliotecas. 

Assim, cabe-me, mais uma vez, reforçar o valor da educação e da leitura nesta coluna semanal. Não deixa de ser como um canto de alguém diante do mar, sempre atraente, indomável e pouco desconhecido.

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Pode o afeto atravessar a tela do celular?

segunda-feira, 04 de dezembro de 2023

Felicidade! É inútil buscá-la em qualquer outro lugar que não seja no calor das relações humanas.

(Antoine de Saint-Exupéry)

Felicidade! É inútil buscá-la em qualquer outro lugar que não seja no calor das relações humanas.

(Antoine de Saint-Exupéry)

Tudo muda. ‘Nada do que foi será do jeito que já foi um dia. Tudo passa, sempre passará”, poetaram Lulu Santos e Nelson Mota em “Como uma onda”.  Premissa notável e de sabedoria milenar. E veio o celular, chegou a cada um de nós de maneira impetuosa, volumosa e, também, desastrosa. Adentrou a vida, mudando as relações interpessoais. Ao mesmo tempo em que nos colocou no fluxo das interações humanas, isolou-nos. Fez com que a afetividade ganhasse novos modos de trocar sentimentos, como mensagens de voz e de texto, emojis, vídeos. Substituiu os modos convencionais de expressar afeições e de conversar, tornando a presença física não tão mais relevante ao criar a impressão de proximidade; as pessoas podem não se sentir longe de quem gostariam de estar perto. 

Ninguém consegue sentir cheiro pelo celular”. Esta frase do livro “Cheiro de Formiga”, de Verena Alberti, editora Patuá, me chamou a atenção para o fato do celular ser, hoje, predominante objeto intermediário nas relações afetivas, inclusive as ligações de vídeo possibilitam ver e perceber o outro em seus gestos e expressões; a presença física pode, naturalmente, ficar em segundo plano. 

Na presença real sente-se com plenitude o outro: o calor do corpo, a respiração, a força dos braços em cada abraço, o estalar do beijo, o toque das mãos, o som da voz, o cheiro. O afeto tem vida!

Quando a presença se faz através da tela do celular, a forma como sentimos o afeto torna-se diferente, a começar pela temperatura fria do vidro. A troca de afeto virtual é completamente diferente do físico. Quando o afeto é experimentado presencialmente, os sentimentos se misturam, tornando até os limites imperceptíveis. 

Estamos tão mergulhados neste universo irreal que, a cada dia, acostumamo-nos, mais e mais, a desenvolver afetos irrealizáveis. O ambiente virtual não é o nosso mundo real.

Certa vez me contaram que dois amigos de infância e que não se viam há bastante tempo, um dia, por acaso, se encontraram na rua. Depois de um abraço, um disse para o outro: depois me liga e a gente se fala. Como as relações de afeto estão ficando vulgares, sem originalidade!

É preciso ter sensatez e inteligência emocional para aprender a lidar com os caminhos da modernidade. Não podemos esquecer que somos gente. De carne e osso. De afetos.

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