Os desafios do começar

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

terça-feira, 25 de março de 2025

Certa vez, conheci uma médica budista, Dra. Nazareth Solino, que já não está mais entre nós, infelizmente, que me disse: o maior desafio a enfrentar no dia é acordar de manhã, levantar-se, colocar-se a disposição para fazer o dia acontecer e dar os primeiros passos. É uma atitude que possui graus diferentes de dificuldades e, por maior que seja, é o melhor que temos a fazer para começar mais uma jornada.

E a gente, começa e recomeça, faz e refaz. Não tem jeito, a vida é assim e não somos mágicos. Possuímos ferramentas para realizar o que pretendemos e o que é necessário. Enfim, começar é o ato mais intrínseco ao viver; se assim não fosse, seriamos oriundos do mundo da fantasia. Vivemos na realidade concreta, onde o sentir, pensar e agir definem as nossas decisões e como as realizamos.

 Escrever não é diferente de tudo o que fazemos. A primeira palavra faz as ideias do escritor girarem como num redemoinho, chegando ao ponto de torná-lo tonto. É o processo criativo que exige sensibilidade. Mas será diferente daqueles repetitivos? A beleza dos dias está nesse ponto de bifurcação entre o comum e o extraordinário, que vai além do habitual. Por onde começar um texto? Se por um artigo ou conjunção, se por uma vírgula ou exclamação, se por um adjetivo ou substantivo.

Alguém me disse que o importante é começar por alguma coisa. É o mesmo que ter uma pia cheia de pratos, panelas e talheres. Vale a pena pegar o que estiver na frente e começar a lavar.

Será fácil o começar? Depende da disposição, da superação dos medos, da coragem para enfrentar as dificuldades. Começamos a vida com um choro forte!

Amigo leitor, começar assusta! Sempre depois da primeira iniciativa nos deparamos com o desconhecido, mesmo naquelas situações que fazem parte da rotina. No início da semana passada estava esperando minha filha no carro, peguei um pedaço de papel, uma caneta e me perguntei: o que vou escrever? Olhei para os lados, para o retrovisor e o verbo começar chegou devagar, como quem não quer nada, quase em tom de segredo e foi cochichando uma porção de ideias e fui escrevendo sem saber dos parágrafos seguintes. A vantagem do escrever é que podemos corrigir. Porém há situações que não podem ser reparadas ou revistas, que precisam ser pensadas de modo cuidadoso e planejado, muito menos sequer começar. Além disso, o acaso existe e pode se fazer presente depois de cada começo. Enfim, por sorte temos ao nosso favor a inteligência, que podemos usá-la para decidir a melhor forma de começar e realizar. Mas será que usamos a inteligência como poderíamos? Pensar, às vezes, pode dar uma preguiça danada. A criança e o adolescente sabem muito bem disso! E, vejam, temos vívidos a criança e o adolescente que fomos em cada um de nós!

O fazer literário tem responsabilidades, principalmente para quem escreve para crianças e jovens. Sim. Um texto somente começa a partir de uma ideia, a semente que vai germinar palavras, frases e parágrafos. Ao começar, o escritor deve estar ciente que vai tocar o leitor. Aliás, em tudo o que fazemos na vida, tocamos de alguma forma o outro. Apenas um olhar tem o poder de influenciar; é incisivo.

Começar é um ato de gratidão para conosco posto sermos seres de sequência, ou seja, nosso destino é construído através das relações de causas e consequências; cada começo dá prosseguimento às realizações dos anteriores. Começar a escrever um texto dá sentido ao ímpeto criativo do escritor que justifica sua existência como tal. Para mim, através do escrever exorcizo minhas emoções. Acho que escrevi este texto por superar o medo semanal de não saber como vou fazê-lo, de significar a minha pessoa no mundo, de me divertir com as palavras, da satisfação de ter a oportunidade de oferecer minhas ideias a alguém. E, se adentrar no meu inconsciente, vou aumentar a lista até o final da página.

Começamos porque somos seres de sentidos. E, por assim ser, findamos o que fazemos. Ih, o acabar está me cutucando e vai preencher outra coluna, que vai iniciar por um outro começar. Quem sabe eu vá esperar minha filha em outro lugar e... 

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Tereza Cristina Malcher Campitelli

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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