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A nobreza da ternura

segunda-feira, 02 de agosto de 2021

Ao ler o romance “O Lugar do Outro, de Janimary Guerra PeccI, nossa escritora friburguense, fui transportada aos bancos da universidade quando me especializava em Orientação Educacional, finalizando o curso de Pedagogia. Um dos suportes teóricos da formação foi a obra de Karl Rogers, psicólogo americano, que escreveu a respeito do processo terapêutico centrado na pessoa. Mantive seu livro, “Tornar-se Pessoa”, por um longo tempo sob meus olhos, uma vez que além de estudá-lo, fiquei sensibilizada com suas ideias.

Ao ler o romance “O Lugar do Outro, de Janimary Guerra PeccI, nossa escritora friburguense, fui transportada aos bancos da universidade quando me especializava em Orientação Educacional, finalizando o curso de Pedagogia. Um dos suportes teóricos da formação foi a obra de Karl Rogers, psicólogo americano, que escreveu a respeito do processo terapêutico centrado na pessoa. Mantive seu livro, “Tornar-se Pessoa”, por um longo tempo sob meus olhos, uma vez que além de estudá-lo, fiquei sensibilizada com suas ideias. Nessa etapa da minha formação, passei a perceber o outro com maior abertura de sentidos. Ao longo da especialização, que teve duração de dois anos, fizemos incontáveis exercícios que nos facilitaram a desenvolver esse nível de percepção. Ao dialetizar a interação entre a minha pessoa com o outro, percebi o surgimento de um gostoso sentimento decorrente do estar junto num mesmo espaço. 

Janimary apresenta como base do seu pensamento a história de Ana, sua personagem, que, além de tímida, sofre bullying na escola. Com um forte sofrimento e acanhada, ela se recolhe diante da turma. Ao tecer a trama, a autora, vai mostrando a perversa impostura através da falta de respeito ao outro.

Quando o olhar não ultrapassa os limites pessoais, o ambiente e o outro tornam-se imperceptíveis, a realidade fica limitada ao campo de sentimentos e intenções individuais. A pessoa que se mantém centrada em si mesma, olha ao seu redor, porém não vê nada além do seu egocêntrico querer. Com cegueira existencial, não capta com sensibilidade os fatos e pouco toma consciência dos acontecimentos em seus meandros e da presença do outro em seus pormenores. É um olhar simplista, incapaz de observar detalhes, uma vez que a pobreza de afeto restringe os modos de conviver e interagir com respeito, solidariedade e inteligência afetiva. Num grupo imaturo, apenas uma pessoa com tais características é capaz de enfraquecer e comprometer as relações interpessoais.

O bullying é um ato de emboscada que, inesperadamente, quem o pratica golpeia uma outra pessoa para fins fúteis, como autovalorização, divertimento e perversidade. Geralmente quem o recebe é impactado pelo susto e tomado por sentimentos incapacitantes que dominam toda e qualquer reação. O bullying deixa marcas nocivas, às vezes dilacerantes, que impedem que a pessoa seja quem ela é em sua plenitude.

A falta de reação ao bullying pode vir a aumentar sua ocorrência. Por sorte, hoje, é considerado um ato maléfico. Criminoso. 

Noutro dia conversei com uma amiga que me contou sua história de vida. Ela, irmã mais velha de cinco filhos, sentiu a necessidade de proteger sua mãe e irmãos menores quando seu pai se ausentou de casa. Sentindo a obrigação de defendê-los, descobriu que quando alguém vinha com “graça” para cima deles, ela, com inteligência, respondia da mesma forma e quem ficava se sentindo mal era esse alguém que não se “engraçava” mais.

Eu já fui mais boba e sofri, em vários momentos da minha vida, com brincadeiras, comentários e piadas maldosas, o que me embotou bastante. Mas, até hoje, por incrível que pareça, aos 67 anos, ainda estou aprendendo a lidar com essas situações que surgem inesperadamente. Que machucam. Inibem. 

Enfim. Gostei de ler o livro de Janimary e, mais uma vez, constatei que atitudes generosas engrandecem e trazem felicidade. Compadecer-se com as dificuldades de outra pessoa, revela nobreza de alma. A família e a escola devem preservar o altruísmo e a ternura entre os seus. É uma proposta desafiadora que vai exigir um trabalhoso cuidado de fazer com que seus filhos e alunos se tornem pessoas dignas.   

 

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Este não será o último poema

segunda-feira, 26 de julho de 2021

As oficinas literárias sempre nos oferecem temas para escrever. Nesta semana, Pablo, um amigo de oficina de escrita literária, me deu um motivo para elaborar minha coluna semanal. Mais um. Há poucas semanas, ele havia me enviado o texto “O Poeta e o Fantasiar”, de Freud, escrito em 1908. Ao ler, fiquei instigada em escrever a respeito e elaborei o texto “Beijo de Cetim”.

As oficinas literárias sempre nos oferecem temas para escrever. Nesta semana, Pablo, um amigo de oficina de escrita literária, me deu um motivo para elaborar minha coluna semanal. Mais um. Há poucas semanas, ele havia me enviado o texto “O Poeta e o Fantasiar”, de Freud, escrito em 1908. Ao ler, fiquei instigada em escrever a respeito e elaborei o texto “Beijo de Cetim”.

Nesta semana, ele falou a respeito da dor da perda. E, mais uma vez, fiquei tocada pelo tema. Os sentimentos que envolvem a situação de perda, sejam por causa de decisões, viagem, morte, entre tantos, são fortes. Tomam conta dos dias seguintes, invadem pensamentos e nos atingem em cheio. As emoções que preenchem a parte perdida não são próprias de um grupo social, nem de uma cultura, que cria vários ritos para externá-las. Este sentir é universal. A dor nos atravessa da mesma forma em qualquer tempo e lugar.

  A perda faz parte da vida e, consequentemente, a tristeza é o sentimento que se segue. Temos que lidar com ela para recompor a parte de nós que perdemos. Músicos, escritores, pintores e demais artistas buscam a arte como meio de extravasar a dor sofrida. Talvez pelo fato de sermos incompletos, precisamos de algo a mais que nos dê a sensação de completude. Até um animal cumpre essa função e, quando o perdemos, a dor nos veste de diversas formas. Geralmente, o dono busca um outro animal para suprir a sensação da ausência.

A folha de papel em branco é terapêutica e está sempre disponível a qualquer um, do padeiro ao maestro. Eric Clapton compôs “Tears in Heaven”, uma das mais belas músicas do século passado, depois de perder seu filho de quatro anos em 1991. Ah, como os poetas falam desta dolorosa sensação de privação, criando versos! Alguns cronistas citam a importância da perda nos processos de amadurecimento, uma vez que permitem que a pessoa aprenda a olhar de modo diferente para o viver. Uma vida sem perdas não é real.  

 

Soneto de Separação

                                        Vinícius de Moraes

De repente do riso fez-se o pranto

Silencioso de branco como a bruma

E das bocas unidas fez-se a espuma

E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

 

De repente da calma fez-se o vento

Que dos olhos desfez a última chama

E da paixão fez-se o pressentimento

E do momento imóvel fez-se o drama

 

De repente, não mais que de repente

Fez-se de triste o que se fez amante

E de sozinho o que se fez contente

 

Fez-se do amigo próximo o distante

Fez-se da vida uma aventura errante

De repente, não mais que de repente

 

A dor, decorrente da perda, é capaz de semear possibilidades, de transformar modos de sonhar e de realizar. Neste sentido, a saudade tem como iluminar o amanhã, uma vez que na ausência há um grito ao novo. A dor da perda não pode ser eterna. Tem que conter a energia, mesmo que através de flashes, da esperança. A poeta, Frida Khalo, faz emergir da sua dor palavras que resgatam a força de viver. “Bebia para afogar as mágoas, mas as malditas aprenderam a nadar”.

   Deixo, para finalizar, Fernando Pessoa que tão bem exprime o recomeçar.

Eu amo tudo o que foi

Tudo o que já não é

A dor que já não me dói

A antiga e errônea fé

O ontem que a dor deixou,

O que deixou alegria

Só porque foi, e voou

E hoje já é outro dia

 

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O fazer do livro: um processo de amor à literatura

segunda-feira, 19 de julho de 2021

A cada instante um tema me incita a escrever esta coluna semanal. Talvez, por isso, não seja repetitiva nas ideias e na construção delas. Ontem, arrumando minha estante de livros e folheando-os, comecei a pensar na energia que move a equipe que produz o livro, já que é resultado de um trabalho criativo realizado por diferentes profissionais, que se utilizam de conhecimentos e habilidades especializados, investem tempo e energias numa produção literária. 

A cada instante um tema me incita a escrever esta coluna semanal. Talvez, por isso, não seja repetitiva nas ideias e na construção delas. Ontem, arrumando minha estante de livros e folheando-os, comecei a pensar na energia que move a equipe que produz o livro, já que é resultado de um trabalho criativo realizado por diferentes profissionais, que se utilizam de conhecimentos e habilidades especializados, investem tempo e energias numa produção literária. 

O livro é um produto de consumo. Entretanto é um produto que enleva o humano que existe em cada um de nós e que vai beneficiar de alguma forma a integridade da vida. Não se confecciona um livro como se faz um relógio ou um porta-retrato. Os sentimentos que embasam o trabalho da equipe, que é interdisciplinar por essência, vão determinar a qualidade da obra. A começar pelo autor, o idealizador, pessoa que dá o crivo inicial ao projeto literário a partir de seus sentimentos, ideias e processos de criação. É um trabalho longo e delicado, que envolve várias etapas distintas, iniciado com a idealização do tema e finalizado com revisões cuidadosas do texto. 

Durante o trabalho de escrita há que se pesquisar, mesmo que seja limitado à leitura de obras em vários estilos literários, como estudo. Ah, o escritor tem que ser um estudioso de literatura, filosofia, medicina, dentre outras áreas do conhecimento. Enfim, a vida, em sua amplitude, precisa estar diante dos seus olhos para que desenvolva o texto com riqueza de detalhes. 

Saindo das mãos do escritor, outras mãos tecem o livro, compondo um trabalho de equipe continuado e diversificado. Também criteriosamente planejado e pesquisado. Assim, há a necessidade de o trabalho ser coordenado em suas etapas: projeto gráfico, ilustração, diagramação, prefácio, impressão gráfica, publicação material e virtual, divulgação e vendas. Até na leitura do texto em áudio.  Geralmente, é o autor ou o editor que vai dedicar atenção minuciosa ao trabalho de todos, em observância, principalmente, aos objetivos da obra.

Os profissionais se tornam compromissados com o livro através de uma relação que extrapola as ligações afetivas com o autor, que abrange, especialmente, a afinidade com o tema. É um fazer movido pelo respeito à liberdade de criação. Também pelo orgulho em participar do trabalho, não somente pelo conteúdo do texto, bem como pela presença dos outros profissionais, enquanto reconhecimento das capacidades individuais e histórico de realizações. 

Quando o livro fica pronto, todos estão enriquecidos, transformados e com motivos para saudar o trabalho concluído.

 

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Do concreto ao abstrato

segunda-feira, 12 de julho de 2021

Ao produzir textos em literatura infantil, o escritor deve considerar, em primeira instância, a idade do leitor para o qual está escrevendo. É um cuidado especial, uma vez que o pensamento infantil se transforma na medida em que a criança cresce. Os processos evolutivos da construção do pensamento estão fundamentados na dialética sentir, pensar e agir, bem como na experiência quotidiana e individual.

Ao produzir textos em literatura infantil, o escritor deve considerar, em primeira instância, a idade do leitor para o qual está escrevendo. É um cuidado especial, uma vez que o pensamento infantil se transforma na medida em que a criança cresce. Os processos evolutivos da construção do pensamento estão fundamentados na dialética sentir, pensar e agir, bem como na experiência quotidiana e individual.

Os adultos, de modo em geral, têm dificuldades para distinguir as diferenças entre o pensamento concreto e abstrato, além do que possuem pouco entendimento a respeito das capacidades cognitivas das crianças, que até os 12 ainda não estão prontas para apreender conceitos abstratos, como esperança e desilusão. Inclusive, o próprio adulto sente, por vezes, dificuldade para compreendê-los. Aliás, passamos a vida inteira aperfeiçoando nossos processos mentais.

As transformações cognitivas ao longo da infância provocam mudanças nos modos com que a criança se relaciona com as pessoas e interage com o ambiente. A dialética sentir, pensar e agir vai se tornando mais ampla com as experiências realizadas a cada etapa do crescimento, o que aumenta suas possibilidades de relacionamento e de interação. 

Há distinções entre as operações do pensamento concreto e do abstrato.

O pensamento concreto se desenvolve dos 7 aos 12 anos, quando a criança precisa da concretude dos fatos e da materialidade dos objetos, o que lhe permite compreendê-los e descrevê-los. Ou seja, é necessário que os objetos estejam presentes e os fatos façam parte da experiência imediata para que sejam percebidos através dos sentidos. Somente então, a partir destes processos perceptivos, a criança se torna capaz de estabelecer relações entre objetos, pessoas e fatos.

Vivenciei uma situação que pode exemplificar o pensamento concreto. Quando trabalhava como orientadora educacional com crianças de sete e oito anos em um colégio no Rio de Janeiro, as professoras me pediram para aprofundar a noção de tempo com elas, uma vez que não conseguiam realizar os exercícios no prazo previsto. Fiz algumas sessões de grupo em sala de aula, e as crianças, dispersas e agitadas, demonstravam dificuldades em abordar o assunto. Depois de três sessões, um menino se levantou e disse: preciso de um tempo pequeno para fazer xixi e de um maior para comer meu lanche. A partir de então, a turma conseguiu falar com maior desenvoltura sobre o tema.

A partir dos 12 anos, o pré-adolescente começa a elaborar o pensamento hipotético-dedutivo, quando as operações mentais requerem processos cognitivos mais complexos, que exigem associações de ideias e de sensações que vão além da materialidade dos objetos e da concretude dos fatos; suas capacidades cognitivas estabelecem relações entre os acontecimentos e as coisas sem precisar experimentá-las. Com a conquista do raciocínio abstrato, os adolescentes se tornam críticos, modificam os modos de interagir e de conviver. Querem experimentar o novo. 

 A literatura infanto-juvenil enriquece a experiência existencial da criança e do jovem. Entretanto, o livro tem que encantar o leitor, tocar em seus centros de interesse, e a leitura só se torna prazerosa quando está de acordo com as características da sua faixa etária. Um exemplo que posso apresentar é a do livro “O Pequeno Príncipe”. Certa vez, uma pessoa me disse que a cada etapa da sua vida apreendeu a leitura de uma forma, e só conseguiu compreender os sentidos do texto quando adolescente. E, até hoje, sempre que o relê, percebe um conceito mais profundo.

 O escritor infanto-juvenil deve pesquisar a respeito do desenvolvimento das habilidades cognitivas. Inclusive, se possível, ter acesso à obra de Piaget. Mesmo sendo um assunto de difícil entendimento, o autor não pode negligenciar esta complexa questão.

 

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A preguiça do escritor

segunda-feira, 05 de julho de 2021

Posso dizer? O escritor tem direito a um dia de preguiça. Sim, senhor! Não é
certo sentir-se culpado por não se sentar à frente de uma folha de papel diariamente e
escrever suas ideias, histórias ou até mesmo devaneios. Mas tem um momento, posso
confessar, que é de todo o seu direito, terminar o dia sem nada escrever. Nenhuma
palavra, sequer rabiscos. É natural que por algumas horas fique cansado de suas frases
e queira perambular que nem as nuvens brancas no céu. Rubem Braga, cronista

Posso dizer? O escritor tem direito a um dia de preguiça. Sim, senhor! Não é
certo sentir-se culpado por não se sentar à frente de uma folha de papel diariamente e
escrever suas ideias, histórias ou até mesmo devaneios. Mas tem um momento, posso
confessar, que é de todo o seu direito, terminar o dia sem nada escrever. Nenhuma
palavra, sequer rabiscos. É natural que por algumas horas fique cansado de suas frases
e queira perambular que nem as nuvens brancas no céu. Rubem Braga, cronista
capixaba, um dos melhores cronistas brasileiros, admirava, entre uma crônica e outra,
o vagabundear das nuvens do céu de Ipanema. Ah, como são deliciosos esses
momentos.

É até possível que esses tempos, em que nos lambuzamos do nada, possam nos
trazer criatividade. Seja na leitura e na escrita, seja em conversas e observações, nós,
que fazemos do uso das palavras nossa atividade de maior importância, estamos
sempre em processo de criação literária e de estudos históricos, filosóficos e artísticos,
dentre tantas outras áreas do conhecimento e da atividade humana. E não é que,
noutro dia, dei para saber de astronomia? Não paramos, nem dormindo, uma vez que
o cérebro trabalha initerruptamente. Este, sim, é o operário modelo! Talvez, por isso,
eu me conceda o direito ao repouso.
Mas, hoje, quero flanar. Ver navios e gaivotas. Meu pensamento está com sono e
minhas ideias estão adormecendo. Não quero acordá-las, nem jogar sobre elas um
balde de água morna. Fria?! Seria uma impostura.
Por isso, vou deixar aqui apenas esta sensação. Que não é de birra, nem de
desmaio. É de relaxamento. Ao invés de escrever, vou dançar ao som do violino ou
escutar o som misturado das vozes dos deuses do Olimpo, que ficam confabulando
sobre lendas e vidas. Tenho certeza de que os deuses também têm seus dias de
preguiça e queiram se relaxar ao sol e aproveitar a sensação de eternidade.
Como o amanhã será vindouro, tão firme e tão forte, vou estar disposta a
continuar a labuta literária. O escritor é como o músico, dançarino ou o trapezista, ele

precisa, além de elaborar textos, de exercitar-se para aperfeiçoar-se, já que é um
imperfeito construtor.

Estou escrevendo esta coluna com a suavidade das borboletas e a rapidez das
lebres, uma vez que não estou me pondo a pesquisar. Aliás, poderia até fazê-lo para
abordar este momento de preguiça com esmero. Se bem que vou confiar nas minhas
sensações, no que estão me dizendo e até mesmo conceituando a vontade de voar
sobre todas as palavras do mundo. E de conquistar, como os rebeldes, o sono da paz.
Até a próxima semana!

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A literatura salva. Liberta

segunda-feira, 28 de junho de 2021

Há sete semanas, escrevi a coluna “As Estranhezas dos Novos Tempos” em que abordei o fato de uma prima ter falecido, e, sua filha, levado as cinzas da mãe para casa, tendo a finalidade de esperar o momento propício para lançá-las em algum lugar ao lado de pessoas da família, que moram em outros estados. Em tempos de pandemia este momento pode demorar meses.

Há sete semanas, escrevi a coluna “As Estranhezas dos Novos Tempos” em que abordei o fato de uma prima ter falecido, e, sua filha, levado as cinzas da mãe para casa, tendo a finalidade de esperar o momento propício para lançá-las em algum lugar ao lado de pessoas da família, que moram em outros estados. Em tempos de pandemia este momento pode demorar meses.

O ato de trazer as cinzas para casa me tocou, e confesso que fiquei carregada de dúvidas e apreensões. Ao escrever a coluna, fiz várias reflexões a respeito do findar e fui concluindo que conservar os retos mortais de alguém com quem convivíamos e amávamos em algum local onde habitamos, como na gaveta do armário, é uma decisão complexa e dolorosa. É uma forma de negar a perda, transformando o morto em eterno vivo.

Tive a oportunidade de compreender que aceitar a morte com serenidade nos torna mais aptos a lidar com esta única certeza da vida, e, portanto, a partida de um ente querido deve ser vivenciada em sua concretude real; a pessoa falecida deixa de existir. Porém é saudável que permaneça presente nas lembranças e sentimentos dos familiares, amigos e outros que a conheciam.

Alguns dias depois, conversei com uma amiga a respeito, e ela me disse que gostaria de ler o que eu havia escrito porque seu marido guardava há anos as cinzas do seu querido cachorro na gaveta da escrivaninha. Enviei-lhe a coluna. Em pouco tempo, ela me ligou, dizendo que o tinha convencido de jogar as cinzas do Simba no canteiro de uma praça perto de onde moramos, uma vez que o cão adorava passear lá.

No dia marcado, eles fizeram uma cerimônia simples e carregada de emoções. Eles espalharam as cinzas com ternura e ficaram em silêncio. 

Minha amiga exclamou quando as cinzas se dispersaram no ar e caíram sobre as raízes de uma árvore:

- Ele se libertou da caixa. Nós nos libertamos também.

O marido dela, também meu amigo, suspirou.

- Estou aliviado. 

Eles voltaram para casa sem falar, e eu não parava de pensar no poder da literatura.

 

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Era uma vez

segunda-feira, 21 de junho de 2021

As oficinas literárias suscitam questões a serem pesquisadas e refletidas.
Nosso grupo se propôs a escrever contos infantis e houve, antes do encontro,
troca de textos para leitura crítica e apresentação de sugestões entre os
participantes. Recebi um que tratava da expressão “era uma vez”. Entrei em
contato com Marisa Maia, escritora e contadora de histórias da região serrana
de Nova Friburgo e recebi um presente: a aula de uma mestra.
“Era uma vez”, expressão tradicional, usada desde o século XIV, é

As oficinas literárias suscitam questões a serem pesquisadas e refletidas.
Nosso grupo se propôs a escrever contos infantis e houve, antes do encontro,
troca de textos para leitura crítica e apresentação de sugestões entre os
participantes. Recebi um que tratava da expressão “era uma vez”. Entrei em
contato com Marisa Maia, escritora e contadora de histórias da região serrana
de Nova Friburgo e recebi um presente: a aula de uma mestra.
“Era uma vez”, expressão tradicional, usada desde o século XIV, é
utilizada em diferentes países atualmente; é universal. Pode ser entendida
como um código estabelecido para o leitor ou o ouvinte entrar no mundo
imaginário das histórias, contadas através de narrativas orais e escritas. É
como se fosse um convite a uma visita a um outro lugar, o do faz de conta,
onde tudo pode acontecer e a fantasia tem o seu reinado. Não está localizado
na realidade concreta dentro da qual as pessoas estão inseridas.
“Era uma vez” é como se fosse um portal que separa o real do imaginário.
É uma permissão para o ouvinte fantasiar, tendo a finalidade de criar a
impressão de que ele será transposto para o mundo imaginário de uma
história.
Contar uma história no decorrer de uma conversa é bem diferente do que
narrá-la em uma situação de contação, quando um acontecimento, situado e
circunscrito em um ambiente ficcional, é relatado através de uma narrativa, em
que o contador poderá se utilizar de elementos lúdicos, teatrais e simbólicos
para melhor encantar o público.
Tal expressão pode ser equiparada a outras, como “naquele tempo” ou
“certa feita”. São importantes para que o contador e o ouvinte mudem de
postura; o ouvinte abra seus canais de absorção, e o contador prepare-se para
ser o intermediário entre a história e o ouvinte, tendo a missão de apresentar,
de modo mais encantador possível, um conto, uma lenda, um causo ou uma
fábula.

O ouvinte e o leitor precisam ter ciência de que o mundo em que eles
vivem é diferente do da história. A criança, principalmente, deve ser capaz de
diferenciar a realidade concreta da imaginária. Entretanto, os personagens das
histórias tendem a se tornar entidades significativas nos seus processos de
construção da identidade individual e de compreensão do mundo. A
desenvoltura na passagem do real ao imaginário faz parte do fazer-se pessoa,
enquanto ser de interações, realizações e convivência.
“Era uma vez” é amplamente usado e pode ser traduzido em idiomas:
Afrikaans: Eendag Lank Gelede
Alemão: Es war einmal
Espanhol: Había uma vez
Francês: Il était uma fois
Inglês: Once upon a time
Japonês: Mukashi mukashi
Norueguês: Det var en gang
Theco: Bylo nebylo

***

Aliás, meu amigo, haverá um lugar no mundo onde não se contam
histórias?
Como seriam as pessoas deste lugar?
Você gostaria de viver lá?

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Tempo de amar

segunda-feira, 14 de junho de 2021

Nosso calendário cuida das datas simbólicas durante o ano, e, no mês de
junho, comemoramos o Dia dos Namorados, dia em que os apaixonados saem
de mãos dadas sob as estrelas e o luar.
A literatura comemora o amor entre amantes durante o ano inteiro, ao
oferecer ao mundo romances como O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald,
Amor nos Tempos do Cólera, de Gabriel Garcia Marques, Diário de uma
Paixão, de Nicholas Sparks, e de milhares de outras belas e intensas histórias.
As poesias inundam o amor com doçura, como Cisnes, de Julio Salusse,

Nosso calendário cuida das datas simbólicas durante o ano, e, no mês de
junho, comemoramos o Dia dos Namorados, dia em que os apaixonados saem
de mãos dadas sob as estrelas e o luar.
A literatura comemora o amor entre amantes durante o ano inteiro, ao
oferecer ao mundo romances como O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald,
Amor nos Tempos do Cólera, de Gabriel Garcia Marques, Diário de uma
Paixão, de Nicholas Sparks, e de milhares de outras belas e intensas histórias.
As poesias inundam o amor com doçura, como Cisnes, de Julio Salusse,
Casamento, de Adélia Prado, Soneto da felicidade, de Vinícius de Moraes. Não
podemos nos esquecer da poesia presente nas músicas, como Amor I Love
You, de Marisa Monte, Chega de Saudade, de Vinícius de Moraes e Tom
Jobim, Você é linda, de Caetano Veloso.
Os textos, sejam em prosa ou poesia, guardam os mais fortes
sentimentos amorosos, mostrando como da alegria à sofrência o amor se faz
presente de modo especial na vida de cada um. Lendo e experimentando o
amar através da literatura, podemos perceber como é possível intensificar os
afetos saudáveis, minimizar as dificuldades no relacionamento ou superar as
dores inevitáveis.
Junho pode ser um tempo doce para quem tem seu amado ao lado, um
tempo saudoso para quem o perdeu. E esperançoso para quem sonha
amorosamente com alguém. De todo modo, os sentimentos decorrentes do
amor fazem parte da vida. Triste é quem não os sentiu. Infeliz é quem os nega
ter. Sublime é quem os permite experimentar.
Para abraçar os amantes, deixo aqui dois sonetos.

Soneto de Fidelidade

Vinícius de Moraes

De tudo, ao meu amor serei sereno
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto

Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em louvo hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ao seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama.

Eu possa me dizer (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

 

Cisnes

Julio Salusse

A vida, manso lago azul algumas
Vezes, algumas vezes mar fremente,
Tem sido para nós constantemente
Um lago azul sem ondas, sem espumas.

Sobre ele, quando, desfazendo as brumas
Matinais, rompe um sol vermelho e quente,
Nós dois vagamos indolentemente,
Como dois cisnes de alvacentas plumas.

Um dia um cisne morrerá, por certo:
Quando chegar esse momento incerto,

No lago, onde talvez a água se tisne.

Que o cisne vivo, cheio de saudade,
Nunca mais cante, nem sozinho nade,
Nem nade nunca ao lado de outro cisne!

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Será que a literatura pode fazer mal ao leitor?

segunda-feira, 07 de junho de 2021

Esta semana participei de uma discussão inédita no Clube Clássicos da Literatura, idealizado e coordenado por Márcia Lobosco, quando avaliávamos as repercussões que a leitura fez na vida da personagem Emma, da obra Madame Bovary, de Gustave Flaubert(*): será que a literatura pode prejudicar o leitor? 

Confesso que fiquei tomada pela pergunta ao longo da noite. Até agora, dois dias depois, para dizer a verdade. Sempre me detive nos aspectos positivos da literatura. Mas será que, por alguma razão, ela pode não fazer bem?

Esta semana participei de uma discussão inédita no Clube Clássicos da Literatura, idealizado e coordenado por Márcia Lobosco, quando avaliávamos as repercussões que a leitura fez na vida da personagem Emma, da obra Madame Bovary, de Gustave Flaubert(*): será que a literatura pode prejudicar o leitor? 

Confesso que fiquei tomada pela pergunta ao longo da noite. Até agora, dois dias depois, para dizer a verdade. Sempre me detive nos aspectos positivos da literatura. Mas será que, por alguma razão, ela pode não fazer bem?

Apesar de todas as circunstâncias poderem ser analisadas sob os pontos de vista do bem e do mal, tenho preocupações em não ficar na dualidade simplista do pensamento maniqueísta, haja vista que a literatura tem amplitude e toma os fatos da vida humana e natural com generosidade, tal qual um abraço carregado de afetos.

Talvez dois pontos de vista possam me alicerçar o pensamento neste momento, a do escritor e a do leitor. O que pode existir nessa relação? Há longos caminhos entre o inusitado e o incrível, entre o previsível e o imponderável. Entre o pensamento de um e de outro, tudo pode influenciar. Além do que entre o escritor e cada um dos seus leitores existem interações únicas. Ah, está aí a magia da literatura! Enquanto o texto é escrito, o autor é seu dono. Mas quando está pronto e disposto ao mundo, o leitor se torna proprietário soberano da obra.  

Ao escrever, o escritor faz do texto o que tiver vontade; pode construí-lo, ou modificá-lo quantas vezes que quiser. Até guardá-lo na gaveta. Ao ler, o leitor o utiliza do modo que decidir; pode escolher as raízes de uma árvore para se acomodar ou uma poltrona da varanda para ler o texto, se em forma de livro, jornal, revista ou manual. Pode repousá-lo na mesinha de cabeceira para lê-lo antes de dormir ou acordar. Pode passar o texto adiante ou esquecê-lo no banco da praça. 

O escritor e o leitor possuem uma gama de opções. Têm livre arbítrio. 

Porém, os modos pelos quais uma ideia nasce e se converte em obra literária são únicos e emergem de características especiais na história de vida de um vivente, que, por acaso ou não, decide escrever um texto. Da mesma forma, um leitor possui genuínos e diversos motivos para escolher e deter-se em uma leitura, retirando ideias de suas linhas que toquem em seus interesses, medos e formas de viver. 

    Se um texto possa vir a ser fortuito ou não na vida de um escritor ou de um leitor depende de questões pessoais. Como escritora, não gostaria de escrever histórias de terror. Como leitora, vou ter medo de ver os fantasmas que um escritor criou. 

Não é que agora senti vontade de escrever uma história? Vou começar a dançar sobre o tapete da minha sala, quem sabe ele não saia pela janela e sobrevoe as praias do Mediterrâneo? 

 

(*) Emma vivia numa pacata cidade no interior da França e, desde jovem, lia revistas e livros que abordavam a glamurosa vida de Paris. A leitura, o casamento e outras razões pessoais criaram insatisfações na personagem a ponto de torná-la inadaptada às circunstâncias nas quais estava inserida.

 

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A literatura faz a ciência voar

segunda-feira, 31 de maio de 2021

A ciência e a literatura são áreas antagônicas que se encontram desde a Antiguidade. A literatura, enquanto cuidadora do emprego das palavras e versátil no uso da linguagem, foi usada pelos três grandes campos do conhecimento científico, os das ciências humanas, biológicas e exatas, como comunicação das descobertas, teorias, princípios e relações observados e constatados. Nesta relação, coube à literatura cuidar da preservação da neutralidade, da isenção de opiniões e posicionamentos ideológicos.

A ciência e a literatura são áreas antagônicas que se encontram desde a Antiguidade. A literatura, enquanto cuidadora do emprego das palavras e versátil no uso da linguagem, foi usada pelos três grandes campos do conhecimento científico, os das ciências humanas, biológicas e exatas, como comunicação das descobertas, teorias, princípios e relações observados e constatados. Nesta relação, coube à literatura cuidar da preservação da neutralidade, da isenção de opiniões e posicionamentos ideológicos. A ela, caberia apenas, a função de revelar, através da narração e descrição objetiva dos fatos.

Deste modo, o conhecimento científico, sendo resultante da percepção e reflexão objetiva dos fatos, das suposições e constatações fundamentadas pela pesquisa, necessita da expressão literária, composta pela informalidade, pelo pensamento livre e criativo. Apesar de serem dois trabalhos intelectuais distintos, por conseguinte contraditórios, tiveram que se adequar através da dialética ao longo do tempo, ou seja, as demandas criadas pelas ciências acabaram por determinar as possibilidades literárias. 

A ciência possui um corpo de saber produzido por homens livres, que, por opção própria e de acordo com os centros de interesse individuais, debruçaram-se sobre o exercício da investigação e descoberta dos fatos da natureza física, biológica e humana. O resultado do trabalho científico tem natureza comunicável, capaz de beneficiar a todos os seres deste planeta. É, portanto, extensiva, capaz de aprimorar a história e a cultura da civilização humana.

Ante a ciência, a literatura renuncia aos diversos gêneros, como o romance, a poesia ou a crônica, para, através da prosa objetiva, falar de seus estudos. O cientista não tem comprometimento estético, não se sensibiliza com a beleza no emprego das palavras. É objetivo. Já o literato, motivado pela imaginação, vai além da realidade concreta. É subjetivo e sustentado pela sensibilidade.

Geralmente o cientista é o escritor dos seus trabalhos. Naturalmente, ele lida com a complementariedade que interliga a ciência à literatura. Enquanto cientista, é inquieto, está pronto para ir além na construção do saber. Enquanto literato, ele pode reconhecer as possibilidades e limites do texto.

As disciplinas científicas são cativantes e belas. Como Darwin, Lavoisier, Freud, Dürkheim, Piaget, Einstein e milhares de outros cientistas fizeram seus trabalhos alçarem voo através da literatura. Usando palavras, transformaram o mundo.

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