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A poesia chora, clama paz
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
Estou tocada com Mário de Andrade por vários motivos. O primeiro é que distamos cem anos da Semana de Arte Moderna e sentimos que a arte produzida na época tem atualidade. A seguir, parece que o escritor escreveu, em abril de 1917, para os tempos atuais o livro “Há uma gota de sangue em cada poema”. Em plena Primeira Guerra Mundial, ele extravasa seus sentimentos e critica os horrores vividos pela população e defende a paz. Guerra nada mais é do que uma matança generalizada daqueles que não decidiram fazê-la.
Nesta segunda década do século XXI vemos a cruel guerra da Rússia contra a Ucrânia. Certamente, Mário de Andrade faria das suas palavras lágrimas de sangue ao ver pessoas saindo das suas cidades, carregando quase nada dos pertences, deixando suas vidas, seus lares. Quantos animais ficaram abandonados? Ao saber do número crescente de jovens que morrem e ao ver cidades inteiras construídas transformadas em montes de restos de cimento e objetos, ele certamente dedicaria a poesia “Exaltação da Paz” aos ucranianos. Eis as primeiras estrofes:
Ó paz, divina geratriz do riso,
Chegai! Ó doce paz, ó meiga paz,
sócia eterna de todos os progressos,
estendei vosso manto puro e liso
por sobre a terra que se esfaz!
Ó suave paz, grandiosa e linda,
chegai! Ponde, por sobre os trágicos sucessos,
dos infelizes que se digladiam,
vossa varinha de condão!
Tudo se apague! Este ódio, esta cólera infinita!
Fujam os ventos maus, que ora esfuziam;
Que vos ouça a voz, não o canhão!
Ó suave paz, ó meiga paz...
O diálogo, a arte debater e confrontar ideias, interesses e necessidade ainda é um processo a ser conquistado e aprimorado pelas pessoas deste planeta. Ainda a percepção de humanidade não foi alargada o suficiente para engrandecer o relacionamento entre homens e nações. Ainda os interesses financeiros se sobrepõem à vida. Ainda há indiferença ao sofrimento alheio.
Talvez Mário de Andrade, milhares de homens e mulheres, tantas pessoas como eu sejamos ingênuos ao refutar a ideia de que a guerra é necessária para a conquista da paz. Quanta desesperança sinto ao ver a humanidade aperfeiçoar seus métodos e técnicas de guerra.
Shakespeare me vem para fechar esta coluna: “Em tempo de paz convém ao homem serenidade e humildade; mas quando estoura a guerra deve agir como um tigre.”
Por quanto tempo a poesia “Exaltação da paz” terá atualidade? Infelizmente quantas vezes responderei a esta pergunta e aceitarei a premissa de bardo inglês como sábia?
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
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