Um antigo poema a ser recitado sempre

Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 18 de abril de 2022

Ontem, terça-feira, dia 12 de abril de 2022, tive a alegria de falar a respeito do poema “Cisnes...” na Livraria Macondo, durante o lançamento do livro Cisnes e outros poemas de Júlio Salusse”, patrono da Academia Friburguense de Letras, por ela editado. 

“Cisnes...”, no final do século XIX e início do século XX, traduzido para mais de trinta idiomas, foi um dos poemas mais recitados no mundo. Infelizmente, agora, está esquecido, guardado em estantes, quando deveria ser declamado com frequência pelos quatro cantos do planeta. 

Ao preparar a apresentação refleti sobre os sentimentos que envolvem o amar. “Cisnes...” é um poema de amor. Amor. Palavra banalmente usada, todavia, guarda tamanha grandeza e plenitude, sendo quase impossível expô-lo através de palavras. Aliás, o amor não é dito. É apenas sentido. Vivenciado. 

Passei um tempo me perguntando por que o poeta incluiu reticências no título. De um modo geral, o autor se utiliza das reticências para expressar uma emoção forte ou indicar uma omissão de algo significativo que não quer ou nem mesmo consegue revelar. Em “Cisnes...”, caso o leitor passe despercebidamente pelo título, deixa de notar o portal à imaginação que esta pontuação sutilmente representa, deixa de mergulhar no sentimento de amar e experimentar as imagens, as sensações e os sonhos que podem surgir livremente. Ah, o amor suscita devaneios... E, por que não nos deixarmos levar pelas sensações que nos dão a vida? Júlio poderia estar sob fortes emoções amorosas ao compô-lo. E o leitor, certamente, ao perceber a sutilidade do título terá oportunidade de ir ao encontro dos próprios afetos. 

A beleza do soneto está na fidelidade, no compromisso que o amor suscita. Sim, quem ama se responsabiliza pela pessoa a quem se afeiçoa. É um sentimento que se sustenta na veracidade do sentir, na lealdade para com o parceiro, na constância do estar presente.  Caso o amor seja banalizado é porque este nobre modo de sentir inexiste ou quem o coisifica não conhece o seu significado. Quem ama sabe honrar o outro, vivencia um sentimento envolvente e sente vontade de experimentá-lo com merecimento.  

Quem vive ama! Amamos pessoas. Amamos animais. Amamos objetos. Amamos projetos. Amamos a nós mesmos. Amamos a natureza. Enfim, tudo e todos são passíveis de ser amados. E aí está o grande desafio que a vida nos apresenta: aprender a amar.  Quem se nega a amar ou se fecha ao amor, deixa de viver. Morre em vida, o pior modo de findar. 

Ontem, no lançamento, conversei com uma amiga, já idosa, que me disse ter sido feliz porque amou tudo o que teve e o que viveu. Que tudo o que fez foi consequência das suas opções. Ana Claudia Quintana Arantes em “A morte é um dia que vale a pena viver” nos disse que os momentos finais da vida revelam o modo como vivemos. Ou melhor dizendo, como vivenciamos o amor vida afora.

Fecho a coluna com o soneto “Cisnes...” para que os leitores possam viajar pelos meandros do amor.

A vida, manso lago azul algumas

Vezes, algumas vezes mar fremente,

Tem sido para nós constantemente

Um lago azul sem ondas, sem espumas...

 

Sobre ele, quando, desfazendo as brumas

Matinais, rompe um sol vermelho e quente,

Nós dois vagamos indolentemente,

Como dois cisnes de alvacentas plumas!

 

Um dia um cisne morrerá, por certo:

Quando chegar esse momento incerto,

No lago, onde talvez a água se tisne,

 

Que o cisne vivo, cheio de saudade,

Nunca mais cante, nem sozinho nade,

Nem nade nunca ao lado de outro cisne...

 

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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