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A troca de afetos no final de ano

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Hoje vou falar da literatura que acontece na vida, das palavras que não
são escritas, mas ditas espontaneamente, dos gestos que não são descritos,
porém expressos com naturalidade. A literatura corre pelos meandros das
relações afetivas entre os seres deste planeta azulado, a safira do sistema
solar.
Nesta época do ano, a afetividade está aflorada e manifesta de formas
diferentes. O olhar e o sorriso ganham um brilho especial, os braços parecem
ficar maiores para acolher o outro e os beijos mais estalados. Os acenos mais

Hoje vou falar da literatura que acontece na vida, das palavras que não
são escritas, mas ditas espontaneamente, dos gestos que não são descritos,
porém expressos com naturalidade. A literatura corre pelos meandros das
relações afetivas entre os seres deste planeta azulado, a safira do sistema
solar.
Nesta época do ano, a afetividade está aflorada e manifesta de formas
diferentes. O olhar e o sorriso ganham um brilho especial, os braços parecem
ficar maiores para acolher o outro e os beijos mais estalados. Os acenos mais
vibrantes. Até as lágrimas deixam-se correr facilmente pelas faces.
Os afetos contornam a vida através de um esforço esperançoso para que
as coragens e as disposições nos animem frente aos desafios do tempo que
estão por vir. Nos últimos dias do ano, há questões pendentes a serem
resolvidas, acenos de despedidas, relações a serem comemoradas e
resgatadas, motivos para celebrar a vida. É um tempo de finalização ante o
novo ano que vai chegar.
Tenho sentido isso nas trocas de mensagens de Natal, já que os cuidados
com a saúde nos exigem certa distância. As emoções, mesmos que tocadas
pelo Covid-19, explodem constantemente em nossos afetos. Ah, somos seres
de sentimentos, cercados por tantos outros, como os animais e as plantas.
Somos uma vida dentre tantas que fazem os sentimentos borbulharem do
nascer ao pôr-do-sol.
O vermelho vibrante, como a intensidade do sangue, surge nas
mensagens às pessoas queridas, possibilitando a troca de bons afetos e
desejos. É prazeroso construir, enviar e receber mensagens. Os cartões de
Natal, encaminhados pelos correios, deixaram de existir faz tempo, os virtuais
tomaram conta da internet porque as pessoas continuam a sentir necessidade
de trocar afetos neste final de ano. É um intercâmbio que alimenta a alma
porque nos faz sentir amados. Os modos de amar estão sendo modificados
pela modernidade, mas o amor ainda não pereceu. Continua a manter-se vivo,

pronto para interagir, enquanto força que revitaliza nossas energias e fortalece
nossos elos com a vida. Salva-nos!
O Natal se caracteriza por uma energia forte que emana do interior de
cada ser vivo. Os animais também fazem parte do Natal, tal qual as plantas.
Inclusive o pinheiro e a rena são símbolos marcantes deste tempo.
Que neste final de ano, a troca de afetos seja como um óleo que unte
nossas forças para trilharmos os caminhos de 2022.

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Todavia

segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Lendo a biografia de Woody Allen eu me deparei com uma afirmação que
é contrária ao que tenho lido e escutado ao longo de anos. “Você pode viver
até os cem anos se abandonar todas as coisas que fazem com que você queira
viver até os cem anos.” Parei, olhei para o teto revirando os olhos em várias
direções, mas sem nada ver, apenas pensando. De repente, minhas ideias se
aproximaram da letra do samba, gravado por Zega Pagodinho, “Deixa a vida
me levar”.
Essas proposições trazem toques de sabedoria porque a vida tem

Lendo a biografia de Woody Allen eu me deparei com uma afirmação que
é contrária ao que tenho lido e escutado ao longo de anos. “Você pode viver
até os cem anos se abandonar todas as coisas que fazem com que você queira
viver até os cem anos.” Parei, olhei para o teto revirando os olhos em várias
direções, mas sem nada ver, apenas pensando. De repente, minhas ideias se
aproximaram da letra do samba, gravado por Zega Pagodinho, “Deixa a vida
me levar”.
Essas proposições trazem toques de sabedoria porque a vida tem
grandezas que os projetos individuais não conseguem vislumbrar e abraçar em
maior profundidade. Se somos seres de decisões e, de fato, somos, estamos
diariamente direcionando nossos destinos, na maioria das vezes, às rédeas
curtas. Ora veja, se deixamos a vida nos levar, nossos canais perceptivos se
abrem e captam outras possibilidades, como largar os afazeres, tomar um
sorvete durante a tarde e deixar-se levar pelo prazer daquele instante.
A letra desse samba (na verdade, sua autoria não é do Zeca Pagodinho,
e sim do sambista Serginho Meriti) tem preciosidades. Olhem isso. Todo
mundo canta o refrão da música, recita a estrofe diversas vezes,
principalmente quando a melodia dá para entrar na nossa cabeça e nos faz
cantarolar. Porém, meus amigos, não sabemos do restante da letra. Ficamos
fixados em poucos versos e deixamos escapar outros que podem nos ser
proveitosos. “Confesso que sou\ de origem pobre\ mas meu coração é
nobre\Foi assim que Deus me fez\.... Sou feliz e agradeço\Por tudo que Deus
me deu.
Naquele momento em que rodopiei meu olhar pelo teto, talvez quisesse
saber o que a vida me deu de presente e eu não valorizei. Nem reconheci.
Estou sempre preocupada no que tenho que fazer, entretanto não penso no
que eu não tenho de fazer, o que poderia muito me acrescentar.
Não sei se vocês perceberam, estou substituindo a conjunção “mas” por
outras. Por que não costumo usar “todavia”, “contudo”? Se depois de uma

dificuldade, fizer questão de empregar “todavia”, vou me deparar com a
esperança, com a luz no final do túnel. Quero me chamar Tereza Todavia! Por
que não?
Não poderia deixar de me lembrar da poesia “Instantes”, de autoria de
Nadine Stair, que vai ilustrar o meu sentimento de apenas querer viver.
Se eu pudesse viver novamente a minha vida,
na próxima, trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito,

relaxaria mais. Seria mais tolo ainda do que tenho sido.
Na verdade, bem poucas coisas levaria a sério.
Seria menos higiênico. Correria mais riscos,
viajaria mais, contemplaria mais entardeceres,
subiria mais montanhas, nadaria mais rios.
Iria a lugares onde nunca fui,
tomaria mais sorvete e menos lentilha.

Teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.
Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata
e produtivamente cada minuto da vida:
claro que tive momentos de alegria.
Mas, se pudesse voltar a viver,
trataria de ter somente bons momentos.

Porque, se não sabem, disso é feito a vida, só de momentos;

não percam o agora.
Eu era um desses que nunca ia
a parte alguma sem um termômetro,

uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um paraquedas;

se voltasse a viver viajaria mais leve.
Se eu pudesse voltar a viver,

começaria a andar descalço no começo da primavera
e continuaria assim até o fim do outono.
Daria mais voltas na minha rua,

contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças,

se tivesse outra vida pela frente.

Mas, já viram, tenho 85 anos e sei que estou morrendo.

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Você escreve “historinhas” ou “livrinhos” para crianças?

segunda-feira, 06 de dezembro de 2021

Volta e meia eu me deparo com essa pergunta: você escreve “historinhas”
ou “livrinhos” para crianças? Um arrepio me vai dos pés à cabeça. Os textos
infantis com valor literário são extremamente difíceis e delicados de serem
construídos, e quem escreve para crianças e jovens precisa considerar alguns
fatores relevantes.
É razoável que o escritor infanto-juvenil tenha em mente que as histórias
direcionadas a esse grupo de leitores tenham caráter literário por excelência.
Quero dizer que não podem ser mescladas por intenções pedagógicas, nem

Volta e meia eu me deparo com essa pergunta: você escreve “historinhas”
ou “livrinhos” para crianças? Um arrepio me vai dos pés à cabeça. Os textos
infantis com valor literário são extremamente difíceis e delicados de serem
construídos, e quem escreve para crianças e jovens precisa considerar alguns
fatores relevantes.
É razoável que o escritor infanto-juvenil tenha em mente que as histórias
direcionadas a esse grupo de leitores tenham caráter literário por excelência.
Quero dizer que não podem ser mescladas por intenções pedagógicas, nem
tendenciosas, como por questões raciais, políticas ou religiosas. Mesmo tendo
consciência de que tais questões possam se fazer presentes na construção da
trama, elaborar um texto com intenções pré-definidas direciona a história a
determinados caminhos, o que pode comprometer sua qualidade literária. Se o
sentimento do escritor está delineado pelo universo indígena, a história dos
personagens índios e não índios deve ser elaborada de acordo com a
inspiração, afetos e intuições do autor.
De fato, ao respeitar os princípios literários, os textos podem ser lidos por
pessoas de todas as idades, épocas e lugares. A literatura é universal. Porém,
se para tocar mais especificamente o público infantil, a idade deve ser
considerada, até porque o leitor tem seus centros de interesse condizentes
com a experiência de vida e escolaridade. Gostaria de trazer, como exemplo,
as obras “Pinóquio”, “Alice no País da Maravilhas”, “Cinderela”, populares
contos de fadas populares que sobreviveram ao tempo. Será que as histórias
de Monteiro Lobato cairão no esquecimento? Permanecerão vivas aos olhos de
diversificados leitores? E a “Bolsa Amarela” de Lygia Bojunga?
Outro aspecto a ser ponderado é a linguagem. O leitor não tem que ser
seduzido para mergulhar na leitura? Será que uma criança de oito anos vai se
interessar por textos que empreguem vocabulários mais complexos, que lhe
exijam níveis de entendimento mais amplos? Como Guerra e Paz, de Tolstói?
Dom Casmurro, de Machado de Assis? Não é mais fácil um leitor adulto ter
vontade de ler “O Gato e o Escuro”, de Mia Couto, do que uma criança se

debruçar sobre “Um Rio Chamado Tempo, uma casa Chamada Terra” do
mesmo autor? Belíssima obra, por sinal.
Como foi desafiador para Andrea Viviana Taubman escrever “Meu Amigo
Partiu”, que conta a história de um menino que perdeu seu melhor amigo.
Quando escrevi “Aventureiros da Serra”, conto infantil que aborda o câncer
infantil, fiz um delicado trabalho de escrita para adequar a linguagem ao leitor
juvenil.
Quem escreve para crianças e jovens tem responsabilidades, dado que a
literatura infanto-juvenil influencia a formação do caráter, os processos de
amadurecimento e construção de identidades, os padrões de convivência e
conduta. Não se escreve de qualquer forma um tema que venha à mente. É
importante ter critérios com o que se vai e como contar para alguém que está
começando a aprender a viver.
Será mesmo a literatura infantil feita de livrinhos e historinhas?
Ou resultado de um projeto literário sério, criterioso e cuidadosamente
trabalhado?

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Em busca pelo sentido da vida

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Ao acabar de ler “Anna Kariênina”, de Liev Tolstói, no Clube de Leitura
Clássicos da Literatura, várias questões nos sensibilizaram e inquietaram.
Baseada nas reflexões que fizemos a respeito dos personagens,
especialmente de Konstantin Liévin, a busca pelo sentido da vida me instigou
ao longo da narrativa.
O romance “Anna Kariêrina” foi considerado por Dostoievski uma
verdadeira obra de arte. Como Liev Tolstói foi profundo conhecedor da alma
humana e por estar passando por momentos difíceis, como a perda de três dos

Ao acabar de ler “Anna Kariênina”, de Liev Tolstói, no Clube de Leitura
Clássicos da Literatura, várias questões nos sensibilizaram e inquietaram.
Baseada nas reflexões que fizemos a respeito dos personagens,
especialmente de Konstantin Liévin, a busca pelo sentido da vida me instigou
ao longo da narrativa.
O romance “Anna Kariêrina” foi considerado por Dostoievski uma
verdadeira obra de arte. Como Liev Tolstói foi profundo conhecedor da alma
humana e por estar passando por momentos difíceis, como a perda de três dos
treze filhos e diante da doença da esposa, ele não mediu esforços para refletir
sobre o sentido da vida durante a construção do texto. Foi uma busca que
abrangeu a análise do bem e do mal, modos de viver, conceitos relacionados à
família, ao amor e à morte.
A história, então, foi sendo tecida com maestria. Por intermédio dos
personagens, o autor referiu-se aos conceitos e crenças pessoais, bem como
às transformações, quase imperceptíveis, que vão acontecendo a uma pessoa
na medida em que ela vai modificando suas atitudes na vida quotidiana. Tolstói
chega perto de nós quando mostra o quanto é sensível e complexo o processo
de entender a vida. O texto tem atualidade.
Essa busca tem um valor incomensurável para nós. A cada dia é um
conhecimento que vamos construindo ao longo dos afazeres, relacionamentos
e embates que as circunstâncias existenciais nos apresentam. Somos os
construtores dos nossos destinos. Ah, quanto a isso não há a menor dúvida.
Mas é preciso pensar. Buscar respostas às próprias indagações. É uma
angustiante procura em que nos perdemos em tantos caminhos e veredas,
entramos e saímos deles com frágeis convicções muitas vezes.
Passar a existência deparando-se com problemas e buscando soluções
por um lado pode ser a causa de assombros de uma pessoa. Porém são nas
situações mais difíceis e desafiadores que vislumbramos novas ideias e nos
percebemos com mais humanidade. É preciso ir além.

Nessa busca, as questões espirituais não passam despercebidas.
Independentemente da doutrina, as religiões respeitam a ética, que são
padrões de comportamento e de respeito, conceitos que resguardam a
preservação da vida, a convivência e a realização do trabalho.
Eu suponho que Liev Tolstói tenha escrito “Anna Kariêrina” para tentar
compreender o sentido da própria vida. E, nós, os leitores, buscamos nesse
romance entender a nossa própria.

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Olhar com humor para a vida

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Quando comecei a escrever, tinha um pouco mais de quarenta anos. Já
não era menina e tinha a nítida impressão de que precisava ser aprendiz das
palavras. Pelo menos neste aspecto, eu tinha amadurecido. Resolvi, então,
fazer oficinas literárias para me capacitar a compor textos. Ao descobrir meu
gostar pela literatura infantil, pensei que o humor me seria útil. Entrei numa
oficina de humor e, até hoje, dela participo. Ainda tenho o que aprender. Mas
ainda não sei contar piada. Na verdade, sou um fracasso, e ninguém, ao

Quando comecei a escrever, tinha um pouco mais de quarenta anos. Já
não era menina e tinha a nítida impressão de que precisava ser aprendiz das
palavras. Pelo menos neste aspecto, eu tinha amadurecido. Resolvi, então,
fazer oficinas literárias para me capacitar a compor textos. Ao descobrir meu
gostar pela literatura infantil, pensei que o humor me seria útil. Entrei numa
oficina de humor e, até hoje, dela participo. Ainda tenho o que aprender. Mas
ainda não sei contar piada. Na verdade, sou um fracasso, e ninguém, ao
menos, finge que ri. Mesmo assim valorizo o humor pela leveza que oferece
aos textos, dado que escrever dando graça ao enredo tem sutilezas
interessantes, que, agora, depois de tantos anos de esforços, consigo ter
alguma espontaneidade. Não sou escritora que se debruça sobre uma página
em branco decidida a escrever humor. O engraçado vai surgindo naturalmente,
sorrateiramente, pincelando com graça a narrativa.
Estou lendo a “A Autobiografia de Woody Allen” e tenho me divertido com
seu modo de encarar a vida. Por mais patética que seja a situação relatada, ele
acrescentou um toque de humor às situações em que viveu. Ah!, ele teve,
desde criança, um olhar bem-humorado para a vida. A alegria o tornou
vitorioso. Mas estamos falando de um gênio. A literatura sempre foi a dama de
ouro dos seus interesses, tornando-se autor dos roteiros dos seus filmes.
Assisti a todos.
Outra questão relevante é que ele foi um aluno inadaptado nas escolas
pelas quais passou, e, sua mãe, frequentadora assídua das salas de direção.
Imaginem Woody Allen nos bancos escolares, cheio de limitações e regras de
comportamento? Sua genialidade brincava com as imperfeições das
instituições de ensino. “Eu não roubava notas; fazia apostas”. Sua visão de
mundo, irônica e inteligente, encontrou nas piadas seus primeiros caminhos
como escritor.
A piada se constitui por uma história que possui um final engraçado,
capaz de provocar risos em quem a escuta. São Tomás de Aquino disse que é
preciso brincar durante a vida. Rir torna os dias mais sutis e gostosos de serem

vividos, uma vez que o riso hidrata o cérebro e desaquece as tensões do
quotidiano. Inclusive, o senso de humor educa e pode ser um modo eficiente
de mostrar ao outro a melhor forma de ser e de fazer. Se as salas de aula
fossem enriquecidas pelo humor, haveria mais cientistas, humanistas e artistas
trazendo melhorias para o nosso quotidiano.
Neste final de semana, pretendo mergulhar na “A Autobiografia de Woody
Allen”. Além do que eu possa me beneficiar como escritora, vou aprender com
sua genialidade, seu modo inteligente de experimentar a vida.
Deixo aqui algumas de suas frases como um presente de segunda-feira.
“Noventa por cento do sucesso se baseia simplesmente em insistir”.
“A liberdade é o oxigênio da alma”.
“Você pode viver até os cem anos se abandonar todas as coisas que
fazem você viver até os cem anos”.
“A realidade é dura, mas ainda é o único lugar onde se pode comer um
bom bife”.

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Páginas de Cecília

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Tenho um bloco antigo que vive em cima da minha escrivaninha. Um dia está de num canto; noutro, em cima de uma pilha de papéis. Sempre sob meus olhos porque não é um bloco comum, daqueles que se compra em papelarias. Sua capa é furta-cor e faz com que o olhar se perca entre as cores. Sua capa também é dura e pego-o com gosto porque não vira para baixo com os movimentos como os que têm a capa e a contracapa feitas de papelão.

Tenho um bloco antigo que vive em cima da minha escrivaninha. Um dia está de num canto; noutro, em cima de uma pilha de papéis. Sempre sob meus olhos porque não é um bloco comum, daqueles que se compra em papelarias. Sua capa é furta-cor e faz com que o olhar se perca entre as cores. Sua capa também é dura e pego-o com gosto porque não vira para baixo com os movimentos como os que têm a capa e a contracapa feitas de papelão. No seu interior, as páginas são assim: uma rosa salmão e outra furta-cor, sequencialmente, num tom mais pastel e menos vibrante dos da capa, certamente para ser possível fazer anotações à caneta. Se for a lápis não vai ficar bem visível. Entretanto, nas poucas vezes em que nele escrevi, senti prazer de ler minhas palavras misturadas com as cores. 

Contudo não são só pelas cores que o bloco tem algo de especial. As páginas furta-cores trazem numa de suas extremidades, ora no canto esquerdo, ora no direito; ora em cima, ora em baixo pedaços de textos da Cecília Meireles. Por causa deles, não anoto quase nada em suas páginas para ler e reler seus pensamentos em forma de poesia e prosa. Só escrevo algo quando é preciso cuidar das palavras e ter a impressão de que a energia da Cecília lustra minha vontade de ser escritora. 

Não sei quem me deu esse bloco. Foi há bastante tempo, num aniversário em que reuni várias amigas em casa quando algumas também comemoravam aniversário. Trocamos presentes e o bloco ficou misturado dentre tantos, e só fui perceber a riqueza do presente dias depois. O dia de aniversário é movimentado, a casa fica animada e não notamos os mais importantes detalhes. Quem me deu o bloco, conhecia minha alma.    

Os escritores precisam de escritores. As palavras deles não se misturam com as nossas, mas nos inspiram, enlevando nossos sentimentos e aconchegando nossos pensamentos, sempre tão solitários. O trabalho do escritor exige afastamento para que ele possa pensar, trocar ideias consigo, viajar pelo imaginário. Sonhar. Sublimar e mergulhar na realidade. Enfim. Os escritores não são imitadores, porém supõem que as palavras de outros escritores os ajudam a trilhar seus próprios caminhos.

Então deixo aqui alguns pedaços da Cecília, minha mestra e mãe da minha amiga, Maria Fernanda tal qual estão escritos nas páginas do bloco. 

 

“Ando sozinha por cima das pedras. 

Mas a flor é minha.”

 

“Nunca eu tivera querido 

dizer palavra tão louca:

bateu-me o vento na boca,

e depois no teu ouvido.”

 

“Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta: que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.”

 

“De tanto olhar para longe,

Não vejo o que passa perto,

Meu peito é puro deserto.”

 

“É preciso não esquecer a nova borboleta nem o céu de sempre.”

 

“Porque a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada.”

 

Ah, sobre o bloco de Cecília, gosto de deixar meus sonhos bailarem.

 

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Do filho ao pai

segunda-feira, 08 de novembro de 2021

A relação entre pais e filhos atrai olhares da psicanálise, da sociologia, da
filosofia, da genética. Da literatura. Guimarães Rosa compõe um ponto de vista
psicológico dessa relação no conto “A Terceira Margem do Rio”, contido no livro
“Primeiras estórias”. Muito bem trazida pelas mãos de um escritor que vai quase além
da alma. Com personagens tão imperfeitos quanto os viventes, mostra o esforço de
um filho para compreender a decisão do pai, que ruma seu destino para o rio e vai

A relação entre pais e filhos atrai olhares da psicanálise, da sociologia, da
filosofia, da genética. Da literatura. Guimarães Rosa compõe um ponto de vista
psicológico dessa relação no conto “A Terceira Margem do Rio”, contido no livro
“Primeiras estórias”. Muito bem trazida pelas mãos de um escritor que vai quase além
da alma. Com personagens tão imperfeitos quanto os viventes, mostra o esforço de
um filho para compreender a decisão do pai, que ruma seu destino para o rio e vai
navegar numa pequena canoa. Indo e vindo. Tempos a fio. Tão certo da sua escolha,
não titubeia, faz questão de não acenar para a família que se posta nas margens
quando passa, vagando solitário sobre as águas, em completa dependência do clima,
da correnteza, da vida e da morte dos seres que a natureza acolhe naquele lugar.
Se por um ato de liberdade, de solidão, de tristeza ou de ninguém entender os
motivos, aquele homem, chefe de família, vai para além das margens e, sobre as
águas, passa seus dias. Como humano ou fantasma. E ele, como filho e como qualquer
filho, precisa compreender os motivos do pai para conseguir ser ele próprio ou mesmo
para ser o filho daquele estranho pai. Ou até para ser alguém que o pai nunca fora. E
aquele velho homem de barbas e unhas crescidas, burlando as regras máximas da
paternidade, busca o afastamento, o isolamento, a animalização.
Do filho ao pai há uma relação vertical afetiva de baixo para cima. Por mais que
seja insensata a percepção deste mais novo para aquele que está num patamar de
liderança, de ser idealizado e de transmitir padrões de comportamento, o amor filial,
se ferido ou não, permanece como pano de fundo. Os filhos trazem seus pais, com ou
sem zelo, como referenciais de vida. Inconscientemente ou não. É preciso interpretar a
figura paterna.
Ao longo do conto, o filho apela pelo retorno do pai. Um desejo que traça seu
destino. Sem realizá-lo, opta por permanecer na margem do rio apenas para saber
quem é aquele, seu progenitor. Se louco ou não, é o pai que tem, quem o fez e
engendrou-o como gente, de saber fazer isso e aquilo!

Por que um pai, por razões explicáveis ou não, pode deixar de querer seu filho?
Guimarães Rosa não cansa de dizer em suas palavras divinas, nesse intrigante conto,
que os pais podem causar dores nos filhos. E eles, os filhos, podem fazer vidas
esdrúxulas para conseguirem um olhar. Um voltar. Tudo pode ser em vão. Posto que
não existem tantos filhos que fazem vidas sem sentido autêntico, prostrados em
margens? Arqueados em esquinas?
Esse conto é difícil de ler, de entender, de tê-lo nas mãos. Entretanto encontra
consistência em tantas realidades deste mundo perverso. Os pais deveriam lê-lo.
Conversar entre si a respeito. Pensar no significado de ser pai. De ser homem. De ser
mistério.

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“Parabéns pra você”

segunda-feira, 01 de novembro de 2021

Outubro é o mês de vários aniversários de pessoas amigas, inclusive do meu. Por estes dias, andei cantarolando “Parabéns pra Você”. Repentinamente, a letra me chamou a atenção por sua simplicidade e objetividade. Não ouso dizer que ela possua caráter literário, entretanto é uma composição de valor pelo significado que possui. Cantar “Parabéns pra Você” faz parte da cultura, além de ser uma forma de homenagear a trajetória existencial de uma pessoa, dado que cada ano vivido é uma conquista a ser respeitada. Ah!, não são todos que conseguem comemorar mais um ano de vida.

Outubro é o mês de vários aniversários de pessoas amigas, inclusive do meu. Por estes dias, andei cantarolando “Parabéns pra Você”. Repentinamente, a letra me chamou a atenção por sua simplicidade e objetividade. Não ouso dizer que ela possua caráter literário, entretanto é uma composição de valor pelo significado que possui. Cantar “Parabéns pra Você” faz parte da cultura, além de ser uma forma de homenagear a trajetória existencial de uma pessoa, dado que cada ano vivido é uma conquista a ser respeitada. Ah!, não são todos que conseguem comemorar mais um ano de vida.

Canta-se “Parabéns pra Você” pelos quatro cantos do país. É uma melodia festiva, ritmada pelo bater de palmas, movimentos corporais e cantada em grupo geralmente. Confesso que nunca tinha me dado conta da importância desta música, que expressa afetividade, esperança e desejo para que o aniversariante continue a realizar seus propósitos da vida.

Mas não é só isso que “Parabéns pra Você” me encanta. São as histórias da melodia e da letra. Mesmo distintas, perduraram no tempo e no espaço, desde a segunda metade do século XIX. Além de revelarem inteligência preciosa de quem as criou, foi composta por mulheres! A melodia tem origem na canção “Good Morning to All” composta pelas irmãs e professoras norte-americanas Mildred J. e Patty Hill em 1893, com a finalidade de criar uma canção para as crianças cantarem na entrada da escola. A composição foi registrada em 1893, o que gerou o pagamento de milhões de dólares em royalties. Em 1924 foi publicada num livro de Robert Coleman, “Celebrations Songs”, tendo o primeiro verso alterado para “Happy Birthday to You”, (Feliz Aniversário a Você).

No Brasil, a música começou a ser cantada em inglês em 1930. Em 1942, o compositor e radialista, Almirante, da Rádio Tupi, no Rio de Janeiro, organizou um concurso para selecionar uma letra harmônica com a música. O júri foi composto pelos Imortais da Academia Brasileira de Letras: Olegário Mariano, Cassiano Ricardo e Múcio Leão. Cerca de 5.000 pessoas participaram do concurso, tendo como vencedora a paulista de Pindamonhangaba, Bertha Celeste Homem de Melo.

“Parabéns a você,

Nesta data querida,

Muita felicidade,

Muitos anos de vida”

Com o passar do tempo, a música foi naturalmente ampliada pelo bordão:

“É pique, é pique. É pique, é pique, é pique!

É hora, é hora. É hora, é hora, é hora!

Rá-tim-bum!”

(o nome do aniversariante é repetido três vezes)

É possível que esse bordão tenha sido criado na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco pelos estudantes para animar as festas de aniversário.

Amei escrever esta coluna! Vou cantar com mais alegria ainda “Parabéns pra você.”

 

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O soneto da Academia Friburguense de Letras

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Hoje, vou fazer uma homenagem ao patrono da Academia Friburguense de
Letras, Julio Salusse, autor de um dos sonetos mais lindos de todos os tempos,
publicado em vários países, um dos poemas mais declamados no final do século XIX e
início do século XX. “Cisnes...”.

A vida, manso lago azul algumas
Vezes, algumas vezes mar fremente,
Tem sido para nós constantemente
Um lago azul sem ondas, sem espumas,

Hoje, vou fazer uma homenagem ao patrono da Academia Friburguense de
Letras, Julio Salusse, autor de um dos sonetos mais lindos de todos os tempos,
publicado em vários países, um dos poemas mais declamados no final do século XIX e
início do século XX. “Cisnes...”.

A vida, manso lago azul algumas
Vezes, algumas vezes mar fremente,
Tem sido para nós constantemente
Um lago azul sem ondas, sem espumas,

Sobre ele, quando desfazendo as brumas
Matinais, rompe um sol vermelho e quente,
Nós dois vagamos indolentemente,
Como dois cisnes de alvacentas plumas.

Um dia um cisne morrerá, por certo:
Quando chegar esse momento incerto,
No lago, onde talvez a água se tisne,

Que o cisne vivo, cheio de saudade,
Nunca mais cante, nem sozinho nade,
Nem nade nunca ao lado de outro cisne...

Julio Salusse nasceu na Fazenda do Gonguy, no atual município de Bom jardim,
em 1872, e faleceu no Rio de Janeiro, em 1948. Cursou Direito, tornou-se promotor
público e exerceu atividades políticas em Nova Friburgo. Como escritor, publicou três
livros de poesias, “Nevrose Azul” (1894), em que “Cisnes” foi publicado, “Sombras”
(1901) e “Fitas Coloridas”. E uma novela, “A Negra e o Rei” (1927).

A beleza do soneto está na fidelidade, atitude valorosa daquele que tem
compromisso com quem ama, que expressa verdade em suas intenções, palavras e
ações, que jamais abandona a pessoa querida. Ah, como Saint-Exupéry tinha razão
quando falou da responsabilidade do gostar. O amor não pode ser banalizado, precisa
ser honrado em cada momento da relação.
Certa vez, na Fazenda Marambaia, Corrêas, região serrana do Rio de Janeiro, vi
um casal de cisnes negros nadando num lago. Os dois vagavam sobre as águas em
calmaria, sempre um ao lado do outro. Caso um se adiantasse, logo parava, olhava
para trás e aguardava o companheiro. Eles deslizavam silenciosamente, numa paz
encantada. Parceira. Eu recitava, em pensamento, o soneto de Salusse, não só para
tornar pleno aquele instante, mas para compreender o significado do
companheirismo. A poesia de Julio me mostrava, em cada verso, o espetáculo que eu
via naquele lago, uma paisagem serena, iluminada pelo sentimento daquelas aves
aquáticas, que tinham tanto a me ensinar.
“Cisnes” é mais do que uma poesia. É uma proposta de vida, um modo de
mostrar o acontecer da vida. Naquela manhã, em Corrêas, observei a simplicidade,
carregada de amor e consideração.
“Cisnes” precisa ser mais lido e declamado para adentrar os afetos, acalentar
desejos e reforçar valores. Não foi à toa que a Academia Friburguense de Letras elegeu
Salusse como patrono.

Aqui cabe uma observação: o cisne possui características especiais. Além de ser
uma ave belíssima, aquática e inteligente, representa o amor eterno, uma vez que
possui apenas um parceiro durante a vida, sendo-lhe fiel até a morte. É um animal
elegante e demonstra harmonia nos movimentos, inclusive quando voa. O
acasalamento começa com movimentos sensuais, principalmente no pescoço, quando
o macho e a fêmea unem suas cabeças, formando um coração.

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A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

Os mestres são como pássaros, espalham sementes!

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Hoje, 15 de outubro de 2021, acordei pensando que os verdadeiros mestres não
precisam de salas de aula, nem de púlpitos. Precisam de asas. São como pássaros,
passam a vida espalhando sementes.
Saint-Exupéry, meu mestre maior, era aviador e, pelos tantos céus que voou, foi
deixando sementes. Assim, quero abraçar os professores com os pensamentos dele,
tão ricos de humanidade.
. “Você é eternamente responsável por aquilo que cativou”. (do personagem do
livro “O Pequeno Príncipe”, traduzido por Ferreira Gullar).

Hoje, 15 de outubro de 2021, acordei pensando que os verdadeiros mestres não
precisam de salas de aula, nem de púlpitos. Precisam de asas. São como pássaros,
passam a vida espalhando sementes.
Saint-Exupéry, meu mestre maior, era aviador e, pelos tantos céus que voou, foi
deixando sementes. Assim, quero abraçar os professores com os pensamentos dele,
tão ricos de humanidade.
. “Você é eternamente responsável por aquilo que cativou”. (do personagem do
livro “O Pequeno Príncipe”, traduzido por Ferreira Gullar).
. “Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos”.
. “Se você quer construir um navio, não chame as pessoas para juntar madeira ou
atribua-lhe tarefas e trabalho, mas sim ensine-os a desejar a infinita
imensidão do oceano”.
. “Se queres compreender a palavra “felicidade”, indispensável se torna entendê-
la como recompensa e não como fim”.
. “Sempre há outra chance, uma outra amizade, um outro amor. Para todo fim,
um recomeço”.
. “A verdadeira solidariedade começa onde não se espera nada em troca”.
. “Nada é pequeno no amor. Quem espera as grandes ocasiões para provar a sua
ternura, não sabe amar”.
. “Na vida não existem soluções. Existem forças em marcha: é preciso criá-las e,
então, a elas seguem-se as soluções”.
. “O futuro você não pode prever, mas permitir que ele aconteça”.
. “As pessoas são solitárias porque constroem muros ao invés de pontes”.

. “O futuro não é o lugar aonde estamos indo, mas um lugar que estamos
criando. O caminho para ele não é encontrado, mas construído, e o ato de fazê-lo
muda tanto o realizador quanto o destino”.
Para finalizar, penso que os professores que “passam por nós, não vão sós.
Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós”.

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