Com amor, aos meus professores

Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 04 de abril de 2022

Na semana passada, no Clube de Leitura Vivência, mais uma discussão
acalorada tomou conta de quase todo o encontro. Durante a leitura do conto
contido no livro “Sem Fantasia”, de Elisa Pereira, Venas Abiertas, 2020, uma
personagem que era professora foi denominada de “tia” pela protagonista. Eu
me senti tocada pela referência, até porque, durante a minha formação no
curso de Pedagogia, esta discussão se espalhava pelos corredores e salas de
aula da Universidade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro.
Eu, particularmente, nunca concordei com esse modo de se referir ao
professor. O professor é um profissional que exerce a função de educar,
entendida como a atividade que reúne diferentes práticas pedagógicas
direcionadas ao pleno desenvolvimento do indivíduo em suas capacidades e
competências, à promoção do saber através de conhecimentos gerais e
específicos, ao aprofundamento de valores éticos relevantes à formação do
cidadão. O exercício da profissão tem nobreza e importância na construção de
contextos comunitários, regionais e nacionais. Não se faz uma nação sem
professores, indivíduos capacitados para ensinar por serem dotados de
saberes, competências e talentos em diferentes áreas das ciências e das artes.
Segundo Paulo Freire, educador referência para práticas de ensino e
aprendizagem, em seu livro “Professora sim, tia não: cartas a quem ousa
ensinar”, Estante Virtual, 2005, o educador é um formador de sujeitos, cujas
ações estão fundamentadas no respeito ao próximo e na construção de uma
sociedade igualitária. Todo o professor tem “responsabilidade ética, política e
profissional”. Para tal tem o “dever de se preparar, de se capacitar, de se
formar antes mesmo de iniciar sua atividade docente.”
A formação do professor é um dos cursos mais teóricos das Ciências
Humanas, realizada através de um currículo denso que reúne vários
conhecimentos oriundos das ciências humanas, biológicas e matemáticas, que
permite ao professor transitar com desenvoltura pelos saberes que estudam o
indivíduo e sua evolução, enquanto como pessoa interagente e sujeitado a um
contexto social, econômico, político e cultural.

Eu poderia seguir com diversas argumentações teóricas. Mas uma
pergunta pode resumir as indagações que a questão suscita: professor é tio?
O hábito de chamar o professor de “tio” surgiu na década de 60 como um
modo afetivo de acolher a criança na escola. De superar a postura rígida do
mestre. Mas, segundo o professor Maurício Apolinário, em seu artigo
“Professora “tia”: um ato falho da escola”, o vínculo entre o professor e o aluno
está na tarefa de ensinar, no processo ensino-aprendizagem. Qual a tarefa do
aviador? Do engenheiro? Do agricultor?
O professor é docente; tio é parente, pessoa que estabelece relações de
parentesco e de afeto com a criança. Os professores devem criar vínculos
afetivos com seus alunos e jamais poderão deixar de ocupar o status de
mestre. O nome determina quem a pessoa é. Segundo Apolinário, ao ser
chamado de tio, o professor corre o risco de perder ante os alunos sua
identidade docente, sua referência de ser professor e seu valor como mestre.
Quantas vezes escutei na rua alguém me chamar de modo pejorativo: “E,
aí, tia?” Tia se tornou qualquer um, desvalorizou e desrespeitou a pessoa do
tio.
Tive professores maravilhosos que me mostraram o mundo. Aprendi a
escrever com a Menga Lüdke, mestra exigente, que me corrigia nos erros mais
simples, e assim, pela sua postura de mestre, aprimorei minha escrita e entendi
que deveria me preparar, estudar, estar ao lado de escritores experientes que
me avaliassem e apontassem meus erros e acertos. Com ela aprendi a ter
humildade de perceber que o que escrevia poderia ser melhor. Hoje escrevo há
mais de vinte anos e ainda sou aprendiz, valorizo as críticas que recebo. Que
sou inacabada. Ao ser aluna da Menga conheci uma pessoa sensível,
esforçada e desejante de ser mais. A sua postura rígida só me enriqueceu. Em
nenhum momento eu me senti agredida por ela, mesmo quando, no primeiro
semestre do Mestrado, ela avaliou o trabalho do meu grupo como muito ruim e
nos ofereceu uma segunda chance. Todavia ela não só criticou, nos
acompanhou e conquistamos o conceito A.
Agradeço aos meus professores com todo meu reconhecimento e
respeito.

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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