Blog de terezamalcher_17966

Perfumes do tempo

terça-feira, 13 de outubro de 2020

A vida é feita de momentos, são pedaços de tempo que vão compondo nossa história, e a memória os vai guardando, como se os depositasse em gavetas cheias de caixinhas. Depois que os vivemos, parece que são realçados quando os assentamos nas lembranças. Repentinamente, eles surgem e ressurgem, trazendo perfume e flores para o dia. Na semana passada, senti o cheiro de rosas e vou trazê-las aqui. 

A vida é feita de momentos, são pedaços de tempo que vão compondo nossa história, e a memória os vai guardando, como se os depositasse em gavetas cheias de caixinhas. Depois que os vivemos, parece que são realçados quando os assentamos nas lembranças. Repentinamente, eles surgem e ressurgem, trazendo perfume e flores para o dia. Na semana passada, senti o cheiro de rosas e vou trazê-las aqui. 

A literatura une as pessoas, untando momentos e recordações, fazendo-os deslizar com suavidade pelos pensamentos e relacionamentos. Cria identidades e laços afetivos porque a criatividade encanta, as histórias envolvem e a realidade abordada pela literatura atrai.   

Tenho uma amiga, Glória, que me ligou há uns vinte anos, dizendo que haveria um concurso de histórias infantis e que eu deveria participar. Sempre gostei de escrever, e ela sabia disso. Fiz a inscrição no concurso, comecei a escrever três contos e enviei. Meus textos não foram selecionados, mas descobri o prazer de imaginar aventuras e transformá-las em histórias. E, desde então, não parei mais. Dois destes contos já foram publicados: Um Cão Cheio de Ideias e Aventureiros da Serra. 

Glória sempre esteve presente na minha empreitada literária, participando dos eventos e conversando a respeito do meu aprendizado e experiência como escritora, o que embelezou mais ainda nossa amizade.

Depois que o mundo foi invadido pelo Corona Vírus, ela de novo me informou a respeito de um concurso, Tempo Partido, que consistia na elaboração de uma carta em que o participante relatasse a qualquer pessoa como estaria vivenciando esta época pandêmica. Os textos selecionados comporiam uma coletânea, que seria publicada. Não produzi um texto. Entretanto, ela participou e foi selecionada. Tão logo soube do resultado, enviou-me uma mensagem, contando a novidade com a carta anexada, que fora dedicada a um sobrinho, escrita com suavidade e objetividade. 

Sua mensagem abriu minha gaveta de lembranças, o que me fez viajar pelo tempo passado, desde a primeira vez que havia me ligado para falar de um concurso. Como num filme, revi como fui me fazendo escritora. Há dias que sou expectadora de mim, o que me está me dando ideias para passos futuros.

Aí, senti com clareza como a amizade desvela possibilidades e fertiliza canteiros. Bem como tive a certeza de que a magia da literatura existe.

 

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Caderno de anotações

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

 

Acabando de ler a biografia da Hebe Camargo, logo mergulhei na de
Leonardo da Vinci, escrita por Walter Isaacson, o mesmo biógrafo de Steve
Jobs. É enriquecedor conhecer a vidas das pessoas, saber quem foram, o que
fizeram e como mudaram a história. Leonardo deixou contribuições
significativas para diversas áreas do conhecimento, como a medicina, a
aviação, a engenharia. Foi um grande amigo da humanidade ao criar bases
científicas para o futuro e obras de arte com perfeição.

 

Acabando de ler a biografia da Hebe Camargo, logo mergulhei na de
Leonardo da Vinci, escrita por Walter Isaacson, o mesmo biógrafo de Steve
Jobs. É enriquecedor conhecer a vidas das pessoas, saber quem foram, o que
fizeram e como mudaram a história. Leonardo deixou contribuições
significativas para diversas áreas do conhecimento, como a medicina, a
aviação, a engenharia. Foi um grande amigo da humanidade ao criar bases
científicas para o futuro e obras de arte com perfeição.


Não poderia deixar de falar da sua beleza e porte físico, generosidade e
capacidade de se relacionar com pessoas, desde as autoridades de Milão aos
atores de teatro, desde arquitetos renomados de Florença aos militares. Era
um homem encantador e encantado com as formas, movimentos e fenômenos
da natureza, como o voo dos pássaros. A pesquisa para a descoberta do
conhecimento lhe era maravilhosa e tomou conta da sua vida.


Ao longo da leitura pude saber que ele registrou seus estudos em mais de
7.000 páginas. Como nos séculos XV e XVI o papel era raro e custoso, ele
aproveitava ao máximo os espaços das folhas e, em muitas, misturava poesia
com astronomia, pintura com engenharia e tantos mais registros, que se
tornaram verdadeiras enciclopédias. Bill Gates adquiriu por US$ 30,8 milhões
de dólares um manuscrito de Leonardo, uma vez que se sente por ele
inspirado, dado a tenacidade de Da Vinci para investigar, mesmo sem ter sido
reconhecido em vida como artista e cientista. Tanto é que consta em sua última
página o registro da frase “A sopa está esfriando.”


Ele tinha o hábito de portar um pequeno caderno pendurado na cintura
em que fazia as anotações. Leonardo era um exímio observador, chegando ao
ponto de perceber o movimento das quatro asas da libélula; quando duas se
abaixavam, as outras se elevavam. Walter Isacsoon considerou que a
genialidade de Leonardo era consequência da curiosidade incessante, da
persistente capacidade de observar os detalhes, do seu árduo trabalho de
pesquisar e registrar os fenômenos e fatos da natureza, como da anatomia
humana e animal, da mecânica e do universo. Da vontade obsessiva para

propor soluções aos problemas com os quais se deparava. Nada ficava
despercebido ao seu olhar, como o cenário de uma apresentação teatral em
que criou mecanismo para os atores voarem durante a apresentação.
Eis que a biografia de Leonardo nos oferece grandes aprendizados.

Um
deles é observar, o outro é anotar. Quantas fatos, palavras e frases nos tocam
e, rapidamente, caminham para o esquecimento? O que podemos falar
daquele momento em que acordamos e uma ideia nos transborda, mas a
perdemos imediatamente? Ah!, nunca mais a resgatamos.


A inteligência é feita de ideias. As melhores surgem de repente e
desaparecem no ar. Eu, particularmente, sou mestre em perdê-las. Acredito
que se as registrasse, minha memória seria mais colorida e rica em detalhes.
Quem sabe, cuidando de um bloco de anotações, poderei ser uma escritora
melhor.

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As biografias, um aprendizado para ser e fazer

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Gosto das biografias porque são originais, até hoje não li uma semelhante à outra; a experiência individual é inédita, tal qual a impressão digital. Os biógrafos penetram nos meandros do quotidiano dos seus biografados e vão desvendando quem foram, o que fizeram e por que tornaram-se significativos ao seu tempo, o que nos permite, inclusive, conhecer a história por outros vieses.                                                            

Gosto das biografias porque são originais, até hoje não li uma semelhante à outra; a experiência individual é inédita, tal qual a impressão digital. Os biógrafos penetram nos meandros do quotidiano dos seus biografados e vão desvendando quem foram, o que fizeram e por que tornaram-se significativos ao seu tempo, o que nos permite, inclusive, conhecer a história por outros vieses.                                                            

Acabei de ler a biografia de Hebe Camargo pela Amazon e fiquei emocionada. Não somente pelo modo como ela encarava a vida e seus desafios, mas porque assistia frequentemente aos seus programas. A hora da Hebe era a hora da Hebe. O que me atraia naquela mulher exuberante foi o modo como admirava as pessoas e ria. Ela ria sempre. Certamente, foi uma vivente e, como todos nós, teve seus desafios e agruras. Não foi perfeita. Porém não trapaceou e traiu os amigos. Soube ganhar dinheiro sem se corromper. Hebe tinha positividade, sobrevoava as dificuldades e aprendia a conquistar seu espaço no país a cada dia.   

Hebe participou da história do Brasil e do mundo, levando ao seu programa personalidades que contribuíram para a ciência, esportes, artes e outras áreas da produção humana, como Christiaan Barnard, cirurgião Sul-Africano que realizou o primeiro transplante de coração. Foi uma mulher que esteve no centro do movimento da vida com esperança, levando alegria a muitos. Tinha um fã clube imenso, e dele, eu fazia parte. 

A leitura de sua biografia deixou sua trajetória em aberto e fiz um curso de como viver com intensidade e otimismo. Aprendi e reaprendi que temos de jogar a bola para frente e chutar à gol. Sem imposturas. Ah, não vale a pena ficar em lamentos pelos cantos. Se há perdas em determinados momentos, há ganhos em outros, o importante é nadar a favor e contra a corrente até o final dos nossos dias. Ela fez isso. Trabalhou até suas possibilidades físicas permitirem, apresentando seu programa rindo, enfeitada por joias que adquiriu com recursos próprios. Acenou adeus com alegria.

Eu ia lendo sua biografia e vendo vídeos no YouTube, o que me ofereceu possibilidades de interpretar os fatos através dos bastidores. É interessante conhecer a história através de outros pontos de vista.

Entretanto, algo me entristeceu. Nesta leitura, eu me reencontrei com tantas pessoas das quais era fã, e que não estão mais aqui, como Bibi Ferreira e Edith Piaf. Ah, a vida é curta e rápida. Não parei de pensar que se as pessoas criativas, inteligentes e estudiosas vivessem mais poderiam deixar maiores legados, como Leonardo da Vinci, Braguinha e Rousseau.

Depois que acabei de ler, abracei aquele livro que havia me contado a história da Hebe. Por querer ser um pouco como ela. Por ter prazer em vê-la amar a vida.

 

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Cadê o autor?

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Eu já estava querendo escrever sobre este assunto faz tempo. Há vinte anos, fiz a montagem de peças de teatro como produtora e dramaturga. Na época, notei que nos cartazes e nos anúncios todos os integrantes tinham seus nomes em destaque, como o diretor, os atores, o figurinista. E o autor?, seu nome era o menos destacado, normalmente colocado sob título em tamanho da fonte reduzido. Às vezes, até no final do cartaz. Nos letreiros, raramente.  Eu me perguntei várias vezes porque tamanha discriminação? Afinal de contas, se não houvesse a criação e o trabalho do autor, a peça não existiria.

Eu já estava querendo escrever sobre este assunto faz tempo. Há vinte anos, fiz a montagem de peças de teatro como produtora e dramaturga. Na época, notei que nos cartazes e nos anúncios todos os integrantes tinham seus nomes em destaque, como o diretor, os atores, o figurinista. E o autor?, seu nome era o menos destacado, normalmente colocado sob título em tamanho da fonte reduzido. Às vezes, até no final do cartaz. Nos letreiros, raramente.  Eu me perguntei várias vezes porque tamanha discriminação? Afinal de contas, se não houvesse a criação e o trabalho do autor, a peça não existiria. Intrigada, para não dizer indignada, levantei a questão com outras pessoas envolvidas nas peças, que chegaram a discursar sobre a importância dada ao nome, e o primeiro argumento era para atrair o público. “Se o autor não é conhecido, não tem sentido evidenciá-lo, além do que não há espaço disponível para ter o nome do autor aumentado. De fato, o teatro e o cinema são resultados de um trabalho de equipe, se falta o autor, o iluminador ou mesmo o figurinista o espetáculo fica comprometido. Como também a produção precisa de recursos para custear o local de apresentação, a montagem e toda a equipe envolvida. 

O fazer da arte é um trabalho que tem de ser valorizado; todos os envolvidos precisam ser remunerados. Jamais pode ser encarada como um passatempo ou uma diversão, é um processo economicamente produtivo. Mesmo assim nenhuma justificativa sustenta o não reconhecimento do autor como criador da obra apresentada.

O cinema e o teatro fazem a concretização do texto literário, dando vida aos personagens, vivificando as cenas. O livro valoriza o autor, dá ênfase ao seu nome, à sua vida literária porque guarda em suas páginas o texto para ser degustado pela leitura. É a fusão do autor com sua obra. O teatro e o cinema, aqui incluo os filmes e as séries na televisão, possuem universos amplos e que envolvem equipes diversificadas. A produção do livro, neste sentido, é mais barata. Logicamente, não o estou subestimando. Longe disso. O autor por um custo bem menor constrói um texto e edita o livro, mesmo se computar suas horas de trabalho. Já as produções cinematográficas e teatrais são caríssimas. Certa vez, a encenação exigia que o chão do palco fosse coberto por uma borracha grossa para que os atores não escorregassem e caíssem em cena. Entre as tiras de borracha deveria ser passada uma fita crepe reforçada com cola dos dois lados para que as borrachas não corressem. Elas custavam o cachê de um ator. Enfim, são os ossos do ofício. .

A meu ver, o argumento que apresento não justifica o fato de o nome do autor ficar em segundo plano.  De fato, como disse anteriormente, as apresentações precisam arrecadar os valores necessários para custearem a obra encenada. Pois se o produtor não tomar todas as precauções necessárias, ele termina a temporada com dificuldades financeiras. E o autor não corre tamanho risco, a não ser que ele seja o produtor.

Enfim, é uma questão a ser refletida.   

 

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Salve a FLIM 2020!

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

 

 

Hoje estou passando o sábado diante do celular, acompanhando a Festa
Literária de Santa Maria Madalena, em sua 11ª. edição que, neste ano, devido
à pandemia, está sendo realizada virtualmente. Apresentando muitas festas em
uma só, a FLIM, habitualmente, reúne lançamentos de livros e homenagens à
autores, palestras e mesas redondas, apresentações musicais e teatrais,
vendas de livros e conversas pelos cantos da cidade. As edições passadas
deixaram registros na história fluminense por reunir atividades relevantes à
literatura que tanto beneficiaram a cultura da região. Faço questão de ressaltar
que a FLIM faz parte do calendário do Estado do Rio de Janeiro por ser uma
das melhores do país.


É um evento que reconhece os esforços de todos os envolvidos com a
literatura. Ao propiciar o encontro entre escritores, leitores, editores e agentes
educativos, esta festa cria um clima de gratidão entre eles. Ao escritor por estar
diante de leitores que admiram sua obra; ao leitor por sentir a presença de um
autor que o tocou e promoveu mudanças em seus modos de perceber e lidar
com a vida; ao editor por produzir o livro, difundi-lo e fazê-lo circular no mundo,
aos agentes educativos por visualizarem possibilidades de incentivo à leitura e
atividades em sala de aula.
Como esta edição tem caráter virtual, os autores e leitores estão tendo a
oportunidade de se abraçarem através das telas dos seus celulares e
computadores. Não é um acolhimento de concretude real, mas através do
universo imaginário individual, carregado de energias afetivas sinceras e de
esperanças. Os esforços dos organizadores da FLIM não deixaram que a
pandemia cancelasse um evento tão importante e permitiram que as
dificuldades pessoais momentâneas fossem amenizadas ao oferecerem um
espaço interessante aos amantes das letras.
Nova Friburgo e a Academia Friburguense de Letras se fizeram presentes
na 11ª. edição através de seus escritores, editores e dinamizadores, que
tiveram a oportunidade de mostrar seus trabalhos na área da literatura, através
de livros, projetos e apresentações.

Com orgulho, apresento saudações à FLIM por todas as lembranças que
me trouxe neste sábado. Ao assistir os vídeos, sinto reforçar minha
responsabilidade de cidadã. Quero dizer que o escritor, nesta época de
recolhimento e preocupação, não pode deixar de cumprir seu ofício, uma vez
que cada palavra colocada no papel poderá contribuir para a superação deste
momento tão cheio de incertezas e apreensões.

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Uma mesa para dois

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Nestes tempos pandêmicos de recolhimento, tenho tido a oportunidade de
mergulhar mais profundamente na literatura, como leitora, pesquisadora e
escritora. Tem-me sido um tempo de aprimoramento. Quando a vida da cidade
começou a retomar suas atividades, fui jantar num restaurante. Até comovida
pelo retorno à vida social, fiz questão de ficar apreciando o lugar. Embora já
conhecido, parecia que era a primeira vez que estava ali, tudo me era
novidade. Eu estava debutando.
Próximo à minha mesa, havia duas ocupadas por casais. Observando

Nestes tempos pandêmicos de recolhimento, tenho tido a oportunidade de
mergulhar mais profundamente na literatura, como leitora, pesquisadora e
escritora. Tem-me sido um tempo de aprimoramento. Quando a vida da cidade
começou a retomar suas atividades, fui jantar num restaurante. Até comovida
pelo retorno à vida social, fiz questão de ficar apreciando o lugar. Embora já
conhecido, parecia que era a primeira vez que estava ali, tudo me era
novidade. Eu estava debutando.
Próximo à minha mesa, havia duas ocupadas por casais. Observando
com discrição para não ter um olho literário inconveniente, notei que eles
estavam vivendo situações diferentes. Em uma mesa reinava o silêncio, os dois
pouco se olhavam e estavam voltados para a comida. A outra estava coberta
de gestos alegres e vozes animadas. Geralmente, são ambientes propícios
para acolher ocasiões especiais na vida de casais, seja um primeiro encontro,
uma comemoração, depois de um momento íntimo. É um lugar de conversa,
troca de ideias e lazer. Também de ajustes, desacertos e finalizações.
Suas paredes guardam recordações surpreendentes. Se fossem
registradas haveria uma coleção de livros com histórias inéditas. Se
observarmos bem, tudo o que ali acontece é uma sucessão de metáforas. A
vida é intencional. Nada é feito ao acaso. Freud, que já bem estudou os atos
falhos, descreveu com maestria a ação proposital inconsciente. A mente
humana não descansa, capta incansavelmente os desejos que brotam, que vão
e voltam do inconsciente ao consciente. Ficam em evidência nos sonhos,
depois, se escondem nos meandros da mente, mas estão sempre prontos a
surgir com novas roupas e fantasias. Nosso pensamento é uma alegoria
criativa e sincera. Geralmente não queremos expô-los, entretanto os
comportamentos, as atitudes e, principalmente, estes atos são traidores;
ninguém gosta de se revelar. A grande maioria dos quais é inconsciente.
Enquanto aguardava o prato, comecei a refletir sobre esta questão e
constatei que tudo o que acontece numa mesa para dois tem sentido. A
começar pelo modo como a pessoa se prepara para ir ao restaurante. Há sempre opções variadas, desde o pentear do cabelo, a escolha dos sapatos e
da roupa. E o perfume? Ao bom observador, os detalhes podem ser
considerados como metáforas. Inclusive os trejeitos faciais e corporais. Até a
maneira de andar revela um propósito.
De fato, é um lugar fértil ao escritor. Se ele pretende buscar ideias para
um romance no estilo tragédia ou comédia, não precisa dar voltas na cidade.
Basta ir a um restaurante, de preferência frequentado por um público
compatível com o tema que se quer abordar, ficar algum tempo saboreando um
bom vinho ou uma cerveja gelada e deixar a vida acontecer. Ah, a vida é o
melhor palco a uma plateia exigente; o acontecer espontâneo naturalmente vai
revelando as miscelâneas das relações, os embates e tristezas, as aberrações
e os encontros inesquecíveis.
A minha primeira saída me foi um aprendizado quando percebi estar num
laboratório de inspiração.

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Escritoras e aventureiras

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

O que me alentou nestes tempos pandêmicos foram os filmes que assisti em casa, a maioria na Netiflix, que oferece séries interessantes ao telespectador. Eu acabava de ver uma e começava outra. Tendo de ficar recolhida em casa, eu me dividia entre leituras e filmes. Redescobri assuntos que tinham ficado na minha infância, até mesmo num passado recente, como a astronomia e as aventuras. Busquei filmes de aventuras, estilo que há tempos não me interessava especialmente.

O que me alentou nestes tempos pandêmicos foram os filmes que assisti em casa, a maioria na Netiflix, que oferece séries interessantes ao telespectador. Eu acabava de ver uma e começava outra. Tendo de ficar recolhida em casa, eu me dividia entre leituras e filmes. Redescobri assuntos que tinham ficado na minha infância, até mesmo num passado recente, como a astronomia e as aventuras. Busquei filmes de aventuras, estilo que há tempos não me interessava especialmente. Por sugestão de amigos, comecei a assistir a série britânica -americana Outlander, baseada na saga literária A Viajante do Tempo, cuja narrativa épica funde o romance histórico, o drama e a aventura numa sequência de fatos elaborada com desenvoltura, continuidade e originalidade. Como sempre faço, tão logo sou tomada pelo interesse, quase abduzida pela obra, a bisbilhotice me assola e quero saber de tudo: quem é o autor, os atores, o diretor, curiosidades e outras coisas mais. Assim, tenho prazer imenso em mergulhar no universo em que a ficção é produzida, desde a criação do texto até a transposição para a película exibida na televisão. 

Para minha surpresa, quem criou e ainda está escrevendo a obra é uma mulher, a americana Diana Gabaldon. Já são oito volumes publicados, numa coleção planejada para dez volumes. Confesso que não prestei atenção de imediato na autoria da série quando comecei a assisti-la. Até porque, infelizmente, os autores têm seus nomes expostos nos créditos do filme de modo diminuído ante os autores ou diretores. Depois de acompanhar os primeiros capítulos, pensei que tivesse sido criada por um homem devido as cenas de enfrentamento e batalhas, muitas vezes de grande crueldade. Entretanto quando soube da autoria da série, observei a sensibilidade e delicadeza de outras cenas que mostravam relações de afeto, entre familiares, amantes e amigos. Então, notei claramente a presença do toque feminino.

Tanto a autora da obra literária, quanto a produção da série, em termos de cenário, figurino, adereços e ambientação, foram e são cuidadosos ao respeitarem as características da época, o que denota a realização de uma pesquisa histórica detalhada e ampla, uma vez que a protagonista, ao tocar numa pedra, viaja no tempo e vai para parar na Escócia em meados do século XVIII. Como a série ainda está sendo escrita e produzida, desde a primeira temporada revela um trabalho de equipe brilhante, respaldado no compromisso de honrar o texto literário.

O que mais me chamou a atenção foi o fato de Diana Gabaldon imaginar um universo ficcional que tanto desperta o interesse masculino. A emancipação feminina ao longo do tempo tem permitido que a mulher explore cada vez mais suas capacidades, indo além do convencional sem medo e pudor. Tal libertação é importante no ato da criação literária, uma vez que sentimentos assim, guardados em instâncias inconscientes, bloqueiam a construção de textos. A superação de intolerâncias amplia as capacidades humanas de criação e realização; é a transformação evolutiva que dá novas cores à arte literária. 

Além do mais, a percepção feminina da vida e das relações humanas trazem um quê de docilidade à obra que tem caráter épico. Como fez a autora britânica J.K. Rowling em Harry Portter, quando concebeu um menino de 11 anos, aprendiz de bruxo, que enfrenta desafios quase invencíveis.

Essa série também me tocou porque gosto de escrever aventuras, o que já fiz em dois livros: Um Cão Cheio de Ideias, ed. Paulinas, 2007, e Aventureiros da Serra, RHL Livros, 2012. Foi ótimo por ter tido contato com a obra de Diana Gabaldon nesta pandemia que me despertou a vontade de mergulhar no mundo da ficção mais uma vez. 

As aventuras são sedutoras ao escritor, mas exigem trabalho de pesquisa, criatividade e perspicácia. Quando escrevi Aventureiros da Serra até largura de rio medi.  

Que as escritoras sejam iluminadas e tenham coragem para presentearem o mundo com diversão, conhecimento e valores.

 

P.S.: Ah, por favor, não quero ser feminista nesta coluna, mas tenho orgulho de reverenciar a presença da mulher na literatura.

 

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Entre passes e palavras

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Lendo crônicas de vários autores, eu me deparei com duas publicadas no Jornal do Brasil há mais de cinquenta anos, que, para mim, são verdadeiros cursos literários neste estilo. A crônica, nas mãos de um hábil escritor, tem o poder de penetrar nos meandros da vida com tamanha competência que chega a tornar surpreendente o mais simples fato quotidiano.

Lendo crônicas de vários autores, eu me deparei com duas publicadas no Jornal do Brasil há mais de cinquenta anos, que, para mim, são verdadeiros cursos literários neste estilo. A crônica, nas mãos de um hábil escritor, tem o poder de penetrar nos meandros da vida com tamanha competência que chega a tornar surpreendente o mais simples fato quotidiano.

Pois bem. A troca de crônicas entre Clarice Linspector e Armando Nogueira são verdadeiras obras-primas. Clarice guardava admiração pelo modo “tão bonito de escrever” do comentarista de futebol e desafia-o a escapar das palavras sobre as batalhas armadas nos campos e fugir para os arados da vida. Foi uma proposta inconveniente que sucedeu depois que soube que ele dizia: “De bom grado eu trocaria a vitória de meu time num grande jogo por uma crônica”. E, tornou-se mais efusiva ainda quando soube que Armando trocaria uma grande partida por uma crônica dela sobre futebol. Ora, Clarice, amante de futebol? Botafoguense! Considerou-se uma pobre desventurada e intitulou assim a crônica de 30/03/1968: “Armando Nogueira, futebol e eu, coitada”. Com maestria declarou seu drama: além de ter uma “ignorância apaixonada por futebol”, era mãe de botafoguense e de flamenguista. Sentia-se, portanto, a coitada que guardava a esperança de um dia entender de futebol.

Não posso considerá-la assim! Vejo alegria nos torcedores, mesmo que sofredores, ao perceber bolas de futebol correndo em suas veias, dando-lhes animação e esperança. Ah, o futebol é um esporte interminável. Popular, acima de tudo. De uma partida, vem outra, mais tantos embates depois e, assim, os dias do povo são preenchidos com lágrimas e risos, conversas e debates acirrados. Já estou eu, aqui metendo bedelhos nas palavras de Clarice Linspector, craque da literatura brasileira.

E, dias depois deste desafio avassalador, em 08/04/1968, vem as palavras de Armando Nogueira na crônica “Na grande área”, como uma “terna vingança”, ante às palavras de Clarice que o desafiam a “perder o pudor”. Afinal de contas, ler a crônica de um comentarista de futebol sobre a vida é um acinte a qualquer torcedor. É pior do que fugir da raia.

As palavras empregadas “Na grande área” é um colar de pérolas. De início ele se revela um péssimo jogador, querendo dizer que escreve com penas de ganso para superar essa dificuldade bestial para quem tem “bolas de ferro” nos pés. A seguir, vai descortinando o que pensa da própria vida, definindo-a como “um match-treino sem placar, sem juiz, nem multidão”.  Ele, ao sofrer com a imprecisão dos seus chutes, faz da sua vida um grande aprendizado.

Que belos e despudorados textos, cheios de sabedoria. Vale a pena guardá-los na cabeceira para compreender que “o grito que glorifica o goleador é o mesmo que mortifica o goleiro”. Ou seja, com placar empatado, todo jogo termina em paz. É, desta forma, que ele queria findar. E eu também.  

 

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Quando as vozes da ciência e da literatura se entrelaçam

segunda-feira, 03 de agosto de 2020

Estava pensando, no início desta semana, que, nesta coluna, tenho abordado apenas alguns estilos, como o conto, a crônica e a poesia, ficando limitada a uma parte do universo literário. Hoje, vou me dedicar ao entrelaçamento entre as vozes da ciência e da literatura. 

Estava pensando, no início desta semana, que, nesta coluna, tenho abordado apenas alguns estilos, como o conto, a crônica e a poesia, ficando limitada a uma parte do universo literário. Hoje, vou me dedicar ao entrelaçamento entre as vozes da ciência e da literatura. 

A literatura oferece subsídios à atividade científica em suas diferentes áreas, como humanas, biológicas e tecnológicas, responsáveis pela construção de saberes que envolvem as relações do homem com o mundo. A ciência não é constituída pelo saber empírico, adquirido naturalmente nas experiências diárias, mesmo estando na vida quotidiana as motivações essenciais à sua estruturação. A ciência está pautada no conhecimento adquirido através de objetivos e métodos específicos, tendo a finalidade de explicar objetivamente a realidade para proteger e melhorar a qualidade de vida dos seres. 

As áreas do conhecimento possuem enfoques especiais e utilizam-se da literatura para registrar a produção e a atualização do saber, construídos através de estudos e pesquisas válidos. São conhecimentos que precisam ser difundidos para que as ciências atendam às necessidades humanas. 

Surge, então, neste aspecto, um desafio: como adequar a linguagem científica aos grupos distintos de cidadãos, inseridos em ambientes culturais próprios. É necessário que todos, sejam crianças, adultos ou idosos, tenham acesso, por exemplo, ao conhecimento produzido pela ciência odontológica. 

 Os manuais de saúde, mesmo sendo elaborados com intuitos pedagógicos, precisam recorrer à arte literária para atraírem as pessoas, envolvendo-as nos assuntos que os justificam. Ah, não é uma tarefa fácil. Jamais podem ser “ameaçadores”, nem conterem informações equivocadas. Muito menos desconsiderarem a inteligência daquele que tem facilidade de acesso a informações de pouca utilidade. Como falar sobre os cuidados dentários com citadinos e indígenas? Certamente, o escritor terá de se utilizar de padrões de linguagem especiais para cada grupo de leitores.      

Podemos considerar a transposição da linguagem científica e acadêmica, para a coloquial uma viagem estilosa e delicada, capaz de tocar o leitor a ponto de prender sua atenção, estimulá-lo a rever e modificar seus hábitos. Estou querendo dizer que as vozes da ciência estão para transformar modos de ser e fazer da população. São para evitar a estagnação do sujeito em hábitos inadequados, já enraizados.  

 

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O mais notável dos equilibristas

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Suponho que os poetas, repentinamente, sejam tomados pelos mais arrebatadores sentimentos ante os mínimos detalhes, não mais do que pormenores que compõem uma situação, não percebidos pela maioria das pessoas, como o orvalho que escorrega na folha da árvore e cai na calçada de cimento. Mas para o poeta, são de tal forma evidentes que passam a ocupar posição de destaque no ambiente, tornando-se relevantes ao mais simples olhar. Por ter tamanha sensibilidade, o compositor de versos não precisa de lentes de aumento, apenas de sentir-se vivo. Acordado.

Suponho que os poetas, repentinamente, sejam tomados pelos mais arrebatadores sentimentos ante os mínimos detalhes, não mais do que pormenores que compõem uma situação, não percebidos pela maioria das pessoas, como o orvalho que escorrega na folha da árvore e cai na calçada de cimento. Mas para o poeta, são de tal forma evidentes que passam a ocupar posição de destaque no ambiente, tornando-se relevantes ao mais simples olhar. Por ter tamanha sensibilidade, o compositor de versos não precisa de lentes de aumento, apenas de sentir-se vivo. Acordado. Às vezes, num relance, é capaz de perceber a totalidade de uma emoção ou de uma dor, que seja até mesmo de um ser bruto, como a montanha, que, para ele, chora ao ser queimada e sorri quando a chuva umedece sua mata. É a pessoa que têm inteireza para vivenciar os momentos, sendo reativos aos mais triviais acontecimentos. Sua alma brota em seus poros como uma energia divina, carregada de sabedoria infinita. 

Mas se todos fossem poetas? Se habitassem em cada esquina, como seria a vida? Acredito que a essência das pessoas seria mais bem considerada. Ou será que haveria uma população de alienados? Afinal de contas, o mundo está calcado em cifras, não há como relutar contra esta premissa. É soberana. Já cheguei até a escutar que o dinheiro é tão essencial quanto o oxigênio. O que se faz sem moedas nos bancos e nos bolsos? Sem dinheiro, realmente, nada se faz. Mas sem poesia tudo continua a fluir. Esta constatação me é sinistra. Pior. O poeta não sobrevive da sua poesia! Precisa trabalhar para pagar suas contas, gastos quotidianos e realizar sonhos. Ah, ele mais sabe olhar para dentro de si e penetrar na alma de outro do que para a materialidade do mundo exterior. Que mais goste de ler do que lidar com os números dos extratos bancários.

Reinner Maria Rilke considerou que os fatos não são tão compreensíveis e explicados como se acredita, que, a qualquer momento, podem fugir às regras e tornarem-se tão extraordinários e assombrosos, que é impossível de serem descritos através de palavras. Mas, penso, que o poeta, com seus olhos de lince, consegue encontrar a palavra que penetre e desvele o mistério contido no que é silencioso e invisível em todo acontecer. Ferreira Gullar sabia disso. Catherine Beltrão também, nossa poeta, friburguense de coração.

Catherine, espantosamente, viajou dos números para as letras, dos cálculos para a poesia. Tornou-se irresistível à paixão de poetar, de vicejar com ternura e amargura sobre os momentos da vida, encontrando palavras para tocar a tênue linha entre a arte e a realidade. Transformou-se em mais uma notável equilibrista. 

Eis, então, um toque da nossa Catherine.

 

SEM PRESSA

As nuvens são eternas 

E neutras.

Sem pressa, 

Vou me esquecendo de um sorriso.

Sem pressa, 

Vou me desfazendo em ideias.

Incrível minha solidão

Passar por momentos

De tanta insensatez.

Não é que eu queira adiar

Tristezas...

Sei que o vento da noite

Anda precisando de mim.

E eu, que só preciso

De um sopro...

O contato constante

Entre pensamentos

Me provoca um cansaço total.

Imensa é a imobilidade

Deste instante.

Sem pressa, 

Pressinto e percebo

Que até o equilíbrio se consome.

 

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