Metamorfoses

Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 02 de maio de 2022

Hoje, quando acordei, a obra de Raul Seixas rondou meus pensamentos. Logo depois Macunaíma, de Mário de Andrade. E, lá fui eu adentrado as construções desses gênios, que pretendiam tocar as pessoas da sua época com suas críticas a partir da insatisfação com o estado de coisas que reinava. Haverá meigas mudanças? Ou sempre se apresentarão de modo irreverente? 

O pensamento deles criou balbúrdia e influenciou mudanças. Como é preciso ter autenticidade, coragem e ousadia para mudar! Vejam alguns versos da poesia de Mário e a letra da música de Raul, duas obras que desconstroem o sujeito, que sujeitado está nas realidades das épocas em que estavam inseridos. 

        Ode ao Burguês                                  Maluco Beleza

                      Mário de Andrade                              Raul Seixas 

Eu insulto o burguês! O burguês níquel,                            Enquanto você se esforça para ser

o burguês-burguês.                                                   Um sujeito normal

A digestão bem-feita de São Paulo               E fazer tudo igual

O homem que sendo francês, brasileiro,           Eu do meu lado pretendo ser louco

Italiano,

É sempre um cauteloso pouco a pouco!               Um maluco total

Eu insulto as aristocratas cautelosas!               Na loucura real

Os barões lampiões! Os condes Joões!               Cantarolando na minha maluquez

Os duques Zurros!

Que vivem dentro de muros sem pulos;                Misturada com minha lucidez

E gemem sangres de alguns mil-réis fracos            Vou ficar

Para dizerem que as filhas da senhora falam             Ficar com certeza maluco beleza

O francês

E tocam o “Printemps” com as unhas                                  Esse caminho que eu mesmo    escolhi

Eu insulto o burguês funesto!                                              É tão fácil seguir

O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições        Por não ter onde ir

Fora os algarismam os amanhãs!                                       Cantarolando a minha maluquez

Olha a vida dos nossos setembros                                   Misturada com minha lucidez

Fará sol? Choverá? Arlequinal!

Mas à chuva dos rosais

O êxtase fará sempre sol

Morte à gordura!

Morte às adiposidades cerebrais!

Morte ao burguês mensal!

Ao burguês tílburi!

Padaria suissa! Morte ao Adriano!

“— Aí filha, que te darei pelos teus anos?

— Um colar...  — Conto e  quinhentos!!!

Mas nós morremos de fome!”

 

De Mário a Raul tantas transformações ocorreram na vida do brasileiro. Partindo de uma crítica, um clamor à libertação dos padrões retrógrados do século XIX, Mário expressa a vontade de conquistar a satisfação consigo para enriquecer a mente e o espírito de expressões autênticas e superar a força das aparências, que sempre enganam.

E Raul, seguindo o mesmo rumo, depois de muitas batalhas e conquistas, fala das incertezas, resultantes da vitória revolucionária, de modo que a libertação dos grilhões burgueses trouxe a necessidade do estabelecimento de outros padrões de pensamento e realização. Que certamente criaram reações adversas e metamorfoses culturais.

Há 2.500 anos atrás, Heráclito já entendia da dialética da vida! Tudo muda, ninguém se banha duas vezes nas mesmas águas do de um rio. 

 

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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