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A literatura científica

segunda-feira, 05 de dezembro de 2022

Ao elaborar minha dissertação de Mestrado na PUC-RJ, “A 4ª. e a 5ª. séries do primeiro grau: uma passagem refletida pelos diretores de escolas”, minha orientadora, Menga Ludke, me devolvia o que escrevia com correções incontáveis, que me sugeriam reescrever o texto com mais clareza, objetividade e veracidade. Foram muitas revisões. A cada argumentação que eu apresentava tinha de fundamentá-la com estudos já realizados por autores considerados no meio acadêmico.

Ao elaborar minha dissertação de Mestrado na PUC-RJ, “A 4ª. e a 5ª. séries do primeiro grau: uma passagem refletida pelos diretores de escolas”, minha orientadora, Menga Ludke, me devolvia o que escrevia com correções incontáveis, que me sugeriam reescrever o texto com mais clareza, objetividade e veracidade. Foram muitas revisões. A cada argumentação que eu apresentava tinha de fundamentá-la com estudos já realizados por autores considerados no meio acadêmico. Pesquisei sobre as relações de poder na escola junto aos diretores de escolas públicas e particulares através de entrevistas, utilizando o Survey, técnica de coleta de dados. Busquei leituras em textos atuais e passados, estudei a formação do povo brasileiro e a história da educação desde o período jesuítico. Dentre outras fontes teóricas, pesquisei a Constituição atual e as passadas. Escrevi minha dissertação na biblioteca, mergulhada em livros e cercada de correções durante dois anos de trabalho exaustivo, depois de cumprir vinte e quatro créditos em aulas teóricas, não podendo tirar nota abaixo de oito, pois tinha bolsa de estudos. Enfim, apresentei a dissertação em 1989 para uma banca formada pela minha orientadora e dois professores. Fui aprovada por unanimidade. Mas ainda tive que fazer melhorias no texto para que fosse publicada. 

Foi naquele período que comecei a aprender a escrever. As correções da minha orientadora, apesar de me incomodarem e causarem desânimo, me fizeram entender que escrever não é uma tarefa fácil. É desafiadora porque ao mesmo tempo em que se quer dizer algo, é preciso escrever para que outra pessoa possa entender o conteúdo, sentir respeito pelo trabalho e vontade de continuar lendo. Aprendi que não se produz um texto para si. Escreve-se para sensibilizar pessoas que não se conhece e colaborar para a melhoria da vida.

Nesta dissertação tive a primeira experiência com o fazer literário, cuidando da elaboração da narrativa e do emprego das palavras, e aprendendo a realizar pesquisas em fontes fidedignas para não apresentar falsas afirmações. E, acima de tudo, busquei a delicada arte de transpor minhas ideias para o papel.

A literatura científica é composta por textos que têm a finalidade de apresentar informações objetivas sobre pesquisas em várias áreas da produção do conhecimento. É uma literatura que é necessariamente publicada em livros e revistas especializadas, sendo disponibilizada aos professores, alunos e profissionais que buscam informações formais baseadas na pesquisa científica.  É uma produção textual que avança sobre a literatura já existente na medida em que acrescenta conhecimentos aos estudos já realizados, permitindo a evolução do saber nas áreas humanas, ecológicas, geográficas, tecnológicas, exatas, astronômicas, médicas, dentre outras.

São textos fundamentados em bases na experiência, através da coleta de dados criteriosa e fontes bibliográficas produzidas em diferentes lugares e épocas do planeta. Atualmente os sites da internet oferecem aos pesquisadores mananciais de informações, porém nem todos merecem confiabilidade; é preciso investigar a veracidade dos conteúdos.

Quando se fala em literatura, pensa-se em poesias, contos, romances, crônicas, até em narrativas jornalísticas. Mas, confesso, que nunca ouvi referências a respeito do valor da literatura científica no meio literário em que frequento. É uma literatura que sustenta o avanço das ciências, o trabalho minucioso dos cientistas, produtores do saber consistente, objetivo e fundamentado.  

E, por que fica tão esquecida nos meios literários?

Será que o conhecimento empírico se sobrepõe ao científico?

Até que ponto os sentimento, as divagações, os sonhos se tornam mais relevantes do que o saber construído em bases formais?

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Até os dedos dos pés têm seus conflitos

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Ao avaliar os textos que Nívea Maria Dutra Pacheco enviou à Academia Friburguense de Letras no intuito de tornar-se acadêmica, eu me deparei com uma questão que faz parte do quotidiano, o conflito. Em seu artigo “Mediação de Conflitos, Um Novo Paradigma, in Direito”, publicado na coletânea, “Cidadania e Processo”, editado em 2015 pela Editar, comecei a refletir sobre o assunto, especialmente do modo como lidamos com ele na vida diária.

Ao avaliar os textos que Nívea Maria Dutra Pacheco enviou à Academia Friburguense de Letras no intuito de tornar-se acadêmica, eu me deparei com uma questão que faz parte do quotidiano, o conflito. Em seu artigo “Mediação de Conflitos, Um Novo Paradigma, in Direito”, publicado na coletânea, “Cidadania e Processo”, editado em 2015 pela Editar, comecei a refletir sobre o assunto, especialmente do modo como lidamos com ele na vida diária. Como sou formada em pedagogia e minha visão de mundo tende ao pensamento explicativo e conceitual da filosofia, vi nesse artigo uma praticidade com a qual não estou habituada a refletir. O conflito tem de ser resolvido!

Cá para nós, estamos cercados de visões diferentes, como a religiosa, a psicológica, a social, a geográfica. Cada campo aborda o conflito de um modo particular. Por sua vez, a literatura abraça todas. E, nós, meros viventes mortais, estamos enrolados com conflitos diversos. Inclusive, até os dedos dos pés, volta e meia, são prejudicados por estarem em desarmonia com sapatos, pisos e pés de móveis. Pobre mindinho!

Os conflitos podem ser compreendidos a partir de formas distintas de interpretar os interesses divergentes, a legitimidade dos modos de pensar e agir. As disputas de posse não tomam conta dos quartos em que duas crianças ou mais compartilham? Enfim. O conflito é necessário e faz parte da nossa vida. Emerge da adversidade e implica no prejuízo de uma ou mais partes envolvidas. Faz parte do processo dinâmico da interação humana, isto é, entre indivíduos, grupos, organizações e coletividade. 

O desenvolvimento, seja individual, coletivo, institucional ou familiar, está relacionado aos modos como as questões adversas são negociadas, e a ideia de cooperação ganha importância suprema. Até nos nossos conflitos pessoais podemos contribuir ou não para que sejam resolvidos. Ah, como tem gente que emperra e dificulta as situações! Nas circunstâncias mais simples, como situações relacionadas à vizinhança. Os conflitos exigem atenção e tratamento objetivo. A vida é rápida demais para que fiquemos tropeçando na mesma pedra.

Todas as pessoas envolvidas nos conflitos têm responsabilidade diante do problema. Ninguém é ingênuo e vítima, não há vencedores e perdedores. Todos coexistem na situação problemática que necessita de uma solução inteligente e eficiente entre as partes. O diálogo e o acordo são vantajosos para os implicados. 

O artigo da Nívea assinala que vivemos numa cultura que alimenta o litígio, que estende as situações pendentes e não resolvidas. E não é verdade que existe uma dificuldade imensa na praticidade das soluções? Entretanto, a ética, os princípios que orientam o comportamento humano e refletem as normas, os valores e os direitos do cidadão, não podem estar ausentes das formas como as soluções dos conflitos serão buscadas e definidas. 

  Para finalizar, deixo uma frase de Daisaku Ikeda, 1928, mestre budista: “Obviamente, desde que somos seres humanos, eternamente existirão algumas espécies de conflitos, rivalidades ou mesmo divergência de opiniões. Entretanto, terminantemente, jamais haverá necessidade de nutrirem-se de ódio ou mesmo matarem-se uns aos outros.”

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Conta uma história para mim!

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

A vida nos apresenta situações inesperadas e de ternura especial. Fui, na semana passada, depois do inverno gélido de Nova Friburgo, surpreendida ou presenteada por uma dessas situações, quando minha mãe, com 91 anos, veio passar uns dias comigo. Decidi ficar ao lado dela como se estivesse no seu marsúpio. Assim, conversávamos, víamos filmes e ficávamos em silêncio, um silêncio carregado de lembranças, afeto e vontade de aproveitar aqueles momentos que, para nós, tinham preciosidades. Foram dez dias de mãe e filha, cheios de confidências e afagos.

A vida nos apresenta situações inesperadas e de ternura especial. Fui, na semana passada, depois do inverno gélido de Nova Friburgo, surpreendida ou presenteada por uma dessas situações, quando minha mãe, com 91 anos, veio passar uns dias comigo. Decidi ficar ao lado dela como se estivesse no seu marsúpio. Assim, conversávamos, víamos filmes e ficávamos em silêncio, um silêncio carregado de lembranças, afeto e vontade de aproveitar aqueles momentos que, para nós, tinham preciosidades. Foram dez dias de mãe e filha, cheios de confidências e afagos.

Numa noite, ao me despedir dela, eu me deitei ao seu lado e vi que ela estava lendo “Mais de 100 Histórias Maravilhosas” da Marina Colasanti. Mamãe é uma leitora compulsiva, daquelas não conseguem ficar sem ler. Como tinha acabado de ler a mais recente obra da Marina, perguntou-me se eu tinha outro livro dela. Peguei uma coletânea de contos infantis, um pouco em dúvida, achando que não iria despertar o seu interesse. E, como eu não esperava, dona Lia, pôs-se a lê-lo, com o mesmo empenho de um suspense ou romance. Mas compreendi sua atitude, pois os contos possuem qualidade literária inquestionável. 

Fiquei bem satisfeita ao vê-la adentrar no universo imaginário infantil. Qual adulto ou pessoa de idade avançada que não guarda a criança que foi? Então, também como uma criança de oito anos, pedi baixinho para que lesse uma história para mim. Mamãe me olhou um pouco sorridente, mas com um estranhamento no semblante. Eu ler para você? Que ideia! Fiz sim com a cabeça. Então, mamãe, folheou o livro e começou a ler “Bela, das Brancas Mãos”. Fechei os olhos e me pus a escutá-la em todas as suas palavras, em suas pausas, em toda a sua respiração. Eu, aos 69 anos, escutando minha mãe ler um conto de fadas para mim em voz alta, senti a divindade tomar conta do quarto. Era o melhor pedaço do mundo que nos abraçava. Tive a impressão de que o tempo passou mais devagar, apenas para que pudéssemos levar aquele momento para a eternidade. 

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A literatura e as terras sinistras da Romênia

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Lendo o jornal A Relíquia, um informativo dos antiquários, leiloeiros, galeristas e colecionadores, em que são publicadas interessantes matérias sobre artes, eu me senti motivada a escrever sobre o papel da crueldade nos romances e contos de ficção. A edição de número 305 traz um breve ensaio sobre o Castelo de Poenari, onde o príncipe Vlad Tepes viveu no século XV, brutal governante da Valáquia, que inspirou o irlandês Bram Stoker, a criar o aterrorizante romance “O Conde Drácula” no século XIX.

Lendo o jornal A Relíquia, um informativo dos antiquários, leiloeiros, galeristas e colecionadores, em que são publicadas interessantes matérias sobre artes, eu me senti motivada a escrever sobre o papel da crueldade nos romances e contos de ficção. A edição de número 305 traz um breve ensaio sobre o Castelo de Poenari, onde o príncipe Vlad Tepes viveu no século XV, brutal governante da Valáquia, que inspirou o irlandês Bram Stoker, a criar o aterrorizante romance “O Conde Drácula” no século XIX.

Apesar de ser um assunto que até me incomoda pesquisar e escrever, é relevante por ser o personagem vilão com maior número de aparições na mídia, como também é fonte de inspiração de outros personagens, como o Lobisomem, por exemplo. A história do Conde Drácula, instigante, envolvente e assustadora, impacta a todos por ter sido tão bem construída que chega a criar a impressão de que existe na realidade. É importante ressaltar que a obra compõe a literatura universal.

Mas a questão a que trago aqui são as razões pelas quais a crueldade impulsiona a ficção dado que, nas obras literárias, o enredo causa suspense quando é contraposto com a bondade através das relações de causa e efeito. A crueldade abrange palavras e ações que ameaçam e causam sofrimento em outra pessoa. Tem origem na ausência de sentimentos de estima, respeito e de valores éticos, bem como na sensação de prazer em causar medo e dor alheia.  O herói na literatura é o personagem que enfrenta os desafios impostos por um vilão, pela natureza ou pelas tragédias inesperadas que o surpreende. Ao vencer o mal ou as dificuldades, preenche os vazios do leitor, empondera-o, fazendo-o refletir a respeito do enfrentamento dos impedimentos que a vida lhe apresenta.  

A ficção explora o pensamento maniqueísta que se define na contraposição entre o bem e o mal. Nesse universo imaginário a crueldade não tem limites, muito menos as possibilidades de o herói em defrontar-se com o perigo. O vilão e o herói coexistem no limiar entre a fantasia e a realidade, uma vez que se situam no desejo inconsciente de o leitor salvar o mundo, de proteger as pessoas e a si, além de fortalecer as capacidades pessoais. As sociedades cultivam mitos e lendas que confrontam o herói com os fatos ou vilões porque o ser humano precisa imaginar a presença de heróis na vida quotidiana como forma de buscar o melhor da experiência existencial. A identidade com os heróis literários decorre da fantasia da perfeição que inspira a sensação de completude. 

Para as crianças e os jovens os heróis exercem a função de ensinar valores como responsabilidade, altruísmo, trabalho em equipe, coragem, cuidar das pessoas, dos animais e da natureza, respeito, amizade, justiça, valor do ser humano, dentre outras.

O Conde Drácula nos traz questões a serem refletidas, como o perigo da sedução, a importância de manter a calma diante do perigo e pensar antes de agir, uma vez que as decisões impensadas podem trazer arrependimentos. Acima de tudo, o mal existe e pode estar bem ao nosso lado e é preciso, por conseguinte, ter cuidado com estranhos. 

Para finalizar, ressalto uma ideia que me tocou: às vezes o mundo não precisa de mais um herói; às vezes o que ele precisa é de um monstro!

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O amor que a saudade guarda

segunda-feira, 07 de novembro de 2022

Escrevo esta coluna no dia de finados com o livro “Meu Amigo Partiu” nas mãos, de Andrea Viviana Taubman, delicadamente ilustrado por Sandra Ronca, ambas amigas que guardo com carinho no coração. Cada palavra minha retrata a saudade que sinto por aqueles que partiram, pessoas que amei e por quem fui amada. Cada palavra minha é uma rosa que lhes ofereço com o melhor do meu afeto, principalmente a meu filho amado a quem gostaria de dar uma rosa amarela, cor de sua preferência, e ao filho da Sandra Ronca. 

Escrevo esta coluna no dia de finados com o livro “Meu Amigo Partiu” nas mãos, de Andrea Viviana Taubman, delicadamente ilustrado por Sandra Ronca, ambas amigas que guardo com carinho no coração. Cada palavra minha retrata a saudade que sinto por aqueles que partiram, pessoas que amei e por quem fui amada. Cada palavra minha é uma rosa que lhes ofereço com o melhor do meu afeto, principalmente a meu filho amado a quem gostaria de dar uma rosa amarela, cor de sua preferência, e ao filho da Sandra Ronca. 

Andrea escreveu “Meu Amigo Partiu”, Centro de Estudos Vida & Consciência Editora, em homenagem ao melhor amigo de sala de aula do seu filho, vítima da tragédia em 2011, que ocorreu em Teresópolis, região serrana do Rio de Janeiro. Nós três, unidas pela literatura, fomos tocadas pela perda. Hoje é o dia do ano em que nos recolhemos para homenagear pessoas que nos deixaram e contemplar as histórias de amor que com elas tivemos.

A literatura nos abraça com belos textos que mostram que a vida termina, como “A Morte é um Dia que Vale a Pena Viver”, Editora Sextante, em que a médica Ana Cláudia Quintana Arantes, geriatra e gerontóloga, com pós-graduação em Psicologia, narra sua experiência com pacientes terminais. E “É de Morte”, editora FTD, em que Flávia Savary escreve contos juvenis para abordar a morte. 

Li esses livros querendo entender a morte e para melhor aceitar a ideia que a vida é finita, haja vista que é um dos mais difíceis entendimentos que alguém possa ter. Penso que talvez seja necessário viver anos e anos para aceitar com firmeza e desprendimento de espírito essa certeza imponderável.

Por outro lado, é bom pensarmos nas relações que estabelecemos com as pessoas que partiram, revermos como estivemos ao lado delas e como contribuíram para a construção do nosso destino. É bom recordar os fatos até para interpretar os momentos difíceis que com elas tivemos e chegar a conclusões que venham a melhorar nossos modos de viver. É bom orarmos pelos mortos porque a religiosidade nos ensina a respeitá-los e a aproveitar o legado que nos deixaram. 

Hoje é o dia de acenarmos a eles com alegria por tê-los tido em nossas vidas.  Certamente, em um tempo futuro também não estaremos mais aqui. Quando eu partir, confesso, gostaria de receber acenos calorosos dos vivos para fortalecer minha caminhada espiritual. 

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Hellen Keller

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

As colunas passadas, em que abordei a literatura construída por escritores cegos, me sensibilizaram. Não tenho privação de sentidos, mas eu me identifiquei com eles através da admiração que senti ao conhecer os processos de superação pelos quais passaram. Foram além dos limites extremos impostos pela ausência de visão e tornaram-se escritores valorizados no universo literário. Todavia não fosse a vontade implacável de ir além, teriam permanecido nas fronteiras impostas pelos limites físicos. 

As colunas passadas, em que abordei a literatura construída por escritores cegos, me sensibilizaram. Não tenho privação de sentidos, mas eu me identifiquei com eles através da admiração que senti ao conhecer os processos de superação pelos quais passaram. Foram além dos limites extremos impostos pela ausência de visão e tornaram-se escritores valorizados no universo literário. Todavia não fosse a vontade implacável de ir além, teriam permanecido nas fronteiras impostas pelos limites físicos. 

Nós, pessoas dotadas de corpos em boas condições de funcionamento, tendemos a nos acomodar diante de algumas dificuldades implacáveis com as quais nos deparamos, com pouca coragem para romper as linhas divisórias que nos cercam. A privação impulsiona de modo extraordinário o desenvolvimento e aperfeiçoamento das capacidades humanas. 

Por isso não poderia deixar de aplaudir a filósofa, escritora, conferencista Hellen Keller, exemplo da capacidade de alguém sobrepujar os piores desafios que a limitação dos sentidos possa impor. Hellen nasceu nos Estados Unidos, no estado do Alabama, em 1880. Aos dezoito meses de idade ficou cega e surda em decorrência de uma doença, na época denominada febre cerebral, provavelmente teria sido meningite ou escarlatina. Ela teve como professora Anne Sullivan, também deficiente visual, que a acompanhou ao longo de quarenta e nove anos. Sem se habituar às limitações, foi a primeira pessoa com surdez e cegueira a conquistar o bacharelado. Visitou mais de quarenta países como ativista e defensora dos portadores de deficiências, além de outras questões como o controle da natalidade e respeito aos direitos humanos. Sua história tem uma beleza especial em termos de humanidade, coragem e perseverança.

Ao longo de sua vida publicou doze livros e escreveu artigos diversos. Sua primeira obra foi escrita durante o curso de filosofia, em 1903, aos 22 anos, uma autobiografia “The History of My Life”, em que narrou sua história de vida até aos 21 anos. Em 1908 escreveu “The World I Live In” em que relatou o modo como se sentia em relação ao mundo.  

Hellen Keller recebeu títulos e diplomas honorários em vários países, como a França, Japão e Índia. Foi indicada duas vezes ao Prêmio Nobel da Paz, em 1953 e 1958. No Brasil recebeu a “Ordem do Cruzeiro do Sul”, comenda que o Presidente da República atribui a personalidades notáveis nascidas em outros países.

 Faleceu em 1968, aos 87 anos, legando-nos um exemplo de vida. Além de tudo, usou a literatura para contar sua história, expor sentimentos e ideias. 

Para finalizar, deixo algumas frases sua para reflexão.

“As melhores e as mais lindas coisas do mundo não se podem ver nem tocar. Elas devem ser sentidas com o coração.”

“O otimismo é a fé em ação.”

“A ciência poderá ter encontrado a cura para a maioria dos males, mas não achou ainda o remédio para o pior de todos: a apatia dos seres humanos.”

“A vida é ou uma aventura audaciosa ou não é nada. A segurança é geralmente uma superstição. Ela não existe na natureza.”

“Podemos fazer tudo o que quisermos se formos perseverantes.”

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Ao fechar os olhos

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Durante o relaxamento no final das sessões de Yoga, escutando os passarinhos e os ruídos do vento nas matas de Nova Friburgo, com os olhos fechados, mergulho na ausência de visão, que não me é escuro ou vazio, que não é excludente. Adentro um universo quase desconhecido. Ao mergulhar dentro de mim, invado meus pensamentos e sensações, em que o ambiente e eu ganham outra dimensão quando passo a me perceber e o que está em meu entorno através da audição e das impressões que meu corpo capta. Sinto com mais nitidez a respiração, os batimentos cardíacos, cada parte do corpo.

Durante o relaxamento no final das sessões de Yoga, escutando os passarinhos e os ruídos do vento nas matas de Nova Friburgo, com os olhos fechados, mergulho na ausência de visão, que não me é escuro ou vazio, que não é excludente. Adentro um universo quase desconhecido. Ao mergulhar dentro de mim, invado meus pensamentos e sensações, em que o ambiente e eu ganham outra dimensão quando passo a me perceber e o que está em meu entorno através da audição e das impressões que meu corpo capta. Sinto com mais nitidez a respiração, os batimentos cardíacos, cada parte do corpo. Gosto de sentir a vida pulsar. Ao cerrar meus olhos é como se desnudasse um ser distinto daquele a que estou acostumada a conhecer. O relaxamento profundo é uma oportunidade de autoconhecimento, momento único e de riqueza estonteante. Quando meus pensamentos se dispersam, imagino os cegos, especialmente os escritores, que são capazes de ver eles mesmos, o mundo e a vida com os olhos da cegueira.

Ao elaborar o texto desta coluna, vou trazer os sábios pensamentos dos escritores que tiveram deficiências visuais e que refletiram a experiência existencial.  Vou atribuir (H) a Homero; (B) a Jorge Luis Borges, (J) a James Joyce; (A) Aldous Huxley. Porém não vou escrever literalmente suas ideias, mas vou aproveitá-las para elaborar reflexões ao fechar meus olhos.

***

Suspiro, relaxo e vou entrando, lentamente, no meu mundo interior, num universo que é exclusivamente meu e somente eu posso transformá-lo (A). A cada tímido passo, vou lendo e a interpretando o aqui e o agora, o meu tempo presente (H), sem me preocupar com o passado e o futuro. De modo sereno e paciente, vou entendendo o momento em que vivo, tão complexo e desafiador.

Quero viver bem e escapar do hediondo! Então, o que posso fazer? O que tenho capacidade para fazer? (H) São questões distintas e difíceis de serem respondidas. Apenas sei que não tenho o poder dos deuses, mas quero, na simplicidade, construir uma vida, a minha. Mesmo sabendo que a felicidade não é grandiosa (A), vou aprendendo a fazer a vida acontecer através das experiências diárias. Com as incertezas que os dias me apresentam, (J) encaro os erros como verdadeiros portais de descobertas, que me orientarão nas decisões que tomarei a cada momento. 

O tempo me faz ser quem sou, constitui-me. (B) De todos os infortúnios que preenchem o agora, tenho apenas uma certeza: o rancor nunca superará paz. Como também não vale a pena depositar esperanças no futuro. Vale a pena, (C) sim, ter consciência de que posso ser o maior perigo para mim. Afinal de contas, que companheira me sou?

Não devo viver cada momento em função do próximo (J). Sou e fluo no presente, pois é nesta dimensão em que tudo acontece e se modifica (C), em que me transformo, adquiro novas qualidades e construo vontades inéditas. Porém tenho de cuidar para nunca pensar e desejar algo, mas fazer ou dizer ao contrário. (H) Não devo mergulhar no meu próprio submundo. 

Não estou só nesta experiência existencial, tenho o outro, muitos outros a minha volta, que me ajudam e suavizam os fardos que carrego e as tarefas que tenho a fazer (C). É, pois sim, na convivência e na interação que preciso saber com nitidez onde começa a terra e onde começa o mar. Todos nós somos inconstantes e diversos; ninguém é igual a outro, muito menos somos os mesmos em todos os momentos. (A) Apesar dessas características humanas, podemos ser parceiros. Contudo, (J) compartilhamos as dores, mas os prazeres... Ah, os prazeres, nem tanto; há algo aborrecedor na felicidade alheia.

Quanto mais me adentro, (A) mais descubro inconstâncias e incongruências nos pensamentos e sentimentos, que, afinal de contas, fazem parte de mim. A música e o silêncio mostram esse caos, muitas vezes inexprimível.  Diante da impostura, da instabilidade e da leviandade, apenas tenho uma certeza, nada é bem resolvido com violência (J). Por isso é bom fechar os olhos e ver. Pensar. Decidir.

Mas, amigo leitor, sabia que vez em quando, é bom a gente se perder?  Não se seja tolo nem se engane: todos os caminhos nos levam à morte. (J)

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A deficiência visual e a literatura

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

“Para a tarefa do artista, a cegueira não é totalmente negativa, já pode ser um instrumento.”

Jorge Luis Borges

Ao escrever a coluna da semana passada, fiz um breve relato histórico sobre a máquina de escrever e fiquei surpresa ao saber que sua invenção foi motivada para atender às necessidades de pessoas cegas. Resolvi dar continuidade às pesquisas e tive a oportunidade de conhecer fatos interessantes a respeito das relações entre a literatura e os escritores com deficiência visual.

“Para a tarefa do artista, a cegueira não é totalmente negativa, já pode ser um instrumento.”

Jorge Luis Borges

Ao escrever a coluna da semana passada, fiz um breve relato histórico sobre a máquina de escrever e fiquei surpresa ao saber que sua invenção foi motivada para atender às necessidades de pessoas cegas. Resolvi dar continuidade às pesquisas e tive a oportunidade de conhecer fatos interessantes a respeito das relações entre a literatura e os escritores com deficiência visual.

Não poderia deixar de ressaltar que o corpo humano tem capacidade extraordinária para adaptar-se às situações diversas e adversas, tornando-se apto a sobreviver e a interagir nos ambientes naturais e sociais. Um estudo publicado na “Plos One”, revista científica online, publicada pela Public Library of Science, que apresenta pesquisas primárias nas áreas da ciência e da medicina, divulgou um estudo que mostra as diferenças anatômicas, funcionais e estruturais entre pessoas cegas e as que não possuem deficiências visuais. Os pesquisadores do Schepens Eye Research Institute of Massachusetts Eye and Ear observaram que as diferenças estão associadas com a audição, olfato, tato e cognição de modo a capacitar o cérebro a compensar a ausência da informação visual. Sem a informação visual, as áreas motoras, auditivas e de linguagem são mais demandadas, fazendo com que o cérebro encaminhe para essas e outras áreas as informações não recebidas e amplie o aumento dos outros sentidos. O deficiente visual vê com o cérebro quase por inteiro.

Apesar de não ver, o cego tem os olhos abertos para o mundo, possivelmente mais do que aquele que possui o sentido da visão. Quem nasce cego, só sabe que o é quando alguém lhe diz.  

 A cegueira é um diamante à literatura, dado que a ausência da visão, total ou parcial, permite ao escritor estabelecer uma relação particular e profunda da vida. Ao escrever, o deficiente visual caminha pelo desconhecido com tranquilidade, sendo capaz de perceber com agudeza os detalhes e diferenças entre as circunstâncias que envolvem os fatos. A cegueira não lhe é silenciosa, tem a voz narrativa da inteligência emocional e espiritual com que percebe o mundo. O cego capta a realidade com os olhos da sensibilidade.

Vou citar alguns escritores que ficaram cegos ao longo da vida e revolucionaram a literatura. Tenho certo cuidado em citar Homero, autor de duas obras fundadoras da literatura universal, Ilíada e Odisseia, uma vez que não há comprovação da autoria dos seus poemas e pouco se sabe sobre a sua história. Conta-se que em Ítaca, ilha grega do Mar Mediterrâneo, Homero coletou dados para escrever sobre a vida de Ulisses, entretanto, nessa estadia, teve uma grave doença nos olhos que o cegou. Os poemas de Homero datam do século VIII ou IX a.C. e foram transmitidos através da tradição e recitação oral. Durante sua vida, Homero viajava de cidade em cidade, cantando seus poemas épicos nas cortes dos reis e nos acampamentos de guerreiros.

Luís de Camões, poeta português, considerado um dos maiores representantes da literatura em países de língua portuguesa, nasceu no século XIV, estudou filosofia e tornou-se poeta. Depois, soldado, perdeu um olho numa batalha no norte da África e teve que se afastar das atividades militares. Então, escreveu “Os Lusíadas”, obra de poesia épica, que ofereceu à língua portuguesa dignidade cultural e política.

Jorge Luis Borges, poeta, contista, ensaísta e crítico literário argentino é considerado como um dos melhores escritores do século XX. Ele ficou cego depois dos cinquenta anos devido a uma degeneração genética na retina. Mesmo sem a visão continuou a criar contos, vagando entre a filosofia e a fantasia, escrever poesias com lirismo e elaborar ensaios com rigor acadêmico. 

Outros autores, como Aldous Huxley e James Joyce também foram deficientes visuais e nos presentearam com a profundidade com que captaram o mundo. 

Por fim, encerro a coluna com uma frase de Clarice Lispector: “É necessário certo grau de cegueira para poder enxergar determinadas coisas.”

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E a máquina de escrever?

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Noutro dia, num bate-papo de botar a conversa no centro da roda, uma amiga da família, Bia, falou a respeito da máquina de escrever. A minha geração e as subsequentes, as que nasceram entre as décadas de cinquenta e oitenta do século passado, tiveram os ouvidos acostumados com o bater das teclas, “tic-toc-tac-tic”, um barulhinho gostoso e discreto, que tomava conta do ambiente. Como minha avó era tradutora de livros literários, passei bom tempo da minha infância escutando o teclar da máquina.

Noutro dia, num bate-papo de botar a conversa no centro da roda, uma amiga da família, Bia, falou a respeito da máquina de escrever. A minha geração e as subsequentes, as que nasceram entre as décadas de cinquenta e oitenta do século passado, tiveram os ouvidos acostumados com o bater das teclas, “tic-toc-tac-tic”, um barulhinho gostoso e discreto, que tomava conta do ambiente. Como minha avó era tradutora de livros literários, passei bom tempo da minha infância escutando o teclar da máquina. Aquele som ritmado e inebriante me parecia uma música e, acredito, que ficou no meu inconsciente como uma recordação dourada e ainda me embala quando escrevo textos, como este, no computador.

Minha mãe fez questão de me colocar num curso de datilografia nas férias porque todo mundo tinha que ter agilidade com o teclado. Fiz o curso um tanto quanto relutante porque queria estar na praia. Porém, até hoje, sou beneficiada pelo aprendizado quando dedilho as teclas do computador, sendo apta a usar todos os dedos das mãos, o que me é prazeroso e facilita o processo de escrita.

Quantos escritores, jornalistas, dramaturgos, poetas e roteiristas se utilizaram da máquina de escrever para transpor para o papel suas ideias? Ou mesmo para passar à limpo o que escreveram em rascunhos? Vale a pena informar que o primeiro texto literário escrito em uma máquina de escrever, que se tem notícia, foi o conto de Sherlock Holmes, “Um caso de identidade”, em 1891, por Sir Arthur Conan Doyle. 

Este equipamento feito de ferro, madeira, alumínio ou peças de plástico tem uma longa história e participou da construção da civilização moderna com eficiência e praticidade. Mas não foi criado com rapidez. Foi gestado a conta-gotas, ao longo de décadas, tendo sido resultado de invenções progressivas, em diversas partes do mundo, que elaboraram, aproximadamente, cinquenta protótipos. Sua utilização inicial foi para atender pessoas com deficiência visual.

É um equipamento composto de teclas que, ao serem acionadas, movimentam tipos impressores de letras, números e caracteres sobre o papel. Depois de invenções mais rudimentares, as primeiras, no início do século XIX, surgiram na Itália. Entre 1820 e 1870 diversas máquinas de impressão ou datilografia foram patenteadas na Europa e nos Estados Unidos. Inclusive, o governo brasileiro considera que o padre João Francisco de Azevedo, em 1861, tipógrafo no Recife, foi seu inventor, ao criar uma máquina de escrever em madeira jacarandá, com 16 pedais. Seu engenho recebeu a Medalha de Ouro do Imperador Dom Pedro II, na Exposição Agrícola e Industrial de Pernambuco.

Esse equipamento mecânico foi uma das mais importantes conquistas tecnológicas no início do século XIX. Nas décadas seguintes, houve uma demanda crescente pela mecanização do processo de escrita, dado que a máquina de escrever tinha potencial para registrar 130 palavras por minuto, enquanto uma pessoa, escrevendo à caneta, limitava-se a 30 palavras por minuto.

A partir de então a antiga “tic-toc-tac-tic” veio sendo aperfeiçoada, produzida em escala e tornando-se cada dia mais popular. Seus modelos foram sendo simplificados, tornando-a fácil de manusear e transportar. Além de, indiretamente ampliar as possibilidades do mercado de trabalho para a mulher, fazendo surgir a profissão de datilógrafa. 

Depois das máquinas manuais, vieram as eletrônicas. E, atualmente, os computadores as substituíram. Estão sendo, as que ainda restam, guardadas como relíquias do passado.  Faz parte da evolução tecnológica. 

As máquinas de escrever marcaram um tempo de vida, de criatividade e de mundo. Eis que uma pergunta me surge: seriam os escritores mais criativos ao bater nas suas teclas, inclusive em modelos que requeriam força nos dedos?

Tenho, porém, uma certeza: com toda a força que as máquinas exigiam dos seus datilógrafos, não se falava, na época, em tendinites!

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Conversar, escrever e ajeitar a vida

segunda-feira, 03 de outubro de 2022

Hoje vou sobrevoar este meu dia porque estou me sentindo solta das ideias mais formais. Esta descontração me permite encontrar o meu melhor espontâneo, que faz vir à pele a sensibilidade com que toco a vida. 

Aquele que pensa e escreve precisa se distanciar da seriedade e brincar com os momentos que, se percebermos, nos convidam ao flanar sobre a realidade. Constato que nosso estado de espírito tem algo de muito irreverente e grita por liberdade.

Hoje vou sobrevoar este meu dia porque estou me sentindo solta das ideias mais formais. Esta descontração me permite encontrar o meu melhor espontâneo, que faz vir à pele a sensibilidade com que toco a vida. 

Aquele que pensa e escreve precisa se distanciar da seriedade e brincar com os momentos que, se percebermos, nos convidam ao flanar sobre a realidade. Constato que nosso estado de espírito tem algo de muito irreverente e grita por liberdade.

Há quem goste de compartilhar e de escrever suas percepções em diários ou em pedaços de guardanapo. Saint-Exupéry se inspirou para escrever o “O Pequeno Príncipe” assim. A escrita é uma das trocas mais fascinantes com o mundo. É etérea. Uma exposição incrível do “eu sou”, uma forma de mostrar “sou assim e pronto”, “penso desta maneira”, e, por aí, vai-se tecendo o estar na vida. Através das palavras, a criatividade desponta, ajeita o quotidiano de modo personalizado. Coloca as coisas no lugar certo; certo para cada um. Quando deixamos a expressão autêntica se manifestar, somos da melhor forma, superamos o que querem que sejamos. Ah, somos tantos... Mas este “eu sou”, já dizia Lacan, é o mais intenso e verdadeiro. Tem gente, como eu, que custa a interpretar esta proposição fundamental. Meu amigo, a derradeira verdade tem um modo de se apresentar com leveza e brincadeira, que se mostra através das palavras soltas, escritas e faladas. 

Escrevendo, cozinhando e amando. Vivendo e ajeitando a vida. Sendo.

Contudo um turbilhão de sentimentos e vontades nos carregam sem perguntar ou não se queremos tê-los. Quem já não quis voar? Quem já não se apaixonou secretamente? Quem já não desejou procurar pelo Mágico de OZ? Isso é a força da vida pulsando nas células, convidando-nos a agir, a falar, a dizer o que existe em nossas almas, na maioria das vezes pouco serenas. Até insensatas. 

Quem escreve tem um trunfo: um portal no imaginário que lhe permite usar palavras nas linhas e nas entrelinhas para expressar-se da forma como bem quer. Dizer isso e aquilo de jeito ajeitado e desajeitado. Dizer, apenas.

A cozinha, a folha de papel e o vento recebem nossos talentos e insumos com grandiosidade. O vento bate em nossas faces, mas não nos acorrenta. O papel nos desafia, mas não nos impede de preenchê-lo. Na cozinha produzimos o alimento vital, mesmo se queimamos as panelas.

Tudo se resume no amor, que não é banal, é nobre e belo. É vivido, desejado, imaginado. Falado e escrito. Ama-se tudo. Até o prego que segura o quadro na parede. Ama-se a chuva. Ama-se.

Aquele que escreve, como faço agora, põe o nariz para fora da janela e respira novos ares. Ora pois, não é saudável remover a terra e oxigenar as raízes das plantas?

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