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Pedra do Arpoador

sábado, 18 de março de 2023

As águas de março já vão varrendo o verão. As águas do mar apenas me separam de outros continentes. Da Pedra do Arpoador, a cidade mais próxima é Walvis Bay, a quase seis mil quilômetros azuis. Pelo caminho, talvez, ilhotas que não formam um lugarejo, muito menos um país. Toda a vida está no oceano e no céu que há sobre ele. 

As águas de março já vão varrendo o verão. As águas do mar apenas me separam de outros continentes. Da Pedra do Arpoador, a cidade mais próxima é Walvis Bay, a quase seis mil quilômetros azuis. Pelo caminho, talvez, ilhotas que não formam um lugarejo, muito menos um país. Toda a vida está no oceano e no céu que há sobre ele. 

O mesmo mar que me separa de outros continentes, não me afasta de outras possibilidades. A gaivota ligeira ensina que, assim como há uma infinidade de espécies de peixe no mar, há uma infinidade de cores no mesmo azul do céu. Escapam aos olhos sem poesia. Iludem as mesmas visões de quem teima em apenas ser poeta. A vida real não é das mais colaborativas com os românticos. 

As estações, uma a uma, ciclo após ciclo, desvirginam a ingenuidade. E nos tomam tanto, sem no entanto, levar as tolices. Colecionadas, viram teimosia e teimosas insistem em, quem sabe, nos fazer enxergar por outros ângulos. Pela premissa dessa visão incerta, dobramos a aposta. 

Do lado de lá, do outro continente, não veem e tampouco sabem das pedras do Arpoador. Estrangeiros olham os detalhes que levam nas fotografias. O Cristo Redentor ao longe, faz braços abertos para todos: cretinos, espertos, inocentes, vividos, indecisos, perdidos… 

Encantados, ignoram o cheiro de mijo e o lixo deixado por gente mesquinha. Capturam apenas a orla de Ipanema se juntando ao Leblon e o imperioso Morro dos Dois Irmãos, por onde primeiro se despede o Sol. Casais de todo tipo e combinações se beijam ao mesmo pôr do sol. Solitários perambulam por suas trilhas e imaginam o que há dentro do mar, inclusive o mar que carregam no peito. 

Há quem procure algo, há quem nada procure. Algo os encontrará? Hoje não sei, tanto quanto amanhã ninguém se atreverá saber. Em outros lugares, com mar ou sem mar, a cena se repete com pessoas diferentes, mas com personagens bastante semelhantes. 

Do outro lado do continente, o mesmo deve acontecer, enquanto as estações correm para tomar lugar na determinação do quanto chove, da permissibilidade com as flores e frutas, no comando de como devem ser os dias, se mais frios ou mais quentes. 

Somos como as estações. E, mesmo sem os cataclismas de El Niños ou El Niñas, determinamos os modos do tempo que temos. Se o Sol vai sair e se sair o quanto pesará os ombros ou trará leveza para as vistas. Se colheremos minutos nas horas e como serão esses frutos que plantamos. O melhor — se não se autocondenar — o sabor dos frutos pode mudar mesmo que já crescidos. E se o gosto é azedo e não se quer azedo, por que colher? Deixe no pé até cair, apodrecer, se tornar outra coisa na terra seca. 

As ondas do mar fazem barulho intenso, em ritmo constante. Não ousam surpreender, mas não se repetem no que trazem, no que levam. Como parte de algo maior, nos insultam. As águas do mar batem nas pedras e vagarosamente, quase que imperceptivelmente, vão moldando suas formas, costuram as ilhas que há entre os mesmos transformados continentes. 

Da Pedra do Arpoador, o infinito cabe em um pequeno grande espaço. De abraços em si mesmo, de braços dados a uma cidade, de olhares cruzados em uma orla que faz recorte do oceano como se as praias não pudessem invadi-los — cidade e donos dos olhares. 

Quando a noite dispensa o sol, a escuridão é vencida pelas estrelas e a mesma Pedra do Arpoador, agora mais vazia, se guarda para ter repetido tudo de novo. E não é exclusividade sua. O mesmo é com todos os descobertos lugares do mundo, exatamente como a gente mesmo nas imprevisíveis estações que fazemos ou adotamos. E são as estações que nos fizeram e nos fazem evoluir. 

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A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

No meio da poesia

sábado, 11 de março de 2023

Estou à procura de achados que ainda não encontrei. Talvez tenha vislumbrado, mas jamais encontrado. Olhar atento, caminho pelas ruas dos dias para no meio da poesia quem sabe… 

O que será percebido? O que me emprestará a interpretação no agora? Porque o que fomos nos trouxe, mas a leitura que vale é a desse ser que vive agora. 

Amanhã? Talvez me avalie adolescente demais, desses que vão no afã da ocasião ou adulto de menos, como os que decidem apenas com o coração.  

Estou à procura de achados que ainda não encontrei. Talvez tenha vislumbrado, mas jamais encontrado. Olhar atento, caminho pelas ruas dos dias para no meio da poesia quem sabe… 

O que será percebido? O que me emprestará a interpretação no agora? Porque o que fomos nos trouxe, mas a leitura que vale é a desse ser que vive agora. 

Amanhã? Talvez me avalie adolescente demais, desses que vão no afã da ocasião ou adulto de menos, como os que decidem apenas com o coração.  

Se a ingenuidade me protegeu — não sei. Talvez a poesia, sim, a poesia proteja os que fazem das cicatrizes tatuagens que artistas apreciam.  

Ah! A poesia. Sujeito oculto que merece ser singular e até composto quando fala de dois. Eu e você, todos nós que se desatam como o voo da pétala que se desprende da flor e desaprende a ser presa. Livre, plaina. E ao encontrar refúgio, simplesmente, pousa para ao vento dos versos voar quando bem se encantar. 

Não sei quem é mais poeta. Se o autor que escreve ou se aquele que lê e entende até mesmo quando diz não compreender. Admitir que admira o que não entende é de tal leveza que afasta a vaidade vil. 

Assim, os poetas são seres maravilhosos, porém, mais maravilhosos ainda são os leitores que se deixam afetar pela viagem exclusiva que fazem nas mesmas rimas que se distribuem ao sabor de cada olhar e da experiência que cada um tem no instante que está.

No meio da poesia… Quem sabe? Sem querer se fazer esconderijo de fascinações ou dramas, sem a presunção de ser respostas ou soluções. No meio da poesia talvez se encontre aquilo que se procura com aquilo que surpreende, que não se espera ou tampouco se imagina. Mesmo por mentes que visitam longínquas estrelas. Será que é possível surpreender pensamentos que vivem nas luas de Saturno? 

O susto, a curiosidade o despertar novo para quem já foi despertado antes. Falar de amor e suas estranhezas e mesmo que pareça que todos os amores já foram descritos, escrever e ler o amor com ineditismo, pois todo amor tem talento para ser inédito. Somos poetas mesmo sem saber escrever poesias, pois ao lê-las, ainda que nos livros da natureza, poetizamos a existência para suavizar o existir. 

No meio da poesia pode vir tudo e do mesmo meio soar e ser diferente para quem se será amanhã. Para a poesia, afinal, tudo é possível. 

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A vida é frenesi

sábado, 04 de março de 2023

Eu não tenho talento pra cantar ou para dedilhar violão. Até invejo quem tem. Meu talento é ler pessoas. Escrever sobre elas. Sobre o que sabem e o que não sabem. Sobre o que são na superfície, no esconderijo de suas existências ou mesmo sobre o que invento sobre elas na minha mais fértil imaginação. 

Eu não tenho talento pra cantar ou para dedilhar violão. Até invejo quem tem. Meu talento é ler pessoas. Escrever sobre elas. Sobre o que sabem e o que não sabem. Sobre o que são na superfície, no esconderijo de suas existências ou mesmo sobre o que invento sobre elas na minha mais fértil imaginação. 

Já reparou como os pombos das cidades grandes são feios? Sujos, bem sujos pela poluição, que fazem serem mais cinzas do que o cinza dos prédios que perfilam suas avenidas. O verde das árvores, todas as árvores que formam as Matas Atlântica e Amazônica, não são tão monocromáticos como o cinza do cimento e da poluição que impregna os pombos. A multiplicidade de verde tornam os tantos verdes em outras cores. Verdes talvez, mas que tipo de verde? 

Bom é ser de todas as cores, carregar tantas quantas forem as cores, dos arco-íris, da natureza silvestre, dos antigos baobás nas savanas, dos olhos de todas as mulheres. Elas enxergam melhor, não pela nitidez das visões de seus olhares, mas pela sensibilidade que, talentosa e instintivamente, filtra raios solares noturnos e diurnos também. 

Se eu soubesse tocar violão, dos meus dedos saltariam cores entre as notas musicais. Mas eu não sei sequer dedilhar um violão, quiçá um de sete cordas, como aquela moça. Parecida com a personagem Dona Anja de Josué Fernandes. Semelhante, muito semelhante, à Luiza do Antonio Carlos Jobim. Pode ser que ela seja a Beatriz do Edu Lobo com o Chico Buarque. (Beatriz que, na verdade, deveria ser Agnes). 

- Agnes? 

- Maria Alice!

Maria Alice e todas as demais mulheres do mundo do homônimo “Todas As Mulheres do Mundo” do Domingos Oliveira. A insuspeição: ela é ela. E elas não são de ninguém. Nem mesmo de seus autores, progenitores, amantes, admiradores. 

Não precisa ser homem ou hétero para admirar a beleza, a desenvoltura, a individualidade de uma mulher. 

Admirar é o que faz a vida ser frenesi. Se admirar é frenesi completo, desenfreado, desembestado, desimpedido. Somos. Será? Quem haverá de nos impedir? Desimpedidos de se gostar e saber que amor e perfeição não casam. Mesmo que aparentem andar juntos por aí até a marcha nupcial, amor sobrevive na imperfeição ao ponto que perfeição não lhe encaixa. 

Eu sou todas as cores. Se coloridos, colorimos os caminhos por onde passamos, inclusive os dias. Os dias distribuídos nessa linha reta meio que dividida também em horas, mas mais clara quando traçada ano a ano… Porém,  mesmo que traçada em semanas ou meses, inevitavelmente, nos leva a linhas de chegada. 

Queria que aquele dia não acabasse. Romper o ventre não bastaria. Nascer é pouco. Viver é do que podemos querer mais! 

Talvez seja verdade, possivelmente seja incerto se não for nada disso. O que sei, nem eu mesmo sei se é verdade. A verdade é tão fora de si. Não é sobre mim ou sobre os outros ao fim. É o tempo. É a vida. 

Pode ser que o mundo não cante ou toque violão. Pode ser que o tempo nem saiba observar pessoas, falar sobre elas. O tempo tem ego tão grande que engole a si mesmo. O tempo podia mesmo é se foder em plenitude e pleno se foder.

Porra, as mães são sagradas! Minha mãe, nossas mães. Mamãe. Por que as mães morrem? 

Escapulir é melhor que viver renascendo? Porque se achar é melhor que fingir fugir se achando. Vai saber… Se soubesse — esqueceria. O tempo tem Alzheimer? Não. O tempo tem maldade de nós envelhecermos sem nos ensinar a ser jovens enquanto juventude.  

Eu só queria ser o tempo sem ter a sua malícia. Sem ter a sua maldade. Sem ter a sua finitude que escapa ao seu (meu) próprio fim. Mas se é assim… Melhor que a vida seja mesmo frenesi.  

Mais importante que saber tocar violão é perceber a canção. Perceber, para além de toda a música e sons. E, ao perceber, também se perguntar: por que querer a eternidade se na finitude que temos perdemos tempo com bobagens?

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Se eu não soubesse o que é o carnaval…

sábado, 11 de fevereiro de 2023

Se eu não soubesse o que é o carnaval, se eu já não tivesse te conhecido. Ah, não sei. Talvez, eu teria um conceito diferente do que é alegria, felicidade, essa coisa de se esbanjar, ser entregue, se deixar levar... Pela música, pelos brilhos de tantas cores que nem sei o nome, pelas multidões ou simplesmente pelo bailar da passista quase toda despida. 

Se eu não soubesse o que é o carnaval, se eu já não tivesse te conhecido. Ah, não sei. Talvez, eu teria um conceito diferente do que é alegria, felicidade, essa coisa de se esbanjar, ser entregue, se deixar levar... Pela música, pelos brilhos de tantas cores que nem sei o nome, pelas multidões ou simplesmente pelo bailar da passista quase toda despida. 

Nada mais próximo de inclusão do que o carnaval. Ser quem se é ou outra coisa qualquer, ainda que em sonho de verão de fevereiro. Sem julgamentos. Ser rei e como tal, decretar anistia a todos de bom coração, inclusive a si mesmo. Ser Pierrô, Colombina, bobo da corte, mascarado, qualquer famoso e assim como o rei, liberto para todo o regozijo que possa existir.  

Se eu não te conhecesse e te visse agora... Meu Deus! Seria melhor do que ver o mundo do alto das mais elevadas montanhas. De pronto, eu já me encantaria com todo esse povo na rua. Eu, igualmente povo, no meio da multidão, mais do que vislumbrando  vivendo as tantas possibilidades de conhecer e se conhecer. Quem sabe só um amor de carnaval ou um amor para além dele. E se só for um beijo bom que finca na memória — deleite. E se for aquele abraço de quem nunca nem se saberá o nome, mas prevejo que marcará e dará à folia, a nostalgia que fantasiará todos os próximos carnavais. 

Se eu não soubesse o que é o carnaval... Eu me embasbacaria com a chuva de confetes e serpentinas. Que beleza ver as crianças fantasiadas de heróis diversos se esbaldando em ingenuidade que também se faz presente em adolescente que quer dar os primeiros beijos, os primeiros amassos. 

O despertar do próprio corpo é repleto de romantismo e o romantismo é infantil, quase fantasioso. Mas não se engane, para depois do carnaval é jornada intensa e muitas vezes até cruel. Ser adulto não é fácil. Amadurecer feliz é desafio. 

Tentam resumir você à festa da carne. Você, carnaval, é a festa do despertar que faz burburinho na alma. Pudesse ser o ano inteiro.  

Ah, carnaval! Se eu não te conhecesse, te amaria à primeira vista. Esses sons de instrumentos de sopro e batuques. Essa musicalidade que entra no corpo e faz dançar, sambar... Não importa se quem é invadido por essa energia musical sabe dançar ou não sabe sambar. Dance bem, sambe mal e aqui nessa festa, Tim, vale tudo, absolutamente tudo. 

E, de repente, mesmo tendo dificuldade de decorar canções, acaba por saber de trás para frente e de frente para trás todo samba-enredo da escola campeã ou a que se escolhe para morar no coração. Portela! Desde 1995 sei todos os seus sambas. Dos seus cem, tantos icônicos sambas que fazem meu coração se pintar de azul e branco. 

Se eu não soubesse o que é o carnaval… Ficaria em êxtase já no primeiro bloco, do pré-carnaval. E desfilaria em todos os blocos, os que saem de manhã, os que desfilam à tarde, os que brincam à noite, de madrugada, os que parecem maratona.

Cansaço? Deixaria para depois da quarta-feira de cinzas. Por que ao te conhecer, pela primeira vez, adiaria seu fim ao máximo e apaixonado ainda haverei por festejar na quadra da escola campeã, seja qual for, se por merecimento. Pelas fantasias, pela criatividade, pela viagem de imaginações em realidade, pelas inovações, pelas críticas sociais, mas acima de tudo pelo sentimento deixado.  

Eu te conheço, carnaval, e sinto saudade de você em todos os outros meses do ano. Eu te conheço há tempos e desde a primeira vez te faço ser nostalgia para todos os momentos vindouros. E te reinvento na minha própria reinvenção. E te quero cada vez mais. E desfilo em suas fantasias, físicas, mas não só. 

As fantasias que giram nas alegorias que fartam a minha existência. E te canto em seus encantos. E me divirto em pulos, rodopios, viagens que faço quando estou na arquibancada, na avenida, nos beijos que dou e me roubam. Nos amores que ficam e mesmo indo — perduram e estendem o carnaval para o ano inteiro em festa de intimidade. 

Sim! Já beijei e esqueci o nome de quem me beijou se é que perguntei o nome. Mas o seu nome carnaval... O seu está tatuado em mim.

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As quatro válvulas do coração

sábado, 04 de fevereiro de 2023

Por que o tempo passa tão ligeiro quando a felicidade nos visita? Mesmo fazendo morada, a estadia da felicidade sempre parece menor do que deveria ser. Não porque somos um tanto insaciáveis. Vorazes? Não somos tão famintos como o tempo, que nos devora, e, sempre se atreve a abreviar esses momentos em que fabricamos saudades. 

Se pensarmos que estamos fabricando saudades nesses instantes, perdemos a felicidade que nos contagia. Melhor viver intensamente e pensar nisso depois. Pensando, revivemos, mas sem a mesma mágica.

Por que o tempo passa tão ligeiro quando a felicidade nos visita? Mesmo fazendo morada, a estadia da felicidade sempre parece menor do que deveria ser. Não porque somos um tanto insaciáveis. Vorazes? Não somos tão famintos como o tempo, que nos devora, e, sempre se atreve a abreviar esses momentos em que fabricamos saudades. 

Se pensarmos que estamos fabricando saudades nesses instantes, perdemos a felicidade que nos contagia. Melhor viver intensamente e pensar nisso depois. Pensando, revivemos, mas sem a mesma mágica.

Tudo tão efêmero e instagramável. Ou seria instagramável e por isso efêmero? Coleção de fotos posadas e repletas de filtros. Para quem? Tantas paisagens se desfazendo em pixels e pelos mesmos pixels se fazendo em fantasia. Como se precisassem de mais cor em cima da arte divina que já são. 

O mundo cada vez mais veloz. E nós? Tentando se acostumar a essa trama toda de que aposta mais em casualidades do que em uma vida inteira. Será pequena ou grandiosa? Quanto tempo tem cada um de nós? Como toda aposta, perder é provável e ganhar é para poucos. 

Mais interessante é não sentir inveja de quem vence, afinal é sorte. O único mérito de quem ganha é a coragem em apostar. O maior mérito de quem respira é acreditar que a vida é boa, mesmo quando os dias são ruins. A vida se costura assim e nunca se saberá se toda linha que temos terá mais pano para se entremear. Pode se estender, como pode findar ali, antes da agulha que conduzimos entrar em novo tempo. 

A intensidade sempre nos dá muito e nos leva a lugares interessantes. O coser dos dias, no entanto, ensina que sonhos de menino devem ficar adultos o suficiente para saber o quanto e até quando pode se entregar. Faça com o coração moleque, mas não se deixe tapear pela falta de razão. 

Se a vida nos pede coragem, às vezes, é preciso também a audácia de abandonar sonhos que não têm mais razão de realidade. O pior veneno é aquele que fabricamos com nossas angústias e desejos obsessivos. Porque ele corrói, pouco a pouco, e ainda que grite para que paremos de se alimentar dele, a surdez da ambição nos impede de ouvir.

Calma. Observe. Se observe. Respire. Volte. Siga. Há mais caminhos do que imaginamos existir. Assim como as estações, nosso coração tem quatro válvulas. Nosso peito, no entanto, tem infinitas possibilidades. 

Sentimentos mudam, porque somos seres em construção. Nos reciclamos, nos reinventamos e inventamos velhas coisas sobre as novas, ao ponto que seguimos nos reconstruindo até a morte e, quiçá, após ela.     

Entre o bem e o mal, entre o céu e o inferno, há muitos lugares, ao ponto que pecado e virtude estão mais para uma invenção antiga de regulação com mero caráter punitivo. Não se puna tanto. E digo isso também para mim mesmo. 

Se coração vazio pesa, cicatrizes podem deixar o coração mais leve. É preciso aprender com o que a vida nos ensina. Se o tempo apressa a felicidade — seguremos o tempo. Se a natureza divide o tempo em quatro estações — aproveitemos cada uma delas na esperança de revivê-las de modos diferentes quando retornarem. Se o coração tem quatro válvulas — percebamos que, se quatro caminhos não são o suficiente, há tantos outros mais para a felicidade.

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Será mágica?

sábado, 28 de janeiro de 2023

Pode ser que não seja nada, pode ser que seja tudo. Mas entre o tudo e o nada existe o que não se sabe profundo. Ao infinito só o finito para ser nada. Tudo o que existe, o profundo. Será? 

Entre alegrias e alergias basta mudar a posição do “r” para alterar a risada, no entanto, apenas alguns segundos bastam para alterar o destino. O tempo, nenhuma letra pode mudar. Será?

Pode ser que não seja nada, pode ser que seja tudo. Mas entre o tudo e o nada existe o que não se sabe profundo. Ao infinito só o finito para ser nada. Tudo o que existe, o profundo. Será? 

Entre alegrias e alergias basta mudar a posição do “r” para alterar a risada, no entanto, apenas alguns segundos bastam para alterar o destino. O tempo, nenhuma letra pode mudar. Será?

Pode ser o sonho a amordaça da realidade, pode ser o contrário ou ambos se fazem de reféns. A ilusão é ótica, mas seu dissabor é a faca que se tirada do peito faz sangrar. Melhor deixar, ali, estanque. Será?

Entre o céu e o inferno – nós. Entre a piedade e a soberba – o sol. Para quem não é planeta, o contentamento em ser satélite, mas o desejo em ser constelação do signo de maio. Será?

Vaguear pelo mar de gente pode ser mais divino do que navegar pelo oceano de orações que ensurdecem Deus nas noites de expectativa por dias menos cretinos. A ira, produto da paciência não explodida, será tempestade cada vez mais devastadora na soma do que acumula. Será?

Entre poesias e más notícias dos jornais, as palavras desvendam ou buscam desvendar olhares e crimes ou crimes desses olhares. Assim se fazem as histórias. Nem sempre em métricas harmoniosas ou rimas. Tanto quanto enigmáticas ao concerto de notas que não se repetem se não desenhadas em partituras. Será?

Será mágica tudo isso ou nada disso? Será supérfluo o interesse em se dar e querer receber em troca apenas de um pouco de atenção? Basta de varrer para debaixo do tapete os traumas que impedem a mágica acontecer. Quanto mais varremos, maior fica o terremoto que virá. Mais cedo ou mais tarde, virá! 

Portanto, por agora, não há o que temer! Que o amor surja como o coelho da cartola do mágico. E não é preciso saber do truque e se há truque, pois se é fantasia é magia e se não é fantástico também pode ser mágica.

Brincar de ser feliz é mais interessante que os modismos dos coaches: empatia, resiliência, tolerância, versatilidade, antifragilidade... Sorrir e abraçar são mais eficazes para a prosperidade. Gestos. Gestos substituem mil palavras bonitas, talvez todas as palavras. Gesto é mágica que acontece sem varinha de condão. 

Vive a música a tocar.  Tem silêncio entre uma nota e outra. Percebe? É tão ligeiro, é tão sutil esse intervalo que faz dar falta, quase saudade, da canção. Como pode alguém juntar palavras a versos e versos a sons para fazer canção? Será mágica? 

A poesia, a invenção, a iguaria, a equação, a flor, a intuição, a dor, a pretensão, a bailarina, a joia fina, o encontro... Todos os encontros. Será mágica? Esse profundo que reside no tudo e no nada, mas que se faz mesmo entre um e outro. 

É mágica! Esses devaneios, essas utopias, esses passos, essa crônica, a realidade, o que se vê, o que se sente, esse papel na parte tingida e na parte que não tem tinta, todo o jornal. Todo eu, todo você, todos eles, todos nós... 

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Vai, planeta!

sábado, 21 de janeiro de 2023

Vai, planeta! Fazer toda essa gente perdida e emburrada encontrar a sua humanidade. Desembrutecer para curar você planeta que era tão sadio. Mas, afinal, quem de fato está doente? Você ou toda essa gente? 

Vai, planeta! Fazer toda essa gente perdida e emburrada encontrar a sua humanidade. Desembrutecer para curar você planeta que era tão sadio. Mas, afinal, quem de fato está doente? Você ou toda essa gente? 

Planeta, querido. Dizem que você surgiu do caos. Somos filhos do caos. Mas nos impeça de confundir o caos que te criou e nos criou para o caos que destrói memórias, identidade, vidas, felicidade. Sei que é preciso afeto com a rebeldia, mas rebeldia a toda crueldade. Sem conciliação com o que é perverso. Há quem fantasie perversidade com a bela roupa da liberdade. Sabem bem o que fazem. Menino crescido e com acesso a informação sabe se iludir com desinformação, mas nenhuma ilusão é passe livre para agressão, ódio, eliminação do outro. Sem desculpas, por favor. 

“Pai, perdoa -lhes; porque não sabem o que fazem”. Tanto tempo para aprender, tanto sangue derramado na desventura humana pelas décadas que atravessamos, nós e nossos ancestrais. Ainda sim, seguimos sem saber o que fazemos? Será?

Vai planeta nos ensinar, sem tantos castigos, afinal é muito anos oitenta dar chinelada em criança rebelde que não cuida da própria casa. Precisamos tanto aprender a defender e regenerar o meio ambiente, inclusive nosso próprio ambiente interno. Tantos corações machucados, tantas almas feridas por cicatrizes abertas que sangram. Tanto desrespeito ao que se é e ao que se sonha ser. 

Em tempos de caça likes - detox das redes sociais faz bem. Melhor ainda desligar os smartphones e saborear o frescor das noites de verão. Sei. Nós nos acostumamos à superficialidade das fotos. Tiramos várias, aos montes, que se acumulam nas nossas nuvens de bits. Tão difícil escolher a melhor em retratos absolutamente iguais. 

Por que olhos perder estrelas tão lindas? Olha Júpiter se disfarçando de uma delas só para se destacar! A beleza do que se vê até pode se captar, mas a beleza daquilo que é sentido nos escapa rapidamente. Melhor do que guardar na memória limitada de aparelhos, é ter o sabor da nossa infinita memória, o cheiro perfeito do se compartilhar ao outro, a si mesmo. O que ficará, afinal, na vasta memória do planeta?

Livres sejam os que amam! Os que amam de fato herdarão você, planeta! Os que amam e só os que amam, ainda que solitários, ainda que com um pouco de luta e dor, esses se terão como herança e seguirão a cintilar no universo. 

Por que se incomodar tanto com aquilo que alegra o outro? Machuca alguém? Se não, ame e deixe amar! 

Chamamos você de planeta Azul, Terra, Água. Que possamos evoluir e um dia te chamar de planeta Amor! Pena que dependa tanto de nós, seus moradores que não pagam aluguel. Ou será o aluguel esse valor benéfico de amar uns aos outros? Estamos demorando a pagar. 

Respeito a tudo que nos diferencia. Gratidão à nossa unicidade. Devoção aos encontros que nos permitem ser o que podemos ser e um tanto mais. Sonharei como sei que você também sonha com esse dia. E quando esse dia chegar será permanente. E aí planeta, o elo entre você e a humanidade estará verdadeiramente feito. 

Vai, planeta! Eu sei, eu sei. A gente, toda gente, toda sua gente é que precisa ir. Vai, humanidade. Vamos, planeta!

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Liberdade às pipas

sábado, 14 de janeiro de 2023

Certas tardes de domingo eu me ponho a observar as pipas. Cortam o imenso azul, flutuam no espaço até quase ficarem inatingíveis à visão. Algumas são quadradas, outras em losango. De uma cor só… azuis, vermelhas, brancas, amarelas. As multicoloridas chamam mais a atenção do que aquelas que carregam símbolos de times de futebol ou desenhos como sol ou pássaros. Pudera. As pipas sentirem inveja dos pássaros ao ponto de almejarem ser um. 

Certas tardes de domingo eu me ponho a observar as pipas. Cortam o imenso azul, flutuam no espaço até quase ficarem inatingíveis à visão. Algumas são quadradas, outras em losango. De uma cor só… azuis, vermelhas, brancas, amarelas. As multicoloridas chamam mais a atenção do que aquelas que carregam símbolos de times de futebol ou desenhos como sol ou pássaros. Pudera. As pipas sentirem inveja dos pássaros ao ponto de almejarem ser um. 

Talvez, o dono da mão que segura a linha que segue até a rabiola e sustenta a seda estruturada em varas sonhe em ser pipa. Homem pipa. Pipa voada. 

Ouvi a expressão “pipa voada” algumas vezes, especialmente dos mais velhos quando se referiam a pessoas sem controle. Aquelas que vão para onde o vento levar, assim como uma pipa. Acho que homem pipa seja mais profundo e bem menos arisco. 

Voar, voar e voar pelas suas próprias mãos ou pela linha de Deus ou pela reta de seus prazeres, pecaminosos ou não. A própria consciência e nenhuma outra coisa é que define os próprios pecados. Nas formas mutáveis de voar a vida, se pode escolher: afirmar, flutuar ou mergulhar em terra e viver se punindo. Há fiscais de rabo alheio que adoram punir: os outros. Hipócritas. 

Aliás, em um moralista quase sempre mora a hipocrisia. As pipas nos trazem lições. E não precisa ser condutor de pipas para compreender. Poetas que apenas observam, voam como pipas, provavelmente sabem até mais do que campeões de concursos de pipas. Sim! Há campeonatos em diversas modalidades para pipeiros. A mais bonita, a maior, a que voa mais alto, a que sobe mais rápido. E se podem inventar mil modalidades. No campeonato da vida, se é que a vida é uma disputa, as possibilidades são aos bilhões. 

As pipas gigantes se exibem, mas não voam tão alto. As pouco firmes não plainam tão bem. Se desequilibradas, não empinam tão rápido, mas com habilidade podem voar. Há linhas que, deslealmente, cortam pipas que querem apenas voar. Mas há os que competem e tem prazer em eliminar as outras. 

Crianças e até adultos correm para apanhar as pipas em queda sem direção certa. O vento é quem decide onde irá cair. Quem as pegará? Por molequice? Por egoísmo? Por espírito aventureiro ou apenas por costume acumulativo? A quem não tem nada, uma pipa — mesmo rasgada pelos galhos das árvores — pode ser tudo. Como pode ser o bastante apenas correr, correr e correr atrás de uma pipa que não se sabe bem onde cairá e se vai cair. Correr, mesmo sem direção é o que muitos terão de mais próximo de liberdade. 

Liberdade às pipas. Que voem sem condução de linhas que decidem se empinam mais, se voam mais alto, se recuam para as lajes de suas não moradas. Livres, as pipas são mais belas como os pássaros que escapam das gaiolas ou como os homens que se libertam dos outros que querem decidir o que os fazem felizes. Assim como é singular a leveza das pipas, única é a liberdade que faz cada um ser quem se é, como se é, para o que der e vier. 

Minha fé é minha e o que me faz feliz só eu posso definir, mesmo quando recuso abarcar nos oceanos das definições. A minha linha da vida é cheia de barrigas como das pipas que ganham carreira demais e tombam ao vento ou se recuperam pelo mesmo vento para seguirem no desejo do céu. 

Mas o meu céu nem sempre é entre nuvens ou para além da estratosfera. Por vezes, está dentro de mim mesmo, tantas outras escapam em pipas que voam pelas calçadas, vagueiam em filmes, em músicas, passeiam no silêncio dos raios de sol. 

Sou devoto dos encontros e aprendo com aqueles que se utilizam de cerol para tentar me cortar. Mas o voo é meu e minha linha segue, porque cada começo é continuação.

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Spoiler: você vai conhecer a pessoa da sua vida

sábado, 31 de dezembro de 2022

Nesse novo ciclo que se abre, quero que você conheça uma pessoa. A que será a mais especial e a mais importante de todas para você. A que você terá de cuidar, respeitar e amar para que também possa cuidar, respeitar e amar todas as demais que te mobilizam afeto. 

Nesse novo ciclo que se abre, quero que você conheça uma pessoa. A que será a mais especial e a mais importante de todas para você. A que você terá de cuidar, respeitar e amar para que também possa cuidar, respeitar e amar todas as demais que te mobilizam afeto. 

É uma nova oportunidade no marco temporal. É essa brecha que inventaram para os tempos idos e vindouros. Você já teve a chance de conhecer essa pessoa nos tempos idos. Tem de novo nos vindouros. Não sei se aproveitou a oportunidade, mas se não — não se julgue. Apenas observe, perceba, seja atento. Ela vai chegar. Mas sem cobranças e espera. Deixe fluir, faça acontecer. 

Permita toda a força da natureza entrar e ao percorrer seu corpo, tocar seu íntimo, preencher sua alma. Dizem que a alma pesa 21 gramas. Acho que alma não pesa. É leve, leveza, quando se encontra. Nem o diabo pode roubar. Nem seus demônios podem te tirar, ainda que more na sua consciência. Um sábio me disse: nada melhor do que ser amigo da sua própria consciência. 

Você vai conhecer… A pessoa. Aquela que vai caminhar com você, mesmo que você, vez em quando, a esqueça. Mas não a deixe de lado por muito tempo, ainda que até para grandes amores, umas férias curtas,  de tempos em tempos, caiam bem.

Perfeição é uma tolice que filmes hollywoodianos nos impuseram. A busca ilumina, mas não pode ser luminosa demais ao ponto de cegar. Como você vai conseguir enxergar a sua pessoa? Tão exclusiva, tão singular, tão sua. Feita para você. 

Se ver com os olhos do coração, se ver com a sobriedade da razão, você vai querer ela nos seus braços. Como bichinho de pelúcia da infância, com seus cheiros, suas memórias, das noites frias em que te salvou dos monstros do armário, dos dias de verão que apenas te observou aproveitar o sol.

Essa pessoa vai mexer com você. Vai te motivar a fazer tatuagens, vai te ensinar que cicatrizes existem e existirão para te mostrar que estão ali não porque algo quebrou, mas porque se construiu. Vai te dizer que a estrada é longa, cheia de curvas, de inesperados, sem mapa pronto. É! Nem GPS pode te levar a essa tal pessoa. 

Mas você vai se divertir muito com ela. Vai rir de piadas sem graça que vocês mesmos inventaram. Vão contar causos e até acreditar em suas próprias pequenas mentiras. Vão se ver falando sozinhos, mas conversarão muito um com o outro, até mesmo em silêncio profundo. Balela do romantismo ocidental: não vão se entender só pelo olhar. Vão até brigar, mas no final das contas colocarão todos os seus exércitos pessoais para brigar por causas e lutas comuns. 

O melhor é que ironizarão não ter ganho na Mega-Sena, mas comemorarão aquela aposta certeira no jogo do bicho. Sonhou com veado, mas jogou no leão e deu mesmo 16. Ah! Vão fazer drama do cotidiano, mas gargalhar das miúdas desgraças que visitam semana ou outra. Será que o prêmio paga a conta de luz? As esperanças confirmadas e as negadas não nos tiram a esperança. Você já sabe disso. A tal pessoa também. E está tudo bem. Porque vocês aprenderam e aprenderão a entender compreendendo músicas, poemas e até Salmos, quiçá esses passarinhos que contam segredos em enigmas. 

Você vai conseguir… Se quiser, se ouvir essa voz interior que indica caminhos. Uns chamarão de intuição, outros de voz divina e até de destino, mas é você com você mesmo e se encontrarão. Ela te espera. Mais uns dias, umas semanas, um ano. No café da esquina, na cerveja do fim de noite, no burburinho das calçadas, no dedilhar do teclado do computador, no meio da novela reprisada, na imensidão do cobertor. Nas noites claras de lua cheia, nas manhãs menores de inverno. Nas orações de agradecimento ou nas rezas de pedidos estranhos.

Vocês vão se encontrar e será tão bonito cada dia que envelhecerem juntos, se valorizarem e abençoarem a si mesmos desse amor tão nobre e genuíno que apenas vocês mesmos poderão se dar. Quem não quer um amor assim? 

As portas de um novo tempo se abrem em ciclos que se apresentam como novidades. E lá está: ela! A pessoa que sempre quis. Tão perto, quase dentro. Vocês já se conhecem há muito tempo e isso não é assustador. Por que não a viu antes? 

Quero te apresentá-la e não precisa me chamar para ser padrinho, celebrante, pajem. Espero que você goste dela como sei que ela gosta de você. Que se admirem, criem intimidade. Que se cuidem, se amem e se respeitem. Que cansem da rotina e embarquem numa viagem sem planejamento, mas se planejem para curtir uma lua de mel de ano inteiro. Vai dar filme, série com muitas temporadas, vai ser canção. Vida real é surreal. Vai ser inspiração. Eu te apresento — você! 

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Solidão de Natal

sábado, 24 de dezembro de 2022

O Natal é essa época mágica em que os corações estão mais abertos, mais receptivos ao carinho que muitas das vezes recusamos ou não aceitamos receber. Despercebemos, para parecer menos cruel. É tempo de celebrar o amor e a humanidade que ainda nos resta. Em tempos de redes sociais e algoritmos, compartilhar olhar, peito e alma é o singular que vai muito além desse vazio de milhões de pixels em tela.

O Natal é essa época mágica em que os corações estão mais abertos, mais receptivos ao carinho que muitas das vezes recusamos ou não aceitamos receber. Despercebemos, para parecer menos cruel. É tempo de celebrar o amor e a humanidade que ainda nos resta. Em tempos de redes sociais e algoritmos, compartilhar olhar, peito e alma é o singular que vai muito além desse vazio de milhões de pixels em tela.

Familiares que não costumam se ver no restante do ano — ceiam juntos. Amigos se reúnem até para inimigos secretos. É a louvação ao encontro, essa possibilidade tão única de se perceber parte, e, em escala superior, parte de algo maior — o mundo. Esse lugar que só é um lugar por causa das pessoas que estão nele entremeando linhas que nos unem e nos acham. O amor assim se confirma muito mais do que um sentimento — é um lugar. Somos muitos lugares, pequenos e grandes, intensos e fugazes, cheios ou nem tão cheios assim. Mas são lugares, inclusive de saudade.

Por toda essa tradição, que vai muito além das árvores e das luzes que enfeitam as casas e as cidades, é que talvez o Natal também traga certa dor. Às vezes doída mesmo... N´outras, não propriamente uma dor que machuca. É apenas algo presente pelas ausências sentidas. A festa se renova, mas há certos rostos que perseveram na memória. É uma mãe, um pai, um companheiro, um tio, um amigo, um filho — um amor.

Há uma parábola que ilustra bem essa ausência de exclusividade para essa saudade que nos invade nesses momentos de confraternização. Adaptei a história que é mais ou menos assim: 

“Um homem perdeu a sua esposa, após mais de 30 anos casados. Tantos instantes, tanta trajetória, tantos natais. Inconsolável, ele vai à procura de um sábio para tentar compreender porque ele tinha que passar por isso. Ele queria a sua esposa de volta de qualquer jeito, pelo menos por mais aquele Natal. O sábio, atento e percebendo quanto de amor havia naquele triste coração, deu então uma esperança ao moribundo. ‘Posso conceder a possibilidade de trazê-la de volta para passar um último Natal ao seu lado. No entanto, você terá que cumprir uma pequena missão’. De pronto, o homem aceitou de bom grado. ‘Eu quero que você consiga qualquer ingrediente usado na ceia de Natal. Qualquer um. Mas com uma condição: o ingrediente deve ser de uma casa em que nenhum lugar à mesa esteja vago pela perda de alguém. De uma casa que a morte não tenha visitado ninguém daquele lar’. O homem achou a tarefa fácil e não perdeu tempo. Correu de casa em casa. Na sua rua, no seu bairro, nos bairros mais distantes de sua cidade e até de outras cidades. Ofereciam prontamente o ingrediente, mas ao saberem da condição imposta, logo relatavam uma mãe, um filho precocemente perdido, um marido, um amigo íntimo, um irmão que haviam perdido. Em nenhuma casa era possível conseguir o que o sábio pediu: um ingrediente de Natal de um lar que não tenha sido visitado pela perda de alguém próximo. O viúvo compreendeu que a sua dor, saudade, desejo de ter de volta, não era uma exclusividade sua. Que toda ceia de Natal, dos mais ricos aos mais pobres, falta alguém querido. Ficou grato por ter tido a felicidade de tantos natais junto à sua amada, pois outros tiveram por menos tempo ou pior, se solidarizou com aqueles pais que tiveram a dura infâmia de ver rompido o ciclo natural, sobrevivendo aos próprios filhos.” 

Sobreviver aos que se ama talvez seja o maior desafio humano. E sempre será preciso seguir. Assim, a solidão de Natal, as ausências do Natal podem ser vividas de maneira mais harmoniosa com a compreensão de que só sente saudade quem amou. Como é bom amar, se dedicar, ter histórias com pessoas que dão significado às nossas existências e preenchem as nossas biografias. 

É preciso perceber que a própria razão do dia, Jesus, não está fisicamente entre nós, mas sobrevive porque todos se reúnem em memória d’Ele, para relembrá-lo e para reacender a sua mensagem de amor ao próximo. Natal é a reafirmação do amor que sentimos e o compromisso cristão de amar e prosseguir.

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