Não há ser mais confiável do que um cronista. Suas verdades não são certezas e suas certezas não são imposições. É um ouvinte nato que gosta de colher pencas de histórias onde os braços não alcançam. Ou mesmo histórias que estão ao redor da árvore, alimentando raízes e pássaros mais preguiçosos.
Não há ser mais confiável do que um cronista. Suas verdades não são certezas e suas certezas não são imposições. É um ouvinte nato que gosta de colher pencas de histórias onde os braços não alcançam. Ou mesmo histórias que estão ao redor da árvore, alimentando raízes e pássaros mais preguiçosos.
Independentemente de onde estejam os fatos, nenhuma vivência é desprezada e mesmo o silêncio — dos que dizem tudo e não dizem nada — são substâncias para suas criações. Ao fim, humilde, dirá o cronista que nada por ele foi criado, pois todas as suas criações têm como dono — o mundo, as pessoas que habitam esses tantos mundos. Ele é apenas um canal.
O cronista é um excêntrico, apaixonado pelo seu tempo ao mesmo tempo em que acredita que poderia ter nascido em outras épocas. Independentemente, de ser de outro tempo ou não, é instigante a imaginação daquilo que não se há como saber. Não saber, ter consciência disso, admitir e até admirar que não sabe, talvez seja uma das mais belas virtudes. Pois é supondo que nascem livros, histórias e ficções, cuja semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real não terão sido meras coincidências.
O cronista é um colecionador. Não de botons, tampinhas de cerveja ou de selos. Também. Mas coleciona histórias, dessas catadas nas calçadas, nos campos de lírios, na festa das ruas, no murmurinho das multidões que podem ser de duas, três ou mais pessoas e até cães e gatos.
O cronista é esse ser encantado pela confusão, inclusive, das que faz no próprio peito. Observador, mas também partícipe. Não é um personagem, mas sendo, é real. Não mente tanto quanto um poeta, mas enquanto poeta mente para si mesmo, sem qualquer desprezo pela verdade. É fé na humanidade, gosto pelo amor e amor pelas paixões.
Se não fossem as paixões… Suas ilusões fazem caminhos iluminados. Seus medos, ao contrário do que se possa acreditar, igualmente iluminam a vontade dos passos em caminhar. Irrecusáveis são as utopias. Irreparável é esse modo de se aprofundar para além dos olhares, dos fatos, dos acontecimentos.
Não há para o leitor do mundo — o cronista — obras do acaso ou do destino. E é a partir dessa perspectiva de leitura que ele escreve sobre o que sente nas percepções de quem vê mais do que quase todo mundo vê.
Mas o cronista não é um chato como os críticos de cinema, gastronomia, política, artes... O cronista faz parte do jogo, está em campo e se recusa a estar na orla das arenas. Mesmo, às vezes ufanista, está mais para escritor de sensibilidade aguçada do que privilegiado torcedor de arquibancada que de tudo opina.
Assim, para ser cronista há de ser humano com espírito de cachorro vira-lata, que revira lata de lixo, tanto quanto gosta de assistir assador giratório de frango.
Cachorro vira-lata que gosta de ser bem tratado quando debaixo da mesa dos bares e dos churrascos de família, mas que também gosta de ser livre para sair correndo atrás de motos barulhentas e carros desconhecidos.
Para ser cronista, é preciso entendimento de que se é parte das crônicas e sequer se abre debate sobre ter que se afastar dos fatos para ter isenção. O cronista é o ser mais confiável que existe, pois admite que não é e nunca será isento.
Filho das paixões, nem sempre poeta ou filósofo, nem sempre intruso ou convidado, é ouvinte que colhe nos olhares — a alma das pessoas e suas relações. Ao cronista cabe então, contar e escrever as histórias cotidianas que o mundo faz — inclusive as suas.
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