Blog de palavreando_27591

Conselhos de Chico para nós mesmos

sábado, 28 de maio de 2022
Foto de capa
(Foto: Unsplash)

Ouçam mais Chico Chico, Chico César, Buarque... Esqueçam propagadores do mal. Intervenham sobre os mensageiros da ignorância. Intolerantes não merecem compaixão. Combatam a barbárie. Adiem ao máximo o fim do mundo, por isso, vigilância aos cavaleiros do apocalipse. Ajamos para derrubá-los com a veemência dos anjos celestiais. 

Consumam alegria. Invertam a lógica da felicidade punida e sintam a delícia de ser de verdade. Não temam. Não morram. Vivam, plenamente, com abundância. 

Ouçam mais Chico Chico, Chico César, Buarque... Esqueçam propagadores do mal. Intervenham sobre os mensageiros da ignorância. Intolerantes não merecem compaixão. Combatam a barbárie. Adiem ao máximo o fim do mundo, por isso, vigilância aos cavaleiros do apocalipse. Ajamos para derrubá-los com a veemência dos anjos celestiais. 

Consumam alegria. Invertam a lógica da felicidade punida e sintam a delícia de ser de verdade. Não temam. Não morram. Vivam, plenamente, com abundância. 

Cantem mais Tim Maia, Cássia Eller, Belchior, Vandré… Espalhem “a Boa Nova”, nem tão nova assim. Unam as partes de esperanças espalhadas pelas multidões. Libertários são dignos de proteção. Protejam a vida, regenerem o meio ambiente, sobrevivam aos assassinos dos povos originários para resistir co-existindo. Cooperemos para um planeta mais verde com a entrega de Chicos Mendes. 

Calem usurpadores da fé. Desmascarem os falso-moralistas. Aproveitadores não merecem redenção. Resgatem essa gente de bem que flerta com o mal. “Elas não sabem o que fazem”. Seguem sem saber, mas sigamos teimando. Esperem, mas só se a espera for a ação. Inspirem-se em Francisco, Mandela, Malala, Rosa Parks. O mundo é nosso e devemos deixá-lo como herança melhor aos que virão.

Cuidado para não travestir preconceitos de opinião. Ninguém perguntou se vocês têm que concordar ou não com o modo de viver de cada um. Viva e deixe viver. Respeito ao que não compreende e tentem entender que não há exclusivas verdades. Os que vomitam verdades por dinheiro e poder, certamente, não estão certos. Certeza é a perene dúvida sobre haver certo e errado nessas buscas pela felicidade e de encontro consigo mesmo. Assim, não queiram, no cotidiano, serem comentaristas de televisão. 

A situação crítica em que estamos não necessita de críticos de plantão. Necessitamos de respeito às liberdades. Só não confundam liberdades com crimes contra a humanidade. Liberdade só se for para afirmar a vida. Negar a vida é atrocidade.

Leiam Paulo Freire, Darcy, Clarice Lispector, Baumam... Leiam pessoas. Aprendam o alfabeto daqueles que ama. O amor é o que de mais importante terá nas suas trajetórias. Os seres amados merecem e vocês também. Amem ainda os que não conhecem. Se o amor nunca é desperdício, não há porque não amar cada encontro — dos marcados aos de esquina ou de ponto de ônibus — com todos que sequer se supõe o nome. Podem chamá-los de Chico.

Escrevam palavras de afeto, de encorajamento, em defesa do que nos une — humanidade. Coragem para ser feliz. Paixão pela vida. Somemos para uma coletividade mais fraterna e uma existência digna para todos. Que na história que escrevemos, vejam, sintam, percebam mais uns aos outros, e, se não souberem sequer o nome do outro, podem chamá-lo de Jesus.  

 

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

Maria, Maria

sábado, 07 de maio de 2022
Foto de capa
(Foto: Freepik)

Minha mãe se chama Maria, como todas as minhas tias por parte de mãe. Todas as filhas de minha avó receberam um Maria precedido de seus nomes: Maria Arlete, Maria José, Maria Eronete. Junto com o nome Maria, receberam também o dom de serem mães. 

Admiro todas as Marias, especialmente minha mãe, é claro. Permitam que eu fale no presente, pois por mais que minha mãe não esteja mais aqui, fisicamente presente, ela segue comigo por todos os meus dias. 

Minha mãe se chama Maria, como todas as minhas tias por parte de mãe. Todas as filhas de minha avó receberam um Maria precedido de seus nomes: Maria Arlete, Maria José, Maria Eronete. Junto com o nome Maria, receberam também o dom de serem mães. 

Admiro todas as Marias, especialmente minha mãe, é claro. Permitam que eu fale no presente, pois por mais que minha mãe não esteja mais aqui, fisicamente presente, ela segue comigo por todos os meus dias. 

E todas as Marias receberam um pouco daquela Maria de mais de dois mil anos atrás. E todas as Marias são muito parecidas com aquela Maria que deu à luz àquele que atravessa os séculos como guia salvador de todos nós! Maria segue conosco como exemplo de coragem, sensibilidade e força para suportar perder para dar ao mundo.  

Ser Maria é um dom. Ser mãe é um feito, com Maria ou sem Maria no nome. Porque para ser Maria é preciso atitude e são as atitudes que definem quem tem um jeito Maria de ser.

Ser sorriso misturado ao sal que escorre pelo rosto no parto e por todos os demais dias adiante desse de ter ventre rompido e alma tatuada. Ser esse altruísmo de quem entrega tudo e se entrega para proteger, ao mesmo tempo que quer ver voar a quem deu peito para ter asas. Ser sentido, sentimento e sentir força mesmo quando não tem, mas vai... 

Dançar com a vida e suas dores para apontar o dedo para o mundo e dizer: com mãe não se atreve, porque Maria aguenta e enfrenta tudo e todos na sua força fé de mãe.      

Que todas as mães do mundo possam encontrar esse jeito de ser Maria, ao ponto que seus filhos possam encontrar e praticar os ensinamentos de Jesus Cristo. Que todas as mães do mundo possam suportar o dever de abdicar, mas que também possam encontrar o direito de não ter que ser sempre santa. Até mesmo as mães erram, mesmo que sempre na tentativa de acertar. 

Que todas as mães do mundo sejam aquela Maria que entendeu a missão de seu filho e que nunca o abandonou, mesmo quando Ele esteve distante. Que todas as mães do mundo sejam luz para esse mundo caótico, carente e doente. Que toda a energia que emerge do amor Maria possa inverter o caos, prover o preenchimento dos corações tristes e vazios, curar a dor e as deficiências de um mundo cada vez mais distante dos ensinamentos Cristãos.

Mães solo, de leite, adotivas. Mães casadas, divorciadas, namoradas. Mães pais, lésbicas, trans. Mães jovens, avós, de primeira viagem. Mães brancas, pretas, orientais. Mãe mulher. Mães Marias, Arletes, Reginas, Anas, Mônicas, Cristinas, Veras, Adrianas, mães simplesmente mães, antes mesmo de ouvirem chamados seus nomes. Nada é mais sagrado do que mãe.    

Que todos os filhos do mundo possam enxergar essa Maria no rosto de suas mães para que compreendam que uma mãe é algo divino. Que todos os filhos possam abandonar o egoísmo e que sejam bons filhos, amáveis e complacentes. Que todos os filhos possam ter um pouco de José, que apesar de todas as evidências contrárias, ainda sim confiou e amou sua Maria, mãe de todos! Que todos os filhos do mundo possam voltar para suas mães, nem que seja para receber a benção de cada nova missão dada para si. 

Beijem seus rostos, mas respeitem seus ombros pesados e seus corações rigorosos e disciplinados ao amor que dedicam.  

Minha mãe se chama Maria! A mãe de todos nós se chama Maria e há uma Maria em cada mãe, ainda que em seu nome não tenha Maria. Porque para ser Maria é preciso atitude e são as atitudes que definem quem tem um jeito mãe de ser!

 

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

Minha liberdade dança

sábado, 30 de abril de 2022
Foto de capa
(Foto: Freepik)

Dancei mesmo sem saber dançar como me aconselhou Tim Maia. Soltar a mente foi o mais difícil. Abrir as asas de anjo foi fácil. Mas ao fim da noite, sempre me perco e não sei bem dizer se fui céu ou inverno. Mas volto a abri-las assim mesmo, sem medo de frio ou fogo. 

Dancei mesmo sem saber dançar como me aconselhou Tim Maia. Soltar a mente foi o mais difícil. Abrir as asas de anjo foi fácil. Mas ao fim da noite, sempre me perco e não sei bem dizer se fui céu ou inverno. Mas volto a abri-las assim mesmo, sem medo de frio ou fogo. 

Difícil lembrar liberdades fúteis, pois são também fugazes. O paraíso não existe. Tampouco o inferno. Mas creio em Deus. Faz parte da minha licença poética, desse meu blues dançante com a poesia. Nada é tão cruel como pregam pastores das teorias de prosperidade. Repito: Deus não é meritocrata. Liberdade é ser feliz. O que é se entregar? 

Sambei na avenida dos meus carnavais como se o carnaval não tivesse fim. Ser rei, plebeu, vestir alegorias e se desnudar em adereços, ser eu sem ser eu, ser tudo o que não fui ou que desejei ser. Coleção de notas dez pode me fazer campeão, mas não me libertam. Porque liberdade não é desejo ou consagração — é algo que ainda não sei o nome, como me disse Clarice... A tal carnavalesca de poesias, avessa à carnavais. Quartas-feiras de cinzas serão sempre cinzas. Azuis, talvez. Não sei e nem me obrigo saber. Sambar não tem regra. 

Fui feliz, tanto quanto triste, como o bailarino que no palco de sua solidão achou que se libertar era apenas quebrar as correntes. Para ser livre é preciso muito mais. Muito mais do que dançar, ser trapezista, abrir algemas. A dança liberta, mas apenas dançar não garante liberdade. Ter chaves para cadeados podem até te levar a abrir cada um, mas é preciso coragem para enfrentar o que vem depois. O que fazer com as mãos livres abertas ao voo, à queda, ao desconhecido, ao que já se experimentou? Repetirá o passado? Será diferente o futuro com os mesmos rodopios do presente? Cairá ou saltará?

A sobriedade é inimiga da liberdade — dirão. Passageiro da liberdade não embarca em libertinagens de alucinógenos, ainda que reconheça a prosperidade dos segundos que alimenta. Mas entende que é abastança sem chão, com teto. Liberdade no outro só existe se você está liberto para si mesmo. 

O que não sai da minha cabeça me faz flutuar. O que está na minha mente me apavora. Libertará? Eu corro riscos enquanto rabisco com o dedo o vapor no vidro do Box do chuveiro. Do outro lado — você em mim mesmo — essa tal liberdade. Dança à minha frente e atrás de mim também. Se pudesse escolher o que vejo… Escolheria ver tudo. Dançar mais do que conforme a música. As asas de um beija-flor não podem ser paralisadas. 

Armas ferem a liberdade de voar. Aprovação ou reprovação não têm nada a ver com liberdade, porque ninguém está aqui para ser condenado ou absolvido, nem por si mesmo. Que seja livre o vento! Que a dança seja tão dançada como no baile das estrelas do universo. Que do caos se fez e siga a se fazer galáxias. Que do sopro surja vida. Que perdure a tão perseguida abundância. 

Dançar é talento, mas dançar com a vida de si mesmo é o maior dos dons.  

 

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

As canções que você fez para mim

sábado, 23 de abril de 2022
Foto de capa
(Foto: Pexels)

Minha mãe tinha todos os LPs do Roberto. Na verdade, o único que ela não tinha era o primeiro: “Louco Por Você”. Uma raridade. A editora Columbia lançou apenas mil cópias e o Rei Roberto jamais permitiu que o álbum de 12 músicas fosse reeditado ou mesmo que suas canções fossem colocadas no streaming. 

Minha mãe tinha todos os LPs do Roberto. Na verdade, o único que ela não tinha era o primeiro: “Louco Por Você”. Uma raridade. A editora Columbia lançou apenas mil cópias e o Rei Roberto jamais permitiu que o álbum de 12 músicas fosse reeditado ou mesmo que suas canções fossem colocadas no streaming. 

Muito mais pelo valor documental do que pela qualidade das canções, a tiragem original de 1961 (mesmo ano de nascimento da minha mãe) é um dos discos mais caros do mercado fonográfico brasileiro. Mamãe, costureira vinda da pobreza da roça, jamais pode comprar esse disco, mas juntava seu dinheirinho para ter cada lançamento. Tinha todos os demais e herdei cada um deles, guardados comigo como parte de minha presente saudade.

Quando começaram a reeditar os discos em CD, mamãe também começou a colecionar os do Rei. Mas o CD não tem graça diante da magia do vinil. A capa grande e robusta. O plástico transparente que protege o patrimônio para evitar que arranhe.  O brilho preto com as faixas visíveis em relevo. Um quase êxtase colocar o borrachudo na vitrola e com cuidado repousar a agulha na primeira faixa. Enquanto roda no encontro com o toca-discos, o tempo passa e as músicas — mesmo as não preferidas — são apreciadas com a devida sensibilidade de quem para diante da poesia que o mundo despeja em nós.

Tarefa árdua, mas prazerosa é encaixar a agulha no ponto certo da canção desejada. E repeti-la e repeti-la de novo até “afundar” aquela faixa. Coração apaixonado é bobo mesmo. 

Talento para parar a canção no ponto exato tinha a saudosa Mirtes de Oliveira. Além de discotecária do excepcional acervo que tinha a Rádio Friburgo AM, ela fazia as de operadora de áudio. Havia um programa que tinha a promoção, por telefone, em que o ouvinte tinha que continuar a música. Mirtes conseguia parar quantas vezes fossem necessárias no mesmo lugar da faixa que estava no roteiro da atração. Mais do que saber as faixas, ela sabia onde estava cada um dos mais de 10 mil vinis, com inúmeras raridades, incluindo o primeiro disco do Roberto. 

Legado de cuidado que foi mantido por Alcemir Rodrigues, até que a Emissora das Montanhas resolveu doar todos os discos. Alguns foram para os funcionários. Conta a lenda que o primeiro disco do Roberto Carlos ficou com Carlos Reis, funcionário quase que desde a fundação. Outros foram para o Pró-Memória. Além dos LPs, foram doadas também as máquinas de gravar vinis que os abnegados funcionários da Rádio conseguiram guardar com esmero por longos anos. Para se ter uma ideia da grandeza dessa coleção, a discoteca da Rádio Cipó só perdia para a da Rádio Globo, no Estado do Rio de Janeiro.                        

A música movimenta o mundo. Seduz nossas nostalgias. Alimenta as nossas memórias. Para além do que se ouve, o objeto, o plástico preto, exponencia esses sentimentos, pois tem todo um ritual que o streaming não entrega. Ritual esse que a contemporaneidade, com sua pressa, trata de tentar extirpar. Mas a saudade, a resistência e a vontade de viver aquilo que não se viveu, faz jovens há menos ou mais tempo, trazer de volta essa magia.    

Independente disso, também não sejamos radicais. Não importa se por vinil, CD, DVD, MP3 ou streaming, a música é a poesia que inunda a alma. Faz nossas efêmeras existências serem mais prazerosas, ainda que vez ou outra mais doídas. E a música é que dá esse toque de amenidade ou perversidade para cada instante. Afinal, o que seria dos romances sem música? O que seria de qualquer história sem uma trilha sonora? O que seria de nós? 

A música dá o tom para a aventura, ritmo para os dias. Intérpretes e canções marcam nossa trajetória. É como se dessem razões para as nossas biografias e encontros, ao ponto que, algumas músicas parecem até que foram feitas para nós. Por que não? Somos adeptos a vestir fantasias e ninguém pode arrancar as fantasias que nos damos. Obrigado, Roberto Carlos, pelas canções que fez para a minha mãe. 

 

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

Diante do Sol

sexta-feira, 15 de abril de 2022
Foto de capa

A Agência Espacial Europeia apresentou a imagem do Sol com a maior resolução já feita. A fotografia é um mosaico de 25 imagens individuais tiradas por telescópio de alta resolução, em luz ultravioleta extrema, a uma distância de 75 milhões de quilômetros da estrela de fogo. A foto final contém mais de 83 milhões de pixels. Para mostrar o tamanho gigante do Sol ou como nosso planeta é minúsculo, a Agência colocou a Terra, na posição das duas horas, no canto superior direito da imagem. Um pontinho quase que não identificado de tão miúdo. 

A Agência Espacial Europeia apresentou a imagem do Sol com a maior resolução já feita. A fotografia é um mosaico de 25 imagens individuais tiradas por telescópio de alta resolução, em luz ultravioleta extrema, a uma distância de 75 milhões de quilômetros da estrela de fogo. A foto final contém mais de 83 milhões de pixels. Para mostrar o tamanho gigante do Sol ou como nosso planeta é minúsculo, a Agência colocou a Terra, na posição das duas horas, no canto superior direito da imagem. Um pontinho quase que não identificado de tão miúdo. 

A comparação pode ser vista como cruel, mas também poética. Não que não haja crueldade na poesia. O Planeta Terra diante do Sol é um pontinho minúsculo, quase um grão de areia. Mais assustador ainda é saber que o Sol é até considerado uma Estrela mediana. Do pouco que se conhece do nosso Universo, há pelo menos 15 estrelas maiores. Muito maiores do que nosso astro maior. 

A Terra, esse planeta em que bilhões como nós vivemos, é 109 vezes menor do que o Sol. Até agora, a maior estrela conhecida do Universo é a Stephenson 2-18, volume equivalente a 2.158 vezes ao do nosso astro. Para se ter uma ideia, no lugar do Sol, Stephenson 2-18 engoliria a órbita de Saturno.

Os astrofísicos conhecem ou já catalogaram 70 septilhões de estrelas no Universo. Não sei nem dizer quantos zeros tem nisso. Os especialistas não sabem dizer quanto ainda temos para conhecer nessa vastidão infinita de possibilidades. Certo é que, mais cedo ou mais tarde, surgirão notícias de astros ainda maiores do que a tal da Stephenson 2-18, que fica a 18.900 anos luz da Terra. Um ano-luz é igual 9,46 trilhões de quilômetros. Distante, né? Um ano-luz é a distância de nós para Plutão. 

Parecem apenas números e distâncias que nos reduzem a menos que formigas do açúcar, científica e ironicamente, também chamadas de formiga-faraó. No final, somos. Se diante do Sol e o Sol diante de Stephenson 2-18 temos a realidade, também ganhamos entrada para uma existência de sabedoria e humildade. 

Dificilmente, viveremos para atingir a velocidade da luz, tampouco teremos vida suficiente para chegar a supostos planetas semelhantes e talvez habitáveis, por nós, como a Terra. A não ser por teletransporte. Vai saber o que nos aguarda. 

O que temos é aprendizado com a nossa própria ordinária história. Não precisamos ir à Exosfera ou sair da Via-Láctea ou mesmo chegar à Galáxia do Escultor para saber daquilo que sequer aprendemos aqui, nesse minúsculo Planeta que nada tem a ver com as trajetórias controversas que escrevemos entre nós. 

Avançamos, retrocedemos, crucificamos quem não deveria ser crucificado, exploramos e nos deixamos ser explorados. Inventamos simbolismos, experimentamos o sobrenatural, mas o quanto de verdade vivemos o que o sol significa para nós? Pouco aplicados, displicentes com o outro, indisciplinados... Renascemos para morrer de novo e matar de novo e crucificar de novo.

Buscar respostas viajando para além das Nebulosas não nos fará melhores, ainda que menores. Para encontrar o que se busca, sempre bastou, daqui mesmo, olhar para o Sol e perceber que os ciclos diários mostram que não podemos deter o Universo, mas podemos deter a nós mesmos. 

Amar mais uns aos outros é boa sugestão dada mais de dois mil anos atrás.                    

 

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

Sem comparação

sexta-feira, 08 de abril de 2022

A grama do vizinho é realmente mais verde que a nossa? Por que tanta gente acha que os sonhos realizados pelo outro são mais fáceis de serem alcançados? Que na casa dos outros não tem bagunça, que o casal lindo que vemos pelas fotos das redes sociais não tem contas a pagar? De onde o ser humano tira a ideia de que o melhor está lá e não aqui ?

A grama do vizinho é realmente mais verde que a nossa? Por que tanta gente acha que os sonhos realizados pelo outro são mais fáceis de serem alcançados? Que na casa dos outros não tem bagunça, que o casal lindo que vemos pelas fotos das redes sociais não tem contas a pagar? De onde o ser humano tira a ideia de que o melhor está lá e não aqui ?

Acho que falta gratidão no mundo. Percebo uma zona cinzenta em que um contingente incontável de seres habita. O dia de hoje está aquém do que deveria estar, e ao mesmo tempo, quando a coisa piora, se percebe que aquele dia estava na verdade muito bom.

Uma comparação constante e massiva com o colega do lado. Uma observação para o que acontece do lado de fora, que cega as pessoas, para o lado de dentro de seus lares e seus corações. Dá medo. Eu não quero sentir isso e desejo fortemente que não sintam isso em relação a mim.

Muita gente já não se contenta mais em ter saúde e paz. Faltam as fotos maravilhosas de viagens, o príncipe encantado, o melhor emprego, a casa mais frondosa. A vitrine das redes sociais, a meu ver, tem sido um portal para essa ilusão de que a vida do outro é mais feliz que a nossa. Prosperar é lindo. Amar e ser amado é uma dádiva. A realização profissional é uma alegria. Viajar é uma maravilha. O esquisito é o grau de comparação muitas vezes doentio que míngua algumas pessoas. 

Falta gratidão. Só pode ser. A partir do momento em que uma pessoa agradece por tudo o que é, pelo que faz e pelo que possui, a coisa muda de figura. Na verdade, a grama do outro passa a não ter tanta importância. Quando somos gratos pelas oportunidades que temos, pela vida que nos é dada, pela proteção diária, pelas pessoas que nos cercam, conseguimos olhar para o outro com admiração e alegria por suas conquistas. Não com inveja. Não com cobiça.

Se é para olharmos para o outro lado do muro, que seja então para observarmos o tanto de esforço aquele "vizinho" emprega em prol de suas conquistas. E então, nos esforçarmos também. Empenho precede o resultado. Grandes conquistas decorrem de emprego, de energia, preparação, renúncias, investimento de tempo etc etc etc. Salvo se a grama do vizinho for sintética, ela requer plantio e cuidados. E ainda que seja sintética, requer possibilidade de compra, que demanda trabalho, dinheiro, prioridade e por aí vai. Não é de graça. Não é à toa. Não somos um amontoado de seres aleatórios em que coisas boas acontecem arbitrariamente para os outros e as ruins, para mim. 

Somos resultado do que fazemos para mudar, para melhorar, para aprimorar. São mesmo dias de luta e dias de glórias. É a vida. Se o vizinho tem um relacionamento saudável e feliz, o que ele fez por merecer? Felicidade no amor não é para qualquer um. Tem que merecer, deve se dedicar, jogar energia boa para o universo, respeitar as pessoas, ser sincero, acolher o lado bom das pessoas. Não dá para ser um caçador de defeitos, andar com uma lupa para o negativo e encontrar pessoas maravilhosas com quem conviver. Somos todos imperfeitos. Todos. A grama alheia também pode ser. Não se pode julgar pela aparência.

Em tempos de terreno ermo, barreado, cheio de lama, a gente desanima. Mas aí é que temos que buscar aquela força que todos temos e poucos sabemos. A força de dentro. A mola da possibilidade de superação e realização.

Falar é fácil, exercer essa ideia é mais difícil. Eu sei. Mas não subestimo nossa capacidade de decidir e perseguir o objetivo. O que eu quero? Ser grata em qualquer circunstância. Amar meu próprio jardim, mesmo quando as ervas daninhas insistirem em castigá-lo. E desejar que o jardim do outro, tão garboso, quanto eu quero que seja o meu.

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

Videogame

sábado, 02 de abril de 2022
Foto de capa
(Foto: Freepik)

Quantos bits têm uma vida? Quantas cores há na paleta de tons da vida? Como seria bom se a jornada de cada um de nós fosse como nos jogos de videogame. Cair em penhascos e voar, se espatifar e sobreviver, ter três vidas para gastar, pausar e deixar o jogo salvo para ser retomado depois. 

Quantos bits têm uma vida? Quantas cores há na paleta de tons da vida? Como seria bom se a jornada de cada um de nós fosse como nos jogos de videogame. Cair em penhascos e voar, se espatifar e sobreviver, ter três vidas para gastar, pausar e deixar o jogo salvo para ser retomado depois. 

Mas a nossa vida não é videogame. Não é possível controlá-la com botões e manete, não se tem a possibilidade de vê-la em uma tela para perceber todos os perigos, os belos gráficos, acompanhar-se com trilha sonora que dá ritmo às ações. Na vida, não há personagem, nem vida extra. É com você mesmo. Só uma vida.

Mas essa mesma vida acontece em um mundo de incomensuráveis cores. É paleta inimitável, tanto pela sua infinitude, como por sua originalidade que cria novas e novas cores, constantemente. A vida acontecendo é que dá tons ao mundo e um e outro não acontecem sozinhos. 

A vida aqui é mais extraordinária, pois têm bits ilimitados. Não é byte, kilobyte, megabyte, gigabyte ou terabyte. Não é possível encaixar a vida nessas tabelas, mesmo sabendo que os números são infinitos. Ainda que o nosso tempo vá se consumir em horas, a vida é controversa a algarismos. 

Ela é. Simplesmente, é! Com seus devaneios, ventos e chuvas. Com seus sabores, cheiros e aventuras. Com suas paralisias que não pausam o caminhar, ainda que os pés estejam presos há um lugar, uma pessoa, um medo ou mesmo um modo de ser e ver. 

Se tudo isso é um jogo, habilidades se fazem em talentos e experiências, mas ninguém ousará dizer que não existe sorte ou azar. Conviver com os mistérios da fé e do sobrenatural não anulam nossas permissões de entender e se compreender pela ciência. Somos filósofos ao mesmo passo que somos o objeto de estudo da filosofia.

Como humanidade, caminhamos muito, passamos de muitas fases e caímos em buracos que nos fizeram retornar a fases aparentemente vencidas. O que deixamos de aprender? Não foi espontâneo chegar até aqui, ainda que pareça longínquo chegar à fase final e zerar o jogo. Talvez, esse jogo da vida, como coletivo, seja contínuo e jamais se possa zerar. Nesse jogo, certamente, nos zeraremos ou seremos zerados. Para virar memória, pó, estrela, poeira infinda no universo, moradores de outros planetas…

Mas essa é a tal curiosidade que cultivamos mais para se questionar do caminho do que propriamente descobrir. É gostoso adiar ao máximo, pois nesse jogo, nem sempre de prazeres, o que se quer mesmo é ficar um pouco mais e o máximo que for impossível. 

Há certo encantamento despertando entre um bocejo e outro. Há magia no real. Por isso, identificamos razões para prosseguir. Na coleção de fases, vez em quando, haverá desinteresse, mas nossa natureza é de instigáveis: vamos em frente! 

A vida não é um videogame, mas ninguém pode ser proibido de fantasiar. Porque a vida da gente não se mensura em bits e todas as cores do mundo não cabem em uma paleta.   

 

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

Estou a fim de...

sábado, 26 de março de 2022
Foto de capa

Um amigo me apresentou uma entrevista do dramaturgo, escritor e psicanalista Contardo Calligaris em que defende o direito à tristeza e contesta o sentido da felicidade. “Não quero ser feliz. Quero é ter uma vida interessante”. 

Um amigo me apresentou uma entrevista do dramaturgo, escritor e psicanalista Contardo Calligaris em que defende o direito à tristeza e contesta o sentido da felicidade. “Não quero ser feliz. Quero é ter uma vida interessante”. 

Na tese, o doutor em psicologia diz que ter uma vida interessante “inclui pequenos prazeres, mas também grandes dores. Ter uma vida interessante significa viver plenamente. Isso pressupõe poder se desesperar quando se fica sem alguma coisa que é muito importante para você. É preciso sentir plenamente as dores: das perdas, do luto, do fracasso”. E, completa: “Eu acho um tremendo desastre esse ideal de felicidade que tenta nos poupar de tudo o que é ruim”.

O que é felicidade, afinal? O homem desde muito tempo tenta responder a isso. Na teoria. Acredito que, na prática, cada um deve responder por si só. Não acredito em tese fechada para o conceito, mas acho que cada qual tem que descobrir a sua forma de encontrar bem-estar. Sabendo que para identificar o que é bom, a experiência do ruim não deixa de ser professora.

De todas as afirmações de Calligaris, confesso que me apeguei a uma mínima frase, quando ele é contestado sobre o que seria então o contraponto ao “eu quero ser feliz” ou o “eu preciso ser feliz”. O contraponto é o “Estou a fim de...” Defende: “A partir disso, qualquer coisa é válida”.

Calligaris tem razão. Quantas vezes fazemos de fato aquilo que estamos a fim de fazer? Essa liberdade é a essência do nosso bem-estar mais íntimo. Se estou com vontade de chorar que eu chore. Se estou com vontade de rir que eu ria. Se quero ligar para aquela pessoa — ligo. Se não quero falar com aquele sujeito — não falo. Não há inconsequência alguma em fazer o que está a fim de fazer, em ser o que se quiser ser. Estou a fim de…

Você está a fim de que hoje? De nada? Que seja! Nada também é um desejo e muitas das vezes uma necessidade. Eu quero e acho que você também: ter a liberdade de fazer o que está a fim. Essa permissão pode ser mais que temporária ou ligeira. É um modo de viver que deve se colocar em prática permanente. Atento para não ser arrogante, aberto para o outro, pois viver tem muito a ver em também se achar no outro. A tal arte do encontro. O tão sonhado respeito em, ao se permitir, compreender que esse é um direito de todos.

As obrigações existem e ninguém aqui está dizendo para se evocar a irresponsabilidade. Mas é preciso dizer que devemos ter responsabilidade consigo mesmo. Essa é a primeira e mais importante. Essa responsabilidade consigo mesmo não é se tornar um chato, um vigilante, um juiz. Mas responsável por dispensar aquilo que não te faz feliz, tudo que atrapalha essa jornada pelo viver.  

“O sentido da vida está na vida”. Contardo Calligaris dedicou muito da sua vida a achar esse sentido que ele resume nessa frase simples, mas absolutamente complexa. Porque, como diz ele, para a maioria das pessoas, perceber a vida como sentido de si mesma é um escândalo.

Assim, mais importante que ser feliz é buscar ter uma vida interessante. Tornar a vida interessante é algo que nem Calligaris daria fórmula pronta. Na equação poética, cabe somente a si mesmo montar da forma que bem entender a ordem dos fatores, sabendo que não há resultado certo ou errado, talvez sequer possa se estipular resultado. Porque não é o resultado que será interessante, mas as fórmulas que aplicamos e experimentamos nessa busca vida.  

 

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

Flores de outono

sábado, 19 de março de 2022
Foto de capa
(Foto: Freepik)

Flores de outono sobrevivem ao inverno, reavivam na primavera e se despedem no verão para renascerem de novo. Pudera todos os amores serem assim: vindouros no inverno, apaixonados na primavera e reinventados em todos os verões. Os amores têm muito que aprender com as flores, e nós, com as estações. 

As flores despedaçam, pois sua natureza é frágil. Não porque nasçam para voar a qualquer vento, mas porque são filhas do cuidado e sua beleza reside na capacidade resiliente de voar e se plantar em terreno de fértil imaginação para suas cores. 

Flores de outono sobrevivem ao inverno, reavivam na primavera e se despedem no verão para renascerem de novo. Pudera todos os amores serem assim: vindouros no inverno, apaixonados na primavera e reinventados em todos os verões. Os amores têm muito que aprender com as flores, e nós, com as estações. 

As flores despedaçam, pois sua natureza é frágil. Não porque nasçam para voar a qualquer vento, mas porque são filhas do cuidado e sua beleza reside na capacidade resiliente de voar e se plantar em terreno de fértil imaginação para suas cores. 

As estações mudam para cumprir o ciclo da vida, nunca estática e sempre dinâmica. Nem amiga ou inimiga da volatilidade, apenas adaptativa à complexidade que é insistir para garantir a existência. 

Em tempos artífices em que frutas são possíveis em qualquer estação, flores e amores seguem, no entanto, o rito poético de, ainda que pecar, não transgredir o sentido de suas razões de serem como são. 

E somos como somos: viajantes no tempo que nos cabe. Ao não saber a quantidade de cada estação que teremos, cabe o bom conselho de viver intensamente cada uma delas. O mais interessante é que aprenderemos a gostar de aspectos que não notávamos e sentiremos saudades de cotidianos que aproveitamos menos do que deveríamos. Se percebêssemos enquanto a mágica acontece, nosso talento contemplativo nos visitaria mais... Por mais diversos que sejam os desenhos que as nuvens fazem nunca se repetirão com as mesmas curvas e traços.  

Choraremos sempre diferente, ainda que por motivos semelhantes. Porque a lágrima da primavera futura já acumula a experiência do choro do outono passado. A vida só sabe seguir para frente, ainda que nem sempre em frente. 

Saberemos então sermos folhas que secam no chão para alimentar raízes que logo serão novas árvores. Sermos água que corre nos carnavais do verão para cristalizar no gelo do frio que atenta à ausência do calor. 

Sermos cores variadas que salpicam as paisagens para, quem sabe, sermos fotografia que se aprecia nos salões das grandes exposições. Talvez aí se possa fazer entendimento que boas fotos necessitam de luz. Desse brilho que só os olhos podem ter. Dessa alegria e agonia de ser efêmero, tanto quanto memória. 

Poeiras de estrelas não causam alergia a quem ousa respirá-las. Céus de inverno também. Mas as flores de outono são teimosas, pois driblam a finitude de tudo na sina da reinvenção para além de sua própria estação. 

Afinal, flores de outono sobrevivem ao inverno, reavivam na primavera e se despedem no verão para renascerem de novo.

 

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

O cronista

sábado, 12 de março de 2022
Foto de capa
(Foto: Pexels)

Não há ser mais confiável do que um cronista. Suas verdades não são certezas e suas certezas não são imposições. É um ouvinte nato que gosta de colher pencas de histórias onde os braços não alcançam. Ou mesmo histórias que estão ao redor da árvore, alimentando raízes e pássaros mais preguiçosos. 

Não há ser mais confiável do que um cronista. Suas verdades não são certezas e suas certezas não são imposições. É um ouvinte nato que gosta de colher pencas de histórias onde os braços não alcançam. Ou mesmo histórias que estão ao redor da árvore, alimentando raízes e pássaros mais preguiçosos. 

Independentemente de onde estejam os fatos, nenhuma vivência é desprezada e mesmo o silêncio — dos que dizem tudo e não dizem nada — são substâncias para suas criações. Ao fim, humilde, dirá o cronista que nada por ele foi criado, pois todas as suas criações têm como dono — o mundo, as pessoas que habitam esses tantos mundos. Ele é apenas um canal.        

O cronista é um excêntrico, apaixonado pelo seu tempo ao mesmo tempo em que acredita que poderia ter nascido em outras épocas. Independentemente, de ser de outro tempo ou não, é instigante a imaginação daquilo que não se há como saber. Não saber, ter consciência disso, admitir e até admirar que não sabe, talvez seja uma das mais belas virtudes. Pois é supondo que nascem livros, histórias e ficções, cuja semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real não terão sido meras coincidências.

O cronista é um colecionador. Não de botons, tampinhas de cerveja ou de selos. Também. Mas coleciona histórias, dessas catadas nas calçadas, nos campos de lírios, na festa das ruas, no murmurinho das multidões que podem ser de duas, três ou mais pessoas e até cães e gatos. 

O cronista é esse ser encantado pela confusão, inclusive, das que faz no próprio peito. Observador, mas também partícipe. Não é um personagem, mas sendo, é real. Não mente tanto quanto um poeta, mas enquanto poeta mente para si mesmo, sem qualquer desprezo pela verdade. É fé na humanidade, gosto pelo amor e amor pelas paixões.

Se não fossem as paixões… Suas ilusões fazem caminhos iluminados. Seus medos, ao contrário do que se possa acreditar, igualmente iluminam a vontade dos passos em caminhar. Irrecusáveis são as utopias. Irreparável é esse modo de se aprofundar para além dos olhares, dos fatos, dos acontecimentos. 

Não há para o leitor do mundo — o cronista — obras do acaso ou do destino. E é a partir dessa perspectiva de leitura que ele escreve sobre o que sente nas percepções de quem vê mais do que quase todo mundo vê.

Mas o cronista não é um chato como os críticos de cinema, gastronomia, política, artes... O cronista faz parte do jogo, está em campo e se recusa a estar na orla das arenas. Mesmo, às vezes ufanista, está mais para escritor de sensibilidade aguçada do que privilegiado torcedor de arquibancada que de tudo opina.

Assim, para ser cronista há de ser humano com espírito de cachorro vira-lata, que revira lata de lixo, tanto quanto gosta de assistir assador giratório de frango. 

Cachorro vira-lata que gosta de ser bem tratado quando debaixo da mesa dos bares e dos churrascos de família, mas que também gosta de ser livre para sair correndo atrás de motos barulhentas e carros desconhecidos. 

Para ser cronista, é preciso entendimento de que se é parte das crônicas e sequer se abre debate sobre ter que se afastar dos fatos para ter isenção. O cronista é o ser mais confiável que existe, pois admite que não é e nunca será isento. 

Filho das paixões, nem sempre poeta ou filósofo, nem sempre intruso ou convidado, é ouvinte que colhe nos olhares — a alma das pessoas e suas relações. Ao cronista cabe então, contar e escrever as histórias cotidianas que o mundo faz — inclusive as suas.                   

 

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.