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Doce dezembro?

sábado, 09 de dezembro de 2023

Nem todo dezembro é de graças, como nem todo fevereiro é de carnaval. Toda essa festa e toda essa intenção de fartura escondem muitas das misérias e também das riquezas humanas. Traz saudades imensas, algumas recheadas de dores profundas, outras de vivências que, apesar de impossíveis de se repetirem, são provas de que o amor habitou o peito. 

Nem todo dezembro é de graças, como nem todo fevereiro é de carnaval. Toda essa festa e toda essa intenção de fartura escondem muitas das misérias e também das riquezas humanas. Traz saudades imensas, algumas recheadas de dores profundas, outras de vivências que, apesar de impossíveis de se repetirem, são provas de que o amor habitou o peito. 

Essa mania de nos imporem um estado de espírito coletivo não precisa ser comprada como os adquiridos presentes amontoados das vitrines capitalistas. Ser solidário apenas em dezembro é tapear o sono do resto do ano inteiro. Nossa humanidade é posta à prova mesmo nos invernos de agosto e em cada quinta-feira de desatenção. Nossa verdade aparece quando ninguém está vendo. Todo o resto pode ser apenas publicidade, autopromoção, pagamento para tirar dos ombros as faltas e os equívocos cometidos. Aversão a julgamentos, mas o que vale é a leveza da consciência.   

Pudera pendurar sonhos nas árvores de natal. Mas estrelas cadentes não são Papai Noel em seu trenó. Na maior parte do mundo não neva nos 25 de dezembro. Mas mesmo sem neve, há corações congelados que nenhuma lareira pode derreter. Sensibilidade salva mais do que Cristo. Ser Cristão e não ter empatia é o mesmo que não ser Cristão. A espiritualidade transcende as religiões. 

Nem toda segunda-feira é de preguiça. Nada tão sem graça quanto feriados nos domingos, mas mesmo nessa condição, domingo é o primeiro dia da semana e para muitos a terça pode ser o último dia. Portanto, não somos dias enfileirados no calendário. Somos o agora de céus nublados e os ontens de Sol à pino. A forma que nos energizamos deles é o que realmente importa. O modo de se comportar diante de cada acontecimento é o que nos define. 

Fazer acontecer — é viver. Deixar acontecer, também. 

À toda brutalidade, não basta somente esperança. Indignação não pode ser apenas imitação de criança pirracenta. Os tons de insônia não se colorem apenas com chás calmantes. Instantes de calmaria não são caprichos. Paz pode ser tudo o que se quer. Entre um bocejo e outro, o mundo faz guerra. A Estupidez é a pior das ignorâncias.

Não precisa chegar dezembro para ser altruísta. Por que esperar fevereiro para ser carnaval? Um novo ano brota em muitas ocasiões para além dos réveillons ou dos nossos aniversários. Renascemos muitas vezes sem precisar morrer. Em outras, saímos de certas histórias que já não nos escrevem e tampouco nos definem ou acrescentam. Bons personagens sabem colocar fim ou simplesmente se despedem antes do antepenúltimo capítulo. Felizes para sempre? Se biblioteca inteira, talvez em menos da metade das centenas de prateleiras.

Números para nomear dias. Em algumas línguas, os dias da semana são planetas. Os signos importam quando nos aprofundamos no singularismo do mapa astral. Do contrário, será apenas um monte de baboseira em notas de jornal. Sou Leão, com ascendente em Sagitário, Lua em Libra, Vênus em Virgem, Marte em Câncer, Mercúrio também em Leão. Tendências, previsões nunca serão certezas. O céu tudo explica, mas é vasto demais para se desvendar.

Difícil esquecer aquele 21 de dezembro. Lindo aquele dia 11/12. Há amigos e famílias que se reúnem apenas no Natal. Não quero mensagens apenas a cada 4 de agosto. Quero surpresas agradáveis e companheirismo quando enfrentar o inesperado de tudo o que não se tem controle. Se apaixonado, quero te ver todos os dias. A vida, às vezes, é uma fatalidade. Em todas as demais está a possibilidade de diversão. Quisera ter mais cem anos pela frente, amando os dezembros ou rechaçando a ideia de que dezembros têm que ser sempre doces. Muitas vezes, só faz calor pra caralho. 

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Marca: Brasil

sábado, 02 de dezembro de 2023

O samba, obra de arte que o preto esculpiu, ritmo oficial da marca Brasil, tem o seu berço na casa de Ciata. De artistas vindos de becos e vielas, de compositores de caixinha de fósforo nas mesas de bar, é de toda a nossa cultura, a música mais popular. 

O samba, obra de arte que o preto esculpiu, ritmo oficial da marca Brasil, tem o seu berço na casa de Ciata. De artistas vindos de becos e vielas, de compositores de caixinha de fósforo nas mesas de bar, é de toda a nossa cultura, a música mais popular. 

Democrático. Diverso. Das mulheres como são os terreiros. De rituais, mas sem burocracias e formalidades. Tradição que se respeita. Tradição que se cria. Quem disse que pagode não é samba? Um chocalho, cavaco, pandeiro. É só chegar, entrar na roda e se esbaldar. Aqui, não se julga ninguém. Pode vir até estrangeiro. Não há quem resista e ainda que não se tenha o passo da passista, basta arrastar o pé, mexer os ombros ou apenas o indicador em riste para sambar. “Puxa a cadeira aí, meu padrinho”. Salve, Beth Carvalho, a madrinha de todos nós! Se em “Retalhos de Cetim” sonhei, é na “Água de Chuva no Mar” que me realizei.

Ah, o samba! Traduz um jeito de viver e ainda que se fantasie de malandragem, é de gente nobre e trabalhadora. É trilha de novela, é conjunto de sentimentos que escapole, é perpetuação de raízes, é grito de reparação da história, é declaração de amor pelo lugar de onde se vem: Madureira? Cordoeira! É canto de liberdade, é puro suco de brasilidade. Dirão “Eterno delírio do compositor”, cantaremos “É o povo quem produz o show e assina a direção”.

Deixa nossa gente passar, outra vez. Ganhar as ruas, desfilar na avenida como protagonista que é. Nas multidões dos blocos, ser mais um é ser tudo. Brincar, pular, beijar entre confetes e serpentinas, fazer amizade com a ilusão: romances de carnaval podem ir para além da quarta-feira de cinzas. Nem tudo precisa acabar na apuração.  

“Hoje o amor está no ar. Vai conquistar seu coração”. Fantasiado pelo enredo que carrega a cada ano, uma história é contada em versos de samba. De vinte e oito a trinta e duas linhas, a maioria tem dois refrões. Mas quem não há de lembrar dos três refrões da Tuiuti em “Meu Deus, Meu Deus, Está Extinta a Escravidão?”?

Nem sempre o samba-enredo preferido pela quadra é o que vai para a avenida, mas vai para a glória ser hino de Alunão: “Falem vocês o que quiserem, tragam paz os que vierem, Azul e Branco eu sou”. Se Portela ou Mangueira, o Martinho é da Vila, Benito é da Saudade! No verde da esperança, branco está em quase todas as bandeiras. Mestre-Sala se ajoelha à Porta-Bandeira e reverencia a flâmula que estampa glórias em estrelas. Escola de Samba é universidade da vida, é identidade, entidades reunidas. Olodumaré, guarde as baianas de todas as nossas agremiações! Salve os baluartes, nossas bambas! Respeito eterno a todas as Velhas-Guardas.

Devoção ao samba. Desce o morro, o samba é o topo. Berço das nossas nostalgias. Declaração de amor em bem traçadas linhas. Na simplicidade de uma “Cartola”, a genialidade de um Pixinguinha. O que tira da viola um Paulinho, em Zeca vem provar que samba também é Pagodinho. 

Aos que aqui estão, aos que foram e aos que vierem: “Não deixe o samba morrer, não deixe o samba acabar”.    

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Sobrenatural

sábado, 25 de novembro de 2023

O sobrenatural existe, eu sei. É muito mais do que tudo aquilo que não sabemos explicar. É a sensação de presença que temos. É o sentimento que invade. É o arrepio que dá e sobe pelos braços, abraça o pescoço, dá frio na espinha. Físico, mas quântico. Real, mas estranho. Desconhecido, porém reconhecível. 

Os céticos dirão que são coisas psicológicas. Os religiosos dirão que é fé ou falta dela. Os filósofos insistirão em perguntas para não responder. Os poetas apenas farão rimas, como se rima fosse pouco. Canção é tudo que há e irreversível é o que nos causa. 

O sobrenatural existe, eu sei. É muito mais do que tudo aquilo que não sabemos explicar. É a sensação de presença que temos. É o sentimento que invade. É o arrepio que dá e sobe pelos braços, abraça o pescoço, dá frio na espinha. Físico, mas quântico. Real, mas estranho. Desconhecido, porém reconhecível. 

Os céticos dirão que são coisas psicológicas. Os religiosos dirão que é fé ou falta dela. Os filósofos insistirão em perguntas para não responder. Os poetas apenas farão rimas, como se rima fosse pouco. Canção é tudo que há e irreversível é o que nos causa. 

Talvez, realmente o sobrenatural seja o que a física não equaciona e o modo de dizermos que nem tudo pode ou deve ser desvendado. Não se pode resolver tudo em fórmulas. Enigmas são íntimos do esotérico. 

Talvez seja mesmo sobrenatural existir e mais sobrenatural ainda insistir sem ser teimoso. Nesse encontro com o outro, consigo mesmo, percebemos o vento nos fazer carinho, e, toda essa relação que peneira o tempo nos faz sobrenaturais. Voar se torna então natural. 

Colecionar dias nas semanas nem sempre é passear pelas horas. É bom aceitar a preguiça e nem sempre combatê-la. Mas é fundamental estar atento quando acordado e fluido quando se dorme. Empatia para si para multiplicar aos outros.   

Ah, se todas as frases virassem livros. De cabeceira. Guias. O sobrenatural salta das publicações de autoajuda, inclusive da Bíblia. E nos apegamos a essas experiências, porque muitas vezes é tudo que temos para nos agarrar. E não importa a forma como caminhamos, quando o mais importante é caminhar. Se chegaremos? Quem disse que cada passo não é chegar?   

Nessa caminhada, penduramos sonhos em árvores, colamos estrelas nos paralelos, emprestamos suor e pegamos emprestado um pouco da terra que pede carona à sola de nossos calçados. 

Esse grande planeta que habitamos é uma casa divertida cheia de armários que abrimos e nem sempre fechamos a porta. Nas gavetas, colocamos roupas não vestidas, mas usadas. Amores pedidos, mas não entregues. Desejos confundidos e insanáveis. Empilhamos de tudo e por vezes nos sabotamos ao recusar colocar angústias nos cabides e trancar as portas com chaves de segredo único. Inquietações foram feitas para virar gritos que somem no eco. 

Supomos ser destino o que se disfarça de fatalidades. É tão estranho que coisas ruins também aconteçam a pessoas boas. Nem tudo que se planta colhe e nem tudo que se colhe foi plantado. Justiça é uma norma criada através do tempo para ocultar que nem tudo é justo. 

À espera de milagres, vivemos. Esquecemos que é um milagre todo esse agora que respiramos. Embrulhados de cotidiano, embaralhados pelo fantástico ilusório de redes vizinhas, desembrutecer é preciso, necessário. Não arrotar moral é o melhor modo de não ser hipócrita. 

Ser feliz não é sobrenatural, ainda que nos façam acreditar que felicidade seja muito. Felicidade é o mínimo que todos deveriam ter. Liberdade não se freia, se respeita. Prazeres não se esgotam em si mesmos. A paixão é o melhor modo de se vestir de intenso.   

Chorar é comédia. Rir é drama. O para sempre é tanto tempo que nenhum filme tem tempo para contar. Eternidade é um devaneio. Imortalidade pode ser um fardo. Leveza é o que sustenta o malabarismo da criatividade. Inventivos, fazemos com que a vida revide bocejos. Ao sobrenatural, a naturalidade de ser quem se é, sem longas explicações.

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Os olhos desenham a forma do infinito

sábado, 18 de novembro de 2023

Coragem? Temos de sobra. Medo? Também. Às vezes, o que não se tem é escolha. Com coragem ou medo é necessário enfrentar suas lutas exclusivas que, por mais que se assemelham às dos outros, é sua e só você pode mergulhar.

Seria fácil apenas dizer: vai! Aqueles tais 30 segundos de insanidade talvez seja o que se precise para ir. Os tais segundos que não pensamos em temor ou consequências, se faz o que precisa ser feito e que mais ninguém pode fazer por você. Resultado? É tudo que vem depois de decidir entrar no jogo. 

Coragem? Temos de sobra. Medo? Também. Às vezes, o que não se tem é escolha. Com coragem ou medo é necessário enfrentar suas lutas exclusivas que, por mais que se assemelham às dos outros, é sua e só você pode mergulhar.

Seria fácil apenas dizer: vai! Aqueles tais 30 segundos de insanidade talvez seja o que se precise para ir. Os tais segundos que não pensamos em temor ou consequências, se faz o que precisa ser feito e que mais ninguém pode fazer por você. Resultado? É tudo que vem depois de decidir entrar no jogo. 

O jogo é permanente, mesmo não estando em campo, antes ou depois. A vida é várzea, é montanha no horizonte. Viver é oceano que nem sempre tem ilha ou praia. Os olhos desenham a forma do infinito, mas o olhar é que estipula finitudes ou não. Pode se enxergar longe e não ver o que está perto. Pode-se sentir o que está dentro, mas desatento desconsiderar o que explode no peito, o que treme fora e as causas.

Acumulamos e pode ser que jamais se chegue a tal gota d’água. Aquela que faz transbordar o copo. Seria ela a mais importante? 

O que precede os tais segundos em que, de repente, decidimos enfrentar, encarar, desbravar, ser? Por que não antes? Porque é agora!         

Chamar para dançar aquele que se observa do outro lado do salão. Trocar de emprego. Ir, sem ingresso, à final do campeonato que seu time nunca venceu. Pegar as chaves do carro, uma mochila grande e viajar sem destino, entrar em cidades que nunca entrou ou sequer ouvir falar o nome. Quebrar o alarme e dormir por mais duas horas, mais um ou dois dias inteiros. Demitir o patrão. Invadir a piscina do vizinho do lado e chamar os amigos para um churrasco. Mandar embora a dor que aquele amor causou e se despedir de relacionamentos que foram bons enquanto duraram, mas que não podem mais perdurar, para preservar as boas memórias. Desfilar com pernas de pau no bloco de carnaval. 

Escrever, escrever e escrever poesias para os desconhecidos da praça. Se declarar apaixonado para o bonitão que bebe cerveja no bar da esquina e não se preocupar em ser assustador demais ou muito emocionado. Andar pelado pelo apartamento depois de um banho gelado e não se preocupar se os vizinhos do prédio em frente te observam da janela. “Tá olhando o quê?” Atentado ao pudor seria estar vestido dentro de sua própria casa nesse calorzão de 35 graus com sensação térmica de 50. 

Beba água. Diminua a velocidade. Desligue o computador. Lave as mãos. Apague as luzes. Proibido fumar. Não urine na tampa do vaso, acerte o alvo. Leia a Bíblia. Anarquistas adoram dar ordens. Filósofos não pecam, mas dão conselhos. Por que? Nem tudo tem resposta, talvez para tudo haja perguntas. Não saber é dádiva contemporânea.  

Bom mesmo é brincar na chuva. Inventar a brincadeira de ser feliz com suas próprias regras em que a primeira regra é não ter regra. Livre, desenhar com o dedo o símbolo do infinito no céu, perceber que o olhar forma o infinito em si para o universo. Você pode ver. Eu posso sentir. A tristeza vai embora. O que vigora para além da rima? Você é infinito. 

Respire. Sinta. Abrace. Fique à toa. Vá à luta. Pergunte tudo o que quiser à Mãe de Santo. A Roda da Fortuna está na sua mesa de tarô. A Morte pode ser bem-vinda. Mudanças são ótimas, quando para melhor. Não temas. Dizem que o melhor ainda está por vir. Veio e virá ainda melhor mais uma e mais outra e tantas outras vezes. A paixão é o que há de mais instigante, e intenso é…                  

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Quando foi que passamos a nos contentar com a mediocridade?

sábado, 11 de novembro de 2023

Quando foi que passamos a nos contentar com a mediocridade? Enxergamos, mas não percebemos. Escutamos, mas não ouvimos. Quem tapa os nossos ouvidos? Temos ou fingimos, (não sei), empatia com os que sofrem… longe. Aos de perto: naturalizamos.

Quando foi que passamos a nos contentar com a mediocridade? Enxergamos, mas não percebemos. Escutamos, mas não ouvimos. Quem tapa os nossos ouvidos? Temos ou fingimos, (não sei), empatia com os que sofrem… longe. Aos de perto: naturalizamos.

Quando foi que, como cidade, passamos a nos contentar com a mediocridade? E aplaude-se o circo de falsas profecias em que se faz de palhaço — a plateia. Vende-se humildade sem humanidade. Paulo Coelho diz que “nada mais vaidoso do que dizer que não tem vaidade”. Nova Friburgo deveria ser a maior de nossas vaidades! Assistimos a um personalismo jamais visto, como se a cidade tivesse um dono, um barão, uma só verdade. “A cidade é do povo”: seria um devaneio?  

Eduardo Larangeira Jácome escreve: “o Ótimo é muito melhor do que o Bom”. Que ótimo ler os alertas deste artigo — temo — otimista. O bom é melhor do que o medíocre. Em que degrau nossa cidade paralisou nesta escada? 

Nos preocupamos (e com razão) com o assassinato em massa de israelenses e palestinos, mas não acendemos uma vela de indignação com as tantas mortes evitáveis que ocorrem, por falta de estrutura, no Hospital Raul Sertã. Viramos uma fábrica de doentes com o abandono da saúde preventiva, da saúde básica. Enxuga-se gelo na aposta equivocada ou na maldade acertada de focar na emergência — comemora-se o número de pacientes em emergência. Que tragédia! Saúde de qualidade é aquela que tem hospital vazio. Quanta falta de visão. Morrem tantos, quando muitos poderiam estar vivos. 

Pouco a pouco, quase que, sorrateiramente, destrói-se a identidade de um povo múltiplo. Atacam-se as instituições que nos trouxeram até 2023. Fazendo música ou cuidando de idosos. Biografando nossa história ou atendendo crianças especiais. Quando a identidade de uma cidade é aniquilada, quando se persegue instituições, se mata o sentimento de pertencimento, e, ao não havê-lo, a cidade perde o sentido de ser cidade. 

Luzes para quê? Natal para quem? Que Papai Noel é esse que desfila com suas renas pelas avenidas da cidade, mas deixa os centros de assistência social sem cestas básicas e as pessoas sem remédio? Acena Papai Noel. A farsa, digo, a festa, está montada. Que se lixe o princípio da impessoalidade. Não é esse Papai Noel que as crianças acreditam. Elas preferem um que faça zerar as filas de creche, mas sem tapeação. Creche de verdade é a que oferta tempo integral. 

Todos gostamos de festa, mas quando falta o pão em casa, não dá para convidar a vizinhança para comer brigadeiros. Ninguém é contra a festa pública de Natal. Mas sem exageros na gastança: nem oito, nem oitenta. Ao básico, o irrefutável, o necessário — tudo! Este deve ser o dever prioritário da gestão pública.                 

Enquanto Nova Friburgo amarga a inglória posição de 36º pior município do país em transparência, postagens nas redes sociais não institucionais vendem a impressão de um “Fantástico Mundo de Boby”. Esse desenho era muito bom. O que se pinta por aqui é brega, sem graça, forçado. 

Medíocres são ótimos em produzir coleção de mediocridades, geralmente, com abuso da fé alheia. Não é apenas opinião. Estão nos números, em que todos os dados alertam para a queda livre de Nova Friburgo, que reflete na qualidade de vida de sua população. Não é de hoje, mas continua de forma acelerada. Talvez a velocidade afete os ouvidos. Perturbe os sentidos. A desorganização vigente não precisa de recursos contingenciados, mas de liderança, apreço, vontade e decisão.  

Não! Não à mediocridade! Sim ao que diz Eduardo Jácome: “não se contentar apenas com o bom e sempre buscar fazer cada vez melhor”. “O bom é inimigo do ótimo” é o que espalha o povo nas ruas. Nova Friburgo tem capacidade de se reinventar para melhor. Tem história que assegura seu destino de ser destaque positivo. Tem sua gente empreendedora e valente. Tem a natureza como grande ativo, tão cobiçado nesses tempos de mudanças climáticas. Conjunto de qualidades únicas que me fazem ser um otimista incurável. Inovação. Sair das caixinhas impostas. Criatividade.    

Desculpem-me se pareceu berrar a minha indignação. Ela não é produto do lamento. Ela vem dos potenciais que enxergo e são surrupiados. Ela vem da força motriz que me faz falar o que não se fala para que ecoe o que não se ouve. Queremos paz e paz não é aceitar o que está posto, mas ser ativo na busca por outros rumos. 

Outra Nova Friburgo é possível e é nosso dever olhar além das montanhas e vislumbrar esta cidade como uma das melhores do País, em clara dissonância com o que mostram todos os rankings atuais que nos comparam com outros municípios. Na pseudo frieza dos números há pessoas. É inaceitável o que está acontecendo.  

Exigimos respeito à democracia, à imprensa livre, à diversidade, ao Estado Laico, à inteligência. O amor há de vencer! Nova Friburgo há de se ver e se ouvir Nova Friburgo de novo.

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Quero que você sorria em pelo menos uma linha desta crônica

sábado, 04 de novembro de 2023

Sorri, quando te vi pela primeira vez. Não sabia seu nome, nunca tinha visto seu rosto, mas sua alma já me habitava. O sorriso de quem tenta esconder o sorriso é tão engraçado que — na tentativa de disfarçar — se entrega. Contagia. Ao ponto de, despretensiosamente, arrancar o sorriso do outro. Em um possível sem fim me devolver o sorriso que emprestei, fazer você sorrir mais uma vez e passarmos a vida sorrindo. Por admiração, pela intenção não planejada de ser e estar junto driblando tudo o que possa cortar o sorriso, que não precisa necessariamente dos dentes sempre à mostra. 

Sorri, quando te vi pela primeira vez. Não sabia seu nome, nunca tinha visto seu rosto, mas sua alma já me habitava. O sorriso de quem tenta esconder o sorriso é tão engraçado que — na tentativa de disfarçar — se entrega. Contagia. Ao ponto de, despretensiosamente, arrancar o sorriso do outro. Em um possível sem fim me devolver o sorriso que emprestei, fazer você sorrir mais uma vez e passarmos a vida sorrindo. Por admiração, pela intenção não planejada de ser e estar junto driblando tudo o que possa cortar o sorriso, que não precisa necessariamente dos dentes sempre à mostra. 

Desses impactos proporcionados pelos encontros da vida, talvez se valha a vida inteira. Ou não. A chance é concedida, mas depende de cada um e da junção dos dois, o que virá depois da curva. Esse tal sorriso se estenderá ao altar? Até onde este sorriso levará? Talvez fique ali, marcado como tatuagem dessas que vêm no chiclete e saem com água e sabão. Talvez perdure, se multiplique. Pode ser que não passe de algo bom, mas que se encerra em si mesmo.

Sorri, quando subi ao palco e palhaço de minhas piadas arranquei sorrisos espontâneos, forçados, transmitidos de um para o outro por puro efeito cascata. Sorriu até quem não entendeu a piada, mas não quis passar de pouco ou muito sarcástico. O sorriso é contagioso.

Enquanto plateia, vivo sorrindo dos teatros do cotidiano. Das zoações que fazem com o meu time de futebol. Das derrotas da minha escola de samba. Das vitórias de cada um em que, eu torcida, publicizo o meu torcer. É um modo das pessoas se conectarem e dizerem que sabem da minha vida e participam dos meus dias. E não há nada de superficial nisso. 

É lindo quando alguém quer sorrir através de você ou te arrancar sorrisos, ainda que amarelos. Os inimigos, esses não têm grau de intimidade para ser sua plateia ou para que sejamos seu palco. Não nos sorriremos! Porque sorriso é genuíno e não se disfarça. Podem até se mascarar de sorriso, mas toda máscara, rapidamente, cai.

Sorri ao despertar agradecido. E é doce fazer oração com sorriso no coração. Dormir sorrindo é sinal de felicidade que não cabe. Pode ser por cócegas feitas por borboletas no estômago. Pode ser pela visita da conquista ou pelo sonho que se avança. Pode ser por simplesmente nada. Apenas se pega sorrindo e sorrindo, se deixa sorrir até ter câimbras no rosto.  

Bebê sorrindo é pureza que se fotografa na memória para sempre. O que estará sonhando o pequenino? Como podem gargalhar banguelas por essas caretas que adultos fazem? Sorriso verdadeiro desmonta o mau humor. Sorrisos mudam o mundo — para melhor. Sorrisos podem alterar a trajetória dos dias. Dirão que sorrisos até podem alterar as posições das estrelas.

Quero sorrir com meus amigos para além das fotos para as redes sociais. Quero sorrir com meus amores quando ninguém vê. Quero sorrir sozinho vendo minhas séries favoritas e seguir sorrindo mesmo ao fim do episódio. Quero que você tenha sorrido em pelo menos uma linha desta crônica. Quero você rindo à toa debaixo do chuveiro por cada ironia, por cada alegria e fantasia que o tempo lhe privilegiou. Quero ver você sorrindo agradecido e até emputecido, afinal, pratique a serenidade e sereno vencerá quem lhe apunhalou.

Sorrisos são capazes de desarmarem o mal. Sorrisos demonstram nossa humanidade, a presença e também a falta de sobriedade. Sorrisos nos conectam, nos atrelam a iguais. Sorriso é vacina, é remédio, é um jeito forte de enfrentar agruras, uma maneira nobre de conduzir o destino e se inserir como guardião do mundo.

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Ao lado das bruxas

sábado, 28 de outubro de 2023

“Já vou deixar registrado que se a Idade Média voltar, eu estou do lado das bruxas!” Eu também, cara bruxa da escrita, Clarice Lispector. 

“Já vou deixar registrado que se a Idade Média voltar, eu estou do lado das bruxas!” Eu também, cara bruxa da escrita, Clarice Lispector. 

Se tudo o que assusta ou contradiz o que convém aos pseudos donos da verdade for bruxaria, adorarei ser bruxo ou, não tão evoluído assim, ao lado dos bruxos me coloco. A história tem a implicância de publicar apenas aquilo que as elites querem. E ela é escrita por olhares diversos, mas sempre foi privilegiada a narrativa de quem detém, seja o poder econômico, religioso, político ou acadêmico ou simplesmente por estarmos estabelecidos em uma sociedade patriarcal.

Há quem diria que no Brasil, um dos lugares mais hipócritas do mundo, o aborto já estaria liberado se fossem os homens que engravidassem. Se o Brasil fosse a Europa da Idade Média, certamente se queimaria muito mais do que 50 mil mulheres. 50 mil, é o número apontado por estudos, as mulheres mortas por condenação à bruxaria. E, nem todas foram assassinadas na fogueira. Afogadas, decapitadas, enforcadas. 

Por que saíam voando, por aí, em um cabo de vassoura? Não. Porque eram curandeiras, faziam remédios, serviam às suas comunidades, quebravam o padrão machista ou mesmo religioso, impunham suas vozes. Porque eram questionadoras, diferentes, revolucionárias. Porque estavam conectadas com as forças da natureza e tinham profundo respeito pelo planeta.

Soaria absurdo nos dias de hoje, mas até gatos pretos eram perseguidos e mortos, pois se tinha o mito de que as bruxas se transformavam nos felinos, especificamente de pelo preto. E não tem tanto tempo assim que isso acontecia de forma legalizada.  

Há quem no ano de 2023 adoraria sair queimando pessoas dissonantes. Em nome do bem, praticam o mal e argumentam que é pelo futuro da humanidade. Defendem a guerra, a eliminação do outro, até mesmo usando o nome de Cristo, Maomé, Buda. Serão simplesmente perdoados pelo salvo conduto de que gerações futuras reconhecerão que foi um erro de fé. Assim como a igreja reconhece o equívoco que foi matar aquelas mulheres… bruxas. 

Foi um equívoco monumental seguir Hitler. Mas há quem seguiria hoje e mesmo sabendo dos absurdos cometidos, ainda sim seguiria a morte — em nome de algo maior. O que pode ser maior do que a vida e a vida em abundância? Seguimos colecionando equívocos, se autoenganando. Têm sangue nas mãos da invocada pureza.  

E o Cristo crucificado repetiria dois milênios depois: “Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem”. E os que sabem o que fazem? Teríamos tantos ingênuos inocentes assim? Será tão difícil defender a paz, o bem-estar e a própria alegria e a alegria do outro?

Se as bruxas forem pró-vida e uma vida feliz, estou do lado das bruxas. Se os homens de bem proclamam a morte, a minha oposição. Na guerra não há certos ou errados, apenas perversos. Armas foram feitas para matar. Que ninguém mate por algo, mas viva por alguém. Que ninguém morra em nome do que quer que seja, mas viva pelo direito de uma vida plena. Que a benção seja a felicidade e que o moralismo não nos entorpeça. Pois toda hipocrisia é filha do moralismo e o moralismo, geralmente, é dado como vestimenta pelos nús para os outros.

Liberdade às bruxas. Liberdade à vida que pulsa. Liberdade ao amor!

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Digitais

sábado, 21 de outubro de 2023

Como podem existir milhões de mãos iguais e cada uma ser única? Nenhuma mão que existe ou existiu tem as mesmas impressões digitais. Os dedos alongados podem se assemelhar, o tamanho da palma pode até ser exatamente o mesmo, o formato das unhas pode ser igual, mas mesmo as mãos de gêmeos univitelinos têm desenho único, curvas exclusivas, incomparáveis.

Imagine que um mesmo artista pudesse pintar bilhões e bilhões de quadros, cada um com traços diferentes. Parece impossível. Mas não para a criação dessa maravilha que é a nossa espécie.

Como podem existir milhões de mãos iguais e cada uma ser única? Nenhuma mão que existe ou existiu tem as mesmas impressões digitais. Os dedos alongados podem se assemelhar, o tamanho da palma pode até ser exatamente o mesmo, o formato das unhas pode ser igual, mas mesmo as mãos de gêmeos univitelinos têm desenho único, curvas exclusivas, incomparáveis.

Imagine que um mesmo artista pudesse pintar bilhões e bilhões de quadros, cada um com traços diferentes. Parece impossível. Mas não para a criação dessa maravilha que é a nossa espécie.

E isso é absolutamente incrível: a sua digital, só você tem. Ninguém que existiu antes de você, ninguém que existe neste planeta de mais de oito bilhões de pessoas, ninguém que vier a existir, ainda que se triplique a população atual, terá digital como a sua.

Assim, o que você faz tem a sua marca exclusiva. Pode não parecer nada especial, mas você é inimitável e no mínimo um diferencial você tem: a sua digital. Portanto, claro que isso é especial, tanto como é extraordinária a sua história e cada parágrafo que você coloca nela.

Adicionam-se outras digitais, igualmente únicas, a cada capítulo que escreve e se atravessa aos seus, tanto quanto os seus se unem a outros capítulos de incontáveis encontros com pessoas com as suas também exclusivas digitais. Vamos colocando nossas assinaturas e recebemos assinaturas tão nossas, das nossas vivências, das costuras que fazemos e das linhas que se costuram a nós.

As ciganas lerão nosso destino. “O caminho é todo seu”. As linhas da mão como mapa da vida. Por onde percorrer, onde haverá de se ter mais cuidado para não escorregar? As limitações não premeditam nada. A escolha caberá aos seus passos e sua exclusiva cartografia é apenas guia auxiliar.

Tanto por acontecer, tantas surpresas à espreita. Na jornada de ser e de se dar — pertencer. De repente, no peito, escolhemos certa digital e oferecemos a nossa digital para compartilhar aventuras e cotidiano. Se uma digital é tão sem igual, imagine unir duas digitais. Nada se repetirá tal como, no mundo inteiro e em toda a existência da Terra de milhões e milhões de anos habitada por nós. Difícil até devanear.    

Quando eu era criança, eu vivia colocando sangue pelo nariz. Na escola em que eu estudava, não me lembro de outras crianças terem a mesma situação. Era um corre-corre danado. Inclinavam minha cabeça para o alto, apertavam o osso superior das minhas narinas. Outras vezes, vinham com um pano com gelo para estancar a sangria. Nos dias de calor, a cena se repetia quase que diariamente. Eu gostava daquela atenção. De matar aula também. Afinal, era um bom motivo. Fiz várias microcirurgias para queimar os vasos abertos. Fiz cirurgia de desvio de septo.

Talvez, meu nariz tenha mudado, minha face tenha inchado, mas minhas digitais são as mesmas. As digitais nunca mudam. Assim como ninguém pode roubar sua história, suas façanhas, seus sonhos.

Pode parecer uma mistura de ciência com ingenuidade. Nutrir de poesia a biologia. Querer suavizar essa crueldade que o tempo faz com nossos corpos. Ainda na barriga da mãe, nossas digitais vão se desenhando e não se alteram mais. Somos uma obra de arte única que tem o poder de criar um milhão de possibilidades. Mas a marca daquilo que fazemos não se sabota. A nossa digital imutável estará lá, mesmo depois da nossa morte.

Se é tão única a digital, o que dizer da alma... Ou seria a alma a própria digital?       

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Paulo Freire

sábado, 14 de outubro de 2023

“Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo”. O pensamento de Paulo Freire, que de forma, nem otimista ou pessimista, coloca a responsabilidade da transformação do mundo nas pessoas. 

São as pessoas as responsáveis pelo que acontece de bom e ruim ao planeta, à sociedade, às cidades. Alguns recorrem a Deus, às forças sobrenaturais. Jeito fácil de escapar daquilo que não queremos explicar ou reconhecer. 

“Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo”. O pensamento de Paulo Freire, que de forma, nem otimista ou pessimista, coloca a responsabilidade da transformação do mundo nas pessoas. 

São as pessoas as responsáveis pelo que acontece de bom e ruim ao planeta, à sociedade, às cidades. Alguns recorrem a Deus, às forças sobrenaturais. Jeito fácil de escapar daquilo que não queremos explicar ou reconhecer. 

Há quem responsabilize a educação. Eu já responsabilizei a falta dela. Hoje, responsabilizo também a educação. Erramos. E é preciso assumir que a educação tal como se desenhou vem dando errado. 

A falta de diálogo, a ausência de olhar para si e em volta, o elitismo, a ignorância. E ignorância aqui não tem a ver com não conhecer ou saber. Mas de saber que algo é mentira e ainda sim sustentar a mentira para, por ego, tentar convencer a certeza de sua ideologia. Como dizia Cazuza: “ideologia, eu quero uma pra viver”. Todos se tornaram ideólogos, mas nem supõem o que seja ideologia. Ideologia como modismo envenena e mata. 

Pobre mundo, pobre educação. Não foi isso que se quis quando se buscou uma educação que ensinasse a contestar. Educação que liberta não pode ser essa que aprisiona pessoas à idolatria. Nos tornamos idiotas mesquinhos. Precisamos parar, repensar e na falsa exigência das redes sociais, brecar isso de ter que saber de tudo, opinar sobre tudo. Começar a se educar para admitir: “eu não sei porra nenhuma sobre a guerra da Palestina”. Mas sei sobre a falta constante de medicamentos no hospital da minha cidade. 

É preciso aproximar a educação dos nossos cotidianos, porque a vida acontece com nossos vizinhos da mesma rua, do mesmo bairro, da mesma cidade. Do mesmo estado, do mesmo País e do mesmo planeta vem na sequência. Mas, como querer ditar regra para o mundo, se nem para seu terreiro se tem olhar? 

Empatia é boa mesmo quando se tem com quem está do lado. Solidariedade aos extraterrestres que tiveram seu planeta invadido. Mas testar solidariedade de verdade é quando você estende a mão para quem você se depara frente a frente.

Que tenhamos uma educação e educadores que ensinam línguas, matemática, as capitais dos países, o corpo humano, a tabela periódica… Mas que nossas escolas se preocupem a ensinar também o amor, o medo, a incerteza, os sentimentos que se deve ter e aqueles que fazem mal. A importância de ouvir, o tempo de falar — o diálogo. Que ensinem sobre política, mas sem partidarizar. Que ensinem a contestar, mas sem a petulância de reproduzir um presidente idiota qualquer que disse que Paulo Freire é vagabundo. Puta que o pariu: Paulo Freire foi um dos gênios que o mundo teve o privilégio de conhecer. Que se debata seus pensamentos, mas não venha raso. Respeitem Ariano Suassuna e ensinem sobre ele. Falem sobre Belchior e também sobre Claudinho e Buchecha. Não menosprezem a arte produzida pelas favelas, tampouco a filosofia dos morros. Escutem o pequeno mundo ao redor.

A educação precisa aprender a reaprender. Nós, educadores, necessitamos olhar para dentro e ouvir de novo Paulo Freire: “É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal maneira que num dado momento a tua fala seja a tua prática". Precisamos ser assim e auxiliar alunos a serem assim, sem pretensão de ser ou formar heróis. Precisamos formar seres humanos melhores para sermos humanos melhores uns com os outros. 

“A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem”. Se não tiver amor, não há educação. Temo que, se hoje, Paulo Freire fizer chamada, ao chamar por amor, nem o professor responda.

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Sonhos de criança se respeitam e são imperecíveis

sábado, 07 de outubro de 2023

Sabido demais, menino acredita poder salvar o mundo. Os vilões se combatem com a toalha de banho como capa e o cabo da vassoura como espada. Voa-se de sofá em sofá com a coragem de um parapentista. Quem poderá derrotar o mocinho? O mal existe e menino astuto sabe disso. Mas atento, é super-herói entre os corredores das cidades, cowboy entre as vielas do Velho Oeste imaginário na horta do quintal de casa. 

Sabido demais, menino acredita poder salvar o mundo. Os vilões se combatem com a toalha de banho como capa e o cabo da vassoura como espada. Voa-se de sofá em sofá com a coragem de um parapentista. Quem poderá derrotar o mocinho? O mal existe e menino astuto sabe disso. Mas atento, é super-herói entre os corredores das cidades, cowboy entre as vielas do Velho Oeste imaginário na horta do quintal de casa. 

Cruel não é o inimigo a ser batido, mas o tempo a ser convivido. Mesmo esperto, menino sabe que vai crescer, só não supõe que se cresce tão rápido. E na velocidade dos dias, na intensidade de cada descoberta, nem percebe que deixa pelo caminho a capa, a espada e o poder de ser imaginativo. 

Deveria ser lei: sonhos de criança se respeitam e são imperecíveis. 

Sagrada é a criatividade dos ingênuos, que protegidos pela própria ingenuidade, não são tolhidos pelas versões que os adultos dão ao mundo. Livres como pipa, acreditam que a linha que conduzem é infinita e capaz de cortar as nuvens e até pescar estrelas que moram próximas à última Lua do mais longínquo planeta da Via-Láctea. Fazem acordo em rabiscos de desenhos difíceis de se descrever, porque para criança felicidade é apenas felicidade, sem extensas definições.

Conhecer a dor é pior do que tê-la. Será que a dor existe? Pois não há razão em querer dar significado a tudo. Criança aprende a entender o que os que dizem entender entendem. Compreender é travesseiro melhor para se deitar e curtir. Na rede à beira do rio, os sons da natureza insinuam lendas que são como carinho na pele de quem não precisa de hidratante para suavizar as rugas. O tempo é assim com o corpo, mas o tempo nada pode com a alma.

Sonhos de criança se respeitam e são imperecíveis. Aprender a amar garante isso mais do que qualquer constituição.

Correndo pelos campos se produz vento. E o vento canta… E ao parar, o tal vento segue com cantigas que chamam para dançar. Quem se importa se há alguém vendo? Criança não se envergonha, até medrosos a fazerem se acanhar. Se pudesse, não me deixaria medrar. Aí, nos ensinam coragem mais para temer do que propriamente ir.

- Volta ventinho, querido. 

- Há de correr como a criança que se adormeceu em você. 

Sonhos de criança se respeitam e são imperecíveis. Voltam mais do que arco-íris em tardes de verão. Respeito. Atemporalidade.  

O sorriso espontâneo de quem nem sabe que a piada é como flor que se abre para receber o sol. Ambos vêm dos instintos que o coração palpita. Haverá de se tentar explicar o instinto para concluir no sobrenatural. Haverá de se proibir instintos de falar para induzir as cercas que limitam olhar apenas para os objetos, as experiências, as existências que se supõe conhecer. Menino vai além sem imposição de ir. Menino vai além, ainda que além, seja fincar. Nada tão profundo como a leveza de criança. 

Voa e plaina sob terras firmes ou não. O futuro é uma possibilidade não aventada por quem acredita no presente. Na relevância do que se faz e é, menino é protagonista da sua fé. Papai Noel pode ser Papai do Céu, não se justifica onde Deus está. 

O céu é apenas o teto escuro quando se apagam as luzes do quarto para dormir. Dorme o pequenino não planejando o amanhã. Dorme o homem descobrindo que alma tem virtudes de criança. Seus sonhos não são planos, são realidades que merecem respeito e jamais perecem.

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