Somos um hífen?!

Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Estou lendo “A boneca de Kokoschka”, de Afonso Cruz, edição apoiada pela Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas/Portugal. O livro me atraiu pelo título, e, ao mergulhar na leitura, encontrei pérolas, que me remeteram a uma questão surpreendente, que ainda não havia pensado. 

O contexto da história é a Segunda Guerra. O início do enredo se desenvolve numa loja de pássaros, cujo protagonista, Bonifácio Vogel, é comparado, dentre tantas caracterizações feitas pelo autor, a um hífen. Essa ideia me trouxe uma pergunta inusitada: Sou um hífen?

Se eu fizesse essa pergunta durante uma sessão de análise, meu terapeuta diria que a sessão tinha acabado. Assim, repentinamente. Sairia de lá com a cabeça embaralhada e passaria a semana buscando explicações. Por que sou hífen?

Há três dias que estou revendo as relações que estabeleço com as pessoas e com as circunstâncias de vida. De pensamento em pensamento, fui constatando que sou um hífen! 

O hífen é uma pontuação em forma de traço e tem a função de estabelecer elos: juntando palavras compostas, unindo pronomes átonos aos verbos, fazendo a separação de palavras em duas partes no final da linha. É um sinal gráfico que tem identidade!

Nesse momento sinto a necessidade de perceber-me como um elo. Sim, tal qual uma argola que se une a outras para formar uma corrente. Qual a importância que tenho no fluxo das situações em que vivo? Se eu me retirar ou for tirada, o que acontecerá? Farei falta ou serei indispensável?

Cada uma desses temas tomaria o tempo de algumas sessões de psicanálise. Ou muitas. Ou quase todas.

Mas há outra questão que a percebo como a mestra de todas: fazendo parte de tantos colares, como preservo a minha identidade? Aí, constato que ainda estou longe de ser uma pessoa definida, sábia e criativa, sendo capaz de observar, perceber e entender, nos mínimos detalhes, primeiramente, a minha essência e, depois, as pessoas e circunstâncias sem ideias preconcebidas. Ah, que desafio a palavra hífen me trouxe! Ufa!

Vou ligar para meu analista e marcar umas sessões.

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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