Nosso nome é um código de barras

Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Estou acabando de ler “A boneca de Kokoschka”, do autor português, Afonso Cruz. A cada página sou coberta pelo manto das indagações filosóficas, que me traz questões sobre as quais ainda, ou muito pouco, havia refletido. Como nosso pensamento trabalha 24 horas por dia, inclusive durante o sono, faz bem ter motivos para pensar de modo diferente a fim de sair da mesmice diária que ocupa a mente com relações familiares, situações de trabalho, circunstâncias financeiras e acontecimentos diversos. É aconselhável ter novas linhas e retalhos para costurarmos nossas colchas.

Quando nascemos recebemos um nome. Ganhei Tereza Cristina, um conjunto de letras que me designa, o qual levarei até o fim da minha vida. Mas, será que esse nome de nascença é o meu verdadeiro? Posso ter nascido como Tereza Cristina, mas ao morrer continuarei a sê-la? 

Afonso Cruz me coloca a pulga atrás da orelha quando questiona que o nome que consta na certidão de nascimento não é o verdadeiro. Posto que sim. As primeiras perguntas que me inquietam tão logo as cortinas se abrem são: o nome que tenho me agrada? Pode dizer quem sou?

“...mas sinto que o nome de batismo, o que nos dão à nascença, não é o nosso nome. Há um outro escondido debaixo das nossas rugas, debaixo das nossas infelicidades todas, que é o nosso código de barras, como os das compras. Um dia, quando estiver a morrer, com a morte nos olhos, saberei que nome é esse.”  

Os traços em nossos códigos de barras registram as marcas que fazemos no destino. A cada momento, um registro; a cada registro, um tom é acrescentado ao nome, que pode ir modificando o som das letras e substituindo-as, nos transformando na maneira como somos e fazemos a vida acontecer. Ao final dos dias construiremos, então, um nome com a inteireza da existência individual.

Afonso Cruz, durante a conversa entre seus personagens, chama a atenção para o nome artístico. Certamente mais íntegro do que o da certidão de nascimento porque, ao longo da vida, vamos aprendendo e aprimorando a arte de viver. Ao morrer, as letras do nosso nome irão conter incontáveis histórias, apinhadas, umas em cima das outras. São as que contamos sobre nós e as que outros nos contam, também sobre nós. Seremos, enfim, um emaranhado de contos, constatações, identidades, ideias e afetos.

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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