Pode o afeto atravessar a tela do celular?

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 04 de dezembro de 2023

Felicidade! É inútil buscá-la em qualquer outro lugar que não seja no calor das relações humanas.

(Antoine de Saint-Exupéry)

Tudo muda. ‘Nada do que foi será do jeito que já foi um dia. Tudo passa, sempre passará”, poetaram Lulu Santos e Nelson Mota em “Como uma onda”.  Premissa notável e de sabedoria milenar. E veio o celular, chegou a cada um de nós de maneira impetuosa, volumosa e, também, desastrosa. Adentrou a vida, mudando as relações interpessoais. Ao mesmo tempo em que nos colocou no fluxo das interações humanas, isolou-nos. Fez com que a afetividade ganhasse novos modos de trocar sentimentos, como mensagens de voz e de texto, emojis, vídeos. Substituiu os modos convencionais de expressar afeições e de conversar, tornando a presença física não tão mais relevante ao criar a impressão de proximidade; as pessoas podem não se sentir longe de quem gostariam de estar perto. 

Ninguém consegue sentir cheiro pelo celular”. Esta frase do livro “Cheiro de Formiga”, de Verena Alberti, editora Patuá, me chamou a atenção para o fato do celular ser, hoje, predominante objeto intermediário nas relações afetivas, inclusive as ligações de vídeo possibilitam ver e perceber o outro em seus gestos e expressões; a presença física pode, naturalmente, ficar em segundo plano. 

Na presença real sente-se com plenitude o outro: o calor do corpo, a respiração, a força dos braços em cada abraço, o estalar do beijo, o toque das mãos, o som da voz, o cheiro. O afeto tem vida!

Quando a presença se faz através da tela do celular, a forma como sentimos o afeto torna-se diferente, a começar pela temperatura fria do vidro. A troca de afeto virtual é completamente diferente do físico. Quando o afeto é experimentado presencialmente, os sentimentos se misturam, tornando até os limites imperceptíveis. 

Estamos tão mergulhados neste universo irreal que, a cada dia, acostumamo-nos, mais e mais, a desenvolver afetos irrealizáveis. O ambiente virtual não é o nosso mundo real.

Certa vez me contaram que dois amigos de infância e que não se viam há bastante tempo, um dia, por acaso, se encontraram na rua. Depois de um abraço, um disse para o outro: depois me liga e a gente se fala. Como as relações de afeto estão ficando vulgares, sem originalidade!

É preciso ter sensatez e inteligência emocional para aprender a lidar com os caminhos da modernidade. Não podemos esquecer que somos gente. De carne e osso. De afetos.

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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