Gostar, simples assim!?

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

terça-feira, 23 de julho de 2024

Acredito que vou precisar escrever uma infinidade de textos para comentar as reflexões de Marcel Prout sobre as situações diárias, contidas no livro “Em busca do tempo perdido”. A cada página, tenho que refletir. Às vezes, fico cansada, reconheço. Mas a cada momento em que penso, revejo fatos da minha vida ou mesmo da existência de um modo geral e vou tirando conclusões, lendo e pesquisando outros autores, adentrando em conjecturas novas ou já conhecidas. Hoje, vou sobrevoar aspectos positivos do gostar, um tema que nos é fundamental. 

Nada é mais perfeito e imperfeito do que o gostar, que pode nos surgir de modos improváveis e inesperados, chegando de mansinho e vagando em torno de nós, até que o percebamos. “Era uma pessoa igual a cem mil outras pessoas. Mas eu fiz dela um amigo, agora ela é única no mundo” (Saint-Exupéry, em O Pequeno Príncipe).

O gostar de alguém é um sentimento que vai surgindo singularmente, sem um sentido determinado e vai tomando conta do nosso sentir. É a ternura que brota como uma semente despretensiosa e pode se tornar, inclusive, uma árvore frondosa, carregada de frutos. Sempre que faço parte de um grupo, o sentimento do gostar fica se chegando, como quem não quer nada, criando disposições, quer seja de parte a parte ou não. A gente vai conhecendo o outro e a nós mesmos também, haja vista que a convivência nos modifica. Assim, vamos fazendo nossas histórias acontecerem no dia a dia.

Sentir afeição por uma pessoa é saudável e prazeroso. Mais ainda é guardar esse sentimento e alimentá-lo por um tempo ou pela vida afora. É diferente do sentimento que nutre laços afetivos parentais, como entre irmãos, cônjuges, pais e filhos, avós e netos.

Sempre vemos a pessoa de quem gostamos de forma única, e, da mesma forma, assim somos vistos. É um reconhecimento particular do modo de ser do outro. E aí está um bom desafio: vê-lo sem enganações e tendências, ou seja, percebê-lo com os olhos descompromissados. Não é preciso buscar algo urgente a comunicar para dizer “Olá!” Um encontro de cinco minutos pode deixar registros a serem saudosamente lembrados. Simples assim!

São exatamente naqueles cinco minutos, mesmo guardando o gostar por tantas outras pessoas, que aquele afeto nos é a mais especial. Somos seres emotivos por excelência. Aliás, como qualquer animal; o olhar do cavalo, do cachorro ou de outro bicho revela, pelo brilho e intensidade, o afeto que guarda pelos seus donos e expressa um dos mais sinceros gestos.

O povo Umbundu, originário do Planalto Central de Angola, considera que o olhar do outro nos dá existência. Sim, existimos quando somos vistos. A cada relação de amizade, ganhamos existência própria; somos uma pessoa para cada amigo que temos, e a amizade tem o poder de nos transformar em várias pessoas. Que engrandecimento maravilhoso!

Quando me sinto pequena e sem jeito, mas sob o olhar de uma pessoa que gosta de mim, fico melhor e ganho outras formas diante do espelho para o qual olho todos os dias de manhã. Que magia tem o gostar!

Proust nos mostra como mergulhar fundo em cada instante do dia a dia para descobrirmos universos carregados de sabedoria. Basta relaxar e perceber.  E deixar-se gostar e ser gostado.  

 

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Tereza Cristina Malcher Campitelli

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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