O intruso

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

terça-feira, 09 de julho de 2024

Quem já experimentou a presença de um intruso, daquela pessoa que surge sem que seja esperada?

O intruso é alheio a alguém ou a uma situação. Um clandestino, talvez, que causa mal-estar ou desconforto por ocupar o lugar de “nada a ver”.

O narrador de “Em busca do tempo perdido”, de Marcel Proust, lembra sua infância quando uma visita chega na hora do jantar e modifica a rotina da casa. Nas mãos de um mestre que dedicou sua vida à literatura, a intrusão é minuciosamente descrita, e o leitor pode sentir o desconforto da criança diante daquele estranho.

Esse inconveniente revela a quem se sente incomodado as relações de afeto que tem para com a circunstância ou pessoa. O tempo em que vivenciamos as situações nos é valioso, e qualquer coisa que modifique nossas expectativas pode ser, na melhor das hipóteses, embaraçosa. Pode roubar instantes especiais, nunca recuperados. Ora pois sim, o tempo é rápido e devora os momentos, deixando apenas lembranças. Contudo, essas lembranças nunca dão conta do acontecer, são como nuvens que sobrevoam os dias, que surgem e se desfazem.

Ao ler a narração proustiana, pude constatar que o intruso é tão indesejável que pode nos desencadear as mais disparatadas reações. Haja criatividade para nos livrarmos dele! E quando o intruso rouba a cena? Foi exatamente o que o narrador mostrou. Na hora do jantar, uma visita inesperada, alegre, falante e sedutora atraiu a atenção de todos, fazendo com que o menino tivesse que ir para o quarto sozinho e dormir sem o carinho da mãe. Ele, na cama, se contorceu de indignação, quando um tal de Charles Swann usurpou o seu espaço afetivo dentro de sua própria casa.

O intruso pode ser aquele que não se dá conta de como é capaz de importunar. Nunca tinha pensado no tema com tamanho respeito como agora. Será que já fui uma intrusa? Apesar de tomar cuidado, certamente, já fui.

A presença do intruso é notada de imediato. Propositalmente ou não, ele tem um certo atrevimento. Se “cara de pau”, traz ironia no olhar ou nos lábios. Se ingênuo, tem grandes probabilidades de tropeçar nas pernas e nas palavras.

Uma pergunta exclamativa me invade: “o que estou fazendo aqui?!”, e me faz sentir assim, intrusa. Esta indagação surge quando percebo que devo mudar ou sair de cena. E quem já não se sentiu intruso nas relações afetivas e exclamou para si: “estou demais!”

Ui, este tema está me sendo uma sessão de terapia!

O fato é que estamos cercados de intrusos: a motocicleta que corta o trânsito e entra na frente de todos; a pessoa que fura a fila, o vizinho que coloca música alta; o sujeito que fala aos berros no celular na rua ou no ambiente público; o vendedor que liga para nosso telefone com insistência. Enfim, é o mundo agitado que nos perturba.

Vez em quando ler Proust faz bem! 

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Tereza Cristina Malcher Campitelli

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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