Entre palavra reduzidas, memes e emojis, cadê a Língua Portuguesa?

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2023
A Professora Eunice Nóbrega Portela, doutora em Educação pela Universidade de Brasília, apontou que alguns cientistas têm alertado para o fato de o QI médio da população mundial estar diminuindo desde 1990. Uma das hipóteses apresentadas é o empobrecimento da linguagem, que abrange a busca pela simplicidade das expressões escritas e orais, o abandono de palavras e de figuras de linguagem, como as metáforas, e o emprego reduzido dos tempos e modos verbais. Com o empobrecimento da fala, as expressões orais não se baseiam no entendimento dos fatos, mas em expressões mais fortes, como usadas na linguagem grosseira e rude, pela incapacidade de compreensão das circunstâncias e pela dificuldade de interpretação de mensagens. A linguagem empobrecida prejudica as capacidades perceptivas das relações de semelhança e diferença, que ficam centralizadas na pessoa que se expressa. Dessa forma, os níveis reflexivos ficam limitados e as circunstâncias tendem a se manter como estão, dado que os níveis de diálogo não abrangem níveis maiores de negociação. As expressões tendem a ser apaixonadas, subjetivas e imaginativas em detrimento do desenvolvimento dos raciocínios indutivo e dedutivo. Sim senhor, será que atualmente se considera que o domínio da língua materna seja uma dignidade? As comunicações verbal e escrita são capacidades que construímos ao longo da vida, começando pela convivência com o ambiente familiar e social e pelo aprendizado escolar. A cultura imediatista, o excesso de informação e o princípio da rapidez que rege o cotidiano trazem prejuízos ao nosso bem maior: a Língua Portuguesa. É certo que a comunicação é prioridade no quotidiano. Comunica-se de diversas formas; a virtual tem sido contundente e vem substituindo outros modos. A comunicação virtual escrita, para agilizar a troca de mensagens, utiliza-se das palavras mais comuns, inclusive, são reduzidas quando, comumente, suas vogais são retiradas. Os tempos verbais mais complexos, como o subjuntivo, as formas compostas do passado e do futuro estão cada vez menos usadas. As sensações de afeto, de alegria, de dúvida, de negação, dentre tantas outras expressões estão sendo substituídas por emojis, memes e símbolos. Além do que a pontuação tem sido suprimida. Quem usa o ponto e vírgula? Como o pensamento é estruturado através de palavras, os processos cognitivos também acabam sendo simplificados. A criança, desde cedo, aprende a pensar com limitações, dado que a exteriorização do conteúdo não é estimulada a dar amplitude aos processos perceptivos, descritivos e conclusivos. A língua explode através do falar e do escrever como uma porta-voz do pensamento. Pensando, somos capazes de compreender, criticar e, especialmente, construir os significados de tudo o que nos rodeia. Com a viralização dos memes, emojis e símbolos, principalmente entre as crianças e adolescentes, a manifestação de ideias, opiniões e expressões afetivas são substituídas por esses mecanismos, fazendo com que a Língua Portuguesa caia num processo de empobrecimento rápido e crescente. Nós, os brasileiros, habitamos na Língua Portuguesa, a casa que nos faz humanos e ser o que somos. Brasileiros, inclusive. Falando, lendo e ouvindo apreendemos o conhecimento, compartilhamos da cultura e o mundo se aproxima das nossas mãos. “Só a natureza é divina, e ela não é divina... Se falo dela como um ente É que para falar dela preciso usar da linguagem dos homens Que dá personalidade às cousas, E impõe nome às cousas.” Fernando Pessoa, Alberto Caieiro A fluência com a língua amplia nossas possibilidades para interagirmos nas situações. Não ficamos restritos a espaços, nem com problemas guardados nos bolsos. Até encontramos mais facilidade para aprender outras línguas. Além do mais, a nossa língua é romântica... É a língua de Camões, Guimarães Rosa, Monteiro Lobato e de tantos escritores, pessoas que souberam usá-la com genialidade e arte. Ultrapassaram o tempo. Se empobrecemos a modo como usamos a Língua Portuguesa por preguiça, comodidade, impaciência e desconhecimento desse patrimônio linguístico, a Língua continua inteira e viva, porém em desuso. Usá-la em sua plenitude é uma decisão pessoal. Não a usar também o é, entretanto é uma escolha em parcializar o contato com o mundo, diminuir as possibilidades de adquirir conhecimentos que vão engrandecer os modos de olhar e lidar com a vida. A leitura é um grande trunfo ao domínio da língua. Mas será que todos têm acesso ao livro? Os que têm, será que encontram o prazer de ler e ampliar suas possibilidades de interação com o mundo? Ler é uma decisão inteligente.
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Tereza Cristina Malcher Campitelli

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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