Cada um deve cuidar das suas moscas depois do carnaval

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Hoje é tempo de trilhar caminhos do imaginário para recomeçar o ano, depois da grande festa que veio de longe e de longo tempo, tomou conta das cidades do Brasil, transformando os dias em movimento, liberdade e criatividade. Quando o povo, sem timidez e com abundante energia, se jogou na folia, brindou a vida com festejos barulhentos e ritmados. Quando as pessoas se permitiram ser elas mesmas e não as serem! 

“Naquele carnaval, pois, pela primeira vez eu teria o que sempre quisera: ia ser outra que não eu mesma.”

               Clarice Linspector, em Felicidade Clandestina

 

O que me chama a atenção no carnaval é que além de produzir grandes festas, são dias do nós. Seja nas cidades ao som dos batuques e na dança dos pés, seja na praia diante da beleza do mar ou nos braços do campo, tivemos um tempo em que se compartilhou a descontração e as sensações que não há em outros dias do ano. De alguma forma há sempre a vontade de se encontrar o mais impossível possível que cada um guarda em si. 

Custei a compreender que fantasia/ É um troço que o cara tira no carnaval/ E usa nos outros dias por toda a vida”

Aldir Blanc e João Bosco, em Fantasia

 

Desfilou-se junto de foliões, descansou-se ao lado de pessoas de quem gostamos, divertiu-se com quem nem conhecemos. De todos os modos, o que se fez nos dias de carnaval ficou preservado nas lembranças leves ou neuróticas, ajustadas ou desconcertadas, felizes ou ilusórias. Esse carnaval, mais uma vez, nos mostrou que a “vida é bela”, conforme disse a Zuleica, a mosca cor-de-rosa-choque, personagem do livro “Um cão Cheio de Ideias”, de minha autoria.

Meu fumo e minha yoga/ Você é minha droga/ Paixão e carnaval/ Meu zen, meu bem, meu mal”

                                           Caetano Veloso, em Meu bem, meu mal

 

Será que as máscaras que os foliões usaram no carnaval foram mais criativas das que usam na vida diária?  Usam-se tantas, que, às vezes, pode-se pensar que o carnaval acontece em todos os dias do ano. Ora pois, não somos personagens que criamos com tamanha convicção que chegamos a pensar que os somos? Todavia as máscaras são importantes para nossa sobrevivência no universo civilizado para afastar, para não dizer espantar, pessoas que não nos fazem bem e que fazem nosso “eu profundo”, como apontou Fernando Pessoa, ficar tão distante. Quem ainda não experimentou lúcidas mentiras?

“A vida é uma tremenda bebedeira./  Eu nunca tiro dela outra impressão./ Passo nas ruas, tenho a sensação/ De um carnaval cheio de cor e poeira.

(...)

Só é decente ser outra pessoa/ Mas isso é porque a gente se vê por fora.../ Qualquer coisa em mim parece agora

Alberto de Campos (Fernando Pessoa), em Carnaval

 

Depois do carnaval, cada um volta à sua rotina, é o agora que vamos poder realizar. Entretanto, amigo leitor, se fazendo contas, cuidado da casa e do corpo, trabalhando em casa ou escritório, não deixe de cuidar das suas moscas!

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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