Escritores com veias científicas afloradas e cientistas com veias literárias manifestas

Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Não tive como deixar de dar continuidade à coluna anterior pelas questões que não me deixaram aquietar, principalmente depois que José Huguenin, autor do livro “Vidas Sertanejas”, me enviou o texto de João Zanetic, “Física e literatura: construindo uma ponte entre as duas culturas”, publicado no livro “História, Ciências e Saúde – Manguinhos”, publicado pela Casa Oswaldo Cruz. 

Tenho algum aprendizado em epistemologia, que é o estudo do conhecimento, adquirido durante o Curso de Pedagogia e o Mestrado em Educação. Por vezes é interessante adentrarmos em temas mais áridos, como esse, porque estão presentes em nossa vida e não nos damos conta disso. Até hoje me pergunto por que a física e a química não são estudadas desde o maternal, dado que estão intrinsicamente presentes no cotidiano. Aliás, estamos mergulhados nas palavras, nos números, nos fenômenos naturais, nas composições e reações químicas existentes nos seres vivos e brutos.

A aproximação entre as ciências e a literatura nos vai permitir melhor conhecer o mundo. O conhecimento científico está fundamentado na reflexão criteriosa e objetiva de fenômenos da natureza. É criteriosa porque se baseia em estudos metódicos de acordo com a área da ciência a que se refere. É objetivo porque é delimitada a um determinado tema a partir de um ponto de vista. Já a literatura pode nascer no conhecimento empírico, ou seja, aquele adquirido na experiência individual, no saber popular e na intuição. Como também ser inspirada pelos conhecimentos oferecidos pelas ciências.

Os romances, os contos, a poesia emergem no imaginário de pessoas que experimentam a aventura humana. A ciência surge da dúvida e da necessidade de dominar, através do conhecimento, os fenômenos naturais e humanos. Somos seres pensantes e precisamos do conhecimento para sobreviver, evoluir, viver com melhor qualidade e conquistar a felicidade. Tanto a literatura, especialmente as obras clássicas, como a ciência são fontes de saber. Uma reflexão moveu João Zanetic a produzir o texto sobre as relações entre a física e a literatura:  as obras clássicas, sejam filosóficas, textos científicos, poesias, contos e romances, foram construídas a partir da extrema sensibilidade dos seus autores que nos permitem estabelecer um diálogo inteligente com o espaço-tempo em que vivemos.

O intercâmbio entre a literatura e as diversas áreas do conhecimento seria de grande utilidade para interpretar o mundo, como também para transformá-lo. “O Capote, de Nicolai Gogol, une a literatura, com a filosofia, a sociologia, economia, a química, a física e tantas outras ciências. A delimitação espaço-tempo, o ponto de partida de todo texto, já traz um princípio físico por excelência.

Quando lemos um clássico da literatura Russa, por exemplo, como “Ana Karênina”, de Liev Tolstói, publicado há mais de cem anos, nos permite fazer uma viagem na dimensão espaço-tempo.

Está no imaginário o grande elo entre ciências e a literatura. Segundo Jacob Bronowski, em sua obra O Olho do Visionário”, A imaginação nos tinge de formas diferentes na ciência e na poesia. Na ciência ela organiza nossa experiência em leis, sobre as quais baseamos nossas experiências futuras. A poesia, porém, é outro modo de conhecimento, em que comungamos com o poeta, penetrando diretamente na sua experiência e na totalidade da experiência humana.”

 Ao se utilizarem de caminhos específicos e diferenciados, a ciência e a literatura nos oferecem conhecimentos universais. Eu tenho a ligeira impressão, como deseja João Zanetic, que, em breve, o mundo seja presenteado com escritores com veias científicas afloradas e cientistas com veias literárias manifestas, uma vez que cientistas e escritores são massivos querentes de conhecimentos porque não lhes bastam o que a vida lhes apresenta e oferece, querem ir além. São insatisfeitos. Procuram motivos que justifiquem a existência humana na Terra, inclusive a deles. Buscam entender as relações entre o humano com o Universo. Buscam ultrapassar os limites do conhecimento.

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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