Ao lado das bruxas

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 28 de outubro de 2023

“Já vou deixar registrado que se a Idade Média voltar, eu estou do lado das bruxas!” Eu também, cara bruxa da escrita, Clarice Lispector. 

Se tudo o que assusta ou contradiz o que convém aos pseudos donos da verdade for bruxaria, adorarei ser bruxo ou, não tão evoluído assim, ao lado dos bruxos me coloco. A história tem a implicância de publicar apenas aquilo que as elites querem. E ela é escrita por olhares diversos, mas sempre foi privilegiada a narrativa de quem detém, seja o poder econômico, religioso, político ou acadêmico ou simplesmente por estarmos estabelecidos em uma sociedade patriarcal.

Há quem diria que no Brasil, um dos lugares mais hipócritas do mundo, o aborto já estaria liberado se fossem os homens que engravidassem. Se o Brasil fosse a Europa da Idade Média, certamente se queimaria muito mais do que 50 mil mulheres. 50 mil, é o número apontado por estudos, as mulheres mortas por condenação à bruxaria. E, nem todas foram assassinadas na fogueira. Afogadas, decapitadas, enforcadas. 

Por que saíam voando, por aí, em um cabo de vassoura? Não. Porque eram curandeiras, faziam remédios, serviam às suas comunidades, quebravam o padrão machista ou mesmo religioso, impunham suas vozes. Porque eram questionadoras, diferentes, revolucionárias. Porque estavam conectadas com as forças da natureza e tinham profundo respeito pelo planeta.

Soaria absurdo nos dias de hoje, mas até gatos pretos eram perseguidos e mortos, pois se tinha o mito de que as bruxas se transformavam nos felinos, especificamente de pelo preto. E não tem tanto tempo assim que isso acontecia de forma legalizada.  

Há quem no ano de 2023 adoraria sair queimando pessoas dissonantes. Em nome do bem, praticam o mal e argumentam que é pelo futuro da humanidade. Defendem a guerra, a eliminação do outro, até mesmo usando o nome de Cristo, Maomé, Buda. Serão simplesmente perdoados pelo salvo conduto de que gerações futuras reconhecerão que foi um erro de fé. Assim como a igreja reconhece o equívoco que foi matar aquelas mulheres… bruxas. 

Foi um equívoco monumental seguir Hitler. Mas há quem seguiria hoje e mesmo sabendo dos absurdos cometidos, ainda sim seguiria a morte — em nome de algo maior. O que pode ser maior do que a vida e a vida em abundância? Seguimos colecionando equívocos, se autoenganando. Têm sangue nas mãos da invocada pureza.  

E o Cristo crucificado repetiria dois milênios depois: “Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem”. E os que sabem o que fazem? Teríamos tantos ingênuos inocentes assim? Será tão difícil defender a paz, o bem-estar e a própria alegria e a alegria do outro?

Se as bruxas forem pró-vida e uma vida feliz, estou do lado das bruxas. Se os homens de bem proclamam a morte, a minha oposição. Na guerra não há certos ou errados, apenas perversos. Armas foram feitas para matar. Que ninguém mate por algo, mas viva por alguém. Que ninguém morra em nome do que quer que seja, mas viva pelo direito de uma vida plena. Que a benção seja a felicidade e que o moralismo não nos entorpeça. Pois toda hipocrisia é filha do moralismo e o moralismo, geralmente, é dado como vestimenta pelos nús para os outros.

Liberdade às bruxas. Liberdade à vida que pulsa. Liberdade ao amor!

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