Marca: Brasil

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 02 de dezembro de 2023

O samba, obra de arte que o preto esculpiu, ritmo oficial da marca Brasil, tem o seu berço na casa de Ciata. De artistas vindos de becos e vielas, de compositores de caixinha de fósforo nas mesas de bar, é de toda a nossa cultura, a música mais popular. 

Democrático. Diverso. Das mulheres como são os terreiros. De rituais, mas sem burocracias e formalidades. Tradição que se respeita. Tradição que se cria. Quem disse que pagode não é samba? Um chocalho, cavaco, pandeiro. É só chegar, entrar na roda e se esbaldar. Aqui, não se julga ninguém. Pode vir até estrangeiro. Não há quem resista e ainda que não se tenha o passo da passista, basta arrastar o pé, mexer os ombros ou apenas o indicador em riste para sambar. “Puxa a cadeira aí, meu padrinho”. Salve, Beth Carvalho, a madrinha de todos nós! Se em “Retalhos de Cetim” sonhei, é na “Água de Chuva no Mar” que me realizei.

Ah, o samba! Traduz um jeito de viver e ainda que se fantasie de malandragem, é de gente nobre e trabalhadora. É trilha de novela, é conjunto de sentimentos que escapole, é perpetuação de raízes, é grito de reparação da história, é declaração de amor pelo lugar de onde se vem: Madureira? Cordoeira! É canto de liberdade, é puro suco de brasilidade. Dirão “Eterno delírio do compositor”, cantaremos “É o povo quem produz o show e assina a direção”.

Deixa nossa gente passar, outra vez. Ganhar as ruas, desfilar na avenida como protagonista que é. Nas multidões dos blocos, ser mais um é ser tudo. Brincar, pular, beijar entre confetes e serpentinas, fazer amizade com a ilusão: romances de carnaval podem ir para além da quarta-feira de cinzas. Nem tudo precisa acabar na apuração.  

“Hoje o amor está no ar. Vai conquistar seu coração”. Fantasiado pelo enredo que carrega a cada ano, uma história é contada em versos de samba. De vinte e oito a trinta e duas linhas, a maioria tem dois refrões. Mas quem não há de lembrar dos três refrões da Tuiuti em “Meu Deus, Meu Deus, Está Extinta a Escravidão?”?

Nem sempre o samba-enredo preferido pela quadra é o que vai para a avenida, mas vai para a glória ser hino de Alunão: “Falem vocês o que quiserem, tragam paz os que vierem, Azul e Branco eu sou”. Se Portela ou Mangueira, o Martinho é da Vila, Benito é da Saudade! No verde da esperança, branco está em quase todas as bandeiras. Mestre-Sala se ajoelha à Porta-Bandeira e reverencia a flâmula que estampa glórias em estrelas. Escola de Samba é universidade da vida, é identidade, entidades reunidas. Olodumaré, guarde as baianas de todas as nossas agremiações! Salve os baluartes, nossas bambas! Respeito eterno a todas as Velhas-Guardas.

Devoção ao samba. Desce o morro, o samba é o topo. Berço das nossas nostalgias. Declaração de amor em bem traçadas linhas. Na simplicidade de uma “Cartola”, a genialidade de um Pixinguinha. O que tira da viola um Paulinho, em Zeca vem provar que samba também é Pagodinho. 

Aos que aqui estão, aos que foram e aos que vierem: “Não deixe o samba morrer, não deixe o samba acabar”.    

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Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

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