Sobrenatural

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 25 de novembro de 2023

O sobrenatural existe, eu sei. É muito mais do que tudo aquilo que não sabemos explicar. É a sensação de presença que temos. É o sentimento que invade. É o arrepio que dá e sobe pelos braços, abraça o pescoço, dá frio na espinha. Físico, mas quântico. Real, mas estranho. Desconhecido, porém reconhecível. 

Os céticos dirão que são coisas psicológicas. Os religiosos dirão que é fé ou falta dela. Os filósofos insistirão em perguntas para não responder. Os poetas apenas farão rimas, como se rima fosse pouco. Canção é tudo que há e irreversível é o que nos causa. 

Talvez, realmente o sobrenatural seja o que a física não equaciona e o modo de dizermos que nem tudo pode ou deve ser desvendado. Não se pode resolver tudo em fórmulas. Enigmas são íntimos do esotérico. 

Talvez seja mesmo sobrenatural existir e mais sobrenatural ainda insistir sem ser teimoso. Nesse encontro com o outro, consigo mesmo, percebemos o vento nos fazer carinho, e, toda essa relação que peneira o tempo nos faz sobrenaturais. Voar se torna então natural. 

Colecionar dias nas semanas nem sempre é passear pelas horas. É bom aceitar a preguiça e nem sempre combatê-la. Mas é fundamental estar atento quando acordado e fluido quando se dorme. Empatia para si para multiplicar aos outros.   

Ah, se todas as frases virassem livros. De cabeceira. Guias. O sobrenatural salta das publicações de autoajuda, inclusive da Bíblia. E nos apegamos a essas experiências, porque muitas vezes é tudo que temos para nos agarrar. E não importa a forma como caminhamos, quando o mais importante é caminhar. Se chegaremos? Quem disse que cada passo não é chegar?   

Nessa caminhada, penduramos sonhos em árvores, colamos estrelas nos paralelos, emprestamos suor e pegamos emprestado um pouco da terra que pede carona à sola de nossos calçados. 

Esse grande planeta que habitamos é uma casa divertida cheia de armários que abrimos e nem sempre fechamos a porta. Nas gavetas, colocamos roupas não vestidas, mas usadas. Amores pedidos, mas não entregues. Desejos confundidos e insanáveis. Empilhamos de tudo e por vezes nos sabotamos ao recusar colocar angústias nos cabides e trancar as portas com chaves de segredo único. Inquietações foram feitas para virar gritos que somem no eco. 

Supomos ser destino o que se disfarça de fatalidades. É tão estranho que coisas ruins também aconteçam a pessoas boas. Nem tudo que se planta colhe e nem tudo que se colhe foi plantado. Justiça é uma norma criada através do tempo para ocultar que nem tudo é justo. 

À espera de milagres, vivemos. Esquecemos que é um milagre todo esse agora que respiramos. Embrulhados de cotidiano, embaralhados pelo fantástico ilusório de redes vizinhas, desembrutecer é preciso, necessário. Não arrotar moral é o melhor modo de não ser hipócrita. 

Ser feliz não é sobrenatural, ainda que nos façam acreditar que felicidade seja muito. Felicidade é o mínimo que todos deveriam ter. Liberdade não se freia, se respeita. Prazeres não se esgotam em si mesmos. A paixão é o melhor modo de se vestir de intenso.   

Chorar é comédia. Rir é drama. O para sempre é tanto tempo que nenhum filme tem tempo para contar. Eternidade é um devaneio. Imortalidade pode ser um fardo. Leveza é o que sustenta o malabarismo da criatividade. Inventivos, fazemos com que a vida revide bocejos. Ao sobrenatural, a naturalidade de ser quem se é, sem longas explicações.

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