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Sonhos de criança se respeitam e são imperecíveis
Wanderson Nogueira
Palavreando
Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.
Sabido demais, menino acredita poder salvar o mundo. Os vilões se combatem com a toalha de banho como capa e o cabo da vassoura como espada. Voa-se de sofá em sofá com a coragem de um parapentista. Quem poderá derrotar o mocinho? O mal existe e menino astuto sabe disso. Mas atento, é super-herói entre os corredores das cidades, cowboy entre as vielas do Velho Oeste imaginário na horta do quintal de casa.
Cruel não é o inimigo a ser batido, mas o tempo a ser convivido. Mesmo esperto, menino sabe que vai crescer, só não supõe que se cresce tão rápido. E na velocidade dos dias, na intensidade de cada descoberta, nem percebe que deixa pelo caminho a capa, a espada e o poder de ser imaginativo.
Deveria ser lei: sonhos de criança se respeitam e são imperecíveis.
Sagrada é a criatividade dos ingênuos, que protegidos pela própria ingenuidade, não são tolhidos pelas versões que os adultos dão ao mundo. Livres como pipa, acreditam que a linha que conduzem é infinita e capaz de cortar as nuvens e até pescar estrelas que moram próximas à última Lua do mais longínquo planeta da Via-Láctea. Fazem acordo em rabiscos de desenhos difíceis de se descrever, porque para criança felicidade é apenas felicidade, sem extensas definições.
Conhecer a dor é pior do que tê-la. Será que a dor existe? Pois não há razão em querer dar significado a tudo. Criança aprende a entender o que os que dizem entender entendem. Compreender é travesseiro melhor para se deitar e curtir. Na rede à beira do rio, os sons da natureza insinuam lendas que são como carinho na pele de quem não precisa de hidratante para suavizar as rugas. O tempo é assim com o corpo, mas o tempo nada pode com a alma.
Sonhos de criança se respeitam e são imperecíveis. Aprender a amar garante isso mais do que qualquer constituição.
Correndo pelos campos se produz vento. E o vento canta… E ao parar, o tal vento segue com cantigas que chamam para dançar. Quem se importa se há alguém vendo? Criança não se envergonha, até medrosos a fazerem se acanhar. Se pudesse, não me deixaria medrar. Aí, nos ensinam coragem mais para temer do que propriamente ir.
- Volta ventinho, querido.
- Há de correr como a criança que se adormeceu em você.
Sonhos de criança se respeitam e são imperecíveis. Voltam mais do que arco-íris em tardes de verão. Respeito. Atemporalidade.
O sorriso espontâneo de quem nem sabe que a piada é como flor que se abre para receber o sol. Ambos vêm dos instintos que o coração palpita. Haverá de se tentar explicar o instinto para concluir no sobrenatural. Haverá de se proibir instintos de falar para induzir as cercas que limitam olhar apenas para os objetos, as experiências, as existências que se supõe conhecer. Menino vai além sem imposição de ir. Menino vai além, ainda que além, seja fincar. Nada tão profundo como a leveza de criança.
Voa e plaina sob terras firmes ou não. O futuro é uma possibilidade não aventada por quem acredita no presente. Na relevância do que se faz e é, menino é protagonista da sua fé. Papai Noel pode ser Papai do Céu, não se justifica onde Deus está.
O céu é apenas o teto escuro quando se apagam as luzes do quarto para dormir. Dorme o pequenino não planejando o amanhã. Dorme o homem descobrindo que alma tem virtudes de criança. Seus sonhos não são planos, são realidades que merecem respeito e jamais perecem.
Wanderson Nogueira
Palavreando
Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.
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