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Sem você, mãe

sábado, 11 de maio de 2024

Lá se vão dez anos, poderiam ser cem e presumo que o sentimento será o mesmo. Para muitos são décadas a mais do que meus dez anos sem você, mãe. Para outros, talvez, apenas o primeiro. Apenas? O primeiro dia das mães sem ter a sua mãe é doloroso e expõe ao máximo a fragilidade humana que é seguir sem o primeiro colo, o aconchego fixo na memória que se cria antes mesmo de sair da barriga. Vir à luz. À luz de fora do ventre. Mãe é luz.  

Lá se vão dez anos, poderiam ser cem e presumo que o sentimento será o mesmo. Para muitos são décadas a mais do que meus dez anos sem você, mãe. Para outros, talvez, apenas o primeiro. Apenas? O primeiro dia das mães sem ter a sua mãe é doloroso e expõe ao máximo a fragilidade humana que é seguir sem o primeiro colo, o aconchego fixo na memória que se cria antes mesmo de sair da barriga. Vir à luz. À luz de fora do ventre. Mãe é luz.  

Talvez o tempo aquiete. Mas fica lá esse sem você. Talvez os dias e os acontecimentos no dia a dia nos desviem da saudade materna. Casar, ter filhos, ser avô, os projetos, as viagens são distrações para essa saudade latente para além das efemérides. Mas lembro de meu pai — pai de sete filhos e avô de sete netos — relatar saudades de sua mãe. Mesmo muitos anos após sua partida. Eu sequer conheci a minha avó paterna. Mas, pelos olhos do meu pai, podia senti-la. 

Portanto, a sensação não é de ausência. Talvez presença na ausência. Não sei dizer bem, mas não é porque não sei dizer que não admita essa força estranha que nos faz vinculados a algo maior, muito próximo do divino ou divino mesmo. Mães são divinas. Para seus filhos, santas. E é um tanto cruel santificá-las, sob o risco de sacrificar suas incertezas humanas. Mas diante de um filho, mãe é sempre certeza. Porque a mãe pode até reconhecer os erros do filho, mas estará lá ao lado dele, como se fosse um próprio pedaço de si. E se pudesse, para amenizar a dor do filho, dar tudo que tem para o pedaço de si, sem titubear, daria. Pois mãe é esse altruísmo que assusta, é a doação plena, é esse exponencial amor que faz duvidar de todos os outros amores.

Então, não romantize a maternidade. Especialmente as mães solo, principalmente as mães que perderam seus filhos. Se a sequência da vida permite aos filhos distrações à ausência da mãe, não há mais nada que importe a uma mãe que tenha perdido um filho. Não é a ordem natural das coisas. Nessas horas tento engolir com saliva meu egoísmo. Quisera que as mães fossem eternas, desde que seus filhos também pudessem ser. Pois se é difícil sobreviver ao que ama, deve ser insuportável prosseguir sem um filho. Cabe compreender que nenhuma mãe merece esse sofrer. 

Deixei você ir, mesmo que não escondesse que queria muito que ficasse. Mãe, queria você aqui. Sei que sua luz segue a me guiar como uma bússola para a felicidade. Rio chorando de tantas histórias, aqueles almoços despretensiosos de domingo. Como aqueles almoços eram bons. Não só pelo seu tempero único ou invenções culinárias. Mas por cada palavra dita e por cada silêncio que tanto dizia. 

Falo para meus amigos que ainda têm suas mães: “Aproveite cada instante! Torne possível mais momentos com ela. Fabrique saudades futuras, sem o temor de saber que não vai tê-la para sempre, mas com a determinação de quem sabe que o tempo passa rápido demais”. 

Mãe, consigo sentir no rosto seu carinho, mas como desejo poder pegar suas mãos e dizer baixinho: muito obrigado. Muito obrigado por ser meu exemplo, por ser o meu equilíbrio entre o medo e a coragem, por ser minha consciência.  

No peito se costura seu nome, mas na memória passa esse filme de trilha sonora inconstante para sentimentos variados. Não há vazio, ainda que ausência. Não há plenitude, ainda que presença.

Mães são sempre presentes, mesmo quando não estão mais aqui. Mas se aqui, apenas reconheça-as. Você, minha mãe, nunca se foi, afinal.

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O trabalhador

sábado, 04 de maio de 2024

Não é de poesia o chão de fábrica. Dê valor ao trabalho árduo de quem deixa os seus e acorda cedo para prover os que ama. Não romantize o sol que queima os ombros do homem do campo que madruga para dar o que comer a quem nunca comeu poeira de roça. Arar a terra, molhar a horta, fazer brotar o alimento. Fazer as linhas virarem tecido, fazer o pano se tornar vestimenta. Transformar o trigo em pão. Dar forma ao aço que torna as moradas seguras.  

Não é de poesia o chão de fábrica. Dê valor ao trabalho árduo de quem deixa os seus e acorda cedo para prover os que ama. Não romantize o sol que queima os ombros do homem do campo que madruga para dar o que comer a quem nunca comeu poeira de roça. Arar a terra, molhar a horta, fazer brotar o alimento. Fazer as linhas virarem tecido, fazer o pano se tornar vestimenta. Transformar o trigo em pão. Dar forma ao aço que torna as moradas seguras.  

É árdua a jornada do trabalhador. É operária a cidade de confecções e fábricas metalúrgicas. Nem todos são donos, ainda que sócios minoritários de planos e sonhos. O que nos motiva é o que sempre nos moverá. Muitas vezes, até mover moinhos.

Na esperança de voltar para casa, o trabalhador sai cedo à labuta, sem a expectativa de enriquecer, mas na determinação de, ao retornar, levar o pão para casa. Cuidado de mãe e pai no esforço diário de, além de suprir aos filhos o sustento, lhes oferecer — ainda que tomados pelo cansaço — o carinho. 

O amor mora no esforço, que não é gratuito, tampouco produto da magia. O perfume do amor é muito deste suor dedicado que não aparece nos álbuns dos retratos que marcam a linha do tempo da vida. Mas é o que, nitidamente — nem sempre valorizado — permite esses destaques: festa da alfabetização, formatura, ver os filhos formados na universidade, casados, testemunhar a família crescer… De repente, apesar de tudo, ser feliz! 

No campo, no comércio, no canteiro de obras, na confecção, na fábrica, na sala de aula, nas redações dos jornais, os trabalhadores fazem a cidade acontecer. Por seus braços e mentes escrevem a história coletiva do que os livros podem chamar de povo ou nossa gente. Cada nome, cada identidade, cada pessoa, eu e você, somos esse tal de povo, essa tal de nossa gente. 

É o humilde passo de cada um que verdadeiramente faz o caminho de todos. Lugar só faz sentido com essa soma que permite a todos chamar o mesmo canto de nosso: nosso lugar, nossa cidade. Não tem dono, um único dono, para decepção de um e outro que esqueceu que o baronato acabou junto com a escravidão. 

Ensinar, aprender, produzir. Verbos transitivos, às vezes direto, por vezes relativo. Nascemos para nos relacionarmos, criarmos, cocriar. Somos por natureza inventivos e é da nossa natureza interferir no que alguns simplificam ao chamar apenas de destino. Quisera o trabalho de cada um ser simples. Pois nem sempre é fascinante, ainda que digno. Quisera o trabalho de todos ser devidamente valorizado e que o lucro fosse compartilhado de forma justa, tanto quanto reconhecido.    

Em tempos de inteligência artificial, não é artificial o que nos trouxe até aqui, mas um acúmulo coletivo do que esta geração e nossos antepassados produziram. O que se anuncia sobre grande parte das futuras profissões ainda não existirem e que muitas das atuais deixarão de existir, que o humano seja o protagonista. Para ter mais tempo livre para cuidar dos seus e de si mesmo. 

Que o trabalhador não seja um mero detalhe, pois sem ele não há quem possa consumir o que é produzido. Mas acima disso e para além do capital, que o prazer de viver mais e mais intensamente seja a consequência de todo trabalho empenhado ao longo da história por todos, mas que desta vez seja para todos. Pode parecer um ingênuo sonho de trabalhador, mas enquanto trabalha, por que não ter devaneios de igualdade?

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De quantos enquantos é feita a vida?

sábado, 27 de abril de 2024

De quantos enquantos é feita a vida? Enquanto se espera a chegada, de repente, chega. No choro que esbraveja: "não quero ser um normal nesse mundo de loucuras". O mundo já é uma prisão muito pequena para que se encarcerem os loucos. 

De quantos enquantos é feita a vida? Enquanto se espera a chegada, de repente, chega. No choro que esbraveja: "não quero ser um normal nesse mundo de loucuras". O mundo já é uma prisão muito pequena para que se encarcerem os loucos. 

Enquanto se busca a liberdade, preso estamos. De repente livres, presos nos deixamos livres de novo. Enquanto se espera um grande amor, o amor passeia diante de nós. Dança, faz careta e até piruetas. Chama a atenção, mas enquanto a nossa atenção está toda voltada para a procura, o que nos procura não nos acha. Enquanto indisponíveis, a disponibilidade disfarça não perceber que há alguém precisando de atenção.

De quantos enquantos é feita a vida? Do enquanto se nasce, se morre. Do enquanto se morre, se vive. Do enquanto se ama, se odeia. Do enquanto se odeia, o amor flutua. Do enquanto se torto, se endireita. Do enquanto se endireita, mais à esquerda. Ah! São tantos enquantos que não sei quanto se vale contar.

Deixa esse enquanto se esparramar. A felicidade alheia pode ficar. Convida a felicidade a entrar. Tan-tan-tan. Batem na porta. É mais um enquanto querendo entrar. Enquanto isso…

Enquanto a chuva cai, o sol espera. Enquanto o sol espera, a noite vem. Enquanto um ciclo se encerra, outro se inicia. Chega e achega no aconchego ininterrupto do tempo. Repetido e repetitivo talvez, mas jamais exatamente igual. 

Enquanto se pergunta o que é o tempo, o tempo passa. Quando o tempo acaba? Quando acabamos a tarefa de viver??? O tempo então se transforma em desconhecido que uns chamam de morte, outros de eternidade.

Enquanto se olha, há algo não sendo visto. Enquanto não se é visto, nem sempre se é esquecido. Aparece na janela, enquanto a banda passa, enquanto o pássaro canta, enquanto a moça samba, enquanto a flor desabrocha, enquanto a hora vagueia... Enquanto o mundo gira, a roda gigante também roda. Rogai aos céus!

De quantos enquantos é feita a vida? Enquanto sonha, realidade. Enquanto real, piedade. Enquanto voa, anda. Enquanto perturbação, acontecimento. Enquanto fé, milagre. Tudo pode ser um milagre, enquanto só o impossível é inacreditável. Enquanto crença, semente. Enquanto céu, terra. O que herdaremos, afinal? 

A vida é tanto quanto enquanto, ou melhor, encanto. Encantados, a vida ilumina mais do que passa. Há mais do que só sobreviver. Merecemos mais, mas temos o quanto achamos que merecemos. Enquanto jogamos o bumerangue, ele já se prepara para voltar. Lei da física é lei da selva humana, ação e reação. O que se dá se recebe, mais cedo ou mais tarde. Toda conta fecha, ainda que com números imprevisíveis. 

De quantos enquantos é feita a vida? Enquanto a partida se anuncia, de repente, adeus. No choro da despedida: "eu não sei viver sem você". Aprende, tanto quanto se arrepende. Não se aprende jamais. A calça comprida vira bermuda, os dias encurtam as coisas, tanto quanto alongam as histórias. A verdade só é um mistério para quem tem curiosidade. Desvendar mistérios, nem sempre é compreendê-los. 

Enquanto felicidade, alegria. Enquanto saudade, nostalgia. Tanto quanto mais feliz mais nostalgia para frente. Dá para ser feliz, enquanto nostálgico e vice-versa. A vida é verso do avesso e avesso do verso, nunca avesso ao verso que escrevemos com outras mãos, mas corações.

De quanto enquantos é feita a vida? A pergunta gira e se responde com novas respostas a cada enquanto. Porque é de enquanto que se faz o caminho e tantos quantos enquantos a mais — encantos em cada canto. Não esquece, no entanto, o canto e nada no canto... Somos fragmentos de possibilidades.

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Rua Juruá, 94, Olaria, Nova Friburgo

sábado, 20 de abril de 2024

Os olhos de um menino enxergam mais do que os de um adulto. Talvez, pela inocência de quem está experimentando o mundo, desvendando-o sem preconceitos. Possivelmente, pela ausência de circunstâncias avessas de quem pouco sabe diferir o bom do ruim. A ingenuidade, no entanto, não permite qualquer confusão na diferença entre o bem e o mal. Todos nós nascemos do bem! O dia-a-dia, pode ser, faça alguém se tornar mal.

Os olhos de um menino enxergam mais do que os de um adulto. Talvez, pela inocência de quem está experimentando o mundo, desvendando-o sem preconceitos. Possivelmente, pela ausência de circunstâncias avessas de quem pouco sabe diferir o bom do ruim. A ingenuidade, no entanto, não permite qualquer confusão na diferença entre o bem e o mal. Todos nós nascemos do bem! O dia-a-dia, pode ser, faça alguém se tornar mal.

Para a criança, o mundo é um lugar bem pequeno que cabe no seu campo de visão. É um quintal, uma calçada, uma rua, uma cidade. Meu quintal: Rua Juruá, no número 94. Minha calçada: uma floresta com cipós e trilhas. Minha cidade: Nova Friburgo.

Até hoje não sei se a mágica Rua Juruá é em Olaria ou no Alto de Olaria. Aliás, hoje sei que dão o nome de Loteamento Nosso Sonho. Naquela época, era o meu sonho que até hoje cheira a biscoito amanteigado. Cheiro de infância causa afeição na gente que nos transporta para um imaginário tão particular e de difícil descrição.

Meu terreiro, próximo ao Terreirão de quem preferia desobedecer às ordens dos pais e morar mais na rua do que em casa. Em casa, tinha o fantasma da mulher de branco. Para me proteger, quando estava sozinho em casa ou mesmo com meu irmão mais velho, eu me escondia na rua. As luzes dos postes iam acendendo ao escurecer e só entrava em casa quando minha mãe ou meu pai chegavam do trabalho.

Eu era muito pequeno, quando passei pela primeira mudança de casa na minha vida. Devia ter três, quatro anos, quando me despedi da vizinha de porta, Dona Antônia, no Perissê. Uma adorável senhora que peguei como avó emprestada. Ela cuidava de mim, enquanto meus pais iam para o trabalho. Chorava muito por ter que sair daquele aconchegante bairro em que fui atropelado por um Fusca azul. Foi a única vez que quebrei algo em mim: meu braço esquerdo. Aliás, são os dois primeiros choros que me lembro: quando quebrei o braço e quando deixei a Dona Antônia que viria a falecer alguns meses depois da minha mudança Perissê para Olaria. 

Era assustador, ainda que nutria certa ansiedade para descobrir o que me aguardava. Chegar naquele bairro novo, numa rua ainda de barro, em que de um lado tinham casas e do outro uma floresta. Não podia imaginar como seria tão feliz. A casa era muito maior, ainda que fosse de chapisco. Tinha uma horta gigante. O acesso ainda era difícil, com uma escada esculpida na terra sem muita simetria, própria de uma rua que ainda não era pavimentada. O que durou pouco. Logo depois de nossa mudança, a rua foi calçada e aproveitou-se para adequar o acesso à casa. 

A floresta ao lado era um parque de diversão. Próprio de crianças desprovidas de muitos brinquedos. Uma vantagem. Nascia ali minha imaginação fértil que criava mundos mágicos, cheios de personagens. Nunca precisei muito de brinquedos, na falta deles - a minha criatividade tratava de inventá-los. Se não tinha a floresta, tinha a horta. Se tinha floresta e horta, havia também os vizinhos. Todos mais velhos do que eu, o que me obrigava a descobrir cedo a minha alma antiga. Se não tinha ninguém, havia a laje, onde eu super-herói combatia os vilões com espada de bambu e capa de toalha de banho. 

Ir para a Escola Batista era festa. No caminho, caçava figurinhas do chiclete Ping-Pong no chão. Completava álbuns e álbuns assim. Catar latas pelo bairro - na época mais de óleo de soja do que de refrigerante - pode até parecer trabalho, mas para mim era como o dia de São Cosme e Damião. Latas e mais latas no saco que eu e meu irmão André vendíamos para um ferro-velho da rua de baixo. Juntava o dinheiro, gastava quase todo na bomboniére da Rua São Roque ou na venda do Seu Juarez da rua acima da Juruá. Comprava 100 gramas de belisque palitinho, muitos chicletes com figurinha, biscoitos e doces. Quando tinha um pouco mais, juntava parte com o meu irmão e até dava para comprar uma bijuteria para mamãe ou uma boneca barata para a irmã que acabara de nascer.    

Quando meus primos ou irmãos vinham, a Rua Juruá se tornava ainda mais mágica, tendo como testemunha a Pedra do Imperador, única montanha que pode ser vista de qualquer ponto da cidade, até mesmo do Loteamento Floresta, bairro que me abrigou após a minha infância em Olaria. Mas essa é outra história dentro do mesmo lugar: Nova Friburgo.

E a gente vai crescendo. Histórias e compromissos entram nos nossos compromissos e histórias. A memória vai se consumando sem jamais consumir as lembranças que nos fazem sentir saudades e nostalgias. Saudades de cheiros como o de biscoito amanteigado ou da comida de minha mãe. Saudades de sons como o da pedreira da Catarina que anunciava ser onze horas e cinco da tarde ou da floresta quando o vento fazia carinho em suas árvores. Saudades de pessoas como a Dona Laura que me dava salgadinho belisque, o Ricardo que pulava o muro da casa dele para ir na minha ou do meu pai que chegava de surpresa em casa e já colocava a mão pesada para ver se tínhamos ficado vendo televisão sem permissão.

Saudades de contatos como o da vizinha que vendia sacolé ou com a moça que costurava as roupas da família ou dos três irmãos que eram vizinhos e que apesar de lembrar deles não consigo recordar de seus nomes. Mas independente disso, todos estão resguardados no mesmo lugar, onde o número 94 continua lá: Rua Juruá, em Olaria.  

Uma rua de histórias, fascínios e dramas. Uma rua pavimentada por poesia numa cidade que é a própria poesia em si. A Juruá, Olaria, são apenas versos e estrofes de uma cidade cujo poema está sempre inacabado. Cabe a cada um de nós acrescentar em palavras, sorrisos, choros, sonhos e memórias o que Nova Friburgo causa na gente e a gente transforma nela. E o melhor: sempre estaremos por terminar. Há de se continuar!

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O mais friburguense dos friburguenses

sábado, 06 de abril de 2024

Há quem diga que não voltam mais aqueles tempos de Maria Fumaça subindo a serra, cortando a avenida principal da cidade, atravessando a estação Rio Grande. Vão dizer que se foram aqueles tempos de cinemas… Eldorado, Marabá, São José, Leal.  

Há quem diga que não voltam mais aqueles tempos de Maria Fumaça subindo a serra, cortando a avenida principal da cidade, atravessando a estação Rio Grande. Vão dizer que se foram aqueles tempos de cinemas… Eldorado, Marabá, São José, Leal.  

Haverá razão em dizer que já não temos e nem teremos os tantos campos de futebol, onde jogavam Esperança, Friburgo, Fluminense, Serrano, Conselheiro. Quantos craques desfilando talentos, de Paulo Banana a Miguel Ruiz, de Cabrita a Decache. Jogadores que viravam dirigentes e diretores líderes por natureza, Osvaldo Zarife, Laercio Ventura, Bachini. Se for falar de basquete, faltariam linhas, se for relembrar os Jogos dos Industriários então, faltariam páginas.  

Será apenas nostalgia os dias de comícios enormes dos Azevedistas e dos Bento de Mello. Registram-se os grandes nomes do PSD e da UDN. A força dos sindicatos perante a pujança de nossas indústrias. Quem viveu, nunca mais viverá as cenas das grandes fábricas, onde aos milhares entravam logo cedo e ao fim da tarde saíam pelos grandes portões da Filó, da Arp, da Ypú. 

Um enxame de gente que fazia compras parceladas de forma informal nos ambulantes que se aglomeravam nas ruas próximas às fábricas e vendiam de tudo, de doces a roupas, brinquedos e até material escolar.   

Livraria e em outra loja a Papelaria Simões. Eletrodomésticos na Yunes, Louback Magazine, Galeria Universal. Persiste firmemente a Gazzoni. Roupas nas Lojas Nader, na Francesa, A Vantajosa. Lojas Diegues… Das antigas, a Casa Libaneza, assim como a centenária Camisaria Friburgo resistem aos grandes conglomerados que invadiram também a cidade. A Bota Preta, na esquina da Oliveira Botelho, a Beto Calçados. Sonhos doces na Casa Branca, a São Jorge virou Superpão. Materiais de Construção na Miele, onde até hoje as pessoas usam como referência para o ponto de ônibus próximo ao extinto Cavalo Preto.  

Mas será mais do que trovas todas essas saudades de uma Nova Friburgo que ficou na memória e que terá saudades até aqueles que não viveram os tempos dos bailes do Xadrez, das festas do vinho e do chope do Country. 

O que todos, no entanto, podem seguramente dizer desses tempos de alvoradas é a certeza de que uma voz segue a reverberar e fazer mais do que ecos do ontem e do hoje para o futuro — A Voz da Serra. O maior biógrafo desta princesinha da serra, onde mora na fonte formosa a saudade, o ciúme e o amor. 

A saudade, o ciúme e o amor fazem parte da nossa gene coletiva, cujos DNAs são também transmitidos por A Voz da Serra. Testemunha dos feitos de seus filhos famosos e anônimos, eternizados por suas páginas em crônicas, notícias e artigos que resistem à ideia de ser apenas digital. Folhear páginas de um jornal seguem sendo ritual de quem gosta de ter tinta nos dedos como se o ato pudesse, e pode, capturar mais do que notícias efêmeras, mas notar a história em suas mãos. 

Em tempos que tentam impedir o amanhã, desrespeitam o passado que nos trouxe até aqui em nomes de personalismos narcisistas próximos de outras psicopatias, A Voz da Serra é suspiro de que as instituições sobrevivem aos ataques sorrateiros de gente passageira. 

O trem passou, as camisas dos grandes jogos de futebol que pelos nossos campos desfilavam ficaram apenas nas conversas de pai para filho. Lojas fecharam, novas indústrias surgiram e outras se reinventaram. Políticos vêm e vão, amigos e colegas de trabalho já não brilham mais aqui e cintilam no céu como guias para nossos enfrentamentos e encantamentos. 

Mas A Voz da Serra ficou, sendo o mais friburguense dos friburguenses, um resistente há 79 anos nos dando o privilégio de coexistir.

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Se querem nos matar em vida, prometemos não morrer

sexta-feira, 29 de março de 2024

Não. Não vou ficar aqui preenchendo linhas que tomem o seu tempo falando sobre o significado da Páscoa, os sentimentos que traz, o quanto podemos nos inspirar nessa data tão significativa para nossas vidas e relações. Também não vou repetir aquilo que dizem na missa, nos púlpitos de fé ou mesmo nos artigos de jornal. Você sabe o que representa a Páscoa. Cristão ou não, crescemos ouvindo sobre o calvário, a traição, a crucificação e a ressurreição.

Não. Não vou ficar aqui preenchendo linhas que tomem o seu tempo falando sobre o significado da Páscoa, os sentimentos que traz, o quanto podemos nos inspirar nessa data tão significativa para nossas vidas e relações. Também não vou repetir aquilo que dizem na missa, nos púlpitos de fé ou mesmo nos artigos de jornal. Você sabe o que representa a Páscoa. Cristão ou não, crescemos ouvindo sobre o calvário, a traição, a crucificação e a ressurreição.

A boa nova para a boa nova é que precisamos nos tocar, de uma vez por todas, que não basta teimar apenas em fé. Passou do tempo de arregaçar as mangas e fazer diferente para obter resultados diferentes. A não ser que haja plena satisfação com o que aí está. 

Certamente, satisfeitos estão aqueles que usurpam o poder, governam para seus egos e umbigos, se aproveitam da crença ingênua de mulheres e homens de bem, falando em nome de Deus. Falam - estes — em nome de qual Deus? O Deus criador de tudo ou o deus capital, do dinheiro, da ganância, da manipulação? Há o Deus da vida, mas há o deus destes que dizem ser intercessores e se guiam pelo poder pelo poder para causar benesses a si e aos seus, mas a todos os outros entregam miséria, fome e morte.

Diante de nossos olhos, em nome do bem, fazem o mal. Quem planta preconceito jamais verá colheita de amor. E, sabem disso e o fazem deliberadamente. Crucificam Jesus Cristo mais uma vez. Todos os dias. Caçam direitos e se dão privilégios. Nos matam e nos roubam o paraíso que deveria e pode ser aqui.

Mas o objetivo desta reflexão não é falar sobre fé ou crença e não se atreve a debater religião. Espiritualidade? Há ateus que têm mais sensibilidade do que pseudos sacerdotes e pastores. Talvez, ainda que bastante superficialmente, esta reflexão se apegue à história, mas não necessariamente sobre a cronologia da humanidade. 

Audácia alguma é falar sobre o hoje, sobre os fatos que estamos escrevendo há pouco e o que queremos do amanhã. Pois é isso que importa.

Se querem nos matar em vida, prometemos não morrer. E é daí que estas linhas tentam convocar a falar sobre esse viver junto e perto. Sobre como compartilhamos nossas ruas, bairros e cidades, nossos lugares. 

Que não admitimos crianças nas ruas, sem creche e escola. Queremos que nossos jovens possam empunhar violões e saxofones, ao invés de fuzis. Que não queremos ver nossos familiares e vizinhos adoecerem. Queremos um envelhecimento saudável, ao invés de frequentar filas de hospital. Que não queremos esperar horas e horas por um ônibus. Queremos levar o menor tempo possível para chegar em casa, ao invés de ter cerceado o direito de passar mais instantes com nossos amores. Que não queremos ver nossas casas serem levadas pelas chuvas e nossa paz carregada pelo medo. Queremos deixar de herança para as próximas gerações uma cidade verde, sustentável.  

De que adianta reclamar, constatar que a saúde não vai bem, que o trânsito não flui, que a crise na educação é uma construção sorrateiramente planejada se não alimentar a si mesmo de um verdadeiro desejo de mudança? Renovação. 

Renovação é saber também que se merece mais, muito mais, que todos nós podemos mais, porque a cidade pode muito mais. Nova Friburgo está com saudade de ser Nova Friburgo. Nova Friburgo precisa se reconhecer Nova Friburgo. Cheia de potenciais, pronta para entregar à sua gente a grandeza que tem para prosperar.                   

Todos estamos no mesmo jogo, sobre o mesmo campo. Quem está parado, também joga. Quem não se importa com quem está ao lado também se deixa violar. Deixar tudo como está, não pode nos servir mais, se o que nos é essencial não chega. Basta de se contentar com a mediocridade, de se fazer cego e no barulho das festas não perceber os que adoecem e morrem. Isso é tão cruel quanto cruéis são aqueles que produzem a mediocridade, a dor e a morte. Até quando?

De nada adianta a Páscoa, de nada conhecer a história, de nada adianta se dizer cristão se a dor alheia não incomoda. Que cidadania é essa que exclui? Que indignação é essa de ocasião, sua ocasião individual? Se importar apenas consigo mesmo e lavar as mãos para os que sofrem, padecem, que são perseguidos? 

Páscoa para quem? Espero que para você!

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Todas Marias

sábado, 09 de março de 2024

Minha mãe era costureira, minha tia mais nova balconista. Minha avó era do campo, minha tia mais velha doméstica. Todas mães. Todas Marias. 

De onde elas vieram era tradição: homens com o primeiro nome José, mulheres precedidas de Maria. E assim minha avó fez com cada um dos seus sete filhos, três mulheres e quatro homens, sendo que a primogênita recebeu o nome composto de Maria José e o primeiro filho homem recebeu o nome de José Maria. 

Minha mãe era costureira, minha tia mais nova balconista. Minha avó era do campo, minha tia mais velha doméstica. Todas mães. Todas Marias. 

De onde elas vieram era tradição: homens com o primeiro nome José, mulheres precedidas de Maria. E assim minha avó fez com cada um dos seus sete filhos, três mulheres e quatro homens, sendo que a primogênita recebeu o nome composto de Maria José e o primeiro filho homem recebeu o nome de José Maria. 

Vovó era filha de sinhá. Quase centenária (faltou pouco para chegar aos cem), nasceu no final dos anos 20 do século passado, mas tinha ainda a marca dos resquícios escravocratas. Não conheci Dona Sinhá, como mamãe a chamava. Comentavam, minha mãe e meus tios, que quando a vara comia, todas as crianças iam para a proteção de sua saia. Nem sei o nome dela. Sinhá era sua função na grande fazenda que foi totalmente dividida ao fim do ciclo do café da região de Trajano de Moraes. Pelas histórias que ouvi, era uma mulher bondosa e igualmente perspicaz.

A pobreza era o retrato daquela época. Vovó viveu quase que a vida inteira em uma casa de pau a pique. O fogão de lenha e quando caía a noite se usava por tempo exíguo a lamparina de querosene. Ninguém nunca passou fome, mas quando se avistava, a solução era água de fubá com talos de bananeira. O sonho de todos era sair dali o mais rápido possível. Tentar uma vida melhor. Nova Friburgo era o paraíso. 

Naqueles tempos, o ônibus para Serra das Almas nem era diário. Quando vovó ia para Friburgo, o imaginário infantil era de que Dona Mulatinha estava indo para o céu ou além dele. Mamãe contava que até uns 12 anos acreditava que Nova Friburgo ficava mesmo no céu. Ela veio para cá por volta dos 17 e aqui ficou até a sua prematura morte aos 52. 

Friburguense, eu tinha medo de ir visitar minha avó só pelo nome do seu lugar, Serra das Almas. Assim como minha mãe imaginava que Nova Friburgo estava no céu, eu achava que lá era serra de almas que vagavam e sempre tive pavor de fantasmas. Mas ia, porque tinha minha mãe e minha avó para me proteger. Diziam: “Dinho, você tem que saber que gente morta não faz mal, você tem que ter medo é de gente viva”. 

Sim, meu apelido era Dinho. Até o fim da vida, minha avó me chamava só de Dinho. Como Wanderson era difícil para ela pronunciar, resumiu para Andinho, logo Dinho para facilitar. Mas isso é outra história…         

Mamãe, vovó, titias… Mulheres de amor, mulheres de fibra. No vigor, as suas sinas. Porque assim a vida as fez: determinadas, independentes, impetuosas para defender suas crias. Mulheres de peito, trabalhadoras, vibrantes, aguerridas. Os dias a provocaram a não baixar a cabeça. Mães exemplares com esse tal de amor incondicional que tudo faz e nada espera. Mulheres na essência de fazer acontecer, contra tudo e contra todos, até a sociedade. Mulheres que sabiam dividir o pouco e do pouco faziam muito. Mulheres… 

Com elas, aprendi a sensibilidade, mas também a firmeza, a vontade de ir e buscar, o dom de proteger, mas também a coragem de enfrentar. Orgulho de ser filho de costureira e de ter como heróis mulheres — heroínas. E sei que não é um privilégio meu, pois há tantos que aprendem esses e outros valores com mulheres. Porque a mulher tem esse talento de tocar o mundo e fazê-lo melhor. 

É mais do que algo de gênero, é mais do que maternidade, é muito mais do que receber o nome de Maria, Ana ou Aline. É mais do que essa tentativa que acaba como mero pleonasmo ao associar mulher a amor, fibra, vigor, determinação, ímpeto…   

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Passarinhos que cantam e voam

sábado, 02 de março de 2024

Como o tempo tem passado depressa. Já nem sei mais se é só uma sensação. Se é carnaval, de repente é inverno, do nada já é ano novo de novo. O futuro já é passado e o presente nem se sente. 

O tempo sempre passa mais apressado quando cantamos sem esforço ou quando devoramos um prato com gosto. Também é ligeiro quando estamos hipnotizados por toda a beleza que há entre a cachoeira e o mar, o tanto de graça que existe entre a terra e o céu. Passa veloz  quando nos perdemos em um olhar. 

Como o tempo tem passado depressa. Já nem sei mais se é só uma sensação. Se é carnaval, de repente é inverno, do nada já é ano novo de novo. O futuro já é passado e o presente nem se sente. 

O tempo sempre passa mais apressado quando cantamos sem esforço ou quando devoramos um prato com gosto. Também é ligeiro quando estamos hipnotizados por toda a beleza que há entre a cachoeira e o mar, o tanto de graça que existe entre a terra e o céu. Passa veloz  quando nos perdemos em um olhar. 

A paixão faz o mundo girar mais desenfreado e a percepção do que há entre tudo, nos remete a certa vontade de ser parte de um todo. Causa deslumbramento. Como pode tanta magia? Se for contar, não cabe em uma vida toda, porque o tempo passa depressa demais, mesmo quando somos paralisados pelos impactos do sentir. 

A admiração não é fugaz, mas gosta de ser perseguida ao ponto de quem sabe um dia ser reconhecida como amor. Talvez já seja pelo simples ato de começar. Portanto, perceber, admitir, aderir, acolher e acolher-se são verbos tão sujeitos nessa oração. Pedimos e quando temos, desatentos ou mal resolvidos, adiamos, tememos, abdicamos.

Depressa, a paciência tenta sossegar os minutos, mas a angústia não afugenta a ansiedade. E ansiedade faz correr para a depressão. O relógio se mete na relação entre a gota d 'água que cai no copo vazio. E ainda que demorado, o copo enche, transborda. Intrometido, o tempo passa igual e só quando o copo já não pode deter tanta água é que se nota. 

Nós não passamos da mesma maneira pelo tempo, nunca. Porque o que fomos ontem, já não é o que somos agora. E amanhã? 

Caminhos tortos podem ser imensas avenidas retas. Já peguei estradas em quinhentos quilômetros retos. Caminhos assim nos dão sono, mesmo feitos em altíssima velocidade. As paisagens parecem se repetir. O tédio faz o tempo parecer parasitário. Mas o tempo segue seu fluxo. Envelhecemos da mesma forma. Esse corpo que temos vai esvair, a alma evaporar. Para onde? Por aí… Se é tão certo o destino - é clichê - o modo é que importa. Fácil dizer e até classificar como clichê. Difícil é fazer sempre valer a pena. 

O tempo passa devagar, quase estático, quando tenho medo. E o medo é um guloso que paralisa para ser voraz. Só a coragem nos faz famintos, mesmo sem fome. É o motivo que nos tira da inércia. Ir, fazer, ser. 

Será que o tempo é apenas um método que nos faz cumprir tarefas? Estranho quando isso acontece. Ocorre muitas vezes, não diria toda hora, mas há momentos que só se quer explodir. Em felicidade. Em tristeza. Melancolia, talvez. Prazer, com certeza. Fogos de artifício, mas para brilhar sem desaparecer. 

Uma música só, dura muito pouco tempo. Uma playlist pode ser longa demais, como o lado A dos vinis. Já teve esse sentimento de se achar antigo e de que nasceu na época errada? Do futuro ou do passado? Não sei. Presente! 

Dizer presente para a vida. Pressente que o agora não aceita talvez? “Queria ir, não fui… vou”. Para entre as estrelas. 

Tão impressionante é contemplar o tanto de vida que há entre uma flor e outra no jardim. É seguro nutrir certo espanto bom, daqueles que nos garantem imaginar infinidades de formas e possibilidades. Se somos tão imensos assim, por que querer ser uma coisa só ou tão pouco?   

A loucura se instalou em mim e não sai mais. Todos no salão, esses que cantam, se irão. Eu também. Mas quando eu cantar quero que tenham a coragem de ficar. Em algum momento eu estarei. Fincado. E, ao ficar, possivelmente, sozinho, não serei solitário. Mas só, eu comigo mesmo, tenho incertezas se a festa me habita ou se faço morada na festa. 

O tempo passa diferente para o momento de cada um de nós. Às vezes canto bem, outras o que cantam me soa mal ou não… Como comparar o que fomos, o que somos ou o que queremos ser? Cada momento tem o seu tempo. E a certeza nunca, nunca, prevalecerá. O que existe é essa existência efêmera do agora. Tristeza ou felicidade e todo o resto para além de ser feliz ou triste é o que se apresenta. 

Não me parece apenas uma questão de múltipla escolha. Há infinitas respostas e nenhuma exatamente certa ou errada. O que há é essa prece confundida com ladainha de que o tempo passa depressa demais, quando queremos apenas ser passarinhos que voam sem que o tempo voe por voar.

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O melhor ou o pior dia da sua vida começa como outro qualquer

sábado, 24 de fevereiro de 2024

O melhor ou o pior dia da sua vida começa como outro qualquer. Você acorda, bebe dois copos de água, alguns bebem o primeiro copo com um limão espremido. Cada um com seu ritual, cada qual com seu hábito. Há os que escovam os dentes antes de qualquer coisa, outros que só após tomar o café da manhã. Há quem sequer tome café da manhã. No dia em que decidiu beber um copo de leite, teve dor de barriga o dia todo. Ficou um trauma, por culpa do leite ou não. Melhor se precaver? 

O melhor ou o pior dia da sua vida começa como outro qualquer. Você acorda, bebe dois copos de água, alguns bebem o primeiro copo com um limão espremido. Cada um com seu ritual, cada qual com seu hábito. Há os que escovam os dentes antes de qualquer coisa, outros que só após tomar o café da manhã. Há quem sequer tome café da manhã. No dia em que decidiu beber um copo de leite, teve dor de barriga o dia todo. Ficou um trauma, por culpa do leite ou não. Melhor se precaver? 

Os dez minutos a mais na cama, por reverenciada preguiça, precisam ser recuperados para não chegar atrasado: as louças sujas terão de ser lavadas à noite. Arrumar a cama — pesquisas científicas comprovam — proliferam fungos e bactérias, portanto deixar bagunçada previne alergias e outros problemas.    

E você sai de casa com o objetivo de trabalhar, levar os filhos na escola, ir ao médico, à farmácia, pensa que antes de retornar tem que passar na padaria. Comprar pães, queijo, presunto ou apenas mortadela. Quem sabe um cigarro no varejo? Nem fuma. Quem sabe se hoje decide fumar para aliviar o provável estresse com o chefe, com o trânsito, com as notícias do jornal. Melhor garantir a perversa tolice consigo mesmo ou a ousadia ingênua de experimentar algo novo ao fim do dia. Mas a padaria é só na volta. Por que se preocupar com isso agora, logo cedo? Saímos sempre na esperança de retornar. 

Já no caminho, lembra que esqueceu um papel qualquer em casa. Não há porque voltar ou talvez seja imprescindível retornar. Está tudo digital e o tal papel não está nas nuvens. E aquela decisão de voltar ou não pode alterar todo o dia. A sucessão de fatos. 

Perigos de que se salvou ou outros que alimentou e que sequer estavam programados para cruzar seu destino. Nunca se sabe. Porque por mais que nos façam querer crer, boa parte das coisas não dependem exclusivamente da gente. Acontecem por uma conjunção de fatos alheios, por pessoas diversas que conhecemos, chamamos pelo nome e outras que nunca vimos ou jamais veremos. Não temos controle de tudo, se é que temos controle de algo. 

De repente, se conhece o homem ou a mulher da sua vida. Apenas um lance, uma paixão avassaladora. Talvez, nada aconteça ou conheça alguém que se tornará importante conselheiro, um amigo para o resto dos seus dias. Um cão ou um gato abandonado que, sabe se lá porquê, te compadece e você, que sequer gosta de bichos de estimação, resolve levar o filhote para casa. 

Pode ser que no caminho para o trabalho ou na volta do almoço se meta em uma enrascada sem saída, seja envolvido em um acidente, um crime. Pode ser que o coração falhe, as pernas bambeiam. Pode ser que o coração acelere e as pernas tremam pelas borboletas voando no estômago. Tudo é possível. Até aquilo que não se imagina. Que horas você volta hoje?     

O melhor ou o pior dia da sua vida começa como outro qualquer. A maioria é apenas um dia comum, sem grandes acontecimentos. Mas todos contam sua história, escrita por você e por um monte de pessoas que te rodeiam e por tantas outras que você só vê na televisão. 

Uma mensagem do Cortella na rede social pode te fazer ver o que não via. Do nada, te toca, mexe com você. Parece que foi escrita para você naquele exato momento de sua evolução. Se vê no espelho e por razões desconhecidas, enxerga sua alma nu. Quais os seus sonhos? Quais eram os seus propósitos de menino quando você sequer sabia o significado de propósito? 

Há dias, bons ou ruins, que abrem capítulos do livro que conta a sua vida. Outros tantos que apenas enchem linguiça. Dias impactantes mereceriam um livro inteiro. Filmes não são entediantes porque fazem recortes dessas brevidades importantes. Tudo pode mudar em um instante. A questão é que o melhor ou o pior dia da sua vida começa como outro qualquer. 

Mas nossas vidas não são filmes. Seus enredos não podem ser resumidos em minutos e vivemos, vivemos e vivemos bocejando; trabalhando; procurando; passando pelo cotidiano de simplicidades e simplificando ou não o que é complexo; cumprindo afazeres banais e essenciais; adiando; suportando; desejando; admirando; sentindo saudade; ansiando; explodindo nos mais variados sentimentos. Não somos passíveis de edição.  

O que foi o melhor dia pode ser superado por outro melhor ainda, tanto quanto o pior. E todos começaram ou começarão como outro qualquer. O que foi o melhor poderá virar o pior. O que foi pior pode ser a grande lição para te preparar para o melhor que veio ou virá. É uma coleção dinâmica essa que fazemos…    

Saímos de casa com a intenção de voltar. Com que bagagem voltaremos? Voltaremos???

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Saudade do meu amor de carnaval

quarta-feira, 07 de fevereiro de 2024

Foi em uma quinta-feira, antes da sexta de carnaval. E te ver, ali, em um espaço improvável que o imponderável cantou. Impactado, mesmo antes de tomar coragem para lhe dizer oi, um novo mundo me disse bem-vindo. E fui com a audácia dos sonhadores e a permissividade de quem quer ser feliz. 

Foi em uma quinta-feira, antes da sexta de carnaval. E te ver, ali, em um espaço improvável que o imponderável cantou. Impactado, mesmo antes de tomar coragem para lhe dizer oi, um novo mundo me disse bem-vindo. E fui com a audácia dos sonhadores e a permissividade de quem quer ser feliz. 

Dizem que nossa alma sente quando algo grandioso está se fazendo. É a tal sensação de estar diante de fato que marca para sempre a história, como a queda do muro de Berlim, como quando Alexander Fleming descobriu a penicilina, como quando será descoberta vida inteligente em outro planeta. Diante de mim, a grandiosidade de dar a primeira linha à minha mais feliz história de amor.   

Aquela véspera de carnaval, (você), abocanhou tudo que se planejava de inconsequência para a folia vindoura. A partir dali, os planos se tornaram outros. O ensaio antecipou não só o carnaval daquele ano, como fez daquele ano o melhor carnaval. E daquele melhor carnaval, um grande amor.   

A fantasia que antes havia preparado pediu por mais lantejoulas em variadas cores e além delas, ganhou adereços mais deslumbrantes. Não era luxo. Era beleza dessas que artistas passam a vida toda buscando desenhar. Você se fez inspiração e a primeira vez que lhe vi sorrindo permanece como desfile que nunca se quer que acabe. E durou mais alguns carnavais, mesmo quando não havia desfile na avenida. 

Se neste ano, como no outro, não desfilamos na mesma escola, o melhor enredo segue sendo o mesmo, com samba antológico, desses que ainda após muitos anos de feito continua a ser entoado como o mais adequado para o esquenta de bateria.        

O amor… É isso o que fica enraizado na gente evoluindo para uma gama de outros sentimentos que se afloram a partir do mesmo âmago. Não é porque acabou o encontro que não foi bom. Não é porque findou que não foi amor. E essas saudades se enfileiram sem tapear a percepção da intensidade que visitou. Genuíno.

Compadecimento profundo de perda misturado à aguda nostalgia de algo já vivido e que se considera desejável. Felicidade pela lembrança, mas tristeza por não ser mais. “Você está longe e não sei o que se passa com você”. Talvez, seja isso que doa mais. Todo o restante não machuca, pois é tão íntima a presença do que ficou.

Fincou na memória tudo que se experimentou e até aquilo que se vislumbrou, mas não se teve. Tivemos um ao outro, principalmente nas sagas cotidianas de pão dormido antes de se deitar, tanto quanto das noites de festa, dos carnavais fora de época. Ainda sinto o cheiro do café circulando por toda a casa. Do seu café. Revi algumas séries de TV que vimos juntos. Não são tão originais quanto pareciam diante do sofá ocupado por nós dois. Como queria repetir o desfile daquele carnaval.  

As poesias que fiz para você e você fez para mim estão guardadas nas gavetas, não empoeiram, pois jamais perderam o frescor. Ainda que sambe com outro mestre-sala, ainda que finja não tropeçar nas escadas do mesmo prédio que moro, minha bandeira segue sendo a da saudade desse amor de carnaval… 

Admito: sambando na passarela da vida, vez em quando caio ao olhar para o céu tentando encontrar o exoplaneta que atende pelo mesmo nome que o meu amor de carnaval.

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