Paulo Freire

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 14 de outubro de 2023

“Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo”. O pensamento de Paulo Freire, que de forma, nem otimista ou pessimista, coloca a responsabilidade da transformação do mundo nas pessoas. 

São as pessoas as responsáveis pelo que acontece de bom e ruim ao planeta, à sociedade, às cidades. Alguns recorrem a Deus, às forças sobrenaturais. Jeito fácil de escapar daquilo que não queremos explicar ou reconhecer. 

Há quem responsabilize a educação. Eu já responsabilizei a falta dela. Hoje, responsabilizo também a educação. Erramos. E é preciso assumir que a educação tal como se desenhou vem dando errado. 

A falta de diálogo, a ausência de olhar para si e em volta, o elitismo, a ignorância. E ignorância aqui não tem a ver com não conhecer ou saber. Mas de saber que algo é mentira e ainda sim sustentar a mentira para, por ego, tentar convencer a certeza de sua ideologia. Como dizia Cazuza: “ideologia, eu quero uma pra viver”. Todos se tornaram ideólogos, mas nem supõem o que seja ideologia. Ideologia como modismo envenena e mata. 

Pobre mundo, pobre educação. Não foi isso que se quis quando se buscou uma educação que ensinasse a contestar. Educação que liberta não pode ser essa que aprisiona pessoas à idolatria. Nos tornamos idiotas mesquinhos. Precisamos parar, repensar e na falsa exigência das redes sociais, brecar isso de ter que saber de tudo, opinar sobre tudo. Começar a se educar para admitir: “eu não sei porra nenhuma sobre a guerra da Palestina”. Mas sei sobre a falta constante de medicamentos no hospital da minha cidade. 

É preciso aproximar a educação dos nossos cotidianos, porque a vida acontece com nossos vizinhos da mesma rua, do mesmo bairro, da mesma cidade. Do mesmo estado, do mesmo País e do mesmo planeta vem na sequência. Mas, como querer ditar regra para o mundo, se nem para seu terreiro se tem olhar? 

Empatia é boa mesmo quando se tem com quem está do lado. Solidariedade aos extraterrestres que tiveram seu planeta invadido. Mas testar solidariedade de verdade é quando você estende a mão para quem você se depara frente a frente.

Que tenhamos uma educação e educadores que ensinam línguas, matemática, as capitais dos países, o corpo humano, a tabela periódica… Mas que nossas escolas se preocupem a ensinar também o amor, o medo, a incerteza, os sentimentos que se deve ter e aqueles que fazem mal. A importância de ouvir, o tempo de falar — o diálogo. Que ensinem sobre política, mas sem partidarizar. Que ensinem a contestar, mas sem a petulância de reproduzir um presidente idiota qualquer que disse que Paulo Freire é vagabundo. Puta que o pariu: Paulo Freire foi um dos gênios que o mundo teve o privilégio de conhecer. Que se debata seus pensamentos, mas não venha raso. Respeitem Ariano Suassuna e ensinem sobre ele. Falem sobre Belchior e também sobre Claudinho e Buchecha. Não menosprezem a arte produzida pelas favelas, tampouco a filosofia dos morros. Escutem o pequeno mundo ao redor.

A educação precisa aprender a reaprender. Nós, educadores, necessitamos olhar para dentro e ouvir de novo Paulo Freire: “É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal maneira que num dado momento a tua fala seja a tua prática". Precisamos ser assim e auxiliar alunos a serem assim, sem pretensão de ser ou formar heróis. Precisamos formar seres humanos melhores para sermos humanos melhores uns com os outros. 

“A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem”. Se não tiver amor, não há educação. Temo que, se hoje, Paulo Freire fizer chamada, ao chamar por amor, nem o professor responda.

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