A espera e o crepúsculo

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

terça-feira, 05 de agosto de 2025

O primeiro texto que li quando comecei a cursar o mestrado em Educação, na PUC-Rio, foi o de Rubem Alves (1933 – 2014), escritor, psicanalista, educador e teólogo. Ele dizia que tinha um caderno em que fazia anotações das suas ideias, das situações que vivenciava ou observava. Era um texto simples que li com facilidade e prazer. Não tinha palavras complexas, mas tudo o que ali estava escrito ficou borbulhando em meus pensamentos.

Há pouco tempo fui ao lançamento de uma grande amiga escritora de livros infantojuvenis e me deparei com um livro dele, “Ostra feliz não faz pérola”, que continha os textos anotados em seus cadernos. Adquiri a obra sem pestanejar.

Se ele guardava seu caderno no bolso, imagino que fosse perto do coração porque os textos foram escritos com pleno amor pela vida. Sem ser tendencioso, ele escreveu com a simplicidade de quem experimenta os dias com os olhos abertos para a alma da vida.

Guardo o livro na cabeceira e vou lendo a qualquer momento. Basta abri-lo aleatoriamente e me vejo diante de um texto tocante, que me faz pensar... Pensar. As ideias de Rubem Alves ficam ativas em mim, mexendo com as que guardo, fazendo-me revê-las. Esse livro com as anotações de uma pessoa cheia de sabedorias fluidas me fez concluir que não há ideias banais.

Será que pensar nos pores do sol é superficial ou apenas corriqueiro? Para Rubem Alves e Saint-Exupéry o entardecer tem profundos sentidos. Ah!, o pôr do sol no Arpoador é um poema de infinitos versos. É o findar de um dia para algumas horas depois permitir o amanhecer de outro; novo e diferente, que jamais irá repetir o anterior. Para Rubem Alves, somos seres crepusculares. Para Sain-Exupéry, o pôr do sol tem uma tal doçura que vale a pena esperá-lo.

A espera e o crepúsculo. O findar depois do acontecer.

O ocaso é uma metáfora que guarda a beleza do terminar e representa aquele momento tão esperado, em que “crepusculamos”*.   

Quantas vezes, milhares, todos os dias, passamos pelo pôr do sol ou a ele nos referimos com banalidade?

Não tenho um caderno do lado do meu coração, mas tenho um bloco de capa preta que ganhei do meu editor e que o uso para anotações importantes, como o registro de ideias que compuseram o texto para esta coluna.

Sinto vontade de anotar uma sensação que tenho quando ando pelas ruas de Nova Friburgo: o comportamento dos motociclistas que fazem crescer as estatísticas de acidentes no trânsito. Na sua maioria são jovens, cheios de dias pela frente para viver, projetos a realizar, pessoas a amar. Será que eles reconhecem o valor da vida? Sabem o quanto ela é frágil e efêmera?

Que dó! Que pena perder uma vida pela irresponsabilidade ao transitar nas ruas. Que tristeza presenciar o quanto a velocidade causa um prazer insensato e imediato.

E o prazer de poder viver mais um dia? De vislumbrar as possibilidades de realizar propósitos? De estar bem para as pessoas significativas e não lhes trazer dores e lutos? 

Viver é uma decisão de instante a instante. É gostar do próprio corpo como uma joia rara. De reconhecer as suas partes como as melhores amigas. De utilizá-las com alegria e paz.

Que opção é essa de jogar tudo para o alto?

Enfim, todos os dias, temos motivos para fazer registros no caderno de anotações. Usar o caderno é uma forma de reconhecer que somos seres de limitações e que temos a necessidade de entender o viver.

*Criei o verbo “crepuscular não por brincar com a palavra, mas para buscar um sentido mais sensível de findar.

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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