O aviso prévio e as ostras

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

terça-feira, 08 de julho de 2025

Noutro dia escutei uma conversa no cabelereiro entre duas conhecidas, tipo fofoca de trabalho, quando, de repente, o assunto foi parar em aviso prévio. Aviso prévio! Palavra que eu estava buscando fazia dias para dar um título à uma crônica em que venho sentindo vontade de abordar: a efemeridade. Uma ideia forte, que faz a gente estremecer porque é o fato irrefutável presente em todos os dias da vida.

Sim, senhor, os momentos são transitórios, e a vida é passageira. Tudo o que vivemos tem começo, meio e fim, a tríade essencial do acontecer. Através desse movimento, vamos fazendo com que a realidade se configure no tempo e no espaço, processando a existência e modificando o estado de coisas.  

Quando li o “O Pequeno Príncipe”, de Saint-Exupéry, o personagem que habitava o sexto planeta, o geógrafo, fiquei tocada quando afirmou que a flor que o Pequeno Príncipe deixara em seu asteroide era efêmera porque estava ameaçada de desaparecer em breve. Nesse momento, o Principezinho se preocupou, mais uma vez, com a fragilidade dela que só tinha quatro espinhos para se defender do mundo.

Depois de escutar a conversa sobre avisos prévios, a ideia de efemeridade cresceu e amadureceu em mim até que constatei que estamos cercados deles. Às vezes despercebemos os avisos que a vida nos dá de que tudo e todos estão em processos de finalização. Talvez esteja tão mobilizada no tema porque minha mãe vai fazer 94 anos e seu tempo...

Há avisos que informam períodos longos, e temos a falsa sensação de eternidade. Mas outros possuem instantaneidade, como um abraço ou um encontro com um amigo. Uma tesoura, se bem cuidada, possui duração maior, como a que está na minha escrivaninha, pronta para ser usada. O tempo dos avisos são importantes porque tudo e todos possuem valor para nós. De certo, o amor nos faz cuidar, velar, guardar com cuidados especiais para estender o prazo do aviso prévio. 

Então, achei uma outra ideia que se encontra nos entremeios dos avisos prévios: a ostra. Mas tinha que vir de Rubem Alves, em seu livro, cheio de sabedorias e afetos, “Ostra feliz não faz pérola”. A ostra é um animal marinho, sem defesa e manso, mas com sabedoria biológica, posto que é protegido por cascas duras. Muitas são felizes e passam a vida cantando com alegria. Outras possuem um canto triste porque um grão de areia entrou dentro das suas conchas através das suas arestas, causando-lhes dor. Muita dor. Para curar o sofrimento intenso, elas precisam fazer um trabalho constante, envolvendo o grão de areia com uma substância lisa, brilhante e redonda, transformando-o em pérola.  Ah, as pérolas! Elas oferecem alegria, beleza e felicidade não às ostras, mas a quem as usa. Da dor ao toque da elegância, a vida sabe fazer transposições como ninguém.

Cada aviso prévio é carregado de ostras. Ostras felizes, livres de dores. Ostras que sofrem e trabalham para oferecer seus resultados a outros. As ostras felizes gozam o direito à felicidade e as que trabalham produzem pérolas. Beethoven, mesmo sofrendo de surdez, produziu uma obra que canta alegria. A doença degenerativa não impossibilitou o Aleijadinho de esculpir o conjunto de esculturas do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas-MG, consideradas obras-primas do barroco brasileiro. O acidente que Roberto Carlos sofreu quando criança não o impediu de compor e cantar belíssimas músicas. O maestro João Carlos Martins, um dos grandes pianistas do Brasil, passou a usar luvas biônicas para tocar piano depois do seu braço direito sofrer uma agressão e o esquerdo estar comprometido com um tumor. Andrea Bocelli perdeu a visão quando criança e se tornou um tenor, compositor e produtor musical italiano que encanta o mundo com sua voz.  

Caro leitor, quando viramos as páginas da vida, os avisos chegam cheios de novas ostras. Ih! Está chegando um vento forte, vindo da montanha, aquele de fazer bater portas e janelas, avisando que será passageiro. Tenho que cuidar das ostras que ele me traz.

Com licença!

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Tereza Cristina Malcher Campitelli

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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