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A poesia é um passarinho que pousa na minha janela

Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
Confesso que gostaria de ser poeta, ser capaz de pinçar palavras na Língua Portuguesa e colocá-las nos versos com delicadeza e simplicidade. Sempre que leio uma poesia fico pensando nas ideias contidas nas palavras porque a poesia gosta de conversar baixinho, fazendo quase um cochicho; ela não fala alto, nem faz discursos. Apenas quer se chegar para deixar um registro no leitor que percebe o valor de um poema. Em cada verso existe uma afetividade profunda, provavelmente porque o poeta não consegue expressá-la de outra forma que não seja através da escrita de um poema.
Um poema chegou a mim não por acaso, veio de uma antiga amiga, Lila Maia, que publicou “Um rio a cada dia”, em cuja capa tem um coração vermelho vibrante e dele sai um sol. Ela me disse que é o de Frida Kahlo, pintora mexicana que trouxe ao mundo uma obra surreal, realista e feminista. Entretanto a vida dela é tão impactante quanto sua obra, posto que é uma mulher vencedora de desafios, uma sobrevivente que encontrou na arte a sua catarse, uma expressão inteligente e criativa.
O que me tocou no livro foi a beleza das poesias, tecidas com maestria e sentimento profundo. Mas especialmente, uma, “Os sapatos de minha mãe”, que pousou na janela da minha alma. É um poema que fala do amor de uma filha por sua mãe. Um amor que é fortalecedor.
Mas como alguém pode pensar que os sapatos revelam uma história de vida, a saudade, a feminilidade?
A relação mãe e filhos funda uma pessoa. É o amor que circunda a experiência de relacionamento ao longo da vida. É o cheiro. São os modos de olhar. O riso. O colo. O beijo. Os jeitos de amar cruzam os destinos de ambas. Não quero pesquisar a respeito do amor filial e maternal. Quero falar do meu sentir através deste texto em prosa porque é o estilo que sei escrever. Basta a sensação da presença que um filho possa transmitir à mãe ou ao contrário. Bastam os objetos deixados sobre as estantes ou mesmo dentro das gavetas do armário que trazem a sensação de estar ao lado, embalando, fortalecendo, mostrando de várias maneiras que vale a pena seguir em frente.
Sei que a ausência da presença possa ser mais comum do que gostaria que fosse. Talvez as dores que pairam sobre o mundo possam decorrer desse espaço vazio, escuro e triste. Cheio de vendavais.
Certa vez, escutei de minha prima, Ana Maria Campitelli, psiquiatra e psicanalista, e que, infelizmente, não está mais entre nós, a história de um amigo que se tornou médico depois de ter perdido sua mãe aos cinco anos de idade e ter sido abandonado pela família e quase deixado à própria sorte. A relação entre ele e a mãe o abasteceu de tal forma que superou os obstáculos do destino, tornou-se um médico respeitado, construiu família e amigos; teve uma vida plena. É belo ver pessoas que foram esculpidas por uma história de amor, mesmo que breve.
Mas, enfim, deixo o poema “Os sapatos da mãe”:
“O que amei naquela mulher de 1,55
Não foi a forma decidida de dizer não,
ou quando mantilha o limite
entre o pacote de biscoitos recheados de morango
e o prato de sopa que deveria ser tomado
sem direito a choro.
O que amei foram seus sapatos.
Tinha o par vermelho com saltos prateados,
meu preferido,
me fazia imaginar que um dia seria meu.
Nem sei quantos sapatos sem embrulho de presente lhe dei.
Anos mais tarde quando fui ao seu enterro
Abri o armário e fui tirando todos os sapatos de número 33.
Nenhuma daquelas caixas vazias pode me consolar:
calço 37.”
P.S.: O título foi um presente que Lila me deu numa conversa sobre seu livro.

Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
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