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Espalhe amor

sábado, 21 de março de 2020

Sou fã confesso do Papa Francisco. Não sou fã por ser católico ou por conta da minha história ter ligação com os jesuítas. Sou adepto de sua liderança, de seus ensinamentos, por ser discípulo de um Deus que habita na simplicidade. É uma besteira gostar de um padre ou de um pastor porque ele é da mesma religião que a sua.    Temos o direito de discordar. Assim, a religião não deve nos obrigar a gostar do pastor ou do padre porque somos da mesma congregação.

Sou fã confesso do Papa Francisco. Não sou fã por ser católico ou por conta da minha história ter ligação com os jesuítas. Sou adepto de sua liderança, de seus ensinamentos, por ser discípulo de um Deus que habita na simplicidade. É uma besteira gostar de um padre ou de um pastor porque ele é da mesma religião que a sua.    Temos o direito de discordar. Assim, a religião não deve nos obrigar a gostar do pastor ou do padre porque somos da mesma congregação. Mas voltando ao Papa Francisco, em uma de suas recentes missas, sem público por conta da pandemia que se alastra pelo mundo, dizia ele: “o vírus da indiferença desumaniza”.

Tão fatal quanto a peste negra, tão avassalador como o COVID-19 é o vírus da indiferença. Tão mal quanto o ódio, por um ser subproduto do outro. A vacina para o coronavírus será encontrada em breve pela ciência. A vacina para a indiferença sempre existiu e está dentro de cada um de nós como anulador dos maus sentimentos que permitimos se manifestar dentro de nós. Qual usaremos? Qual de fato nos faz bem e ao universo?

Os livros de história, certamente, terão capítulo para esse período. Além das mortes, da geopolítica, está o declínio da economia. O que fechará esse capítulo ainda não sabemos. Mas o que ficará para nós como sociedade? O que estamos aprendendo com tudo isso? Passou da hora de usarmos em constância a vacina boa que existe em nós. É esse o grande ensinamento desse momento que vivemos.

A proibição de abraçar nos faz lembrar do quão importante é o abraço. Que nesse momento possamos abraçar de outras formas e esse abraço será tão ou mais forte do que aquele que possibilita o contato. A proibição de apertar as mãos nos faz recordar do quanto é prazeroso tocar o outro. Que nesse momento possamos apertar as mãos pelo olhar e nos cumprimentar como irmãos. 

Só o amor nos faz irmãos. Que nossos afetos sejam mais do que os beijos que não podem ser dados para descobrirmos que não é o físico que nos conecta, mas algo extraordinário: o sentimento que flui e rompe a barreira do ar e sem qualquer risco de vírus nos chega e se achega no colo da alma. É momento de cuidar uns dos outros para cuidarmos de nós mesmos e do planeta. E a fatura do nosso consumismo, soberba e ignorância nem chegou ainda. E olha que não acredito em Deus punitivo, mas tenho certeza do homem que se auto pune sem sequer se julgar. Espalhemos amor. 

Quem poderia supor que um micro-organismo, invisível aos olhos como a fé, ensinaria a humanidade que precisamos é espalhar amor? Não dá para esperar até dezembro. O mundo pede que espalhemos amor - agora. Pois não espalhamos amor ontem. Quantos se deixaram levar pelo ódio, disseminaram o rancor e estão amargurados? O egoísmo enfraquece elos. A que tempo nos traz a desigualdade? A raiva causa indiferença. E indiferença desumaniza. 

Não é preciso sofrer para aprender. A dor não faz ninguém evoluir. O que faz crescer é a urgência de nos resolver como irmãos. E a fórmula não é nenhuma decodificação de décadas de ensaios e conclusões acadêmicas. 

Espalhar amor é a mais simples das matemáticas, a mais retumbante filosofia, a mais antiga das ciências. Difícil negar sua eficácia. Se falta coragem para colocar em prática, o medo que nos atravessa, obriga atitude imediata: espalhe amor! 

Talvez seja um apelo infantil suplicar para que espalhemos amor. Mas é dos corações infantis que o amor mais simples se transforma no grande amor coletivo que tanto necessitamos para vencer esse instante de isolamento físico, mas ao mesmo tempo de grande união imaterial. A vacina do amor desperta o que há de mais humano em nós!     

 

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Noturno

sábado, 14 de março de 2020

Eu queria ser um desses... Loucos que não despejam nem um segundo sequer. Desses que não se arrependem de tomar um gole de água a mais ou uma dose de whisky a menos. Nunca tive a intenção de voar, mas já supliquei para que as minhas articulações pudessem suportar um quilômetro a mais na corrida pelo parque. Venero a beleza dos lagos, me encanto com o deslizar dos cisnes, devoto a viagem das folhas que se desprendem dos galhos... Invejo-as. Queria ser como elas! 

Eu queria ser um desses... Loucos que não despejam nem um segundo sequer. Desses que não se arrependem de tomar um gole de água a mais ou uma dose de whisky a menos. Nunca tive a intenção de voar, mas já supliquei para que as minhas articulações pudessem suportar um quilômetro a mais na corrida pelo parque. Venero a beleza dos lagos, me encanto com o deslizar dos cisnes, devoto a viagem das folhas que se desprendem dos galhos... Invejo-as. Queria ser como elas! 

Já quis ser super-herói. Mas esse querer sempre ficou restrito à minha imaginação infantil. Em realidade, nunca me importei em não ter super-poderes, mas sempre quis vencer o sono, virar madrugadas e vencer o tempo... Ser forte para encarar a labuta depois de a diversão me esgotar! Se é que diversão esgota alguém. Certamente, preocupação envelhece. Diversão rejuvenesce. Mas não dá para ser jovem sempre, ainda que admita minha sincrônica síndrome de Peter Pan.

Eu queria ser um desses... Que se jogam nas suas passageiras verdades e passageiros se deixam levar pelos atos que podem ser taxados de insanos, mas que não se importam e ao não se importarem – ousam. Ousam driblar os temores, e, destemidos vão! Moldam o destino porque é seu destino moldar o destino. Destino. Nós precisamos ajudar o destino. Por mais que queira, o destino precisa do nosso esforço, da nossa ajuda.

Já quis ser Deus. Mas esse querer se restringiu à mísera partícula que sou dele. A verdade é que podemos muito sendo essa centelha na imensidão, mas egoístas demais é preciso esmero cuidadoso nessa prática de ser Deus e mudar tudo. Tem que ter muito talento para tal. Cuidar de si, de todos os outros e de todo o planeta e universo? Meu Deus! Essa tarefa deixa pra Ele! É altruísmo demais para os dons que me destes!

Eu queria ser um desses... Loucos que amam sem se preocupar se estão ferindo demais a própria alma. A pele cicatriza. A alma leva tudo para sempre! Casaria uma centena de vezes. Amaria muitos ao mesmo tempo! Porém, garantiria intensidade exclusiva no sempre do instante. Amo a paixão e sinto que seu combustível é imprescindível para fazer valer a pena. Se pudesse ter direito às certezas, se pudesse escolher uma só certeza, a primeira e última seria essa: é preciso estar apaixonado. Quero ser resumo extenso!

Pode ser que eu seja mesmo um louco. Nunca quis planejar nada! Sempre deixei acontecer. Poderia pegar a estrada agora. Poderia ficar sozinho. Quero música na cabeça. Quero inspiração nos dedos e transpiração nos sovacos. Cheiro as rosas, despedaço os girassóis, jogo fora os cigarros e devoro os chocolates. Peço silêncio! Sossego os calos das mãos e passo desodorante sem perfume. Sinto o mundo. 

Percebo a minha respiração. Todo rio vai dar no mar. Mais cedo ou mais tarde... Todo rio vai desaguar no mar. Quero ser rio, sem querer ser mar. Quero ser mar para deixar de ser rio. Quero é rir disso tudo... Não há tempo a perder! 

 

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Laço branco

sábado, 07 de março de 2020

Laços. Criar laços para além do cadarço ou do nó da gravata. Desamarrar para desarmar o espírito, o peito e a atitude cruel. Fechar o laço do vestido ou o laço que segura o cabelo. Laços invisíveis - brancos da paz que confronta a tal paz dos cemitérios. Paz vívida e festeira que celebra a existência com alegria e abundância. Pacto. Pela paz que liberta – liberdade. Pela paz que permanece – igualdade.

Laços. Criar laços para além do cadarço ou do nó da gravata. Desamarrar para desarmar o espírito, o peito e a atitude cruel. Fechar o laço do vestido ou o laço que segura o cabelo. Laços invisíveis - brancos da paz que confronta a tal paz dos cemitérios. Paz vívida e festeira que celebra a existência com alegria e abundância. Pacto. Pela paz que liberta – liberdade. Pela paz que permanece – igualdade.

Homem! Põe a mão na consciência e olha para trás. A história não te ensinou? Suas convicções machistas são tão démodé. Ela não é sua propriedade. A sabedoria dela não merece a fogueira. Ela pode tudo o que ela quiser, no lugar que ela quiser, no tempo dela. Você não tem autoridade sobre ela. Foi do ventre de uma delas que você veio. Como ousa desrespeitar alguém semelhante à sua mãe? Percebe que ela tem os mesmos direitos que você. Aceita a força que ela tem e deixa a sensibilidade delas se dedicar a esse caos que você criou. Faz laço branco na sua consciência e dá a mão há quem já despertou para esse novo mundo mais igual que quer e precisa se estabelecer.

Mulher! Aceita sua força e seu destino de amazona. Impede o assédio moral e físico e denuncia sem dó ou piedade. Você merece o mundo e nada menos do que isso. Plenitude e felicidade. Mergulha na intenção da igualdade e lute cotidianamente por esse lugar seu. Se ame mais do que supõe amá-lo e não aceite desaforo, piada fingida de branda ou brincadeira. Não! Ele não pode tudo. Ele não pode nada! Nada contra a sua vontade. Seja quem é, faça o que quer fazer. As regras para o seu corpo são suas. A forma de se vestir, se maquiar ou não, tem a ver com seu bem estar e de mais ninguém. Sinta-se. Permita-se. Empodere-se.

Chega de preconceito. De machismo. De violência. De feminicídio. De oposição ao feminismo. Basta de ignorância! De morte em vida. De tortura. De assédio. De mulher defendendo machismo. De machistas já temos muitos brutos burros aos montes que precisam aprender o respeito.

Laço branco. Em fita de papel, pano, couro para aniquilar a invisibilidade que grita para ser vista. Laço desmaterializado para mobilizar essa paz que há de ser alcançada antes dos sonhos desarticulados do paraíso longínquo. Não estamos no inferno, rechacemos o purgatório para fazer daqui um lugar sem penitências e assim mais humano e feliz. 

Laço branco pelos homens para as mulheres. Pelas mulheres para as mulheres. De todos para o feminino.

 

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Aula de escola de samba

sábado, 22 de fevereiro de 2020

Ainda muito criança, quando mal sabia adequar as cores aos desenhos, já me encantava com o colorido que pintava as avenidas no carnaval. Lembro que minha tia levava a mim e meus irmãos para a Alberto Braune para assistir aos desfiles, pequeninos, no meio da multidão. As alegorias, as fantasias, aquela gente toda me causava grande fascínio.

Ainda muito criança, quando mal sabia adequar as cores aos desenhos, já me encantava com o colorido que pintava as avenidas no carnaval. Lembro que minha tia levava a mim e meus irmãos para a Alberto Braune para assistir aos desfiles, pequeninos, no meio da multidão. As alegorias, as fantasias, aquela gente toda me causava grande fascínio.

Gostava também de folhear jornais. Meu pai acumulava muitos exemplares para forrar os tapetes do seu velho, já àquela época, Chevette 74. Vendo as fotos dos desfiles do Rio, logo me deparei com uma que me chamou a atenção mais do que as demais. No retrato, uma água azul e branco. Na pressão de torcer para um time de futebol, um partido político, uma escola de samba, logo perguntei à minha mãe: que escola é essa? 

Mesmo antes da resposta, me convenci: é para essa que eu vou torcer! Ela me respondeu: Portela. Nunca mais esse nome e aquelas cores saíram da minha mente. Desde então, acompanho a Portela e cada vez que ela entra na avenida, choro de emoção.

Aqui em Nova Friburgo, essa pressão de torcer por uma escola de samba, não me pegou. E, isso não é para fugir da raia, não! Meus primeiros anos de vida foram no Perissê, bem perto da quadra da Unidos da Saudade. Depois mudei para Olaria, com meus quatro anos... Lá, morei até a minha adolescência. Quando criança, me fascinava o carro alegórico que trazia o Zé Carioca. Mas não podia torcer para aquela escola, porque não era a do meu bairro. 

Depois, me mudei para o Floresta e a confusão se fez. Ou seja, passei pelos ninhos da Saudade, da Imperatriz e do Alunão. Mas o que me encanta é a águia da Portela, símbolo da Vilage. Então, mesmo não tendo morado perto da Verde e Branco me sinto autorizado a torcer por ela – também. 

Confesso, para não parecer que sou de ficar em cima do muro, que cada ano torço para aquela em que tenho mais amigos ou que tem o samba mais bonito. Já passei apuração com o coração batendo mais forte por cada uma das quatro.

Celebro a escola de samba como escola da vida. Dando seu banho de cultura com verdadeira aula, palestra, seja qual for o enredo que traga. Ensinamento, protesto, destaque para detalhes que muitas das vezes passam despercebidos no ensino colegial e na própria caminhada da vida. Verdadeiras teses construídas por gente muito simples, não raro até semianalfabetas. 

Na costura da saia da baiana, no adereço da comissão de frente, nas alegorias de esculturas com ou sem efeitos especiais. No samba-enredo. Na paradinha da bateria. Tudo vibra. Tudo canta. Tudo se complementa e todos são iguais, com a mesma importância. Nessa simplicidade envolta de luxúria e criatividade, antagônicos se misturam e se respeitam no sentido de ensinar no grito do povo que liberdade não tem preço e que axé e fé são a mesma coisa. 

E, como aprendemos que “mais vale um jegue que me carregue, do que um camelo que me derrube lá no Ceará”. Pois carnaval tem história para gente grande dormir, no compasso necessário da crítica social.  

 

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Meu carnaval do ano inteiro

sábado, 15 de fevereiro de 2020

Eu esperava até que a espera se desfez em pleno carnaval. E o carnaval daquele fevereiro durou o ano inteiro e mais outro e mais outro. Mas todo carnaval tem seu fim, como diz a música. Carnavalesco, mesmo dos melhores, tem seu tempo, sua fase de criatividade cessada, para quem sabe recuperá-la novamente com novos estilos e inovação. Não é o mundo contemporâneo que cobra inovação o tempo todo. O mundo sempre espera por inovação, mesmo antes de ter inventado o pão. Talvez seja mais algo humano do que divino. Reinvenção se confunde com aperfeiçoamento e nem sempre significa evolução.

Eu esperava até que a espera se desfez em pleno carnaval. E o carnaval daquele fevereiro durou o ano inteiro e mais outro e mais outro. Mas todo carnaval tem seu fim, como diz a música. Carnavalesco, mesmo dos melhores, tem seu tempo, sua fase de criatividade cessada, para quem sabe recuperá-la novamente com novos estilos e inovação. Não é o mundo contemporâneo que cobra inovação o tempo todo. O mundo sempre espera por inovação, mesmo antes de ter inventado o pão. Talvez seja mais algo humano do que divino. Reinvenção se confunde com aperfeiçoamento e nem sempre significa evolução.

Talvez seja bom ficar na paradinha da bateria. Em silêncio. Para compreender tanto quanto sentir falta desse agito que o Bumbum Paticumbum Prugurundum faz dentro da gente. A bateria do coração com passistas fazendo festa em cada válvula desse órgão que, na minha imaginação poética, mora a alma.       

No carnaval do cotidiano a fantasia dá lugar ao jeans e à camisa de botão. Prefiro a camisa simples de malha com pouca estampa. A fantasia descolore, tanto quanto as alegorias são renegadas às fotos que se tornam nostalgias para carnavais futuros que sempre pedem mais e mais intermináveis efeitos e coreografias.

O carnaval de fevereiro é exceção no ano. Uma bem vinda exceção. Exceção que a gente pede para se estender pelo ano inteiro. Mas esse tal de dia a dia é de altos e baixos. Perdemos décimos em harmonia. Outros quesitos também se tornam vulneráveis à medida que o desfile se estende. O erro só se esgota quando o portão se fecha e o desfile acaba. Há de se ter notas máximas? Quem não desfila, não erra. Bom passista, nunca quer que o desfile se encerre, por mais que a euforia esconda o cansaço.

Renovar a mesmice requer mais entrega do que talento, mais vontade do que disposição. Porque é o motivo que nos move e a paixão é o combustível para que mergulhemos nesse colorido que encanta a arquibancada. Mas na vida há de se ter desprendimento para fazer um desfile feliz, mais do que apenas técnico. Posto que o que marca quem desfila é cantar e compartilhar-se com quem canta ao lado, mais do que apenas agradar público e jurados.

A escola é a vida e seu pavilhão é como o sentido de existir. Mas a existência só é leve quando temos a experiência de cuidar do que se cativa e elevar o sentimento ao amor. Só o amor é capaz de fazer o carnaval durar o ano inteiro. Não esse carnaval que termina nos blocos de horas e horas ou nos beijos que se distribuem a quem sequer sabe o nome. 

O carnaval que se faz sob o teto de casa, do céu de cada uma das quatro estações. O carnaval que cria intimidade e descobre tempo depois que cumplicidade e companheirismo são mais importantes que a própria intimidade que pode apenas constituir-se em carência.

Que comece novo carnaval... O novo é entusiasmante. Mas lealdade à quarta-feira de cinzas, pois luto fantasiado falseia a verdadeira vontade de começar novo desfile... De começar de novo. Para viver novo enredo, desde a sua concepção, à escolha de seus sons, fantasias, alegorias e adereços. Suas verdades.

 

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Um encontro com Alegria

sábado, 08 de fevereiro de 2020

Acolhei os refugiados

Perguntei à Alegria: você sabe cantar? Ela respondeu que não. Perguntei então se sabia sorrir. Apesar de mostrar os dentes, branquíssimos como o leite, também disse não. Alegria não sabia sorrir. O que mais me encanta é que mesmo sem saber sorrir e cantar, ainda assim Alegria sorri e canta. Apesar de todas as adversidades, as crianças, mesmo sem saber, sorriem e cantam.

Acolhei os refugiados

Perguntei à Alegria: você sabe cantar? Ela respondeu que não. Perguntei então se sabia sorrir. Apesar de mostrar os dentes, branquíssimos como o leite, também disse não. Alegria não sabia sorrir. O que mais me encanta é que mesmo sem saber sorrir e cantar, ainda assim Alegria sorri e canta. Apesar de todas as adversidades, as crianças, mesmo sem saber, sorriem e cantam.

Alegria aqui não é o estado de espírito. É o nome de uma linda menina, negra, aproximadamente 5 anos e que não nasceu no Brasil. Ela está bem longe de casa - o Congo. Sua trajetória, apesar de pequena, ficou na sua terra, junto com a história de seus ancestrais. Separadas pelo imenso Oceano Atlântico, a mais de sete mil quilômetros de distância. Seu lar há de ser aqui, sem que ela se sinta ainda no seu lugar.

Alegria não queria deixar sua terra. Fugiu da guerra de lá e foi acolhida na batalha de cá. É uma entre os mais de 20 mil refugiados que moram no Brasil. Esse país de imensas desigualdades e de braços nem sempre tão abertos. Mas se olharmos para trás, não tão para trás assim... 

Não somos muito diferentes dos refugiados de hoje. Não precisa ser antropólogo para saber que os invasores, em sua maioria, eram pessoas muito pobres de Portugal que queriam vir para cá atrás de terras e oportunidades. Os invasores de outras nacionalidades, idem. Os convidados, também. 

Não pensem que nossos suíços do Morro Queimado eram donos de chocolaterias ou de fábricas de relógio e canivetes. Eram refugiados do clima, como admitido recentemente pelo governo suíço, considerando aqueles suíços de 1820, como os primeiros refugiados tal qual conhecemos hoje. 

Os únicos que não eram refugiados eram os escravos, justamente o povo que ainda hoje tem na pele as marcas do atraso da burguesia brasileira e que - até a maioria que nunca foi e jamais será burguês - pega emprestado, prosperando o preconceito que nenhuma prosperidade traz. 

No entanto, nessa análise histórica, dou apenas pincelada afim de evitar erros e confio o tema à credibilidade do professor Rodrigo Marreto.

Assim, o tempo e Alegria nos ensinam que devemos acolher os refugiados. Não importa se não são brasileiros. Tampouco importa se são congaleses, angolanos, sírios ou haitianos. São todos seres humanos. Com o mesmo sangue avermelhado. Independente de nacionalidades, somos irmãos! As fronteiras devem ser apenas linhas imaginárias para o estudo da geografia. 

Confesso a dificuldade de compreender o preconceito. Já acreditei ser fruto da burrice, mas suas raízes estão muito mais nos intelectuais que inventam teorias de superioridade e encontram na estupidez o propagar de suas arrogâncias. Nada muito diferente do que Jesus Cristo passou. Afinal, o homem santo nunca teve muitos problemas com os pseudos pecadores, mas sim com os religiosos de seu tempo.

Talvez, eu nunca mais encontre a pequena Alegria. Espero que ela possa encontrar alegria ao ter lar nesse lugar ou que um dia possa voltar ao seu país e viver com os seus em paz. Que cada mulher e homem, velho ou criança, forçado a deixar o seu país, possa ser acolhido e reconstruir sua vida como os venezuelanos de Nova Friburgo e encontrar alguma alegria aqui. 

 

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Se essa curva falasse...

sábado, 01 de fevereiro de 2020

A última curva de uma cidade. Aquela que descortina novos lugares ou simplesmente outro lugar... Quantos segredos guarda, quantos sentimentos grava, tantas histórias que narra... Suspiros de realização e dever cumprido ou puramente desistência daquilo que a força exterminada obrigou se entregar. Saudade daquilo que acabou de se tornar memória. Ansiedade pelo que está por vir. Chegando ou deixando, a última curva é também a primeira.

A última curva de uma cidade. Aquela que descortina novos lugares ou simplesmente outro lugar... Quantos segredos guarda, quantos sentimentos grava, tantas histórias que narra... Suspiros de realização e dever cumprido ou puramente desistência daquilo que a força exterminada obrigou se entregar. Saudade daquilo que acabou de se tornar memória. Ansiedade pelo que está por vir. Chegando ou deixando, a última curva é também a primeira.

Se essa curva falasse tudo o que capta... Livro de muitos recortes diversos que nos contam sobre a vida. A vida, essa história de pessoas reais e com realidades fantasiadas de sonhos. Gente que busca e é buscada pelo amor, pela raiva, pela emoção, pela lógica, pela razão e por todos os extremos que fazem o outro extremo existir. Seduzidos, nos rendemos ou nos permitimos seduzir e assumir o fictício controle do tempo.

Como poeta, é piegas brincar com as palavras que se contradizem, mas como humano é inevitável trafegar entre os contrários que nos definem e escrevem a nossa jornada. Escolhemos. A todo instante fazemos escolhas minúsculas que podem ou não nos levar decisões maiores. Nossas escolhas são responsabilidade exclusiva de nós mesmos. E aprendemos ferindo e se ferindo. 

Mas é preciso consciência de que viver sob júri não nos faz crescer. Aceitar nossas imperfeições afim de evoluir é melhor do que condenar e se condenar. Nesse modo de afirmação do viver, a curva ainda que perigosa, se torna mais suave e passamos por ela com menos desapego.

E nessa curva tem adeuses solitários, outros felizes, tantos quantos doídos. É tão singular. Adeuses decididos e outros repletos de receios. Por mais que se assemelhem, são muito exclusivos. Adeuses obrigados sem direito a deliberação própria - acontecem. Porque a vida nos empurra mesmo, como aquele coleguinha de escola que acha esse tipo de brincadeira, divertido. E nos surpreendemos porque sabemos superar, de um jeito ou de outro. 

E, nessa curva tem chegadas igualmente como os adeuses... Solitárias, felizes, doídas, decididas, obrigadas... Por mais que planejemos, há acasos, surpresas agradáveis e também inoportunamente desagradáveis. Há de se conviver com o leque do inimaginável. Estamos aí... Pode chover ou fazer sol, isso quando ambos não vêm juntos.  

E no fim, a curva apenas representa a possibilidade de encontrar e se encontrar nesse mundo tão enorme de pequenas, médias e grandes cidades. As vilas que desenhamos no peito e fazem mapa na alma. A curva – primeira e última - é apenas um marco de chegar e partir. Se essa curva falasse, ainda assim teríamos de experimentar por nós mesmos, pois, por mais que tenhamos o dom de ouvir, é preciso viver.    

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Volta pra casa...

sábado, 25 de janeiro de 2020

É estranho que já tenha acontecido outras vezes. Mas agora parece tudo tão diferente. Talvez não seja essa percepção de você estar ou não em casa. O que me chama a atenção é que meu coração te envia convite, porém você recusa. Mas também não é a recusa em si de um jogo de desafios inexistentes.

Deixei você ir, sem querer que você fosse. Podia ter dito, mas não disse. Podia ter sido sincero para além da sinceridade que boia na superfície. Paralisado, falei seu nome para dentro sem que som algum pudesse reproduzir o sentimento em mim.   

É estranho que já tenha acontecido outras vezes. Mas agora parece tudo tão diferente. Talvez não seja essa percepção de você estar ou não em casa. O que me chama a atenção é que meu coração te envia convite, porém você recusa. Mas também não é a recusa em si de um jogo de desafios inexistentes.

Deixei você ir, sem querer que você fosse. Podia ter dito, mas não disse. Podia ter sido sincero para além da sinceridade que boia na superfície. Paralisado, falei seu nome para dentro sem que som algum pudesse reproduzir o sentimento em mim.   

Sei que errei (todos nós erramos), tanto quanto sei que não posso prometer que não errarei de novo. Talvez eu erre e não é porque queira errar. Sabe, sou meio imaturo e estou aprendendo. Engraçado que nunca precisei aprender a te amar. Agora, estou precisando aprender os caminhos para te encontrar, me reencontrar.

É besteira a exatidão de prever que terminaremos juntos ou não no fim. O que é o fim? Não quero que o fim seja essa tristeza que experimento agora. Falta sentido. Na autoterapia que faço, descubro que quero cuidar de você e que quero que cuide de mim. Não apenas nos dias chatos de gripe ou de cansaço do trabalho, mas que nos cuidemos um do outro nos dias de sol feliz e sorriso. Como seu sorriso poderia me fazer chorar? É a falta dele! Porque lembranças em retratos desbotam.     

Perdido pelo silêncio dos insetos lá de fora, o sono vem, mas não consigo dormir. Embriagado pela sobriedade, me arrependo de ter-me permitido embrutecer. Fiz muralha para as minhas fragilidades e as ocultando me feri por dentro. Machuquei você. Fiz ponte para os meus desejos e acabei afogado rio abaixo. Entorpeci você.

É estranha essa ausência. Já tive a sua falta pela distância de cidades, mas nunca senti essa distância entre ruas que parecem planetas. Fiquei na Via-Láctea, enquanto você é exoplaneta. Esqueci-me do que eu mesmo cultivei.

Enquanto te quero feliz, preciso te chamar para ser feliz comigo. Sinto a minha arrogância em ser como o filho da puta da música do Cazuza e tenho vontade de abandonar o palco e deixar de fazer show. Ser simples como café na mesa e não todo dia na cama. Ser real, como a intimidade que só nós dois temos.

É isso: minha intimidade está lacrada de novo e sinto imensamente por tê-la interditado. Só você tem a chave para quebrar essas correntes. Você é a festa, mas é tudo o que não é música também. Você é a calmaria, mas todo tumulto percebido e não percebido também. Você é tudo o que veio e que não pode ir com você, porque em verdade tudo de você ficou. 

A grande cama já não é mais necessária. Vou dormir no chão. Pelo menos até você voltar para casa, seja jogando online um com o outro à distância, seja na quietude de um olhando para o outro, frente a frente, antes de dormir.   

Afinal, amor pra sempre se faz é no dia a dia. Até que dia?

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Clarice

sábado, 18 de janeiro de 2020

"Sou composta por urgências: minhas alegrias são intensas; minhas tristezas, absolutas. Me entupo de ausências, me esvazio de excessos. Eu não caibo no estreito, eu só vivo nos extremos." Ela adora Clarice Lispector ao ponto de tomar para si as palavras da escritora. E ela é assim mesmo, impaciente, intensa, nunca indiferente. Não chega a ser extremista, mas largaria farmácia por gastronomia. 

"Sou composta por urgências: minhas alegrias são intensas; minhas tristezas, absolutas. Me entupo de ausências, me esvazio de excessos. Eu não caibo no estreito, eu só vivo nos extremos." Ela adora Clarice Lispector ao ponto de tomar para si as palavras da escritora. E ela é assim mesmo, impaciente, intensa, nunca indiferente. Não chega a ser extremista, mas largaria farmácia por gastronomia. 

É, pode ser que ela seja um pouco extremista, daquele tipo raro que vai de uma ponta a outra só para perseguir os seus sonhos. Se preciso for, ela vai aonde tiver que ir, como um cometa que sabe por onde percorrer, mas que não distingue bem os planetas que visita. 

É lindo vê-la sonhar, viajar de Mercúrio a Plutão na sua nave de devaneios. É triste vê-la pousar na Terra para andar no chão. Guerreira, não desiste e se não pode voar então corre, às vezes meio que tropeçando, mas a acompanho para ser a segurança que ela precisa, ainda que não possa dar tudo que ela merece. Às vezes, tento ficar só espiando, mas é difícil assistir sem se intrometer. Às vezes, minhas intromissões são invasivas, mas você que ama alguém, me entende...   

É uma mulher que sabe o que quer, acima de tudo chorar desenfreadamente quando incompreendida e gargalhar ininterruptamente vendo seriado americano. É o mais próximo que há de uma versão feminina minha: exagerada, apaixonada, mesmo que apenas por alguns segundos. Tem medo de amar, ou melhor, tem receio de mostrar que ama. Ela ama mais do que ninguém, mas se protege em sua armadura de pétalas de rosa.

Como crescem rápido... Há pouco a tinha em meu colo, bebê fofinho, tão fofinho que enrugava. Criança chata que fazia todos os irmãos apanharem por causa dela. Cheguei um dia a achar que ela era do mal. Respondona, abusada e manhosa. Inteligente, detalhista e medrosa. Tornou-se a minha melhor amiga.

Sabe tudo de mim, todos os meus segredos e expectativas. Ainda estou descobrindo os dela, até porque ela ainda está descobrindo também. Quando desvenda, sou um dos primeiros a saber e essa cumplicidade é que nos faz bons irmãos, grandes amigos ainda que nos estapeemos vez em quando com palavras que machucam, produto da raiva momentânea ou da indiferença inexistente.

Ela é doce quando quer ser, mas sabe ser ácida como ninguém. Minha irmã é a típica virginiana. Dizem que os virginianos são meu paraíso astral, mas como sabem ser chatos. Mas, minha vida, meus dias são chatos sem as chatices dela. Ela, por fim não é cometa nem nada extraterrestre, é minha irmãzinha que protejo como um pai protege um filho, como um melhor amigo devota admiração e esforço em busca de fazer feliz aquele que ama.

Ela é feita de urgências. Seus desejos são uma ordem. É intensa e extrapola beleza de parar a rua. Ah, Deus!!! Por que tem que ser assim? Ela é assim, de qualidades e defeitos perturbantes e mesmo que Clarice Lispector nunca a tenha conhecido, ninguém a define melhor, ainda que Clarice estivesse se auto definindo: 

“Talvez eu tenha que chamar de ‘mundo’ esse meu modo de ser um pouco de tudo.” 

Ainda que minha irmã não se chame Clarice, as duas eram muito iguais, talvez nem tanto ou talvez todos tenham de fato um pouco de Clarice em si. O que eu sei é que minha irmã é admitidamente a eterna procura que me faz encontrar tudo o que um irmão busca em uma irmã. 

 

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