Um encontro com Alegria

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 08 de fevereiro de 2020

Acolhei os refugiados

Perguntei à Alegria: você sabe cantar? Ela respondeu que não. Perguntei então se sabia sorrir. Apesar de mostrar os dentes, branquíssimos como o leite, também disse não. Alegria não sabia sorrir. O que mais me encanta é que mesmo sem saber sorrir e cantar, ainda assim Alegria sorri e canta. Apesar de todas as adversidades, as crianças, mesmo sem saber, sorriem e cantam.

Alegria aqui não é o estado de espírito. É o nome de uma linda menina, negra, aproximadamente 5 anos e que não nasceu no Brasil. Ela está bem longe de casa - o Congo. Sua trajetória, apesar de pequena, ficou na sua terra, junto com a história de seus ancestrais. Separadas pelo imenso Oceano Atlântico, a mais de sete mil quilômetros de distância. Seu lar há de ser aqui, sem que ela se sinta ainda no seu lugar.

Alegria não queria deixar sua terra. Fugiu da guerra de lá e foi acolhida na batalha de cá. É uma entre os mais de 20 mil refugiados que moram no Brasil. Esse país de imensas desigualdades e de braços nem sempre tão abertos. Mas se olharmos para trás, não tão para trás assim... 

Não somos muito diferentes dos refugiados de hoje. Não precisa ser antropólogo para saber que os invasores, em sua maioria, eram pessoas muito pobres de Portugal que queriam vir para cá atrás de terras e oportunidades. Os invasores de outras nacionalidades, idem. Os convidados, também. 

Não pensem que nossos suíços do Morro Queimado eram donos de chocolaterias ou de fábricas de relógio e canivetes. Eram refugiados do clima, como admitido recentemente pelo governo suíço, considerando aqueles suíços de 1820, como os primeiros refugiados tal qual conhecemos hoje. 

Os únicos que não eram refugiados eram os escravos, justamente o povo que ainda hoje tem na pele as marcas do atraso da burguesia brasileira e que - até a maioria que nunca foi e jamais será burguês - pega emprestado, prosperando o preconceito que nenhuma prosperidade traz. 

No entanto, nessa análise histórica, dou apenas pincelada afim de evitar erros e confio o tema à credibilidade do professor Rodrigo Marreto.

Assim, o tempo e Alegria nos ensinam que devemos acolher os refugiados. Não importa se não são brasileiros. Tampouco importa se são congaleses, angolanos, sírios ou haitianos. São todos seres humanos. Com o mesmo sangue avermelhado. Independente de nacionalidades, somos irmãos! As fronteiras devem ser apenas linhas imaginárias para o estudo da geografia. 

Confesso a dificuldade de compreender o preconceito. Já acreditei ser fruto da burrice, mas suas raízes estão muito mais nos intelectuais que inventam teorias de superioridade e encontram na estupidez o propagar de suas arrogâncias. Nada muito diferente do que Jesus Cristo passou. Afinal, o homem santo nunca teve muitos problemas com os pseudos pecadores, mas sim com os religiosos de seu tempo.

Talvez, eu nunca mais encontre a pequena Alegria. Espero que ela possa encontrar alegria ao ter lar nesse lugar ou que um dia possa voltar ao seu país e viver com os seus em paz. Que cada mulher e homem, velho ou criança, forçado a deixar o seu país, possa ser acolhido e reconstruir sua vida como os venezuelanos de Nova Friburgo e encontrar alguma alegria aqui. 

 

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