Clarice

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 18 de janeiro de 2020

"Sou composta por urgências: minhas alegrias são intensas; minhas tristezas, absolutas. Me entupo de ausências, me esvazio de excessos. Eu não caibo no estreito, eu só vivo nos extremos." Ela adora Clarice Lispector ao ponto de tomar para si as palavras da escritora. E ela é assim mesmo, impaciente, intensa, nunca indiferente. Não chega a ser extremista, mas largaria farmácia por gastronomia. 

É, pode ser que ela seja um pouco extremista, daquele tipo raro que vai de uma ponta a outra só para perseguir os seus sonhos. Se preciso for, ela vai aonde tiver que ir, como um cometa que sabe por onde percorrer, mas que não distingue bem os planetas que visita. 

É lindo vê-la sonhar, viajar de Mercúrio a Plutão na sua nave de devaneios. É triste vê-la pousar na Terra para andar no chão. Guerreira, não desiste e se não pode voar então corre, às vezes meio que tropeçando, mas a acompanho para ser a segurança que ela precisa, ainda que não possa dar tudo que ela merece. Às vezes, tento ficar só espiando, mas é difícil assistir sem se intrometer. Às vezes, minhas intromissões são invasivas, mas você que ama alguém, me entende...   

É uma mulher que sabe o que quer, acima de tudo chorar desenfreadamente quando incompreendida e gargalhar ininterruptamente vendo seriado americano. É o mais próximo que há de uma versão feminina minha: exagerada, apaixonada, mesmo que apenas por alguns segundos. Tem medo de amar, ou melhor, tem receio de mostrar que ama. Ela ama mais do que ninguém, mas se protege em sua armadura de pétalas de rosa.

Como crescem rápido... Há pouco a tinha em meu colo, bebê fofinho, tão fofinho que enrugava. Criança chata que fazia todos os irmãos apanharem por causa dela. Cheguei um dia a achar que ela era do mal. Respondona, abusada e manhosa. Inteligente, detalhista e medrosa. Tornou-se a minha melhor amiga.

Sabe tudo de mim, todos os meus segredos e expectativas. Ainda estou descobrindo os dela, até porque ela ainda está descobrindo também. Quando desvenda, sou um dos primeiros a saber e essa cumplicidade é que nos faz bons irmãos, grandes amigos ainda que nos estapeemos vez em quando com palavras que machucam, produto da raiva momentânea ou da indiferença inexistente.

Ela é doce quando quer ser, mas sabe ser ácida como ninguém. Minha irmã é a típica virginiana. Dizem que os virginianos são meu paraíso astral, mas como sabem ser chatos. Mas, minha vida, meus dias são chatos sem as chatices dela. Ela, por fim não é cometa nem nada extraterrestre, é minha irmãzinha que protejo como um pai protege um filho, como um melhor amigo devota admiração e esforço em busca de fazer feliz aquele que ama.

Ela é feita de urgências. Seus desejos são uma ordem. É intensa e extrapola beleza de parar a rua. Ah, Deus!!! Por que tem que ser assim? Ela é assim, de qualidades e defeitos perturbantes e mesmo que Clarice Lispector nunca a tenha conhecido, ninguém a define melhor, ainda que Clarice estivesse se auto definindo: 

“Talvez eu tenha que chamar de ‘mundo’ esse meu modo de ser um pouco de tudo.” 

Ainda que minha irmã não se chame Clarice, as duas eram muito iguais, talvez nem tanto ou talvez todos tenham de fato um pouco de Clarice em si. O que eu sei é que minha irmã é admitidamente a eterna procura que me faz encontrar tudo o que um irmão busca em uma irmã. 

 

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