Blog de palavreando_27591

O pão da vida

sábado, 10 de julho de 2021

Somos massa e alma. Somos recheio e ar. Somos fermento e propósito. Ainda que a vida e toda vida tenha uma jornada comum como premissa – nascer, crescer, envelhecer e fatalmente morrer – não há receita para viver. Os recipientes em que se colocam os ingredientes que escolhemos, com suas respectivas medidas, até podem ter semelhança. Porém, assim como os próprios ingredientes, a ordem em que os adicionamos, a forma de misturá-los, o tempo de descanso e maturação irão nos diferenciar a todos nós, sem exceção. 

Somos massa e alma. Somos recheio e ar. Somos fermento e propósito. Ainda que a vida e toda vida tenha uma jornada comum como premissa – nascer, crescer, envelhecer e fatalmente morrer – não há receita para viver. Os recipientes em que se colocam os ingredientes que escolhemos, com suas respectivas medidas, até podem ter semelhança. Porém, assim como os próprios ingredientes, a ordem em que os adicionamos, a forma de misturá-los, o tempo de descanso e maturação irão nos diferenciar a todos nós, sem exceção. 

Por pequenos detalhes e mesmo em brutais coincidências, o resultado que somos, cada um de nós, é único, inimitável, inigualável. Somos mais diversos que os pães expostos nas prateleiras das mais inusitadas padarias de todo o mundo. Se o destino é um drama com enredo de comédia, a gente tem o poder de escolher muita coisa. Nossas escolhas nos definem, nos dão forma, casca e crosta. E não há problema algum esfarelar e se reinventar, ser diferente do que se planejou, ao ponto que o fim de cada um de nós é desmaterializar para voltar ao pó. 

Na arte dos verbos, empregamos sujeito e predicado. No íntimo dos adjetivos, flutua nossa alma... A alma, imperiosa ainda que oculta, é essa essência que nos faz acreditar que o trigo vire massa e massa se torne pão. Nosso esforço, no entanto, nunca é em vão, pois por mais que não se ganhe feito, nossas escolhas alimentam.         

Vamos apanhar para crescer. Vamos precisar de fermento para prosperar. Necessitaremos de descanso para se encontrar. Seremos moldados pelos encantos e desencantos que os caminhos nos dão, mesmo aqueles que não percebemos. Vamos ter que paralisar para tomar ar. Seguiremos pedintes por alegorias que nos enfeitem e, de vez em quando, na percepção dos sabores, simplesmente trocaremos de cores. Será importante o calor dos abraços ou mesmo o aperto de mão que nos gera a expectativa para sermos acolhidos por essa grande casa quente que é o coração. Singularmente, também seremos fornos para bronzear e dar camada aos que se achegarem.

Aquecidos, podemos sair antes do ponto. Podemos ficar um pouco mais ou se muito mais até se queimar. Alma não tem tato, ainda que possua seis sentidos. E o sentido da vida está em sentir, mais do que apenas fatias de pão e copo d´água. 

Há quem tenha fome de barriga cheia. Há quem procure, procure e jamais encontre o que procura. Não porque não tenha o privilégio de encontrar, mas sem peito aberto, a visão fica nebulosa e o coração acaba subestimado ao estômago. Não basta ter propósito. É fundamental permanente atenção, construção e desconstrução. A felicidade pode ser simples, mas aceitá-la requer certa coragem empática. Afirmar é mais firme do que passar a vida toda se negando a permissão de ser o pão que se pode ser.  

Assim, o amor - esse sonho menos enjoativo que a guloseima de confeitaria - é mais humano do que divino. Mora no companheirismo do café da manhã, mesmo para quem não tem o hábito de comer pela manhã. A alma – esse sobrenatural mais espantoso que a massa crescida após ser batida e descansada – é mais nossa do que do céu ou do inferno. Reside na sabedoria do experimentar e respeitar a si e à toda diversidade em volta, sem julgar e julgar a si próprio. Não há conselho melhor do que se escutar e fazer o que te faz brilhar os olhos. Mas a receita, é exclusivamente sua.           

         

 

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(Foto: Pexels)
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Céus de inverno

sábado, 03 de julho de 2021

Essa é mais uma entra tantas declarações de amor. Já disse que te amei no bom dia, já falei que me fascinei por todas as suas luas, já revelei que me apaixono sempre que cruzo a última curva da serra, já garanti que não te abandonaria por absolutamente nada, pois nada é capaz de abalar o meu amor por você. 

E ainda que coloque tais memórias no tempo passado, sigo te amando no bom dia, me fascinando por seus luares, me apaixonando de novo e de novo a cada vez que passo pela última curva da serra que me transpõe ao paraíso, segue teimoso esse amor inabalável por você. 

Essa é mais uma entra tantas declarações de amor. Já disse que te amei no bom dia, já falei que me fascinei por todas as suas luas, já revelei que me apaixono sempre que cruzo a última curva da serra, já garanti que não te abandonaria por absolutamente nada, pois nada é capaz de abalar o meu amor por você. 

E ainda que coloque tais memórias no tempo passado, sigo te amando no bom dia, me fascinando por seus luares, me apaixonando de novo e de novo a cada vez que passo pela última curva da serra que me transpõe ao paraíso, segue teimoso esse amor inabalável por você. 

O tempo passado, é na verdade, uma tentativa de sublinhar que nosso amor não vem de hoje. Vem antes, bem antes das pedras do Caledônia se formarem e do Bengalas existir. Parece que já disse quase tudo sobre essa relação, mesmo quando afirmei que faltava algo por dizer. E faltava e continuará faltando mesmo depois de mais uma, duas, três, quantas forem necessárias, infinitas declarações de amor. 

Exagerado, né? 

Mas não é exagero o amor que sinto por você e todo amor que me causa os seus céus de inverno. Azuis, rosados, vermelhos. De arco íris e dos múltiplos tons celestes de cores que não sei o nome. Recortando flores de cerejeiras e rosas de diversas famílias. Destacando a silhueta de suas montanhas, as de maior estatura e as de menor estatura também. 

O espanto de seus nevoeiros em meios às folhagens recebendo as mais puras gotas de orvalho. As suas temperaturas baixas que caem ao fim de cada tarde com o sol que se põe na pressa de dar lugar às estrelas e aos planetas acima de nós.    

De todos os céus de inverno, o seu é o mais bonito. E, esse fascínio poético, em parte, é construção de versos que você mesmo escreve com as centelhas de seu cotidiano. Faíscas que se elevam nos passos de sua gente pelas suas ruas e avenidas, nos piqueniques de seus parques, ou no simples descanso dos seus filhos nos bancos de suas praças. 

E você sempre surpreende a cada anoitecer, e você sempre se supera a cada amanhecer. No inverno e nas outras estações. Porque, de todos os céus de todas as estações, o seu é o mais bonito.

Prazeroso é sentir o mundo girar e, de repente - mesmo na grita do tempo - paralisar a velocidade, se desobrigar a correr só para se perder na observação de seu céu sobre nós. Teto iluminado que rejuvenesce as almas atentas às suas belezas. 

Se uma lágrima de emoção inunda os olhos, a liberto. Pois, enquanto escrevo esse texto, o sorriso não me cai dos lábios por duas percepções nítidas: uma é que por mais que eu me declare, você e o mundo jamais vão compreender o tamanho do meu amor por você. A outra é que por você não envelhecer – afinal, seu próprio nome é Nova - eu também não envelheço e sigo entusiasmado como adolescente em sua primeira paixão.     

As duas percepções nítidas, somadas a tantas outras, me levam, no entanto, a uma irrevogável comprovação: de todos os céus, o seu - Nova Friburgo - é o mais bonito. 

 

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(Foto: Alan Andrade/Arquivo AVS)
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São João, abençoa nossa cidade

sábado, 26 de junho de 2021

Voz que clama no deserto se faz ecoar pelos belos vales e montanhas da morada que fica no topo da serra. Faz os filhos desse lugar percebermos que temos o mais difícil: a natureza. 

De tudo mais, com integridade, inteligência, ousadia e vontade é possível construir. No entanto, lembra-nos que é preciso cuidar da natureza, regenerar aquilo que os antepassados e os gananciosos de hoje vêm destruindo sem qualquer preocupação com a sustentabilidade que garantirá aos próximos o amanhã. 

Voz que clama no deserto se faz ecoar pelos belos vales e montanhas da morada que fica no topo da serra. Faz os filhos desse lugar percebermos que temos o mais difícil: a natureza. 

De tudo mais, com integridade, inteligência, ousadia e vontade é possível construir. No entanto, lembra-nos que é preciso cuidar da natureza, regenerar aquilo que os antepassados e os gananciosos de hoje vêm destruindo sem qualquer preocupação com a sustentabilidade que garantirá aos próximos o amanhã. 

Toca o coração desses friburguenses para que pensem nos filhos e netos e os que virão depois de seus bisnetos e tataranetos. É preciso preservar. Nos mantém atentos de que é necessário sonhar e trabalhar, pois nada cai do céu. 

Anuncia ao nosso povo a jornada de primeiro mártir da Igreja e do último dos profetas. Nessa caminhada pelo deserto de nós mesmos, nos faz encontrar o irmão e defender a coletividade. Nos inspira pelos seus passos a ter visão ética, a olhar para além das montanhas, a encontrar a força que nos guia: a fé. 

Fé acima da esperança que faz traçar planos e nos permite ir. Nos faz entender a importância de saber aonde se quer chegar e que nos concedamos missão maior do que a nossa imaginação possa criar.

João, que o anjo que anunciou seu nascimento, anuncie nosso renascimento para uma cidade mais justa, mais solidária, mais humana. Livre dos preconceitos, livre das amarras que a aprisionam em passado escravocrata. Batiza nossos corações para que rompam em luz e tamanha luminosidade faça desse lugar bom exemplo para o Brasil e para o mundo.

Batista, não peço para que nos faça primeiros, mas que não sejamos mais os últimos. Nos vacine de todo rancor, desrespeito, extremismo e de todo mal que nos separa. Que a vacina nos una em bem, que venha rápido e faça efeito ligeiro para que nenhum filho dessa cidade morra por falta de leito e atendimento. 

Que não mais lamentemos as tantas mortes evitáveis que alimentam números que têm nome, sobrenome, histórias, famílias, vizinhos e amigos. Não deixe ninguém esquecer disso. Lembre-nos sempre que quando um dos nossos cai, toda cidade se derrete.

João Batista, nos curvamos à sua pregação de amor e perdão. Nos ame e nos perdoe por nossas faltas. Que possamos transportar seu amor para os nossos e para os filhos friburguenses que não enxergamos. 

Que seu anúncio da chegada do Messias nos recorde sempre que o Messias não tem arma na mão, que o Messias é a boa nova e boa nova é a vida, e, vida em abundância. Que o batismo do Messias pelas suas mãos mostre a essa cidade que cristão não segrega – acolhe.

São João Batista... Que o sino de sua catedral ecoe do Catete à Riograndina, de Riograndina a toda Conselheiro, de cada morro de Conselheiro aos morros de Olaria, de Olaria ao Caledônia, do Caledônia a São Lourenço, de São Lourenço à Conquista, de Conquista a São Geraldo, de São Geraldo à Chácara, da Chácara a Amparo, de Amparo a Lumiar, de Lumiar a Theodoro, de Theodoro a Ponte da Saudade, da Saudade ao Cordoeira e por todo Centro até tocar cada friburguense com sua benção e que essa benção se realize na Nova Friburgo que merece ser para sua gente que precisa saber: merece muito mais do que tem tido.

São João, abençoa nossa cidade!

 

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(Foto: Henrique Pinheiro)
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Lições da flor de cerejeira

sexta-feira, 18 de junho de 2021

Contam que a flor de cerejeira nasceu de uma princesa que despencou do céu. Até hoje é apreciada, ainda que sua aparição dure pouquíssimos dias. Por existir por tão pouco tempo, é preciso olhar atento para não desperdiçar a chance de testemunhar tamanha beleza.

Nós, seres humanos, somos como a flor de cerejeira: frágeis, efêmeros, de inúmeras espécies diferentes, mas todas de natureza bela. Duramos muito menos do que gostaríamos, por isso deveríamos ter olhar sensível para os demais e para com nós mesmos. Apreciarmos de forma mais apurada a nossa essência. 

Contam que a flor de cerejeira nasceu de uma princesa que despencou do céu. Até hoje é apreciada, ainda que sua aparição dure pouquíssimos dias. Por existir por tão pouco tempo, é preciso olhar atento para não desperdiçar a chance de testemunhar tamanha beleza.

Nós, seres humanos, somos como a flor de cerejeira: frágeis, efêmeros, de inúmeras espécies diferentes, mas todas de natureza bela. Duramos muito menos do que gostaríamos, por isso deveríamos ter olhar sensível para os demais e para com nós mesmos. Apreciarmos de forma mais apurada a nossa essência. 

Somos pequenos milagres e todo milagre merece ser testemunhado ao ponto de ser compartilhado para o eterno. Não há outra maneira de experimentar a eternidade, a não ser, tendo a sua biografia estendida para além de sua própria existência.

A flor de cerejeira nos dá como lição algo que carregamos, desapercebidamente, dentro de nós mesmos: é preciso aproveitar ao máximo cada momento. O tempo escapa velozmente, e, se apenas passamos pelas horas como os ponteiros de um relógio, sequer experimentamos as estações. 

Nesse sentido, somos privilegiados, uma vez que a Sakura apenas floresce entre uma estação e outra, enquanto nós podemos florescer entre e em todas as estações. Ainda que o pressuposto de toda vida tenha como objetivo a felicidade, é também uma escolha recusar a oferta do destino.     

Dos samurais vem o lema: viver o presente sem medo. Os guerreiros japoneses aprenderam a praticar esse lema, observando a flora das cerejeiras. Como samurais, somos convidados a agir com o coração, para então compreender a força concedida pelo presente que é maior, mais certa e leal do que a intenção do futuro. Assim, menos ébrios pelo ego e pelos receios que nos plantam, podemos nos presentear com maior determinação em cumprir o desejo do universo: estamos aqui para muito mais do que só sobreviver.             

Podemos, então, nos comparar às flores de cerejeira. Somos como elas, passageiros. Carregamos, como elas, os elementos que constroem o amor, a renovação e a esperança. Somos prometidos a espalhar beleza, quiçá, encantamento. No entanto, uma flor solitária não causa o efeito que milhares provocam. Somos sementes nascidas das mesmas raízes. Florescemos pelos mesmos propósitos. Ou entendemos isso ou não compreenderemos a nossa responsabilidade para com o mundo. 

Efêmeras, nossas vidas são delicadas como a da princesa que despencou do céu para originar, a igualmente delicada, flor de cerejeira. Na vivacidade de sua beleza, a flor de cerejeira nos convoca à intensidade, mas é nossa temporalidade que nos demonstra que nossa história é um instante e instantes pedem o vigor que só os intensos se permitem. 

As lições da flor de cerejeira são, no fim e ao mesmo tempo, lições que podemos ensinar a nós mesmos, pelos mais autênticos reflexos de nossos próprios espelhos. Que seja intenso o seu brilho, mas que não cegue.  

 

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(Foto: Henrique Pinheiro)
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Abaixo a tolerância

sábado, 12 de junho de 2021

“Basta de intolerância e de tolerância como resposta à intolerância” (pode descatar)

Amor é amor e ponto. Por isso, é démodé demais essa de tolero. Amor não pede tolerância, quando tolerância é o contrário de intolerância. Amores não são para serem tolerados. São para serem admirados, respeitados, difundidos, consagrados, compartilhados para além dos livros, poemas e canções. Sem olhar a quem, ao par, a forma que tem, à soma que faz.

“Basta de intolerância e de tolerância como resposta à intolerância” (pode descatar)

Amor é amor e ponto. Por isso, é démodé demais essa de tolero. Amor não pede tolerância, quando tolerância é o contrário de intolerância. Amores não são para serem tolerados. São para serem admirados, respeitados, difundidos, consagrados, compartilhados para além dos livros, poemas e canções. Sem olhar a quem, ao par, a forma que tem, à soma que faz.

Ama-se porque se ama, sem porquês e longas explicações, sem regulamentos, porque amor não tem regramento ou proibições. Amar é permitido em premissa e, logo, nenhuma forma de amar pode ser censurada, escondida ou subtraída.

Há quem odeie o amor e é difícil entender como o amor, ainda mais o alheio, possa ser odiado. Invejado, se pondera. Desejado, também. Mas se alheio a si, como se pode odiar o amor que o outro sente? Não lhe diz respeito, mas os que odeiam chamam para si verdades e sentenças que não são suas, nem de ninguém. O amor não tem proprietário, societário ou qualquer outro termo que dê a quem quer que seja aval para ordenar ou mesmo dizer o que pode ou não pode. Todo amor pode tudo.    

Quantos amores deixam de existir ao se perceberem na necessidade de se esconder por medo? E ao não ter “permitida” a existência do amor da forma que amam acabam si mesmos não existindo. Não que não queiram, muito pelo contrário. Mas ao amor sabido e negado, negam a si próprios. 

Não há crime coletivo maior. Relegar-se, relegar o que sente a uma sobrevivência em vida anulada. Não estamos aqui para sobreviver e na luz do amor reconhecemos o quão abundante pode e deve ser a vida, o quão livre devem ser os nossos sentimentos. 

É cruel o preconceito. Mais cruel ainda os que vomitam curas, seja por desatualizada psicologia ou pela ainda mais falsa “fé”. O amor nunca foi doença e nunca será. O amor nunca foi desvio ou pecado. É cura, é redenção, inclusive para os que estão no pedestal de seus pseudomoralismos. É quando me lembro de resposta brilhante a um desses comentários contra a união homoafetiva. “Aceitar ou não o casamento entre pessoas do mesmo sexo é tarefa para quem foi pedido em casamento. Se você não é homossexual, pare de se sentir o noivo”.

Basta de intolerância e de tolerância como resposta à intolerância. O amor pede muito mais. Ninguém merece o travestido respeito ao que sente para ser tolerado. De condescendentes a fila para o inferno já está congestionada.

Que o amor seja plural como deve ser, sem coleção de porquês para justificá-lo. Amor não é justificativas ou procura por proteções jurídico legais.

Que aja respeito no seu âmago e motivos para torcer para a felicidade de todos os amores que se unem no dia a dia; que se beijam nas ruas; que dançam entre quatro paredes; que cantam nos jardins; que se revelam nos discos; que se declaram nos bilhetes de geladeira; que criam enredos nas mensagens de celular; que se vestem de fantasias na falta de roupa debaixo dos edredons; que se revigoram a cada carnaval; que inventam narrativas no jantar e que até brigam na proximidade de todos os décimos dias úteis de cada mês; que se reinventam na mesmice do cotidiano e que não se envergonham de amar porque amam e isso deveria bastar para ser aplaudido e aplaudir todos os homens que beijam mulheres, todas as meninas que beijam meninas, todos os rapazes que beijam rapazes e todas as junções possíveis e inimagináveis.

Cada um sabe o que lhe delicia e mais ninguém deve opinar, muito menos julgar o outro sobre o gosto que o outro tem. Afinal, amor é amor e ponto.

 

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Slackline

sábado, 05 de junho de 2021
Foto de capa

Estou tentando recuperar algumas coisas na vida. Velhos amigos e velhas histórias. Antigas paixões e antigos amores. É mais do que só lembrar ou rememorar passagens e momentos. Também não tenho a pretensão de vivenciá-los de novo, da mesma forma. Isso é impossível, mas mesmo que possível fosse, não é exatamente o que quero. O que quero é dar novas chances a episódios que pareciam esgotados. Há mais por experimentar. 

Estou tentando recuperar algumas coisas na vida. Velhos amigos e velhas histórias. Antigas paixões e antigos amores. É mais do que só lembrar ou rememorar passagens e momentos. Também não tenho a pretensão de vivenciá-los de novo, da mesma forma. Isso é impossível, mas mesmo que possível fosse, não é exatamente o que quero. O que quero é dar novas chances a episódios que pareciam esgotados. Há mais por experimentar. 

Estender um imenso varal com fotos de mesmos personagens, mas por novos ângulos. Trata-se disso: dar novas chances a mim mesmo. Não. Não estou mal. Nem sentimentalmente, nem filosoficamente. O psicológico vai bem. Maduro ainda que tal maturidade seja mais resultado da admissão de toda a minha imaturidade. Eu gosto de flertar entre esses contraditórios quase extremos para ver se fico mais equilibrado.  

Já tentei andar no slackline. Dou mais passos na vida sem me arrebentar no chão do que nas tais cordas amarradas entre uma árvore e outra. Deve ser a prática. Pode ser o medo. Mas se do chão não passa.... Penso. Ajo. Fujo. Do slackline. Da vida? Estou calejado ainda que cada vez mais fascinado. 

Entusiasmado, vez em quando acordo em meio a um pesadelo. Mas logo que desperto, o susto se esvai, ainda que a tensão do medo siga por uns minutos mais, alerta. Porém, o entusiasmo pela vida em seu tempo me faz ir. E vou. Vivendo as horas sem traduzi-las. Por vezes, entendo o que falam. Por vezes, parecem um chinês de sotaque russo. Querendo novidades novas e antigas também, eu vou. No idioma esperanto tanto fazer o mundo entender que eu gosto dele, ainda que o mundo seja como é.           

Se eu queria estar melhor? Sempre queremos. Não posso reclamar. Rio de mim mesmo e dos meus pretextos. Estou bem, saudável. Ainda que a morte torne necessidades em urgências, não tenho nem necessidades ou urgências. Mesmo ciente de minha alma inquieta. Mesmo convicto do ser nostálgico e ansioso que sou. Busco nessa linha elástica recuperar tudo isso que perdi ou nunca ganhei.

Entre uma árvore e outra há tanta vida, há tanto céu. O quanto posso olhar para trás? Talvez, melhor seja trazer o que ficou para trás sem intenções de acúmulos. Para não cair, a leveza é mais importante que a força e é da soma de ambos que o equilíbrio se faz vigente.

Você é de aventuras? Ao procurar respostas talvez faça da busca a própria aventura. Estou querendo recuperar alguns passos de balé. Nunca fui dançarino ou contorcionista. Deixo a vida conduzir os passos, desde que eu escolha a música. 

Tenho carregado fotos comigo de amigos que não vejo há tempos. Tenho sentido certas saudades de amores e paixões. Reverencio as suas belezas e o quanto me fizeram e ainda me fazem feliz. Não tenho coleções para além dos álbuns de figurinhas de chicletes de quando eu era criança. 

Se eu pudesse parar no meio dessa corda bamba e ficar ali por alguns instantes, inerte aos mais fortes ventos, eu ficaria. Inebriado, seduzido pelo tempo paralisado com a vida correndo e pulsando em torno de tudo... 

Então, eu pularia. E mesmo que a menos de um metro e meio do chão, eu voaria. Voando, já não prezaria se sou eu no todo ou se é o todo em mim. Somos encontros e nada mais.      

 

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Ah, se eu soubesse…

sábado, 29 de maio de 2021
Foto de capa

Se eu soubesse ontem o que sei hoje, cometeria as mesmas besteiras ainda mais prazerosamente. Eu me entregaria ao delírio de errar ainda mais deliberadamente, sem compromisso com o arrependimento, sem o receio de pecar. Porque aprendi que julgar é para os juízes e, definitivamente, recuso o trabalho de sentenciar alguém, inclusive a mim mesmo. 

Se eu soubesse ontem o que sei hoje, cometeria as mesmas besteiras ainda mais prazerosamente. Eu me entregaria ao delírio de errar ainda mais deliberadamente, sem compromisso com o arrependimento, sem o receio de pecar. Porque aprendi que julgar é para os juízes e, definitivamente, recuso o trabalho de sentenciar alguém, inclusive a mim mesmo. 

De tudo que acumulei para saber o que sei hoje, o que mais me serve é a experiência de afirmar a vida. E só cheguei a esse grau de existência pelos amargores da autopunição, do medo, do remorso bobo. Hoje, sei que foi tudo isso que me tornou mais leve, mais festivo com os dias e menos desobrigado a ter que acertar. 

O que é certo, afinal? O certo não seria o contraponto ao erro? Mas o que é erro? Como saber o que é certo sem conhecer ou mesmo experimentar o erro? Esse dilema é uma falácia dos tempos contemporâneos que só alimentam a depressão e os laboratórios farmacêuticos ávidos por novas fórmulas que encarecem suas pílulas.

Eu? Tomo sorvete. Flocos, morango e pistache. Masco chiclete, porque não fumo, mas a fumaça do Malboro alheio não me incomoda. (Nem sei se ainda existe essa marca de cigarro). A maioria dos fumantes que conheço só traga Sampoerna. Quando criança, como dizia a propaganda, aprendi: “não fume, coma chocolate”. 

Se quiser fumar, eu fumo. Desaprenderia, mas prefiro mesmo chocolates. Apenas questão de gosto. Você tem o seu, eu tenho o meu. Apitar futebol fica para o árbitro. Eu prefiro xingar das arquibancadas, comemorar o gol ou chorar a derrota. Seja o resultado que for, tenho pretexto para tomar um chope para chorar as mágoas ou celebrar a conquista.

Evoluir não é pendurar diplomas na parede. O letramento não está apenas nas academias científicas. As ruas estão repletas de professores, os encontros são verdadeiras universidades, nossas vivências nos ensinam alfabetos e equações, cujas fórmulas muitas das vezes não são passíveis de regras reaplicáveis. 

Cada um escreve a sua, por mais que a experiência do outro possa nos orientar. Observação e empatia são emblemas para se carregar no peito, independente da camisa que vista. 

Viver é o que temos. A forma como viver – escolhemos. E não importa ter escolhas diferentes. Por que só ir até Florianópolis se podemos esticar até Buenos Aires? 

O direito de mudar acompanha o dever de contemplar e entre supostos direitos e deveres, ninguém pode cassar a liberdade de ser o que se é e de se reinventar. Até ser palhaço, quando o mundo pede de nós circo. Mas jamais ser palhaço apenas por ego. 

Se eu soubesse ontem o que sei hoje, seria tudo muito parecido e não arriscaria voltar no tempo, se pudesse, para fazer escolhas diferentes. Apenas tiraria dos ombros todo peso imaginário. Não iria mais decisivo ou menos incisivo, apenas seria como fui para chegar a quem sou hoje. Eu me divirto mais.  

Experimentar a serenidade é uma dádiva cujos sabores podem até escapar da língua, mas jamais da alma. Toda essa confusão lá fora seguirá a persistir. A lida com isso é que não gera mais em mim combustão conflitante.

Se explodir, sou foguete rumo ao pouso numa estrela qualquer, com passagem de volta... Porque com o que sei hoje, não dá para esquecer ou negar toda beleza que existe cá.                 

 

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Todo fim de amor é infinito

sábado, 22 de maio de 2021
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Um coração vazio só é vazio porque sabe o que é ser habitado. A presença de outrora de morador é que faz perceber a ausência que causa. Causas são o que faz o coração pulsar, a alma se encantar e os sonhos terem sentimento. É o que desperta, mesmo aquilo que está disperso e que na confusão dos átomos nos permite ser: sujeito da própria história que invade e se deixa ser tomado por outras histórias. Faz sentido?

Um coração vazio só é vazio porque sabe o que é ser habitado. A presença de outrora de morador é que faz perceber a ausência que causa. Causas são o que faz o coração pulsar, a alma se encantar e os sonhos terem sentimento. É o que desperta, mesmo aquilo que está disperso e que na confusão dos átomos nos permite ser: sujeito da própria história que invade e se deixa ser tomado por outras histórias. Faz sentido?

Todo dia morre a mãe de alguém, mas só uma vez para si mesmo. Todo dia um amor acaba e é o fim que faz esse amor ser infinito. Nenhum amor tem a pretensão de ser infinito com esse roteiro. Mas, talvez, os amores só sejam mesmo infinitos na admissão de sua finitude. Pudera ser apenas admitir, dar de ombros e seguir de mãos dadas, laços amarrados, pensamentos conectados. Pudera a vida ser para sempre e que nenhuma mãe morresse. 

Antes das coisas existirem, muitas outras existiam. Talvez seja essa a sacada do universo. De algum lugar partimos para essa aventura de bilhões e bilhões de anos. 

Tantas transformações, evoluções, previsíveis ou não. Tantas invenções, reinvenções, naturais ou não. Tantas chegadas e também despedidas. O infinito é mesmo um sujeito - se é que se pode dizer que é um sujeito - sarcástico desgraçado que na sua comicidade reverencia o fim para poder nascer e existir. É a lei da selva, é a lei da vida. 

Todo mundo morre antes da hora: os bons porque ainda têm que fazer mais bem e os maus porque precisam de mais tempo para se regenerar. Na necessidade de ambos, é certo de que os dois poderiam mais se tivessem mais tempo. Já não sei se o tempo é o bobo da corte ou se o infinito é rei charlatão. Quanta brincadeira de mau gosto. 

Mas não nego que o infinito é busca tão bonita, até cair o seu disfarce. A finitude derruba nossas fantasias, intimida nossas certezas ao ponto de aniquilá-las. É possível driblar? Se o amor não é infinito, seu fim é. Porém, registre que é no medo que a gente se veste de coragem.

Ainda fabricam caixinhas de música? Seria audácia encomendar uma réplica daquelas do século XIX? Gostaria que seus cilindros pudessem reproduzir o som poético de Johann Pachelbel, Canon in D Major. Que o som dessa caixinha de música invada o espaço, silencie os satélites e permita ao amor a ousadia de enganar esse tal infinito que mora no fim. Não quero o fim de nada. 

Brindo à liberdade dos começos. Oro pela extensão, por toda extensão, que estende o fim ao ponto de não temer, tampouco o reconhecer, para continuar. 

E, ainda na mesma melodia, vislumbrar o sol do meio-dia iluminando o Sul e o Norte. Desfeito do coração virgem, caminhar pelo centro dos dois (Sul e Norte) e se permitir - ainda que em doce sonho - romper a lógica de que o infinito nasce do fim. 

Beijar as mãos dessa contemplação, olhar o brilho da lua futura e prometer amor eterno, pois o eterno há de ser mais longevo do que o infinito.          

 

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Confissões de um sonhador

sábado, 15 de maio de 2021
Foto de capa
(Foto: Regina Lo Bianco)

Nada, absolutamente nada é capaz de diminuir o amor e o orgulho que tenho de Nova Friburgo. É amor ingênuo, quase infantil. É encantamento permanente. Ser friburguense é a melhor e maior de todas as minhas vaidades. Talvez, de fato, a única boa vaidade que alguém pode ter. 

Assim, ser friburguense é a única vaidade da qual não me desfaço, mesmo que os guardiões da moral digam que é pecado. Se pecado for, então serei pecador convicto que afirma, reafirma e insiste em cometer, deliberada e conscientemente, seu pecado. Pecadores assim têm direito a pedir licença. 

Nada, absolutamente nada é capaz de diminuir o amor e o orgulho que tenho de Nova Friburgo. É amor ingênuo, quase infantil. É encantamento permanente. Ser friburguense é a melhor e maior de todas as minhas vaidades. Talvez, de fato, a única boa vaidade que alguém pode ter. 

Assim, ser friburguense é a única vaidade da qual não me desfaço, mesmo que os guardiões da moral digam que é pecado. Se pecado for, então serei pecador convicto que afirma, reafirma e insiste em cometer, deliberada e conscientemente, seu pecado. Pecadores assim têm direito a pedir licença. 

Então, peço licença para fazer uma confissão. Confissão, para além do que faria no divã, ao meu psicanalista. Confissão para mim mesmo. Para desgarrar isso que sinto no peito e publicizar sem medo de ser taxado humano demais ou omisso de menos. Confissão de quem perdeu, mas não perde a essência do que sonha. 

Quem fala aqui não é o jornalista. O jornalista também, pois não escondo minha profissão. Tenho orgulho de exercê-la. Mas a confissão é de quem ainda não teve o sonho eleito como cidadão. Confesso que doeu. Não foi perder a eleição em si para prefeito da minha cidade que me doeu. Doeu foi ver o sonho dilacerado. Doeu ver derreter tudo que se vivenciou e se preparou para chegar a esse momento. Nunca me apeguei apenas às boas intenções.

Desde cedo, aprendi que não basta ter boas intenções. É preciso preparo, vivência e sensibilidade. Doeu muito estar certo de que a crise imposta pela pandemia e pelo acúmulo dos anos de retrocessos deveria ser enfrentada pelo projeto de cidade que pensamos. Sou mesmo acelerado. E o que mais seguimos necessitando é de aceleração. Com objetivos claros. Planejamento.

Com união da nossa história com o presente, o futuro e todos aqueles que reconhecem a necessidade de ousar. Sem eleger inimigos para esconder incoerências ou incompetência. Por isso, doeu ver essa defesa de união derrotada pelo silêncio de templos que espalharam fake news e destilaram preconceitos. Doeu ver evaporar o chão do menino que, antes mesmo de saber ler e escreer, queria ser prefeito da sua cidade. 

Mas Deus, na sua poderosa forma de nos fazer entender, confessa a mim: “seu sonho nunca foi ser prefeito. Seu sonho sempre foi ser o melhor prefeito da história da sua cidade”. Confesso que de fato meu sonho nunca foi ser prefeito, mas ser o melhor de todos os tempos. Confesso que perdi, mas não me perdi de mim mesmo e nem perdi o que Deus me relembra.

Perder, portanto, me deu muito também. É preciso se preparar ainda mais. Sentir, experimentar, estudar, vivenciar. É preciso separar o joio do trigo. Sonhei e ainda sonho com uma cidade criativa que modernize sua gestão e inove. Vislumbrei e ainda vislumbro uma cidade sustentável que não só transforme lixo e esgoto em energia, mas que não polua, que seja mais ecológica, inclusive mentalmente. 

Desejei e ainda desejo uma cidade acelerada que comece a acontecer de imediato, no agora, e, resolva problemas cotidianos com a pressa que as pessoas merecem. Projetei e ainda projeto uma cidade inclusiva, uma cidade educadora que devolva todo o seu potencial aos seus donos – cada um de nós. Parafraseando Darcy [Ribeiro, antropólogo], confesso que odiaria estar ao lado dos que me venceram.

Sou sonhador. Por convicção. Bebo doses de realidade para ficar um pouco mais ébrio dessas verdades nuas e cruas. Sou um fracasso na velha e na tal nova cartilha política, porque não sei mentir e tenho minhas convicções e sonhos em constante processo evolutivo. 

Não forjo política de técnica, nem técnica de política. Não as desassocio, pela natural impossibilidade de separá-las do humano. Não sei usar as pessoas e nem me permito me aproveitar das suas fés. 

Vencido pelos mentirosos de discursos aguerridos e práticas no mínimo dispersas, concordo com as milícias digitais que me atacam: sou um perdedor, mas um perdedor orgulhoso e torno a dizer que jamais me vangloriaria em estar ao lado deles. 

Que sejam eles os vencedores, se esse é o jogo. Digam que é dor de cotovelo perante a ausência de argumentos menos sórdidos. Pois, não sou de crença, sou de ciência. De ciência e fé. 

Uma e outra, ciência e fé, reforçam que minha vaidade maior é ser friburguense moldado por esses típicos e raros amores que moram na categoria dos inabaláveis. 

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A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

Exceção e princípio

sábado, 08 de maio de 2021
Foto de capa
(Foto: Freepik)

Otimista por natureza, acreditei que nos tornaríamos mais humanos com todo esse impacto que nos causa a pandemia. Observador por experiência, evidencia-se que não. Não melhoramos nada. Quiçá, pioramos. Nós, seres humanos, evoluímos constantemente, e, creio nisso. Mas evoluímos tão lentamente quanto o Big Bang. 

Chego a me perguntar se nós, seres humanos, somos realmente bons. Será que nossa evolução nos leva a ser mais egoístas? Será que nosso gene é esse? Será que esses impactos que aceleram formas de ver e viver a vida nos tornam ainda mais individualistas? 

Otimista por natureza, acreditei que nos tornaríamos mais humanos com todo esse impacto que nos causa a pandemia. Observador por experiência, evidencia-se que não. Não melhoramos nada. Quiçá, pioramos. Nós, seres humanos, evoluímos constantemente, e, creio nisso. Mas evoluímos tão lentamente quanto o Big Bang. 

Chego a me perguntar se nós, seres humanos, somos realmente bons. Será que nossa evolução nos leva a ser mais egoístas? Será que nosso gene é esse? Será que esses impactos que aceleram formas de ver e viver a vida nos tornam ainda mais individualistas? 

Não sei se é melhor ter as respostas ou se é mais adequado sequer fazer tais perguntas. Estamos perdendo como cidade, como sociedade, como humanidade, como mundo. E, não estamos perdendo para o vírus que nos assola e nos mata. Estamos perdendo por nós mesmos e para nós mesmos. 

Imagine um grande pano branco com um ponto preto. Você vai perceber muito mais aquele ponto escuro do que todo o branco em volta. Assim, o mal (exceção) sempre é destaque em meio a toda bondade existente. 

Tenho tentado mais do que nunca enxergar dessa forma. Praticar a vida percebendo todo o bem que existe, sem ignorar o mal, mas também sem permitir que ele seja o destaque de tudo. Mas nesses tempos tão reveladores, de tanta insanidade coletiva, já começo a ver invertido: o bem como exceção e esse ponto mínimo envolto pela negação em um mar de aberração. Onde foi que nos perdemos?

Naturalizamos a morte. Elegemos os vilões errados e damos título de herói à psicopatia pagã travestida de Messias. Invertemos valores e usamos as religiões para desenhar um Cristo que jamais estaria fazendo arminha com a mão. Sobra religiosidade preconceituosa e intercessores manipuladores que dizem ter mais poder para falar com Deus. Falta espiritualidade. 

No modismo da disputa de narrativas e verdades, a maior mentira é a de que sobreviver é o bastante, de que estamos aqui para sofrer, enquanto uns esbanjam. Pais das desigualdades fazendo bilhões de filhos da desumanidade. Diz o menino que tem fome: “E ainda querem me chamar de humanidade?”

Eu não quero exagerar, ainda que esteja exagerada a minha sensibilidade que chora ao ver a flor crescer no pequeno jardim da minha janela. Queria que todos pudessem ter uma janela para chamar de sua. 

Observo e experimento a empatia, ainda que eu jamais saiba a dor que o outro sente. No rosto esgotado da técnica em enfermagem me surpreendo e vendo um conjunto delas no hospital desestruturado torno a perceber que o mal é exceção. 

Minha natureza otimista prefere não olhar para as ruas lá de fora. Mas, se me distraio, relativizo que talvez só seja ânsia por uma normalidade demorada em demasia a nos brindar de novo. Inspirações não faltam para nos reinventarmos como humanidade. 

Não quero e não podemos perder a esperança. 

É música o som das palmas para quem sai de um hospital após dias de luta contra a Covid-19. É canção triste o silêncio que se faz na UTI por aquele corpo que não cantará mais. Em meio aos números – vidas perdidas afetando outras tantas vidas que terão dificuldades de encontrar sentido. Estamos nas últimas como humanidade. 

Não adianta gritar por salvação, pedir por milagres. Basta falar bem baixo, para si mesmo, para se ouvir: a salvação está dentro. Dentro de nós mesmos. Lamento não bastar a cada um de si mesmo. Depende de cada um de nós, da união de tantos de cada um de nós. Somos a humanidade cujo bem é princípio e não exceção.  

 

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