Meu carnaval do ano inteiro

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 15 de fevereiro de 2020

Eu esperava até que a espera se desfez em pleno carnaval. E o carnaval daquele fevereiro durou o ano inteiro e mais outro e mais outro. Mas todo carnaval tem seu fim, como diz a música. Carnavalesco, mesmo dos melhores, tem seu tempo, sua fase de criatividade cessada, para quem sabe recuperá-la novamente com novos estilos e inovação. Não é o mundo contemporâneo que cobra inovação o tempo todo. O mundo sempre espera por inovação, mesmo antes de ter inventado o pão. Talvez seja mais algo humano do que divino. Reinvenção se confunde com aperfeiçoamento e nem sempre significa evolução.

Talvez seja bom ficar na paradinha da bateria. Em silêncio. Para compreender tanto quanto sentir falta desse agito que o Bumbum Paticumbum Prugurundum faz dentro da gente. A bateria do coração com passistas fazendo festa em cada válvula desse órgão que, na minha imaginação poética, mora a alma.       

No carnaval do cotidiano a fantasia dá lugar ao jeans e à camisa de botão. Prefiro a camisa simples de malha com pouca estampa. A fantasia descolore, tanto quanto as alegorias são renegadas às fotos que se tornam nostalgias para carnavais futuros que sempre pedem mais e mais intermináveis efeitos e coreografias.

O carnaval de fevereiro é exceção no ano. Uma bem vinda exceção. Exceção que a gente pede para se estender pelo ano inteiro. Mas esse tal de dia a dia é de altos e baixos. Perdemos décimos em harmonia. Outros quesitos também se tornam vulneráveis à medida que o desfile se estende. O erro só se esgota quando o portão se fecha e o desfile acaba. Há de se ter notas máximas? Quem não desfila, não erra. Bom passista, nunca quer que o desfile se encerre, por mais que a euforia esconda o cansaço.

Renovar a mesmice requer mais entrega do que talento, mais vontade do que disposição. Porque é o motivo que nos move e a paixão é o combustível para que mergulhemos nesse colorido que encanta a arquibancada. Mas na vida há de se ter desprendimento para fazer um desfile feliz, mais do que apenas técnico. Posto que o que marca quem desfila é cantar e compartilhar-se com quem canta ao lado, mais do que apenas agradar público e jurados.

A escola é a vida e seu pavilhão é como o sentido de existir. Mas a existência só é leve quando temos a experiência de cuidar do que se cativa e elevar o sentimento ao amor. Só o amor é capaz de fazer o carnaval durar o ano inteiro. Não esse carnaval que termina nos blocos de horas e horas ou nos beijos que se distribuem a quem sequer sabe o nome. 

O carnaval que se faz sob o teto de casa, do céu de cada uma das quatro estações. O carnaval que cria intimidade e descobre tempo depois que cumplicidade e companheirismo são mais importantes que a própria intimidade que pode apenas constituir-se em carência.

Que comece novo carnaval... O novo é entusiasmante. Mas lealdade à quarta-feira de cinzas, pois luto fantasiado falseia a verdadeira vontade de começar novo desfile... De começar de novo. Para viver novo enredo, desde a sua concepção, à escolha de seus sons, fantasias, alegorias e adereços. Suas verdades.

 

Publicidade
TAGS:

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.