Se essa curva falasse...

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 01 de fevereiro de 2020

A última curva de uma cidade. Aquela que descortina novos lugares ou simplesmente outro lugar... Quantos segredos guarda, quantos sentimentos grava, tantas histórias que narra... Suspiros de realização e dever cumprido ou puramente desistência daquilo que a força exterminada obrigou se entregar. Saudade daquilo que acabou de se tornar memória. Ansiedade pelo que está por vir. Chegando ou deixando, a última curva é também a primeira.

Se essa curva falasse tudo o que capta... Livro de muitos recortes diversos que nos contam sobre a vida. A vida, essa história de pessoas reais e com realidades fantasiadas de sonhos. Gente que busca e é buscada pelo amor, pela raiva, pela emoção, pela lógica, pela razão e por todos os extremos que fazem o outro extremo existir. Seduzidos, nos rendemos ou nos permitimos seduzir e assumir o fictício controle do tempo.

Como poeta, é piegas brincar com as palavras que se contradizem, mas como humano é inevitável trafegar entre os contrários que nos definem e escrevem a nossa jornada. Escolhemos. A todo instante fazemos escolhas minúsculas que podem ou não nos levar decisões maiores. Nossas escolhas são responsabilidade exclusiva de nós mesmos. E aprendemos ferindo e se ferindo. 

Mas é preciso consciência de que viver sob júri não nos faz crescer. Aceitar nossas imperfeições afim de evoluir é melhor do que condenar e se condenar. Nesse modo de afirmação do viver, a curva ainda que perigosa, se torna mais suave e passamos por ela com menos desapego.

E nessa curva tem adeuses solitários, outros felizes, tantos quantos doídos. É tão singular. Adeuses decididos e outros repletos de receios. Por mais que se assemelhem, são muito exclusivos. Adeuses obrigados sem direito a deliberação própria - acontecem. Porque a vida nos empurra mesmo, como aquele coleguinha de escola que acha esse tipo de brincadeira, divertido. E nos surpreendemos porque sabemos superar, de um jeito ou de outro. 

E, nessa curva tem chegadas igualmente como os adeuses... Solitárias, felizes, doídas, decididas, obrigadas... Por mais que planejemos, há acasos, surpresas agradáveis e também inoportunamente desagradáveis. Há de se conviver com o leque do inimaginável. Estamos aí... Pode chover ou fazer sol, isso quando ambos não vêm juntos.  

E no fim, a curva apenas representa a possibilidade de encontrar e se encontrar nesse mundo tão enorme de pequenas, médias e grandes cidades. As vilas que desenhamos no peito e fazem mapa na alma. A curva – primeira e última - é apenas um marco de chegar e partir. Se essa curva falasse, ainda assim teríamos de experimentar por nós mesmos, pois, por mais que tenhamos o dom de ouvir, é preciso viver.    

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