Lições da flor de cerejeira

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sexta-feira, 18 de junho de 2021

Contam que a flor de cerejeira nasceu de uma princesa que despencou do céu. Até hoje é apreciada, ainda que sua aparição dure pouquíssimos dias. Por existir por tão pouco tempo, é preciso olhar atento para não desperdiçar a chance de testemunhar tamanha beleza.

Nós, seres humanos, somos como a flor de cerejeira: frágeis, efêmeros, de inúmeras espécies diferentes, mas todas de natureza bela. Duramos muito menos do que gostaríamos, por isso deveríamos ter olhar sensível para os demais e para com nós mesmos. Apreciarmos de forma mais apurada a nossa essência. 

Somos pequenos milagres e todo milagre merece ser testemunhado ao ponto de ser compartilhado para o eterno. Não há outra maneira de experimentar a eternidade, a não ser, tendo a sua biografia estendida para além de sua própria existência.

A flor de cerejeira nos dá como lição algo que carregamos, desapercebidamente, dentro de nós mesmos: é preciso aproveitar ao máximo cada momento. O tempo escapa velozmente, e, se apenas passamos pelas horas como os ponteiros de um relógio, sequer experimentamos as estações. 

Nesse sentido, somos privilegiados, uma vez que a Sakura apenas floresce entre uma estação e outra, enquanto nós podemos florescer entre e em todas as estações. Ainda que o pressuposto de toda vida tenha como objetivo a felicidade, é também uma escolha recusar a oferta do destino.     

Dos samurais vem o lema: viver o presente sem medo. Os guerreiros japoneses aprenderam a praticar esse lema, observando a flora das cerejeiras. Como samurais, somos convidados a agir com o coração, para então compreender a força concedida pelo presente que é maior, mais certa e leal do que a intenção do futuro. Assim, menos ébrios pelo ego e pelos receios que nos plantam, podemos nos presentear com maior determinação em cumprir o desejo do universo: estamos aqui para muito mais do que só sobreviver.             

Podemos, então, nos comparar às flores de cerejeira. Somos como elas, passageiros. Carregamos, como elas, os elementos que constroem o amor, a renovação e a esperança. Somos prometidos a espalhar beleza, quiçá, encantamento. No entanto, uma flor solitária não causa o efeito que milhares provocam. Somos sementes nascidas das mesmas raízes. Florescemos pelos mesmos propósitos. Ou entendemos isso ou não compreenderemos a nossa responsabilidade para com o mundo. 

Efêmeras, nossas vidas são delicadas como a da princesa que despencou do céu para originar, a igualmente delicada, flor de cerejeira. Na vivacidade de sua beleza, a flor de cerejeira nos convoca à intensidade, mas é nossa temporalidade que nos demonstra que nossa história é um instante e instantes pedem o vigor que só os intensos se permitem. 

As lições da flor de cerejeira são, no fim e ao mesmo tempo, lições que podemos ensinar a nós mesmos, pelos mais autênticos reflexos de nossos próprios espelhos. Que seja intenso o seu brilho, mas que não cegue.  

 

Foto da galeria
(Foto: Henrique Pinheiro)
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