A literatura acolhe o leitor infantil em situações de desastres naturais

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 03 de junho de 2024

Ao acompanhar as notícias sobre as inundações do Rio Grande do Sul através das imagens, relatos e notícias, não parei de pensar em como a literatura infantil pode oferecer apoio às crianças que estão sofrendo as trágicas consequências.

O leitor infantil merece o nosso maior respeito. Ao construir textos para crianças, é nossa obrigação ter a ciência de que estamos escrevendo para um ser humano individual em processo de transformação, com inteireza afetiva característica de sua idade, inserido em contextos naturais, familiares, sociais, econômicos e culturais. As crianças possuem capacidade para interagir e sentem as consequências dos acontecimentos à sua volta, porém ainda com limitações cognitivas para compreender os fatos. 

As chuvas que inundaram o Rio Grande do Sul trouxeram destruição de parte do Estado e causaram imensa tragédia com mortos, feridos e desabrigados, com adultos e crianças que perderam familiares e moradias, além dos animais que ficaram desamparados ou sucumbiram.    

Como a literatura pode oferecer acolhimento às crianças vitimadas por desastres naturais e às que assistiram aos fatos de modo distanciado? 

A literatura infantil guarda o universo de histórias construídas com arte, riqueza de ideias e cuidados com a elaboração de uma linguagem possível de ser compreendida pelo leitor, que é uma pessoa com sensibilidade aflorada, mergulhada em uma realidade desconstruída que pode lhe cobrar maturidade imediata, como o ocorrido com crianças no Rio Grande do Sul. 

O texto literário possui vida pulsante, seja na empatia que o escritor tem pela humanidade e na responsabilidade que suas palavras irão colaborar para o viver de crianças, acolhendo-as em diferentes circunstâncias, inclusive nas mais difíceis. A literatura pulsa nos traços dos ilustradores que recontam histórias através de imagens. Pulsa nas mãos dos editores que produzem o livro e no leitor que decodifica cada palavra do texto, ao refletir sobre as mensagens e os fatos contados nas histórias. 

Neste momento, o leitor brasileiro infantil está vivendo ou assistindo a uma tragédia e, a cada instante, se depara com circunstâncias diversas e aniquilantes. É uma criança que sente necessidade de buscar respostas, compreender a natureza dos fatos, observar a ação do homem sobre o ambiente. Que lida com uma interminável quantidade de informações, muitas ainda indecifráveis. 

O grande valor da literatura que aborda desastres naturais está na esperança contida na capacidade de superação dos personagens. Além do que, ao ler, a criança conversa com o outro a respeito, quer seja adulto ou outro leitor. Também fala a respeito da sua experiência, reflete sobre as situações. Imagina. Tem contato com heróis. Enfim, o livro colabora para o reconhecimento do valor da vida e dos cuidados para com a natureza. 

Deixo, a seguir, uma sugestão de leitura: “Sagatrissuinorana”, de João Luiz Guimarães, ilustrado por Nelson Cruz e publicado pela Ôzé Editora, ganhador do prêmio Jabuti de melhor livro infantil em 2021. A história reconta a fábula dos Três Porquinhos, tendo como pano de fundo o rompimento das barragens em Minas Gerais. 

“O recato da terra chega quase sem aviso. E o que era história viva, urdida no sem-tempo da fábula, vira história morta, soterrada pela notícia. Às vezes, o homem pode ser o lobo do lobo.” (texto que faz parte da quarta capa do livro)

Também uma solicitação: vamos doar livros infantis e juvenis às escolas do Rio Grande do Sul.

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Tereza Cristina Malcher Campitelli

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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