Do concreto ao abstrato

Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 12 de julho de 2021

Ao produzir textos em literatura infantil, o escritor deve considerar, em primeira instância, a idade do leitor para o qual está escrevendo. É um cuidado especial, uma vez que o pensamento infantil se transforma na medida em que a criança cresce. Os processos evolutivos da construção do pensamento estão fundamentados na dialética sentir, pensar e agir, bem como na experiência quotidiana e individual.

Os adultos, de modo em geral, têm dificuldades para distinguir as diferenças entre o pensamento concreto e abstrato, além do que possuem pouco entendimento a respeito das capacidades cognitivas das crianças, que até os 12 ainda não estão prontas para apreender conceitos abstratos, como esperança e desilusão. Inclusive, o próprio adulto sente, por vezes, dificuldade para compreendê-los. Aliás, passamos a vida inteira aperfeiçoando nossos processos mentais.

As transformações cognitivas ao longo da infância provocam mudanças nos modos com que a criança se relaciona com as pessoas e interage com o ambiente. A dialética sentir, pensar e agir vai se tornando mais ampla com as experiências realizadas a cada etapa do crescimento, o que aumenta suas possibilidades de relacionamento e de interação. 

Há distinções entre as operações do pensamento concreto e do abstrato.

O pensamento concreto se desenvolve dos 7 aos 12 anos, quando a criança precisa da concretude dos fatos e da materialidade dos objetos, o que lhe permite compreendê-los e descrevê-los. Ou seja, é necessário que os objetos estejam presentes e os fatos façam parte da experiência imediata para que sejam percebidos através dos sentidos. Somente então, a partir destes processos perceptivos, a criança se torna capaz de estabelecer relações entre objetos, pessoas e fatos.

Vivenciei uma situação que pode exemplificar o pensamento concreto. Quando trabalhava como orientadora educacional com crianças de sete e oito anos em um colégio no Rio de Janeiro, as professoras me pediram para aprofundar a noção de tempo com elas, uma vez que não conseguiam realizar os exercícios no prazo previsto. Fiz algumas sessões de grupo em sala de aula, e as crianças, dispersas e agitadas, demonstravam dificuldades em abordar o assunto. Depois de três sessões, um menino se levantou e disse: preciso de um tempo pequeno para fazer xixi e de um maior para comer meu lanche. A partir de então, a turma conseguiu falar com maior desenvoltura sobre o tema.

A partir dos 12 anos, o pré-adolescente começa a elaborar o pensamento hipotético-dedutivo, quando as operações mentais requerem processos cognitivos mais complexos, que exigem associações de ideias e de sensações que vão além da materialidade dos objetos e da concretude dos fatos; suas capacidades cognitivas estabelecem relações entre os acontecimentos e as coisas sem precisar experimentá-las. Com a conquista do raciocínio abstrato, os adolescentes se tornam críticos, modificam os modos de interagir e de conviver. Querem experimentar o novo. 

 A literatura infanto-juvenil enriquece a experiência existencial da criança e do jovem. Entretanto, o livro tem que encantar o leitor, tocar em seus centros de interesse, e a leitura só se torna prazerosa quando está de acordo com as características da sua faixa etária. Um exemplo que posso apresentar é a do livro “O Pequeno Príncipe”. Certa vez, uma pessoa me disse que a cada etapa da sua vida apreendeu a leitura de uma forma, e só conseguiu compreender os sentidos do texto quando adolescente. E, até hoje, sempre que o relê, percebe um conceito mais profundo.

 O escritor infanto-juvenil deve pesquisar a respeito do desenvolvimento das habilidades cognitivas. Inclusive, se possível, ter acesso à obra de Piaget. Mesmo sendo um assunto de difícil entendimento, o autor não pode negligenciar esta complexa questão.

 

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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