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Assim não dá para continuar

segunda-feira, 30 de março de 2020

Faz tempo que li o Ponto de Mutação (1982), de Fritjof Capra, filósofo e
escritor austríaco. Também autor de O Tao da Física (1975). Eu me lembro
que, na época, o livro, bastante debatido pelas suas inéditas ideias, aborda as
mudanças intensas que o planeta vem sofrendo. Sua obra é influenciada pelo I
Ching, O Livro das Mutações, que descreve, através dos oráculos, a dinâmica
entre Yang e Yin. A força da energia de yang, o masculino e ativo, certamente
muito mal utilizada, construiu os métodos de dominação e exploração que

Faz tempo que li o Ponto de Mutação (1982), de Fritjof Capra, filósofo e
escritor austríaco. Também autor de O Tao da Física (1975). Eu me lembro
que, na época, o livro, bastante debatido pelas suas inéditas ideias, aborda as
mudanças intensas que o planeta vem sofrendo. Sua obra é influenciada pelo I
Ching, O Livro das Mutações, que descreve, através dos oráculos, a dinâmica
entre Yang e Yin. A força da energia de yang, o masculino e ativo, certamente
muito mal utilizada, construiu os métodos de dominação e exploração que
devastam o planeta e reprime o Yin, o feminino, criativo e intuitivo. Tal dinâmica
estruturou um modo de pensar que provocou o desmatamento, a poluição, a
escravidão humana e animal. O momento que vivemos hoje, marcado pela luta
do mundo contra um microscópico organismo, o coronavírus, o Covid 19, está
fazendo com que as cidades do planeta parem e as pessoas se recolham, é
decorrente deste modo de conceber a vida humana na Terra.
Mais do que nunca, acima de divergências políticas, interesses
econômicos e guerras, este minúsculo vírus exige uma ação conjunta de todos
os povos para eliminar a sua ação devastadora, que coloca em risco a
existência humana no planeta, principalmente a dos idosos.
A compreensão da vida requer uma perspectiva ampla. Entretanto, hoje,
este entendimento tende a ser simplificado e repartido. A força da modernidade
nos induz a tê-lo, mesmo que seus propósitos, veiculados pelos quatro cantos
da Terra, ainda possam ser divergentes desta premissa. O planeta, os povos, a
natureza são indissociáveis; tudo está intimamente interligado. Nada é
individualizado; tudo está suscetível à dinâmica do todo, fazendo-se necessário
conhecer profundamente as formas de existências físicas e naturais em sua
totalidade.
Hoje, caminhando pela mata, o pensamento de Capra me fez pensar nos
modos como a natureza vem preservando a vida há milhares de anos. A
natureza sabe proteger cada vida sua. É sábia quando a folha de uma árvore
não cai imediatamente no solo quando morre; há um tempo para se desprender
do galho e tombar no chão. Por sua vez, a terra a absorve, deixando-se

adubar. Os frutos são comidos pelos passarinhos, cujas sementes, através das
fezes, germinam o solo. Cada gota de orvalho umedece a terra, penetra no
solo e alimenta o lençol freático. As matas ciliares protegem os rios, enquanto
suas águas regam a vegetação que as protegem. O bater das asas de uma
borboleta interfere em todo o ambiente natural. Tudo tem sentido e harmonia.
A natureza é de uma imensa simplicidade. Porém conhecê-la decorre de
um saber sofisticado que tem por finalidade exercer interferências na política,
na economia e nos modos de viver dos povos. É um domínio intelectual que,
de todo e qualquer modo, tem de estar voltado para o bem-estar da população.
E nem sempre isso acontece.
A construção deste saber é responsabilidade das ciências. É dos
governantes o compromisso para com ações respeitosas, sejam políticas,
econômicas, ideológicas ou religiosas. Cabe a cada um dos habitantes da
Terra a preservação da vida, seja humana, animal e vegetal. Inclusive a dos
seres brutos, como as montanhas e rochas.
Infelizmente, a vida humana do planeta ainda não está educacionalmente
preparada para adequar-se à natureza que o acolhe. Certamente, este
momento será um aprendizado. Além de sofrido, custará a vida de muitos,
especialmente daqueles que ainda possuem uma experiência e um saber a
transmitir aos mais novos.
Inesperadamente, o momento de mutação invadiu os horizontes. Ao
admirar um passarinho pousar numa exuberante folha de uma samambaia do
mato, entendi que o surgimento deste vírus é mais uma sábia maneira da
natureza nos dizer que assim não dá para continuar.
Salve Fritjof Capra!

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A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

É tempo de mudar a roupa

terça-feira, 24 de março de 2020

A letra da música O Dia Em Que a Terra Parou, mesmo sendo veiculada pelos quatro cantos da internet, nos oferece motivos para refletir. Escrita em 1977, há 33 anos, Raul Seixas, por quem tenho admiração, principalmente pela inteligência e sagacidade, descreveu o momento em que vivemos, sem atribuir a um vírus, o COVID-19, a causa de fazer o mundo parar. Da criatividade à premonição, da vidência à profecia, não há como determinar porque nosso músico-poeta criou essa obra.

A letra da música O Dia Em Que a Terra Parou, mesmo sendo veiculada pelos quatro cantos da internet, nos oferece motivos para refletir. Escrita em 1977, há 33 anos, Raul Seixas, por quem tenho admiração, principalmente pela inteligência e sagacidade, descreveu o momento em que vivemos, sem atribuir a um vírus, o COVID-19, a causa de fazer o mundo parar. Da criatividade à premonição, da vidência à profecia, não há como determinar porque nosso músico-poeta criou essa obra.

Entretanto, a ideia de versatilidade me toma a atenção. Neste momento, em que todos precisam respeitar o isolamento social, ficando em suas casas, a pluralidade de interesses e de capacidades se tornam características relevantes à personalidade das pessoas.

Foi decidido que todos devem se aquietar em seu canto por um tempo, provavelmente longo. Fala-se em seis meses. Ou quatro. Que sejam três; de noventa a cento e oitenta dias. De 2.210 horas a 4.420 horas, mais precisamente. Ah, como será preciso buscar o bem-estar nesse tempo e encontrar formas de torná-lo útil. Não há receitas para sugerir o que as pessoas devem fazer; cada um tem de buscar outros modos de fazer o dia.  

Resolvi pesquisar em Freud algumas ideias, especificamente na obra O Mal-Estar na Civilização. A primeira que achei, em apenas o virar de uma página, foi a de que é saudável expandir a capacidade de observar o mundo que nos cerca; olhar para as estrelas, reparar no verde da natureza, até no formato das unhas das mãos. Tudo pode nos sugerir pontos de partida para o restabelecimento de uma rotina diferente.

Estamos acostumados com a ordem o que nos impele à repetição de hábitos; como, onde e quando as coisas devem ser feitas, evitando ao máximo as oscilações e hesitações. Estou acostumada a fazer o café numa cafeteira de ágata azul. Se não for exatamente nesta minha cafeteira, vou estranhar, a ponto de prejudicar o prazer que tenho em fazê-lo e saboreá-lo. 

A organização de vida em determinados padrões é benéfica, confortável e segura, além de poupar energias físicas e psíquicas. Quem gosta de lidar com dificuldades? A sociedade nos exige e nos educa para que não sejamos negligentes e que respeitemos modelos que prezam pela limpeza, pela beleza e pela organização. Imagine um saguão de um edifício comercial com quatro portas de elevador que transportam cem pessoas ou mais, num espaço de dez minutos. Se não houver filas organizadas, haverá o caos, empurra-empurra, brigas e outras situações estressantes.

Quem vai afirmar que as filas não são importantes? 

Entretanto, agora, com este vírus que pegou o mundo desprevenido, precisamos buscar outras formas de viver em nossos cantos. De fazer novas filas. Vamos reconfigurar este nosso lugar delimitado para passarmos um tempo. Além do que, teremos a oportunidade para descobrirmos um pouco melhor quem somos e como queremos viver os dias que temos pela frente.

Sei que será preciso ter abertura de pensamento e curiosidade aguçada para construirmos diferentes modos de colocar nossa vida em prática. Agora não é época para teorias e divagações. É, sim, um tempo de mudar a roupa. 

Deixo, para terminar, a letra da música do nosso Raul, O Dia em que a Terra Parou. Como todas suas obras, cada verso contém uma riqueza de ideias extravagantes. Mas a vida é assim.

 

Essa noite eu tive um sonho

De sonhador

Maluco que sou, eu sonhei

Com o dia em que a Terra parou

Com o dia em que a Terra parou

 

Foi assim

No dia em que todas as pessoas

Do planeta inteiro

Resolveram que ninguém ia sair de casa

Como se fosse combinado em todo

O planeta

Naquele dia, ninguém saiu de casa, ninguém

 

O empregado não saiu pro seu trabalho

Pois sabia que o patrão também não tava lá

Dona de casa não saiu pra comprar pão

Pois sabia que o padeiro também não tava lá

E o guarda não saiu pra prender

Pois sabia que o ladrão, também não tava lá

E o ladrão não saiu pra roubar

Pois sabia que não ia ter onde gastar

No dia em que a Terra parou (êê)

No dia em que a Terra parou (ôô)

No dia em que a Terra parou (ôô)

No dia em que a Terra parou

 

E nas igrejas nenhum sino a badalar

Pois sabia que os fiéis também não tavam lá

E os fiéis não saíram pra rezar

Pois sabiam que o padre também não tava lá

E o aluno não saiu pra estudar

Pois sabia que o professor também não tava lá

E o professor não saiu pra lecionar

Pois sabia que não tinha mais nada pra ensinar

 

No dia em que a Terra parou (ôôô)

No dia em que a Terra parou (ôôô)

No dia em que a Terra parou (uuu)

No dia em que a Terra parou

 

O comandante não saiu para o quartel

Pois sabia que o soldado também não tava lá

E o soldado não saiu pra ir pra guerra

Pois sabia que o inimigo também não tava lá

E o paciente não saiu pra se tratar

Pois sabia que o doutor também não tava lá

E o doutor não saiu pra medicar

Pois sabia que não tinha mais doença pra curar

 

No dia em que a Terra parou (oh, heah)

No dia em que a Terra parou (ôôô)

No dia em que a Terra parou (eu acordei)

No dia em que a Terra parou (acordei)

No dia em que a Terra parou (justamente)

No dia em que a Terra parou (eu não sonhei acordado)

No dia em que a Terra parou (êêê)

No dia em que a Terra parou

No dia em que a Terra parou

 

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A intimidade de uma reflexão

segunda-feira, 16 de março de 2020

O poeta Solidade Lima, vencedor por duas vezes, na categoria poesia, do
Concurso de Literário Nacional Julio Salusse da Academia Friburguense de
Letras, nas 4ª. e 5ª. edições, em 2017 e 2018 respectivamente. Em 2020,
muito nos honra ter conhecimento de que Solidade foi vencedor do XVIII
Prêmio Nacional Fritz Teixeira Salles de Poesia, da Fundação Cultural Pascoal
Andreta, Monte Sião, Minas Gerais, com o poema A Íntima Chama.
Solidade Lima é amigo da nossa Casa, presente no grupo de amigos da
AFL no whatsApp.

O poeta Solidade Lima, vencedor por duas vezes, na categoria poesia, do
Concurso de Literário Nacional Julio Salusse da Academia Friburguense de
Letras, nas 4ª. e 5ª. edições, em 2017 e 2018 respectivamente. Em 2020,
muito nos honra ter conhecimento de que Solidade foi vencedor do XVIII
Prêmio Nacional Fritz Teixeira Salles de Poesia, da Fundação Cultural Pascoal
Andreta, Monte Sião, Minas Gerais, com o poema A Íntima Chama.
Solidade Lima é amigo da nossa Casa, presente no grupo de amigos da
AFL no whatsApp.

Nosso poeta fez em a A Íntima Chama uma viagem ao seu interior. Com
essa poesia fui até o âmago da minha existência e abracei meus medos e
incertezas. Acredito que este percurso seja um dos maiores desafios de
qualquer vivente, cujo espírito está revestido por um corpo; a pele tem paredes
rígidas. Queremos, pois, a liberdade plena que vai além dos limites corporais;
possivelmente sejamos um espírito em experiência corpórea, o que nos faz
ansiar pela ausência de restrições. Além do mais, somos, sem dúvidas, o mais
imperfeito dos seres; enquanto inacabados, desejamos atingir a beleza, a
perfeição e a plenitude nos modos de ser e fazer. Como as experiências que
temos estão aquém das expectativas, esmiuçamos nossos ossos, conforme ele
disse, para compreender o hiato que sentimos diante de tudo; somos feitos de
hiâncias. Talvez, por isso, fazemo-nos escritores e produzimos, quase sempre,
ao nosso pequeno modo de olhar, o melhor dos textos. Construímos literatura
com primor para termos a sensação de que, pelo menos nas palavras,
conseguimos vislumbrar o nirvana idealizado.
Esta viagem provoca o encontro entre o sujeito, sujeitado que é, quem
gostaria de ser, como é percebido pelos outros e concebido pelo grande Outro.
É uma viagem, se espontânea ou não, que causa uma surpreendente
exposição da pessoa a si mesmo. Se amarga? A realidade objetiva apresenta a
verdade, e, por vezes, não queremos encará-la. Mas é uma reflexão
necessária para conseguirmos viver mais um dia. Para termos mais um
amanhã. Um modo de nos socorrermos? De nos salvarmos? Não mais do que

um esforço para aceitarmos os frágeis amores em tardes de céu azul. E como
temos momentos assim; ninguém é bela da tarde por longo tempo. Ah, como
precisamos nos esforçar para compreender nossas tantas e estranhas
metáforas.

Vivemos uma vida para conquistarmos certezas, já que a única que temos
é a morte; somos efêmeros e não admitimos sê-lo. Ninguém nos entende mais
do que nós, e quanto mais nós nos buscamos na vida, mesmo sentados na
varanda, observando-a passar, melhor nos conhecemos. Por isso precisamos
que uma íntima chama ilumine nossos tortuosos caminhos.

Deixo a vocês a profunda poesia de Solidade Lima para que possam se
adentrar. Sem medo e pudor.

Também um abraço em nosso amigo poeta.

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Modos diferentes de ser e de fazer

segunda-feira, 09 de março de 2020

Nesta coluna dou prosseguimento à anterior, em que abordei questões relevantes sobre a leitura e o saber. Na essência destas questões se encontram as diferenças entre a literatura e a pedagogia, que têm enfoques distintos e bem delimitados. Não é incomum haver uma percepção que venha a confundi-las. Eu mesma já pensei que a pedagogia e a literatura se fundiam em alguns momentos, entretanto, ao longo dos meus estudos, constatei que, caso isto aconteça, ambas correm o risco de perder o foco.

Nesta coluna dou prosseguimento à anterior, em que abordei questões relevantes sobre a leitura e o saber. Na essência destas questões se encontram as diferenças entre a literatura e a pedagogia, que têm enfoques distintos e bem delimitados. Não é incomum haver uma percepção que venha a confundi-las. Eu mesma já pensei que a pedagogia e a literatura se fundiam em alguns momentos, entretanto, ao longo dos meus estudos, constatei que, caso isto aconteça, ambas correm o risco de perder o foco.

Gosto de definir a pedagogia por Emile Durkheim, sociólogo inglês, que concebe a educação como um ato intencional, através do qual uma geração adulta prepara uma outra, mais nova, para a vida coletiva, socializando-a. Ou por Dermeval Saviani, educador brasileiro, que define o trabalho educativo como um ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto de homens.

O fazer literário, por sua vez, segundo Fernando Pessoa, escritor e filósofo português, é um modo de esquecer a vida, apesar de simulá-la. Oscar Wilde, escritor irlandês, a avalia como uma forma de moldar os fatos aos desígnios do escritor. E Jorge Luiz Borges, escritor argentino, afirma que a literatura é feita de sonhos, os quais se fazem através da combinação de ideias e de recordações.

Seus fundamentos são essencialmente diferentes. A literatura é arte e não tem a intenção de ensinar; o pensamento pedagógico não se estabelece no devaneio. Entretanto são complementares. A literatura enriquece o pedagógico, e o pedagógico oferece meios ao escritor para criar e produzir textos em diversos estilos literários, como também ao leitor para ler, interpretar e adquirir conhecimentos, para interagir e transformar o ambiente e os próprios modos de viver.

As cartilhas são livros de cunho pedagógico. Possuem conteúdos didáticos e são utilizadas facilitar e fixar a aprendizagem. Hoje são usadas nos programas de educação de pessoas portadoras de doenças, como o Diabetes, com a finalidade de empoderar os pacientes, promover a autogestão e os cuidados com a saúde. Na pedagogia tradicional são comumente utilizadas.

Os livros de literatura, como os de poemas e de poesias, servem para tocar a alma do leitor de modo a despertar reflexões e sentimentos. São elaborados com sensibilidade e revelam o olhar do escritor para o mundo. 

Esta coluna para mim é esclarecedora. Aliás sempre me utilizo deste espaço para pesquisar e tirar dúvidas ou algum resto de incerteza que fica serpenteando meus pensamentos sobre o ser e o fazer literário. Mas acredito que esta questão, disparada na semana passada pela escola de samba Império da Tijuca, sugerida pela Gerda, uma querida amiga, seja a de alguns leitores e fazedores de literatura que não sejam conhecedores das letras com maior profundidade.

Ah, a literatura e a pedagogia não se fazem de qualquer forma. São criteriosas.

 

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Uma pérola do carnaval de 2020

segunda-feira, 02 de março de 2020

Uma querida amiga do Clube de Leitura Vivências divulgou no nosso grupo do WhatsApp que a escola de samba Império da Tijuca apresentou, neste ano de 2020, o tema “Quimeras de um eterno aprendiz” em que, através das cores verde e branco, defendeu a tese de que a leitura e o saber promovem a transformação. Eu me emocionei com a letra do samba enredo porque  considero que a literatura e a educação são meios de crescimento e de difusão do conhecimento.

Uma querida amiga do Clube de Leitura Vivências divulgou no nosso grupo do WhatsApp que a escola de samba Império da Tijuca apresentou, neste ano de 2020, o tema “Quimeras de um eterno aprendiz” em que, através das cores verde e branco, defendeu a tese de que a leitura e o saber promovem a transformação. Eu me emocionei com a letra do samba enredo porque  considero que a literatura e a educação são meios de crescimento e de difusão do conhecimento.

A letra brilhou diante dos meus olhos quando diz que os livros contêm páginas de esperança na medida em que iluminam a travessia do aprendiz. Quem lê se veste de fé e coragem para conquistar um novo dia e lutar pelo seu país. Nos livros, a ciência brota como uma deusa da inteligência, das narrativas e das emoções. A literatura e a educação deveriam estar vivas e por toda a parte. Não ser apenas um sonho.

Em estado de encantamento, fui buscar minhas anotações sobre o tema que fiz durante cursos, seminários e palestras que assisti. Então, aqui faço questão de mostrar alguns registros que me são verdadeiras relíquias.

O primeiro deles é que todos têm direito à leitura, e o livro deve ter importância na família, na escola e na sociedade. A desvalorização da literatura minimiza o nível de qualidade de vida de um povo e acontece quando as obras que possibilitam a abordagem de questões significativas à formação da cidadania crítica, à compreensão do outro, ao entendimento dos povos e à apreensão dos valores culturais ficam esquecidas.

A literatura é a arte que testemunha a existência humana e sua aventura através dos tempos. Enquanto arte, utiliza-se de uma linguagem literária elevada a seu potencial máximo. Ao possuir o compromisso de olhar a vida através da palavra, além de ter pluralidade de significantes e significados, expressa a perplexidade que o escritor sente diante do mundo.

O primeiro critério da literatura é a qualidade de vida. Mesmo sendo a qualidade um critério subjetivo, tanto no plano individual, como no coletivo, a literatura se revela quando é construída com beleza e originalidade. Tanto é que um livro de qualidade literária permanece vivo na dimensão tempo-espacial. Sua perenidade indica que o leitor gosta de se apropriar de obras de qualidade e delas se beneficiar.

O livro é fonte suprema de alimentação do saber e de descobertas, possibilitando o despertar do indivíduo e do profissional, bem como a formação do cidadão. Deve ter, portanto, espaço privilegiado na família, na escola e em diversos âmbitos da sociedade. São espaços que precisam ser abastecidos de livros. Especialmente a escola, que deve cuidar de uma biblioteca rica de livros de vários gêneros literários e para todas as idades.

Quando a escola ensina o aluno a ler, está favorecendo o diálogo dele com o mundo, criando maneiras de estabelecer formas de inserção entre a vida de dentro de sala de aula com a vida fora da escola. Ou seja, a leitura é uma atividade de interseção.

Tendo a escola a função dar condições ao aluno para poder sonhar, através do vislumbre de perspectivas concretas, encontra nos livros recursos eficientes para promover o desenvolvimento de aprendizagens capacitadoras. 

Para finalizar, deixo aqui a letra do samba enredo do Império da Tijuca, que considero uma pérola do carnaval de 2020.

 

Letra

Eu, sou a luz no breu

A transformação, o conhecimento

Páginas que enchem de esperança

Mudança escrita no tempo

Vento leva meu desejo de bravura

Quero ser a armadura da leitura e do saber

Mesmo andarilho, estandarte

Retirante da arte

A quimera em você

 

Pelo rio navega, mero aprendiz

É a fé que me leva pelo meu país

Construindo exemplo, o milagre contempla

Porque ainda é tempo de final feliz

 

Nativa ciência

Floriu em livros a ciência

No livro é deusa da inteligência

De narrativas, emoções

Pequenas tiras entre praças e canções

O samba é sabedoria

No morro Formiga, minha inspiração

Enredo de bordado no verde do meu pavilhão império

Tantas vezes eu fui companheiro

Hoje, fiel escudeiro no sonho por mais educação

 

Vamos nos dar as mãos, seguindo na luta

Brilha a coroa, isso é Império da Tijuca

Já clareou novo dia

Minha alma é poesia

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Um momento de carnaval

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Hoje é tempo de sentir as ideias vibrarem com o ritmo de carnaval, que é levado pelos ares, explodindo nas ruas e ecoando entre os prédios de Nova Friburgo. Os ventos fazem as folhas balançarem nos galhos das árvores e caírem com leveza no chão. As imagens vagueiam pela cidade, dando tom às palavras que narram as folias de carnaval.

Eis que neste dia, cada vida tem o seu momento carnavalesco e faz a própria história acontecer. Todos se encontram na divina cena carnavalesca, movidos ou não por emoções vibrantes.

Hoje é tempo de sentir as ideias vibrarem com o ritmo de carnaval, que é levado pelos ares, explodindo nas ruas e ecoando entre os prédios de Nova Friburgo. Os ventos fazem as folhas balançarem nos galhos das árvores e caírem com leveza no chão. As imagens vagueiam pela cidade, dando tom às palavras que narram as folias de carnaval.

Eis que neste dia, cada vida tem o seu momento carnavalesco e faz a própria história acontecer. Todos se encontram na divina cena carnavalesca, movidos ou não por emoções vibrantes.

A rainha da bateria, enfeitada com plumas verdes e coberta de purpurina, esbanja beleza na avenida. O homem bate bumbo com a força do coração. O apaixonado segura o celular nas mãos. A menina, vestida de odalisca e de mãos dadas com o pai, caminha pela calçada. Diante dos jurados, com roupas nobres, o mestre-sala gentilmente se ajoelha para dar suporte à porta-bandeira, que baila com beleza. O menino, fantasiado de batman, corre atrás do Robin. Arlequins e pierrôs se enfrentam diante das colombinas na primeira ala da escola de samba. A mulher de batom vermelho e cabelos grisalhos samba e bate palmas na janela. O prefeito e seu secretariado acenam aos filões do palanque. O homem oferece um copo de cerveja à mulher na porta do bar. O cachorro anda atrás de outro sem se assustar com o batuque do carnaval. Nas alas, os foliões fazem coreografias e cantam o samba-enredo da escola que desfila na avenida. O bancário olha para o relógio e espera sua filha chegar. Os chefes das alas comandam a harmonia dos carnavalescos. O guarda sente o chão da Alberto Braune tremer. A criança chora no quarto sem conseguir dormir. O casal de namorados, encostado na parede, perde a noção do tempo num longo beijo. O gato mia na esquina. As celebridades esbanjam alegria no alto dos carros alegóricos. Os periquitos, entre uma dormitada e outra, se agitam na gaiola. Os dançarinos, com belas fantasias, vão abrindo o desfile avenida afora. O velho de cadeira de rodas toma a sopa do jantar. A vendedora oferece sacos de confetes e serpentina pela calçada. As baianas rodopiam incessantemente no meio da avenida. O paciente morre no hospital. Os espectadores, sentados nas arquibancadas, ficam entusiasmados com o esplendor das cores. Dois motoristas brigam por uma vaga na rua transversal. O malandro de camisa listrada vai empurrando o carro alegórico e tirando o suor da testa. Um casal de gêmeos nasce no hospital. O puxador do samba-enredo dá o seu melhor. O zelador limpa a portaria do prédio. O médico corre para a sala de emergência. O público aplaude. O pipoqueiro mexe a pipoca quente. As adolescentes se pintam umas às outras diante do espelho. O patrono da escola enche o peito de orgulho. Dois amantes fazem sexo à meia luz. A longeva canta marchinhas de carnaval da sua infância. A festa toma conta de cidade. E eu escrevo.

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A literatura e o cinema

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Na semana passada, a 29ª. cerimônia de entrega dos Academy Awards, o Oscar, produzida pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, teve o esplendor de sempre. A noite de premiação dos melhores atores, técnicos e filmes de 2019 foi iluminada pelo desfile dos astros do cinema sobre o Tapete Vermelho, pelos shows e pela premiação das 24 categorias dos elementos que compuseram a produção dos filmes. O Oscar é um evento televisionado, que invade a madrugada, emocionante e único. 

Na semana passada, a 29ª. cerimônia de entrega dos Academy Awards, o Oscar, produzida pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, teve o esplendor de sempre. A noite de premiação dos melhores atores, técnicos e filmes de 2019 foi iluminada pelo desfile dos astros do cinema sobre o Tapete Vermelho, pelos shows e pela premiação das 24 categorias dos elementos que compuseram a produção dos filmes. O Oscar é um evento televisionado, que invade a madrugada, emocionante e único. 

Ao assisti-la fui tomada pela ideia de que a literatura é o ponto de partida de todo o processo de produção cinematográfica, que exige um trabalho de equipe competente, criativo e articulado. A imaginação do escritor tem o poder, quase mágico, do toque inicial. A vontade, decorrente do seu incômodo ou do seu encantamento, até mesmo da sensação de que a vida não lhe basta, o impele a transcrever suas emoções para textos em estilos literários diferentes. Os filmes baseados em fatos ou ficção, inclusive os documentários, estão fundamentados em roteiros (estilo literário próprio do cinema) originais ou adaptados. Os adaptados, por sua vez, são provenientes de obras, como dos contos, romances, ensaios, dentre outros.

O filme Coringa, cujo ator, Joaquim Phoenix, merecidamente premiado, conta a história de um dos maiores vilões fictícios, o Coringa. Este gênio do crime foi criado na década de quarenta por Jerry Robinson, Bill Finger e Bob Cane e compôs enredos de filmes, histórias em quadrinhos e livros. Ah, sem vilões não há tramas empolgantes!; eles tecem as mais incríveis armadilhas aos heróis, que, desafiados, reagem com bravura, oferecendo ao espectador um suspense espetacular. Joaquim Phoenix é o personagem de uma história de ficção pertencente a outras. 

Todos nós fomos criados rodeados por este estilo de literatura que nos permitiu assimilar as características dos seus heróis. Quem não se identificou com as atitudes de Batmam ou da Mulher Gato? Quem não passou uma tarde se divertindo como estes heróis incitados pelo Coringa? Qual a criança que não gosta de se fantasiar com suas roupas e máscaras? 

Hoje a literatura não é mais fechada em si mesmo, na medida em que suas fronteiras interagem com outras linguagens artísticas. Podemos apontar como causas relevantes o avanço da tecnologia que possibilita a visualização da escrita literária, bem como o mal-estar com as circunstâncias da vida. Ao mesmo tempo em que se precisa criar modos de sentir prazer, há a necessidade de avaliar os momentos históricos. Na medida em que a literatura faz críticas e cria utopias, o cinema corrobora dando imagem e movimento às obras literárias; ambas as linguagens acabam por se confundir através das artes cinematográficas, como nos figurinos, nos cenários, na sonoplastia, nos efeitos especiais. O cinema é a síntese das artes ao promover várias formas de visualização da criação humana.

A literatura dá asas ao cinema que, por sua vez, estabelece a conversa entre expressões artísticas diversas que vão se enriquecendo na medida em que se agregam e complementam-se.  

 

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A elegância literária existe pela incompletude da obra

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Vou dar continuidade ao tema anterior em que abordei a elegância literária com as palavras de Freud. “No sentido moderado em que é admitida como possível, a felicidade constitui um problema da economia libidinal do indivíduo. Não há, aqui, um conselho válido para todos; cada um tem que descobrir a sua maneira particular de ser feliz.”

Vou dar continuidade ao tema anterior em que abordei a elegância literária com as palavras de Freud. “No sentido moderado em que é admitida como possível, a felicidade constitui um problema da economia libidinal do indivíduo. Não há, aqui, um conselho válido para todos; cada um tem que descobrir a sua maneira particular de ser feliz.”

Freud se utiliza da palavra indivíduo para se referir a nós. A qualquer um de nós, para ser mais exata. E não somos mais do que isso. E, por isso mesmo, o cuidado com a energia que ilumina a busca pela felicidade, que é a causa do fazer inebriante do indivíduo em todos os momentos dos seus dias, precisa ser utilizada com esmero. Com amor, para melhor dizer.  A caracterização do ser humano, enquanto ser possuidor de identidade própria, nos amplia a percepção da experiência pessoal pelos meandros das circunstâncias quotidianas em busca do que é perfumado, belo e prazeroso. Como a sensação de felicidade é tão etérea, como abstrata e particular, as realizações se tornam múltiplas, e a criatividade é uma estratégia inteligente para a conquista de bens maiores. Com a força imperiosa do desejo, a rapidez do fazer pode colocar em risco a grandiosidade das construções humanas, tornando a elegância não mais do que um sonho impossível.

O apressado não se delicia com a arte. Se descuidado ao fazê-la, não pretende oferecê-la ao outro para que este, ao vê-la, encontre momentos enriquecidos pela sensação de felicidade e de completude. A arte tem a capacidade de proporcionar satisfação, além de tocar o mundo para enriquecê-lo, quiçá modificá-lo. E aí está a elegância literária, que se faz presente em cada palavra. A palavra possui força sensorial através da sua sonoridade peculiar. Além do mais, as palavras ficam nos indivíduos. Em suas almas. Em seus pensamentos. Possuem força de expressão e interferência. É tão forte o seu poder, que é capaz de contribuir para a construção do processo de identidade individual. Social inclusive. Cada palavra tem utilidade ou utilidades individuais e culturais. Não há civilização que não seja verbalizada.

A pessoa elegante tem uma palavra que a caracteriza, da mesma forma a arte. Com que palavra se caracteriza um livro? Uma crônica, um conto? As obras literárias são individualmente caracterizadas e são determinadas pelas palavras que constroem as ideias que as compõem. As obras literárias de valor possuem estética, na medida em que esclarecem a obscuridade dos fatos da vida, que pode ser explicada pela incompletude essencial dos seres. Sempre falta algo. Este vazio tem elegância, na medida em que é um hiato, uma falta que oferece múltiplas possibilidades. A perfeição é incrédula porque nada mais pode completá-la. Por sorte nossa, nada é pronto; tudo é inacabado. 

Ah, não se faz uma obra literária de um dia para noite. As palavras maltratadas colaboram para a pobreza do texto. Entretanto toda palavra possui riqueza de significados, e seu emprego abre caminhos diversos para a composição textual. Eu me arrisco afirmar que a palavra é como a conjunção adversativa, uma vez que possui força maior e só deve ser empregada na medida em que seja indispensável. Além do mais é carregada de condições.  

A elegância literária vai se exibindo sutilmente aos olhos do leitor que vai interpretando o texto a cada palavra lida e refletida. Nunca o escritor vai lapidar um texto até chegar a sua perfeição, nem tão pouco, o leitor vai ter diante dos olhos o mais primoroso texto. 

 

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Elegância literária

segunda-feira, 03 de fevereiro de 2020

Ontem fui dormir pensando no assunto que dissertaria nesta coluna. Antes de começar a escrever, sempre tenho um momento de reflexão para chegar a uma decisão a respeito do tema que vou desenvolver e em que ponto de vista vou abordá-lo. Confesso que não é fácil escrever semanalmente, entretanto é um desafio que me permite aprimorar as habilidades relativas à produção criativa de textos, bem como é um incentivo à leitura e à pesquisa. Considero-o uma responsabilidade saudável e que gosto de ter.

Ontem fui dormir pensando no assunto que dissertaria nesta coluna. Antes de começar a escrever, sempre tenho um momento de reflexão para chegar a uma decisão a respeito do tema que vou desenvolver e em que ponto de vista vou abordá-lo. Confesso que não é fácil escrever semanalmente, entretanto é um desafio que me permite aprimorar as habilidades relativas à produção criativa de textos, bem como é um incentivo à leitura e à pesquisa. Considero-o uma responsabilidade saudável e que gosto de ter.

No silêncio da noite pude rever os últimos temas que desenvolvi e conversar comigo nos esconderijos do travesseiro. De repente, uma palavra saltou à minha frente: elegância. A elegância tem graciosidade, expressa individualidade, tem valor e força de expressão. Quem não admira a elegância e deixa-se levar pela beleza contida na essência do que ou de quem a possui? Toda a elegância tem um quê de encantamento e de sedução; não suscita adereços, nem exuberâncias. 

A elegância é desenvolvida e cultivada ao longo da vida. Ou das vidas passadas, se é que posso me referir à eternidade da alma. Talvez uma única vida não seja suficiente para dotar uma pessoa de comportamento harmônico e autêntico. De louco a mestre, de camundongo a girafa, de rama a árvore, ela vai passar por várias formas e estágios de vida até se constituir em um ser dotado de elegância. 

Do mesmo modo posso me referir ao escritor que faz sua formação a partir da construção do hábito de tratar um texto feito de palavras, unidades linguísticas que exprimem significados. As mesmas palavras com que se escreve uma anotação ou uma matéria de jornal podem compor uma poesia, um ensaio ou uma crônica. Da mesma maneira que é possível usar quaisquer palavras para escrever uma carta, pode-se cuidar do emprego das palavras para elaborar uma obra literária. 

Na verdade, a literatura decorre de questões particulares: quem a pessoa quer ser e qual escritor pretende avivar. Com formação e dedicação, é possível fazer-se escritor. Quero dizer: pinçar palavras do dicionário da língua portuguesa e usá-las como obra de arte não é talento, é trabalho sobre trabalho. Ah, a elegância literária não é feita de truques: as palavras não necessitam de adjetivos ou advérbios para mostrar o poder de expressão do texto, nem um livro precisa ser escrito em tinta reluzente.

E vou mais além. Cada palavra empregada decorre da sublimação da libido do escritor que busca seu prazer no fazer literário. Seu desejo inebriante e sublimado transita na força de expressão das frases, laboradas durante a produção de um texto de sentido válido; contundente. 

A obra, escrita com elegância, pode ser admirada como uma paisagem.


 

P.S.: continuo semana que vem 

 

 

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Ufa, fiquei sem ar!

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

As finanças e os livros de autoajuda estão no ranking dos mais vendidos em 2019 no Brasil. Primeiramente, dois títulos me chamaram a atenção nessa listagem: A Sutil Arte de Ligar o Foda-se, de Mark Manson, ocupando o primeiro lugar, e Seja Foda, de Caio Carneiro, o terceiro lugar. Seus autores empregaram a palavra foda em seus títulos, expressão que, do xingamento ao elogio, ganha vários significados. É, inclusive, uma expressão banal, chula e desnecessária que exprime exagero, raiva e desdém.

Será que os títulos atraíram as vendas?

As finanças e os livros de autoajuda estão no ranking dos mais vendidos em 2019 no Brasil. Primeiramente, dois títulos me chamaram a atenção nessa listagem: A Sutil Arte de Ligar o Foda-se, de Mark Manson, ocupando o primeiro lugar, e Seja Foda, de Caio Carneiro, o terceiro lugar. Seus autores empregaram a palavra foda em seus títulos, expressão que, do xingamento ao elogio, ganha vários significados. É, inclusive, uma expressão banal, chula e desnecessária que exprime exagero, raiva e desdém.

Será que os títulos atraíram as vendas?

As pessoas estão se acostumando a serem grosseiras e ofensivas?  

O brasileiro emprega a língua portuguesa de modo vulgar porque está incapaz de empregá-la com elegância e inteligência criativa?

Ou será que está com uma visão de si tão empobrecida que a expressão “foda-se” lhe é uma finalidade? Quer dizer, transformou-se em uma expressão mágica.

A palavra foda pode ser classificada como substantivo, adjetivo e verbo, que diz respeito ao ato de foder e está flexionada na primeira e na terceira pessoa do singular do presente do subjuntivo deste verbo, como também na terceira pessoa do singular do imperativo afirmativo e negativo. É uma palavra que vem do grego antigo e significa mina. Reúne significados ambíguos, como o ato de copular e algo difícil de realizar ou insuportável. Até envolve a definição de alguma coisa ou pessoa agradável, bonita e positiva. É um termo complexo porque ao mesmo tempo em que exprime a finalidade maior da vida e de bom sucesso, é sinônimo de desmerecimento, complicação e dificuldade. Se formos um pouco mais perspicazes, podemos pensar que unindo os dois sentidos, surge um terceiro: superação.

Os títulos dos livros mais vendidos em 2019 podem estar expressando a alma de pessoas que querem fazer uma nova geração que possa lhes trazer mudanças de um status quo sofrido. Ao mesmo tempo, presas às exigências dos tempos modernos, sentem dificuldades de saber quem são. E nem mesmo conseguem vislumbrar o que poderiam fazer para construírem a própria identidade. 

Os estilos de leitura que compuseram o ranking de vendas me fazem novamente mergulhar em Freud, em seu livro O Mal estar da civilização, escrito em 1930, que abre o primeiro capítulo com a afirmação: “É difícil escapar à impressão de que em geral as pessoas usam medidas falsas, de que buscam poder, sucesso e riqueza para si mesmas e admiram aqueles que os têm, subestimando os autênticos valores da vida.” Mais adianta afirma “A satisfação irrestrita de todas as necessidades se apresenta como uma maneira mais tentadora de conduzir a vida, mas significa pôr o gozo à frente da cautela, trazendo logo o seu próprio castigo”.

Na minha opinião, é como se o dinheiro, enquanto poder econômico, político e social, fosse capaz de lhes garantir a felicidade. Será que o brasileiro está precisando de ajuda para conquistar bens materiais?

Ufa, fiquei sem ar! 

Espero que a literatura, rica em valores humanos e que bem empregue a nossa bela e romântica língua portuguesa, possa amparar a construção de pessoas virtuosas.

Ah, Camões, Saramago, Fernando Pessoa, Sartre, Freud, Marcuse, Saint-Exupéry, Clarice Linspector, Shakespeare, Miguel de Cervantes, Saramago. Depois de ler suas obras e de outros autores, vamos poder conhecer um pouco mais da vida e de nós mesmos. Suas obras penteiam nossas almas.   

 

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