Cambiantes

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Ah! começar!, passamos a vida trilhando caminhos, inclusive o acordar é
um recomeço. A partir dos 25 anos as rugas contam a história de cada um dos
processos pelos quais iniciamos as conquistas que constituem nossa
existência. Quero dizer que começamos para promover o acontecer da vida de
acordo com necessidades, projetos e imponderabilidades. Não começamos
apenas por começar.

***

Sempre gostei de escrever. Quando criança, experimentava palavras
através dos desenhos coloridos que fazia, nos quais expressava sonhos,
medos e sentimentos. Quando jovem fui transportando para os diários e
poesias o que mostrava nos desenhos. Já adulta passei a fazer resumo do que
pesquisava, uma vez que gostava de estudar para entender o viver e
interpretar minha incompreensível sensibilidade.
Mas só quando eu estava perto dos cinquenta fui pega de jeito pela
literatura e comecei a fazer adaptações em dramaturgia. E amei. Amei
transportar para o palco minhas palavras. Aí, vislumbrei a vontade de ser
escritora, um dos maiores desafios que enfrentei. Naquela época arrisquei a
fazer do uso da palavra escrita para expressar meus sentimentos através de
textos, materializando-os em ensaios, crônicas ou contos.
Foi um aprendizado complexo, longo, e até me arrisco a dizer que vai
perdurar por toda a vida. Inicialmente, cometi o erro dos inocentes: escrever é
moleza. Porém quando senti na brancura do papel a incapacidade dos
iniciantes, percebi a grandeza dos mestres na medida em que me ensinaram a
humildade de ser aprendiz. Tive e ainda tenho professores. Não me acanho
dizer que meus textos precisam ser revisados e uma folha em branco me é um
desafio sofrido.
Aprendi que a filosofia é essencial a quem escreve porque é a ciência das
ciências ao se constituir a base do pensamento e da pesquisa pelo seu rigor
investigativo e narrativo. Max Weber, sociólogo, jurista e economista alemão,
descreveu a ideia de que a realidade pode ser tomada a partir de inúmeros

pontos de vista, além do que se transforma a todo o instante. Enfim, o escritor
tem diante da vida uma fonte inesgotável de ideias, contudo precisa saber
pinçá-las para não jogar o anzol e pescar sapatos usados.
Cada texto que escrevo é um começo inédito em que percorro caminhos
desconhecidos. A cada processo de elaboração textual preciso definir minhas
intenções e quais as direções devo seguir. Sempre tenho a possibilidade de
abordar o mesmo tema, porém o ponto de vista tem de ser diferente dos
anteriores que escrevi.
Também descobri nas oficinas, que tenho feito ao longo de mais de vinte
anos, que as mesmas palavras de numa crônica posso usar num conto ou
mesmo numa ata de reunião de condomínio. De texto em texto fui
experimentando, quase brincando com as suas possibilidades, e descobri a
versatilidade que elas têm.
Sorrateiro?!, o escritor jamais deve sê-lo. Decididamente não pode ser
uma pessoa que vive nas caladas das sombras, guarda seus sentimentos em
potes fechados e que se disfarça em uma pessoa que não é.
Como estou mergulhada em um eterno estado de incompletude, os textos
me transformam na medida em que modifico uma página em branco por
palavras genuínas que desvelam meus sentimentos face da realidade mutante.
Ultimamente tenho apreciado a ideia de ser furta-cor, pessoa cambiante e
de tonalidade variada conforme a luz que a ilumina. Será esse mais um
começo?

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Tereza Cristina Malcher Campitelli

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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