A fila das formigas

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

O ato de começar guarda o princípio de propósitos, constitui-se em uma experiência diferente de todas que tivemos; nunca começamos exatamente de modo semelhante. Tem ineditismo. Ora pois, será que alguma vez acordamos para o mesmo dia? 

O começo é, inevitavelmente, a primeira iniciativa e contêm a oportunidade de fazer ou refazer algo. Certa vez, escutei de um religioso que vivemos anos e anos aprendendo a amar. Li nos livros de pedagogia que, ao longo dos nossos dias, aprendemos para ser e para fazer através de inúmeras repetições. Quero dizer que o começar e o recomeçar são esforços valorosos, através dos quais damos continuidade ao realizar da vida e aprimoramos nossos modos de existir. Vão além do simples prosseguimento; são processos nobres de aprendizado. 

O começar guarda a sabedoria implícita em cada descoberta que o acontecer, posterior a esse começar, nos vai apresentar. Cada passo seguinte pode ser calculado, mas, na verdade, possui surpresas inesperadas. A beleza do existir está em adentrar esse universo desconhecido, que nos traz desafios, ganhos e perdas. Se todas as circunstâncias fossem exatamente iguais, o viver seria enfadonho e não teria sentidos. 

Diante das dificuldades impostas pelo mar bravio, os antigos navegadores tinham um lema, que foi poetado por Fernando Pessoa: “Navegar é preciso: viver não é preciso”. Lançar-se às águas é a premissa da vida!

O começar contém a lógica do modo como vamos prosseguir invariavelmente. E de como vamos terminar. Que seja apenas para começar, parar e recomeçar. O recomeço pode ter um fim em si mesmo e ser considerado como um modo de ir avante. É o grande trunfo da experiência humana. 

A primeira palavra que escrevemos numa página em branco é um dilema, posto que uma ideia mal elaborada tem força para comprometer o continuar do texto. Mas se assim acontecer, temos a prerrogativa de tentar novamente. O processo de amadurecer é brilhante, e não é saudável preencher esse especial momento de culpas, vergonhas e irritação. Escrever é viver; viver é escrever a própria história. 

É interessante perceber que o autor, ao dar o primeiro passo para elaborar um texto, já experimentou muitos inícios anteriores e diversos. O primordial, posso dizer, é o seu nascimento como pessoa sensível e predisposta a construir uma vida. Sim, engenhar e produzir cada um dos seus dias! Os seguintes, são tantos, mas devo destacar a decisão de tornar-se escritor e de colocar-se à disposição para criar um destino em que a palavra brilha em todos os horizontes. O mesmo acontece com os cozinheiros, matemáticos e malabaristas. E, assim, após tantos começos e recomeços, eis que surge uma ideia, que vai ser o início do processo criativo de escrita.

Nascer é fascinante; viver é desafiador; escrever é buscar certezas individuais; ter um texto pronto nas mãos é conquistar o final de muitos começos. 

Considero que a desistência seja o maior fracasso que um vivente possa ter. Reiniciar, certamente, é o grande aprendizado que forma homens sábios. A fila indiana de formigas dá inúmeras voltas, mas, por acaso, alguém já viu essa fila desviar do caminho e deixar de chegar ao formigueiro?

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Tereza Cristina Malcher Campitelli

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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