Conversar, escrever e ajeitar a vida

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 03 de outubro de 2022

Hoje vou sobrevoar este meu dia porque estou me sentindo solta das ideias mais formais. Esta descontração me permite encontrar o meu melhor espontâneo, que faz vir à pele a sensibilidade com que toco a vida. 

Aquele que pensa e escreve precisa se distanciar da seriedade e brincar com os momentos que, se percebermos, nos convidam ao flanar sobre a realidade. Constato que nosso estado de espírito tem algo de muito irreverente e grita por liberdade.

Há quem goste de compartilhar e de escrever suas percepções em diários ou em pedaços de guardanapo. Saint-Exupéry se inspirou para escrever o “O Pequeno Príncipe” assim. A escrita é uma das trocas mais fascinantes com o mundo. É etérea. Uma exposição incrível do “eu sou”, uma forma de mostrar “sou assim e pronto”, “penso desta maneira”, e, por aí, vai-se tecendo o estar na vida. Através das palavras, a criatividade desponta, ajeita o quotidiano de modo personalizado. Coloca as coisas no lugar certo; certo para cada um. Quando deixamos a expressão autêntica se manifestar, somos da melhor forma, superamos o que querem que sejamos. Ah, somos tantos... Mas este “eu sou”, já dizia Lacan, é o mais intenso e verdadeiro. Tem gente, como eu, que custa a interpretar esta proposição fundamental. Meu amigo, a derradeira verdade tem um modo de se apresentar com leveza e brincadeira, que se mostra através das palavras soltas, escritas e faladas. 

Escrevendo, cozinhando e amando. Vivendo e ajeitando a vida. Sendo.

Contudo um turbilhão de sentimentos e vontades nos carregam sem perguntar ou não se queremos tê-los. Quem já não quis voar? Quem já não se apaixonou secretamente? Quem já não desejou procurar pelo Mágico de OZ? Isso é a força da vida pulsando nas células, convidando-nos a agir, a falar, a dizer o que existe em nossas almas, na maioria das vezes pouco serenas. Até insensatas. 

Quem escreve tem um trunfo: um portal no imaginário que lhe permite usar palavras nas linhas e nas entrelinhas para expressar-se da forma como bem quer. Dizer isso e aquilo de jeito ajeitado e desajeitado. Dizer, apenas.

A cozinha, a folha de papel e o vento recebem nossos talentos e insumos com grandiosidade. O vento bate em nossas faces, mas não nos acorrenta. O papel nos desafia, mas não nos impede de preenchê-lo. Na cozinha produzimos o alimento vital, mesmo se queimamos as panelas.

Tudo se resume no amor, que não é banal, é nobre e belo. É vivido, desejado, imaginado. Falado e escrito. Ama-se tudo. Até o prego que segura o quadro na parede. Ama-se a chuva. Ama-se.

Aquele que escreve, como faço agora, põe o nariz para fora da janela e respira novos ares. Ora pois, não é saudável remover a terra e oxigenar as raízes das plantas?

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Tereza Cristina Malcher Campitelli

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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