Se o autor de um livro fosse ele próprio?

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Quando me preparei para escrever esta coluna, fui aos meus guardados e andei perambulando por minhas ideias que volta e meia registro em pedaços de papel. Escritor é assim. Não sei em que situação, assistindo a uma palestra, divagando ou saindo da cadeira do dentista, o fato é que anotei a sugestão de um livro ser um autor. Será coisa de louco? Ou da criatividade que liberta ideias e ultrapassa os limites da lógica?  Um livro mostra o pensamento do autor em suas páginas. Mas quando se transforma, ganha vida e vira o próprio escritor? Não sei. Acredito que só poderá ser criado nos meandros da fantasia. Daí a magia da literatura que permite tal façanha a um objeto feito de palavras. Assim, o livro, sendo porta-bandeira do universo literário, amigo leitor, pode tudo. Até ser o prazer de alguém quando pego de surpresa na porta de uma livraria.

Se por acaso, um livro escrevesse, possivelmente começaria a falar assim: 

— Sou a luz no breu. Afirmo, sim, com veemência tal proposição e não à toa, tenho a força da influência. Minhas páginas não são preenchidas por saberes? Sou a luz das civilizações, cada texto meu é dotado de esperanças e fé nas existências dos seres e das coisas, mesmo nos escritos que causam lágrimas e desdéns. Minha iluminação tem tonalidade furta-cor. Vou sobrevivendo no tempo e no espaço na medida em que minha essência tem bravura e não permite qualquer vento modificar a ética e os valores que sustento. Sempre estou pronto para vestir o leitor com leituras em vários estilos. Sou andarilho, percorro os cantos da Terra e posso mudar de língua com facilidade. Porém só existo quando sou tratado como estandarte da arte da palavra nas mãos de prosadores, poetas, cronistas, ensaístas, jornalistas, pesquisadores e cientistas. Por isso caminho pelos rios da história como um aprendiz, encarando o desafio do acontecer. Ora pois, sou um bruxo capaz de transportar os fatos para os encantados bosques da ficção, analisar realidades e definir utopias. Também posso imaginar o amor e desvendar o desconhecido. Com certeza, minhas possibilidades são múltiplas, mas não costumo ser impreciso. Sendo livro, por princípio, não sou infiel ao meu leitor. Meu amigo, esteja ciente de que sou fiel porque habito no dia a dia. A vida não é eternamente uma leitura a ser interpretada? Ah, sou milagroso sob olhos que me percorrem com inteligência e paciência, dado que minhas páginas são escritas com enigmas a serem desvendados pela interpretação. Nunca sou um retirante, tenho possibilidades de estar presente em qualquer situação, até mesmo fechado. Não importa se dessa maneira estiver. Haverá sempre alguém a quem meu título poderá instigar. Até aqueles que passam por mim desavisados; cantarolando ou mascando chicletes. Será que comecei a me inventar?

P.S.: Márcio Paschoal, escritor, e eu criamos a obra literária infantojuvenil “O Livro Maluco e a Caneta Sem Tinta”. Garanto que foi uma das melhores experiências literárias que tivemos. É um livro que ganhou vida em 2008 e até hoje está vivo, sendo lido e ganhando novas edições.  

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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