Blog de roberiocanto_18846

Foot-ball

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Atualmente, os pais se enchem de esperança se o herdeiro faz algum sucesso ainda nas escolinhas

Atualmente, os pais se enchem de esperança se o herdeiro faz algum sucesso ainda nas escolinhas

“No íntimo achava que o neto caminhava para a desgraça. Deixar um emprego como o da estiva, para se meter na vadiação de jogo de bola”. Assim a velha Filipa lamenta que Joca, seu neto, saia de Araruama para jogar futebol no Rio, o que, para ela, era “deixar um emprego de homem para se meter com moleques”. E olha que o rapaz era uma revelação, um excelente center-forward, como se dizia na época. Um craque. E mais: ele ia direto para o Fluminense e de saída recebeu quinhentos mil réis, só para pagar a viagem até a capital. Já no primeiro jogo arrasou com tudo quanto foi center-half, back e goal-keeper que encontrou pela frente. Mas não era apenas a avó que sofria com a escolha de Joca, também a mãe, tanto que “Sinhá Antônia chorou muito” no dia em que viu a foto do filho na capa de uma revista esportiva.

Essa história está nas páginas de Água-Mãe, romance de 1941, em que o flamenguista José Lins do Rego deixa seus personagens anteriores descansando lá no Nordeste e coloca outros em ação no litoral do Estado do Rio, principalmente em Araruama e Cabo Frio. Joca, cuja família vivia da pesca, da sobriedade e do anonimato, devia cumprir o mesmo destino, mas, atuando pelo Tamoios cabo-friense, revelou um surpreendente talento para o foot-ball. Surpreendente porque era fora da curva, fora da história de sua gente, que desde sempre se ocupava das águas e dos barcos, longe dos gramados e da bola.

A leitura de Água-Mãe nos faz entender que nem sempre esse esporte teve o prestígio de que desfruta atualmente. Pelo visto, as mães choravam mais do que riam quando um filho descambava para esse campo malvisto, malquisto: os campos de futebol. Que jogassem pelada nas ruas e nas areias para se distrair com outro meninos, vá lá. Mas fazer disso profissão... era um desgosto irremediável. Bem diferente de agora, quando os pais se enchem de esperança se o herdeiro faz algum sucesso ainda nas escolinhas. Basta que o molequinho meta dois gols numa partida para que se comece a ver nele um novo Pelé, no mínimo um Rivelino.

Mas não precisamos voltar a 1941 para ver que nem sempre o mundo da bola foi tão rico e glamoroso. Em Estrela Solitária, biografia de Mané Garrincha, Ruy Castro revela a vida difícil que o craque das pernas tortas levou, mesmo depois de consagrado no Botafogo. Dormia nos vestiários do clube, assinava contratos em branco e jogava mesmo estando machucado. E ai de Garricha se ao seu lado não estivesse o anjo protetor chamado Nilton Santos.

Os jogadores de hoje, pelo menos os maiores, aqueles que chegam às grandes equipes, ao futebol europeu ou às seleções, esses são os nossos ídolos, quase deuses, e não falta quem mais os adore do que adoraria Deus, se nEle cresse como crê em Cristiano Ronaldo ou em Neymar Jr. E basta que um deles torça o dedão do pé para que a nação toda entre em estado de vigília. Faturam muitos milhões jogando bola e outros mais como garotos-propaganda das grandes marcas. Há dias, Cristino Ronaldo fez despencar as ações da Coca-Cola pelo singelo gesto (mas não ingênuo ou impensado) de tirar de sua frente duas garrafas do refrigerante durante uma entrevista. Sem patrocínio, não!

Nada contra o futebol ou seus praticantes, amadores ou profissionais. Se ganham muito dinheiro, ganham fazendo o que sabem e não assaltando a bilheteria, nem criando leis para desfrutarem de altos vencimentos e altas mordomias. Para falar a verdade, eu gosto bem de um joguinho do Flamengo ou da Seleção Brasileira. Não sou dos mais apaixonados, mas também não sou indiferente. Quanto ao que aconteceu a Joca... melhor você ler o livro.

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Pesos e contrapesos

quarta-feira, 28 de julho de 2021

Tem uma história, ainda que seja sempre humilde e quase sempre sofrida

Peço-lhe trezentos gramas de queijo. Ele entendeu, mas necessita de confirmação: “Trezentas gramas?” Longe vão os tempos em que eu torturava os alunos, querendo que pesassem as coisas no masculino e não no feminino. Mas o tempo me ensinou que, bem pesadas as coisas, mais vale um grama de comunicação do que uma tonelada de gramática. E não é que as fatias que ele põe na balança somam exatamente trezentos gramas, nem um tiquinho a mais, nem um tiquinho a menos?

Tem uma história, ainda que seja sempre humilde e quase sempre sofrida

Peço-lhe trezentos gramas de queijo. Ele entendeu, mas necessita de confirmação: “Trezentas gramas?” Longe vão os tempos em que eu torturava os alunos, querendo que pesassem as coisas no masculino e não no feminino. Mas o tempo me ensinou que, bem pesadas as coisas, mais vale um grama de comunicação do que uma tonelada de gramática. E não é que as fatias que ele põe na balança somam exatamente trezentos gramas, nem um tiquinho a mais, nem um tiquinho a menos?

Elogio sua exatidão ao calcular as fatias necessárias, e ele diz que se tivesse a mesma sorte ao escolher os números da loto, estaria rico. Como não há nenhum outro freguês esperando, estico a conversa e lhe pergunto o que ele faria se acertasse os treze pontos. A resposta me surpreende. Esse rapaz, que tão modestamente trabalha atrás do balcão de um supermercado, não sonha com iates, viagens ou joias. Não quer ter um Rolex, nem conhecer Nova York. “Se eu ganhasse muito dinheiro, voltava pra minha terra, Maceió. Ia rever minha família e meus amigos”.

Sim, seu maior desejo, que não realiza porque parcos são os seus ganhos, é simplesmente voltar à terra natal, abraçar mãe, pai, irmãos, primos e conhecidos. Fico admirado ao ver a força desses laços telúricos, o quanto o lugar em que se viveu permanece na memória, o quanto persistem no coração os laços de amor e de sangue. Diferente de tantos que jogam sonhando com altos voos, ele — que não joga — queria apenas pegar um avião e pisar de novo no chão em que se criou, abraçar aqueles que o criaram e os que junto dele se criaram.

Para quem passa os dias atendendo a vozes que vêm do outro lado do balcão, achar um ouvinte disponível é oportunidade para contar um pouco de si, mostrar que também tem uma história, ainda que seja sempre humilde e quase sempre sofrida. Pois veio da capital das Alagoas para o Rio de Janeiro na esperança de melhorar de vida, o que então significava trabalhar com um tio tão distante que ninguém mais na família lembrava que cara ele tinha. Mas sabiam o nome e, mais ou menos, o endereço. Nunca encontrou o tio, mas achou quem lhe desse produtos pra vender na praia: protetor solar, óculos escuros, cangas coloridas e o que mais aparecesse. Também vendeu água nas imediações do Maracanã e flores na entrada do cemitério.

Um companheiro de aventuras e desventuras era de uma cidade próxima e assim também ele veio para cá, onde, graças à experiência de praias, estádios e cemitérios, arrumou trabalho no supermercado. E assim vai entregando duzentas gramas disso, trezentas daquilo, quatrocentas de tudo o mais. Tão bem se deu que mandou vir a namorada, já tem um filho e até pensa em se casar.  Está bem, está feliz. Mas nos momentos de folga, nas noites de sábado ou nas manhãs de domingo, deve ainda sentir o cheiro do mar, escutar o barulho do vento, ouvir a voz da mãe, dando conselhos, e a do pai, dando ordens. De tudo isso deve se lembrar e, fosse menos prático e mais poético, daria ao que sente o nome de saudade.  Como não é poeta, e sim balconista, se conforma em dizer que, se ganhasse na loto, voltava para Maceió, sua terra natal, ia rever a mãe, o pai, os irmãos e os amigos.

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Vencimentos e derrotas

quarta-feira, 14 de julho de 2021

Grande e generoso é o coração dos legisladores brasileiros

Grande e generoso é o coração dos legisladores brasileiros

Você com certeza reclamaria se quisessem reduzir o seu salário, é ou não é? E com toda razão. A maioria de nós, brasileiros, a cada trinta dias recebe um contracheque que só serve para nos fazer pensar em quantos daqueles seriam necessários para zerar as contas do mês. Como cheque é uma coisa que já caiu quase completamente em desuso, o prefixo da palavra contracheque só pode significar oposição e desprezo por quem recebe aquela insignificância. Nossos vencimentos mensais mais acertadamente se chamariam derrotas mensais.

Não são todos os brasileiros, claro. Certa vez um amigo com talento para o humor negro contou-me a história do operário que teve a ousadia de pedir participação nos lucros, alegando que o patrão era uma ilha de riqueza encravada no oceano nacional de pobreza. O poderoso industrial reconheceu possuir uma fortuna de muitos milhões e saber que sobravam no país trabalhadores vivendo com uma mão na frente e outra atrás, às vezes com as duas atrás, em virtude dos baixos salários que recebiam.

O trabalhador já estava comovido até as lágrimas diante da generosidade do patrão, antevendo o crescimento expressivo que ia pingar na sua conta a partir daquela conversa. Aí o poderoso chefão pegou a calculadora e dividiu sua fortuna pelo número dos brasileiros, que já naquela época beiravam os duzentos milhões. Concluída a conta, sentenciou: “Dá um real para cada brasileiro”. Tirou uma moeda do bolso e arrematou: “Tá aqui a sua parte. Agora passa na contabilidade que o senhor tá despedido!”

Não são todos os brasileiros, claro. Agora mesmo anda pelos noticiários a informação de que um ex-Secretário de Estado do Rio de Janeiro, condenado (mas não preso, que isso de cadeia é coisa de pobre) após ter admitido o recebimento de sete milhões em propinas. Esse nobre servidor do povo fluminense solicitou ao Supremo autorização para voltar a trabalhar (talvez honestamente, quem sabe?), o que lhe foi negado. Aposentado à força, viu-se o infeliz na obrigação de ficar em casa vendo novelas na TV, passear na praia com os cachorros, tomar uns uísques com os amigos, e outras ocupações assim pesadas. Grande e generoso é o coração dos legisladores brasileiros e, para não lhe abater completamente o ânimo, a lei permite que ele continue recebendo os mesmos salários que receberia se estivesse trabalhando, os quais totalizam a bagatela de R$ 37.000,00 por mês. Agora vai ter que se apertar e viver só com isso, que as propinas estão temporariamente suspensas.

  Já o ator Arnold Schwarzenegger deu um grande exemplo de desapego ao dinheiro, aceitou de bom coração reduzir seu próprio salário e foi para o sacrifício. Bem sabemos que os ganhos de um ator de Hollywood fazem o holerite do brasileiro médio parecer um filme de terror. Também é certo que tal redução não ia colocar nosso amigo Arnold na miséria. Nem por isso deixou de ser uma atitude nobre da parte dele abrir mão de toda a grana a que teria direito. Então, para fazer o filme “Os irmãos gêmeos”, ele se contentou em receber apenas 237 milhões. De dólares! Se fosse de reais, já não era pouca coisa. Agora vai ver qual é o câmbio do dia e multiplica 237 milhões por 5 ou 6. Compare com o último pagamento que você recebeu e veja dá uma diferença muito grande.

Sigamos o bom exemplo desse senhor. Nada de ficarmos com essa teimosia de querer ganhar mais e mais, e aliás inutilmente, já que ninguém está a fim de socializar a riqueza, uma vez que a pobreza já está tão bem socializada. E talvez um pouco nos contentemos com esse pensamento do grande Padre António Vieira: “Quem é o verdadeiro rico? Aquele que não quer nada, porque nenhuma coisa lhe falta.”

PS – Na verdade, Schwarzenegger abriu mão de outros pagamentos em troca da participação na venda de ingressos. Como o filme foi um sucesso mundial...

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A lição de Dorian Gray

quarta-feira, 30 de junho de 2021

Os dias vão-se embora, sem nos pedir desculpas por tamanha indelicadeza

Os dias vão-se embora, sem nos pedir desculpas por tamanha indelicadeza

Infelizmente, não sou dessas pessoas que nunca envelhecem. Pois é o que acontece com certa senhora que conheci tempos atrás, sendo ela então uma trintona e eu um molecote de quinze. Estivemos afastados por mais de uma década e, quando nos reencontramos, eu quase dobrara a idade e ela não passara dos 35, conforme honestamente me confessou, com aquele ar heroico de quem resolve assumir de vez toda a verdade. Outra vem diminuindo os anos com tal velocidade que ela e o filho mais velho já estão quase empatados. Não há o que estranhar nesses fenômenos, pois os cientistas afirmam que espaço e tempo não passam de ilusões criadas pela pequenez da inteligência humana. Tudo é relativo, como diria Einstein.

Portanto, não estará faltando com a verdade quem, tendo 60 anos, sinta-se com 40 e assim os declare. Eu não ouso duvidar de ninguém, mas às vezes sou mal interpretado. Outro dia vi uma aluninha da alfabetização contemplando uma placa fixada na parede do colégio. Perguntei-lhe se ela estava lendo as palavras ali escritas e obtive como resposta um sonoro “rua Monsenhor Miranda”. Talvez achando que eu estivesse cometendo o pecado de duvidar de sua sabedoria, a pequena leitora declarou com ar triunfante: “Eu já leio até de pensamento”. Quer dizer: ela não precisava ficar pronunciando as palavras para que até mesmo um burrão como eu entendesse que ela só podia estar lendo.

No livro O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, o personagem, à custa de muita safadeza, consegue não envelhecer. Em compensação, mantém escondido um retrato em que vão se acumulando todas as marcas do tempo e das torpezas cometidas pelo seu dono. Não parece boa maneira de permanecer jovem. É só ler o livro para ver que Dorian Gray, que pretendia enganar o tempo, não se deu bem com o truque. Sim, bom seria manter o corpo forte e liso, sem que, no entanto, a alma enrugasse. Mas a lição que o romance nos dá é que isso não é possível. Para não envelhecer, só mesmo morrendo jovem, mas essa solução não agrada a ninguém. Certamente não agradaria àquele ancião que, ao atingir um século de existência, ouviu de um repórter a pergunta sobre como era completar 100 anos. O velho simplesmente respondeu que a outra opção era pior.

Enfim, os dias vão-se embora, sem nos pedir desculpas por tamanha indelicadeza. Tomás Antônio Gonzaga, poeta do Arcadismo brasileiro, dá uma bela cantada na sua idealizada Marília, convidando-a a fazer “de feno um brando leito” e aproveitar “do prazer de sãos amores” porque “sobre nossas cabeças/sem que o possam deter, o tempo escorre;/ e para nós o tempo, que se passa,/ também, Marília, morre”.

É um bom conselho. Talvez melhor ainda seja o que se pode depreender desse pensamento do próprio Wilde: “Ser bom é estar em harmonia consigo mesmo. E não ser é ver-se forçado a estar em harmonia com os outros”. Sim, eis o problema de quem não aceita envelhecer: atormentar-se diante do espelho, vivendo mal consigo mesmo, na vã esperança de parecer bem para os outros.

Para encerrar, outra sentença de Oscar Wilde. Não sei se essa é um bom conselho (no seu tempo ele não era considerado o tipo de quem se podia esperar bons conselhos). Ei-la: “Para recuperarmos a juventude só precisamos repetir as nossas loucuras”.

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Por una cabeza

quarta-feira, 16 de junho de 2021

Um votinho a menos e ele não teria ido para o cadafalso

Um votinho a menos e ele não teria ido para o cadafalso

Um voto é apenas um voto. Ou seja: muito pouco. Mas às vezes um mísero votinho pode fazer grande diferença. Por exemplo: todos nós sabemos que Maria Antonieta, rainha da França, não era a rainha da simpatia. Tanto que era depreciativamente chamada de "a Austríaca", como se ter nascido na Áustria fosse em sim mesmo um defeito (embora de lá também tenha nos saído Adolf Hitler). Mas assim o povão e até mesmo gente da corte se referiam a ela, sempre às escondidas, que ninguém era besta de falar às claras qualquer coisa que desagradasse a Sua Majestade. Também o marido, Luís XVI, não era lá essas coisas, basta dizer que se casou no palácio e na Igreja aos quinze anos, mas só sete anos depois se casou na cama. Enquanto isso, dizem as más línguas, Maria Antonieta ia se divertindo como podia e com quem podia.

Portanto, não era nada de se estranhar que todo mundo acreditasse na lorota segundo a qual Maria Antonieta, durante um passeio pelas ruas de Paris, teria perguntado por que lá do lado de fora de sua luxuosa carruagem só tinha gente de cara infeliz, gente com cara de quem passava fome. "O povo não tem pão", responderam-lhe. A rainha, como ainda hoje fazem os políticos em campanha, rapidamente deu solução para o problema: "Se não têm pão que comam brioches". Uma santa! Uma anta! Para encurtar a conversa, direi que Sua Majestade perdeu completamente a cabeça ao ser guilhotinada, numa das mais famosas consequências da Revolução Francesa. Como se sabe, mais de 2.500 cabeças rolaram naquele período, inclusive a de um tal Jacques-René Hérbert, o jornalista que estava entre os principais caluniadores e acusadores da rainha. Enfim, provou do próprio veneno.

Agora vejamos o que Maria Antonieta tem a ver com um voto a mais ou a menos. Pois bem, o marido dela, o já citado Luís XVI, foi julgado pela Justiça, se é que se pode chamar de justiça julgamentos motivados por rancor e medo, dois sentimentos que o rei ainda inspirava. Votaram 721 jurados, 360 pela absolvição do réu. Não é necessário fazer muita conta para concluir que Luís XVI foi condenado por 361 votos. Um votinho a menos e ele não teria ido para o cadafalso, nem ele nem sua esposa, a até hoje tão (mal) falada Maria Antonieta.

Outra situação em que um voto fez tremenda diferença foi na Revolução Americana. Dentre as muitas questões que a nova nação tinha a resolver, figurava a da escolha do idioma. Porque o que mais tinha na América do Norte da época era estrangeiro. Ainda hoje se diz que em Nova York são falados 800 idiomas diferentes, tal é o número de gente de todos os cantos do mundo que lá se acotovela. Em 1775 não era tanto assim, mas um casal falando hebraico podia facilmente passar por dois carpinteiros que discutiam em francês ou por alguns moleques que se xingavam em holandês. Mas os dois principais concorrentes ao Oscar de idioma nacional eram mesmo o alemão e o Inglês. No fim da apuração, o Oscar foi para o inglês, que superou o alemão por um voto, por apenas um votinho! Ou, como se diz nas corridas de cavalo argentinas: “Por una cabeza”.

Assim se explica porque hoje em dia é muito mais comum ouvir-se um cantor romântico dizendo “I love You” do que “Ich liebe dich”.

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A triste história da mulher mais rica da África

quarta-feira, 02 de junho de 2021

Bastou o pai deixar o governo para que começassem as perseguições

Bastou o pai deixar o governo para que começassem as perseguições

Creio que até mesmo você, leitor, que tem um coração de pedra, e se tivesse dois o outro seria uma pedreira completa, haveria de se comover com a situação de uma distinta senhora africana que vê diariamente seus dois milhões e quatrocentos mil dólares se esvaírem feito água jorrando em torneira com defeito. Ela diz que é dinheiro mais limpo que a consciência de um recém-nascido, o governo diz que é mais sujo do que a fralda de um bebê que já se alimenta de papinhas. Pensando na velhice, como deve fazer qualquer pessoa prudente, a coitada juntou esses trocadinhos durante os trinta e dois anos em que o pai dela foi presidente do país e ela, presidente da petrolífera local, ou seja, a Petrobras deles.

O mais comovente da história é que, tendo sua fortuna bloqueada, aquela que era a mulher mais rica da África anda passando dificuldade para pagar as contas. Não demora muito, cortam a luz e a água de sua mansão. Tudo bem que a África não é os Emirados Árabes, nem a Alemanha, nem os Estados Unidos, mas mesmo lá ser a mulher mais rica não é pouca coisa. Por outro lado, considerando que o Fundo Monetário Internacional calcula que 24 bilhões de dólares desapareceram misteriosamente dos cofres públicos durante o governo do pai, até que a filha foi modesta, ficando, salvo erro de conta da minha parte, com apenas dez por cento do butim.

Pois bastou o pai deixar o governo para que começassem as perseguições. Dizem que ela, além de tirar uns trocadinhos da empresa de vez em quando, ainda participava de falcatruas em outros setores do governo, numa admirável prova de versatilidade e dinamismo. Há quem diga que lá, como em outros países (diferentes do Brasil, é claro), os pais costumam não enxergar as malandragens dos filhos, talvez não de propósito, mas por estarem sempre muito ocupados com suas altas responsabilidades na condução e moralização da República.

E essa madame ainda contou com a sorte de não ter posto a grana em bancos da Inglaterra, onde acaba de ser aprovada uma lei que amplia as possibilidades de o governo congelar o dinheiro que entra nos cofres do país sem explicar direitinho de onde veio e para onde vai. Dizem as autoridades que Londres, sendo uma das principais praças financeiras do mundo, se facilitasse, facilmente viraria um novo paraíso fiscal. Claro que isso deixaria a rainha muito irritada, e nunca convém irritar uma soberana que está sentada no trono há mais de setenta anos.

Eu confesso que não fiquei preocupado com essa medida, porque não tenho dinheiro nem na África, nem na Inglaterra. Para falar a verdade, nem no Brasil. Também... meu avô era funileiro, profissão que nem existe mais e meu pai, eletricista, que, como sabem os eletricistas de todo o mundo, é um trabalho que não permite a ninguém fazer fortuna. Já meu bisavô era mais abonado, posto que tinha uma carroça e com ela prestava muitos e valorosos serviços ao comércio e à indústria de nossa cidade, nos idos de 1900.

Não ser milionário tem seus inconvenientes, mas ao menos nos livra da triste experiência de, numa das muitas voltas que a história dá, perder dinheiro e ainda por cima ganhar cadeia.

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Sobre jabuticabas

quarta-feira, 19 de maio de 2021

Estou pensando em me oferecer um diploma

Estou pensando em me oferecer um diploma

Creio que foi em Santa Catarina que se deu mais esse fato esquisito do infindável rol de esquesitices brasileiras. É mais uma jabuticaba. Como sabem os ecológicos leitores, diz-se que é uma jabuticaba alguma coisa que não existe em lugar nenhum do mundo, só mesmo aqui. Por exemplo, a citada fruta, cujo nome, garantem os dicionários, vem do tupi iawotikáwa. Imagine se você fosse um curumim tupi e tivesse que gritar: “O pé de iawotikáwa está carregado!” Antes que você tivesse terminado a frase os outros moleques da aldeia já teriam devorado tudo. A jabuticaba é nossa de nascença, mas só continuam sendo nossa porque nenhuma potência mundial se interessou por ela, do contrário teriam feito o mesmo que fizeram com a madeira, ouro, prata e tudo o mais que puderam carregar.

Em todo caso, esquisitice não é exclusividade nossa, existe em todo lugar. Na Índia, para dar a ela coragem na vida, costumam jogar a criança recém-nascida do alto de um prédio, enquanto lá embaixo algumas pessoas a esperam com um lençol esticado. Vai que uma dessas pessoas tira a mão do lençol para coçar o sólido nariz ou espantar uma esvoaçante mosca. Na Rússia, quem chega atrasado tem, por castigo, que engolir vários copos de vodka, sendo que muito russo deve se atrasar de propósito. Também entre nós ia faltar cachaça, se os retardatários fossem obrigados a tomar umas doses.

Falando nisso, vocês já devem ter ouvido a história do voo em que faltou comida. As comissárias de bordo lamentaram que só houvesse quarenta refeições para os trezentos passageiros. E acrescentou que aqueles que abrissem mão da refeição poderiam receber bebida grátis e à vontade. Resultado: no fim do voo estavam sobrando quarenta refeições e faltava bebida, o que prova que as pessoas que bebem são muito solidárias e generosas. Eu, se estivesse presente, ia perguntar se não dava para ficar com meia refeição e meia bebida.

Mas, voltando à jabuticaba. Um oficial da PM catarinense recebeu uma medalha e um diploma concedidos pela corporação. Até aí, nada de mais, nada mais justo de que homenagear os policiais que se destacam no honroso serviço que prestam à população. O que é um pouco de se estranhar — ou pelo menos seria estranhável em países que não têm jabuticaba — é que o diploma foi assinado pelo próprio homenageado. Ou seja: o nobre soldado homenageou a si mesmo. Diga-se, em sua defesa, que ele não participou da reunião em que o assunto foi tratado e até declarou que o diploma não deveria ter sido emitido. Quanto à sua assinatura, foi explicado que era eletrônica e, mais, que não era de sua competência indicar ou vetar nomes para aquela honraria. Mas nem por isso deixa de ser uma jabuticaba. Ainda mais porque o presidente da comissão estava presente e ainda assim não se julgou impedido de ser igualmente agraciado.

Eu também gosto muito de homenagens. Recebo muito poucas e muito mais do que mereço. Mas agora que aquele nobre militar deu o exemplo, estou pensando em me oferecer um diploma, com algum elogio que não seja muito exagerado. Para não dar na vista, vou pedir à minha mulher que assine e faça a entrega. O perigo é que ela pode olhar o papel e dizer: “Mas como é que eu vou assinar uma mentira dessas?!”

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Festa de aniversário

quarta-feira, 05 de maio de 2021

É dia de festa na casa dessa família tão tipicamente brasileira

É dia de festa na casa dessa família tão tipicamente brasileira

A menina chega ao mercadinho do bairro e entra indecisa. Pelo tamaninho, deve ter nove anos, quando muito dez. Abre a mão, da qual escapolem poucas notas e parcas moedas. Com a voz baixa de quem tem de medo da resposta, pergunta se o dinheiro dá para três pãezinhos, três salsichas e um refrigerante pequeno. É claro que não dá, mas o dono do negócio tem coração mole e diz que sim, dá até para acrescentar algumas balinhas. A menina ri, contente com a sobremesa imprevista. Do balcão, a mulher do comerciante pergunta quantos anos a menina tem. Doze, responde ela. Faço doze hoje.

Então vai ter bolo de aniversário logo mais! Exclama a simpática senhora. A menina, quase como quem pede desculpa por dar a resposta errada, diz que não, que ela nunca teve bolo de aniversário. Não tem esse costume lá em casa, não, explica com naturalidade. Aliás, nunca deve ter lhe passado pela cabeça que pudesse ter bolo de aniversário, coisa que — acredita ela — só criança rica tem. Mas quem não sente pena de uma garotinha com doze anos de idade e nove de aparência, vestindo roupas que já pertenceram a alguém maior do que ela? A mulher sente pena. Sabe que a aniversariante mora ali por perto, mas quer saber exatamente onde. A explicação é feita com poucas palavras e vários volteios das mãos. Mas dá para entender.

A mulher vai até a cidade e compra uma torta de chocolate. Leva o presente à casa da menina e chega no justo momento em que pão, salsicha e refrigerante constituem o farto jantar daquele dia. O pai, biscateiro, não está. Talvez não esteja há muito tempo. Mas agora que tem torta, a família entra em estado de celebração. A mãe e dois irmãozinhos cantam um parabéns desencontrado e batem palmas, enquanto no berço o bebê chora assustado. É dia de festa na casa dessa família tão tipicamente brasileira.

Não vamos agora endeusar a pobreza, que tem mais é que ser combatida, nem demonizar a riqueza, que ser rico não é crime, embora muitas vezes gere o crime da omissão e da indiferença. Mas não deixa de ser tocante ver essa menina que aos doze anos admite nunca ter tido bolo de aniversário, e essa família para a qual a simples presença de uma torta de chocolate é motivo de comemoração.

Está muito longe — e o mais certo é que não chegue nunca — o dia em que todas as crianças brasileiras terão pais presentes e presentes de aniversário. Por enquanto, louvemos as boas almas, aquelas ainda capazes de sair de trás do balcão da indiferença e se mover para tornar especial um dia que, sem elas, estaria condenado a se perder na sucessão de dias insignificantes e sombrios.

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É fogo!

quarta-feira, 21 de abril de 2021

Álcool sempre se dá um jeito de achar

Álcool sempre se dá um jeito de achar

A ideia até que era boa, mas também as melhores costumam encontrar quem as critique. Veja-se o que aconteceu com Galileu quando ousou sugerir que a terra girava em torno do sol. Outra prova da incompreensão que cerca os pensadores verdadeiramente originais é o caso do vereador gaúcho que apresentou à câmara municipal a proposta de se pulverizar a cidade com álcool. Para provar a viabilidade e a eficácia de uma chuva etílica no combate à Covid – 19, lembrou que há muito as plantações são pulverizadas contra todo tipo de praga e que, excetuando-se as ditas pragas — gafanhotos, formigas e similares — todos consideram os resultados como a salvação da lavoura. Argumentou ainda que vários empresários locais possuíam aviões e patrioticamente concordariam em emprestá-los para a nobre tarefa de sobrevoar a região e despejar do alto a cura do coronavirus.

A bancada da oposição, talvez lamentando não ter tido a ideia antes, logo tratou de ridicularizar o colega. Alegaram com ironia que seria necessária uma lei complementar destinada a impedir que nos limites do território municipal se acendesse fósforo, ligasse o fogão ou mesmo pitasse um cigarrinho, atitudes inocentes, mas capazes de incendiar a cidade. Sem falar no perigo, que não lhes ocorreu, mas que eu não deixei passar em branco, de alguns cidadãos mais chegados a um trago irem para rua e, de boca aberta para o céu, se fartarem de graça com um produto que só pagando conseguiam adquirir nos bares e supermercados. E se as esposas ralhassem ao vê-los chegar em casa tropeçando, alegariam que, tendo esquecido o guarda-chuva em casa, apanharam o maior temporal ao sair do trabalho.

Muitos riram da boa intenção do vereador, outros alegaram, talvez com razão, que bem melhor seria combater o inimigo com as armas da ciência, e não com propostas pé de cana e sem pé nem cabeça. O problema é que as armas da ciência — vacinas, respiradores e camas hospitalares — andam em falta e álcool sempre se dá um jeito de achar. Também aqui em nossa cidade projetos de lei muito esquisitos de vez em quando atravessam a cabeça das autoridades. Contam os mais antigos que o aumento dos preços dos produtos hortigranjeiros era objeto dos debates na casa legislativa. A sessão corria tranquila, até que um vereador mais bem informado sobre economia tentou explicar que o fenômeno era causado pela lei da oferta e da procura. Pra quê? Imediatamente um de seus pares pediu a palavra e, indignado, propôs que lei tão nefasta aos interesses da população fosse declarada extinta em todo o território municipal.

Um outro teria discursado ardorosamente contra a lei da gravidade, ao saber que essa era a causa de tanta coisa grave que acontecia no mundo, como, por exemplo, a queda de aviões. Não chegou ao extremo de propor sua extinção, mas afirmou que opor-se a ela era obrigação de todo cidadão de bem. São talentos desse naipe que acabam dando origem a muitas piadas com os quais a população se vinga dos que a governam ou desgovernam. É o caso daquele prefeito a quem se atribui a intenção de acabar com as subidas dos morros, deixando apenas as descidas, facilitando assim a vida sobretudo dos mais pobres, da parte da população que, sem carro e sem dinheiro para pagar o ônibus, tem que subir os morros a pé.

Piada ou não, a ideia não foi avante, talvez porque tenham conseguido convencer Sua Excelência de que, embora tendo o inconveniente das subidas, os morros são um dos encantos de nossa cidade e tão acostumados estamos de tê-los ao nosso redor que sem eles nos sentiríamos mais desprotegidos e ainda mais pobres.

 

 

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Tim-tim!

quarta-feira, 07 de abril de 2021

Naquela época os egípcios tinham mesmo alguns costumes esquisitos

Naquela época os egípcios tinham mesmo alguns costumes esquisitos

Talvez você se espante com esse negócio de viagem turística à lua, quiçá a Marte. E se você se espanta também com o uso da palavra quiçá, lembre-se do famoso bolero “Siempre que te pregunto/ que, cuándo, como y dónde/ tú siempre me respondes/ quizás, quizás, quizás”. Não é preciso ser mestre doutor em espanhol para saber que o quizás deles é o nosso quiçá, e que ambos correspondem à nossa indecisa palavra talvez. Mas, admito, é palavra antiga e fora de circulação há muito tempo, que só a duras penas sobrevive nos dicionários.

Porém nada é espantoso neste mundo e neste mundo nada é novo. Muito menos a inteligência e a sabedoria humanas.  A prova disso são os egípcios. E a prova de que os egípcios antigos — e bota antigo nisso — tinham tanto inteligência quanto sabedoria, além de muito bom gosto, é que há mais de cinquenta mil anos já fabricavam cerveja. É a conclusão a que chegaram os arqueólogos que estavam procurando coisas bem diferentes num cemitério no deserto quando se depararam com uma verdadeira e completa fábrica da boa e velha cervejinha. E não se tratava de coisa pequena, era uma super-AMBEV, capaz de produzir 22.400 litros a cada rodada. Se for mentira ou exagero, é mentira e exagero das múmias ou dos arqueólogos, eu estou apenas repetindo o que li (talvez inventando um pouquinho).

Não sei se os nossos ancestrais companheiros de copo aproveitavam devida e democraticamente a bebida. Só o fato de a fábrica estar situada num cemitério já depõem um pouco contra eles, porque dessa má localização os estudiosos concluíram que a cerveja era usada nos sepultamentos do pessoal da elite. Pelo que entendi, os faraós não se deixavam sepultar sem pagar a última rodada e permitir que os convidados enchessem a cara durante a cerimônia de adeus. Pode ser até que eles, conscientes de seus pecados, levassem parte da produção consigo, para o caso de irem para “aquele lugar quente” onde, pelo que se sabe, a sede é grande.

Mas, enfim, naquela época os egípcios tinham mesmo alguns costumes esquisitos. Por exemplo: se você tivesse dois mil pedaços de ouro, o que faria? Gastaria tudo em cerveja? É uma ideia. Mas os arqueólogos acharam uma velha múmia com duas mil peças de ouro enfiadas na boca. Além de um grande desperdício, é o mais caro “cala a boca” de que se tem notícias.

Certamente vocês já observaram que eu falo da cerveja com alguma simpatia. Não observaram errado, devo confessar. Não que eu ignore quanto sofrimento e quanta tragédia o consumo de álcool tem causado, o quanto tem cobrado em lágrimas perdidas e vidas desperdiçadas. Mas acredito, e sou adepto, do uso moderado, de parar não na hora devida, mas muito antes dela. E o que os arqueólogos encontraram num cemitério da cidade de Abydo é prova de que beber é um hábito antigo, que certo ou errado, tem passado de copo em copo, através dos tempos, até os dias atuais. Saúde!

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